A BATALHA DE ARAUSIO – A PIOR DERROTA MILITAR SOFRIDA PELOS ROMANOS

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Em 06 de outubro de 105 A.C., em um local situado entre o povoado celta de Arausio (onde mais tarde seria fundada uma cidade romana com o mesmo nome – a atual Orange, no sul da França) e o Rio Ródano, dois exércitos consulares romanos mais as suas tropas auxiliares foram derrotados pelas tribos dos Cimbros e Teutões.

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(A invasão dos Cimbros e Teutóes e as batalhas travadas contra os Romanos, mapa de  Pethrus )

Segundo as fontes romanas (Estrabão e Tácito), o povo dos Cimbros, que era liderado pelo rei Boiorix, juntamente com os Teutões, sob o comando do rei Teutobod, teriam migrado da pení­nsula da Jutlândia, situada na atual Dinamarca, para o sul, em busca de um novo lar, movimento que provocou, tal como se veria séculos mais tarde, o deslocamento de outros povos, como por exemplo, os Helvécios, que entraram em conflito com os romanos.

Alguns estudiosos acreditam que o motivo da migração dos Cimbros e dos Teutões foi o aumento do nível do mar na região da Jutlândia, que teria ocorrido na mesma época, o que acabou inundando as terras ocupadas pelas duas tribos (esse motivo é relatado pelo historiador antigo Floro).

Há, todavia, certa controvérsia acerca da etnicidade dessas duas tribos:

Para as fontes antigas e vários estudiosos modernos, elas seriam tribos germânicas. No entanto, ao menos quanto aos Cimbros, o nome da tribo e dos personagens dá substrato à tese de que eles poderiam ser um povo celta. Com efeito, Boiorix, o nome que consta nas fontes como sendo o do rei deles, parece ser relacionado com a palavra celta ‘‘boii” (que por sua vez, está na origem da nossa palavra “boi”, com o mesmo significado de bovino). E, de fato, o historiador antigo Polí­bio relata que a riqueza dos celtas era contada em gado e ouro.

Para outros estudiosos, a palavra boii também significaria “guerreiro” na língua proto-indo-européia,  vocábulo que estaria na origem de nomes como Boêmia ( Bohemia = Terra dos Boii), Beócia e Baviera (Bayern).

Por outro lado, as fontes atestam que, na verdade, os Cimbros e Teutões entraram em conflito com os Boii, quando eles invadiram seu território situado no norte da Itália, durante a migração que resultou na guerra contra os Romanos, o que parece fortalecer a ideia de que eles seriam mesmo germânicos.

Para tornar mais instigante essa nossa breve digressão acerca da origem dos Cimbros e Teutões, a Arqueologia obteve um objeto que também permite conclusões variadas: o chamado “Caldeirão de Gundestrup“,  artefato que foi encontrado exatamente na Dinamarca, de onde as fontes antigas relatam que os Cimbros e Teutões seriam originários. Este magní­fico caldeirão de prata, que é datado aproximadamente do mesmo perí­odo da migração dos Cimbros e Teutões, ostenta motivos tí­picos da arte celta, mas foi produzido com técnicas de ourivesaria (trabalho em metal com ouro e prata) característicos da Trácia. Assim, já se levantou até a hipótese do Caldeirão de Gundestrup ser o produto de saque ou do comércio dos povos da Jutlândia com a tribo celta dos Scordisci, os quais teriam encomendado o caldeirão aos Trácios, com quem aqueles tinham relações.

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Seja como for, o mais provável é que os Cimbros e os Teutões devem ter começado a migrar da Jutlândia na direção do sudeste europeu na penúltima década do século II A.C e, após diversas lutas com tribos celtas, eles chegaram até Noricum, uma região celta que, séculos mais tarde seria incorporada pelo Império Romano e que abrange parte das atuais Áustria e Eslovênia, sendo cortada pelo rio Danúbio (vale notar que esse seria um caminho parecido ao que seria percorrido pelas futuras invasões germânicas, 350 anos depois).

Em Noricum, os Cimbros e Teutões invadiram as terras ocupadas pelos Taurisci, um grupo de tribos celtas aliadas dos Romanos, em 113 A.C. Quando o cônsul Cneu Papí­rio Carbo chegou com seu exército para auxiliar os aliados celtas , ele intimou os invasores germânicos a abandonarem o território dos Taurisci, sendo, inicialmente, obedecido.

Todavia, Carbo resolveu emboscar os bárbaros em Noreia, entre as atuais Eslovênia e Áustria, mas eles perceberam a tempo a armadilha e conseguiram derrotar as forças romanas, na chamada Batalha de Noreia. Carbo e os remanescentes das tropas que tinham sobrevivido à derrota conseguiram escapar, mas o comandante foi destituído do cargo pelo Senado e ele acabou se suicidando para não ter que suportar essa desonra.

Roma, então, preparou-se para o pior…Porém, ao invés de invadir a Itália, a horda germânica preferiu seguir em direção à  Gália, no Oeste.

Em 109 A.C, os Cimbros e Teutões, seja porque a resistência encontrada na Gália foi grande, seja porque eles esgotaram os recursos daquela região, pediram permissão para se assentarem em território romano, o que lhes foi negado pelo Senado. Os bárbaros, então,  invadiram a proví­ncia romana da Gália Narbonense.

O cônsul Marco Júlio Silano partiu para interceptar os Cimbros e os Teutões, e, novamente, os bárbaros derrotaram os romanos. O Cônsul conseguiu escapar com vida. As fontes dão poucos detalhes, mas parece que as sucessivas derrotas dos romanos colocaram em risco a própria  província da Gália Narbonense, atiçando as tribos gaulesas já submetidas pelos romanos a se rebelarem. Inclusive a tribo helvética dos Tigurini, que se aliara aos Cimbros e Teutões,  venceu completamente as legiões do cônsul Lúcio Cássio Longino, na Batalha de Burdigala (atual Bordeaux), em 107 A.C.. O general Caio Popí­lio Lenas conseguiu escapar com sua legião, mas teve que abandonar todo o seu equipamento.

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Nessa época os romanos estavam envolvidos em uma cruenta guerra contra o rei da Numí­dia, Juba, situação que levou o Senado a nomear como cônsul o militar mais respeitado de Roma, o general Caio Mário, muito embora ele fosse da classe equestre e viesse de uma família da qual nenhum antepassado jamais tinha sido senador, sendo, assim, considerado um “homem novo” (novus homo).

A derrota na Batalha de Burdigala obrigou, em 106 A.C., o Senado a mandar mais um exército para a Gália, para prevenir a revolta da cidade de Tolosa (atual Toulouse), sob o comando do cônsul Quinto Serví­lio Cépio. Quando capturou Tolosa, Cépio saqueou os altares gauleses que guardavam o célebre “Ouro de Tolosa“, que seria proveniente do saque que os gauleses promoveram no santuário do deus Apolo, em Delfos, na Grécia. Entretanto, o ouro capturado desapareceu enquanto estava sendo transportado para Massí­lia (Marselha) e as suspeitas de seu desvio recaí­ram sobre Cépio.

Mesmo assim, no ano seguinte, para lidar com a ameaça dos Cimbros e Teutões, que agora estavam se movendo em direção sudeste, o Senado prorrogou o comando de Cépio para a Gália, agora nomeando-o procônsul, e a ele se juntou o cônsul Cneu Mallius Máximo, que também era um “homem novo”.

Em tese, Cneu Máximo, como cônsul, ocuparia um posto superior ao de Cépio. Este, porém, sendo de famí­lia nobre, não gostou nada do fato, e as fontes relatam que esta foi a principal razão de ambos não terem cooperado em face da mais séria ameaça que pairava sobre Roma desde o fim da Segunda Guerra Púnica. Além disso, consta que Máximo não tinha muita experiência militar. Por esta razão, quando Cneu Máximo acampou seu exército em um dos lados do rio Ródano, próximo a Arausio, Cépio  decidiu acampar na margem oposta…mesmo tendo recebido chamados para atravessar o rio e se juntar ao colega…

Quando os Cimbros e Teutões se aproximaram do rio, um destacamento romano de cavalaria, sob o comando do general Marco Aurélio Escauro, encontrou a vanguarda bárbara, mas foi completamente derrotado. Escauro, capturado, foi levado à presença do rei Boiorix. Inabalável, o romano exortou Boiorix a dar meia-volta e partir, a fim de que os bárbaros não fossem destruídos. Escauro acabou sendo morto e queimado vivo em uma gaiola de madeira.

Boiorix, agora, podia avistar os dois exércitos acampados, um de cada lado do rio, sendo que Máximo estava do mesmo lado que os Cimbros. Segundo as fontes antigas, o total de bárbaros seria de 200 mil, mas devemos notar que se tratava de um povo em migração, incluindo, assim, homens, mulheres e crianças. Assim, o número de guerreiros deveria ser, no máximo, de 80 mil, mais provavelmente de 60 mil.

Em 6 de outubro de 105 A.C., Cépio, não querendo dividir a glória da vitória com Máximo, decidiu atravessar o rio e atacar sozinho o acampamento dos Cimbros, Porém, valendo-se do fato deles estarem acampados em terreno mais favorável, os bárbaros conseguiram aniquilar completamente o exército do Procônsul, que conseguiu fugir. Mais tarde, ele sofreria a pena de exí­lio por isso.

Agora, Máximo teria que enfrentar o ataque dos Cimbros, em inferioridade numérica e, pior, com o rio Ródano às suas costas. Os soldados do exército romano remanescente, porém, quando viram a enorme massa de bárbaros, entraram em pânico e muitos tentaram fugir nadando, ma terminaram por morrer afogados.

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A derrota foi um massacre e as mortes romanas são estimadas pelas fontes antigas em 80 mil. Alguns acreditam que, se forem contadas as baixas entre os auxiliares e os civis que costumeiramente acompanhavam as legiões, as perdas romanas teriam sido de 120 mil pessoas! Portanto, em números, a Batalha de Arausio teria sido a pior derrota sofrida pelos romanos em toda a sua história. Aliás, o número de mortos romanos na Batalha de Arausio seguramente é um dos maiores já sofridos em um único dia por um exército em qualquer conflito, em todos os tempos e lugares.

Dada a magnitude da derrota e do perigo, o Senado Romano resolveu abandonar qualquer preciosismo legal e resolveu conceder a Mário o privilégio de obter um consulado apenas três anos após o seu primeiro, o que era vedado por lei. Além disso, durante a Guerra Contra os Cimbros e Teutões, o Senado, de maneira também sem precedentes, nomeou Mário como “Cônsul Sênior“, por mais quatro anos sucessivos.

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Mário acabaria derrotando definitivamente os Cimbros e Teutões, em 102 A.C., na Batalha de Aqua Sextia e em  101 A.C, na Batalha de Vercellae. As pesadas baixas sofridas pelos romanos contra esses bárbaros, com a morte de milhares de aristocratas e cidadãos proprietários de terras, contribuí­ram para que Mário implementasse as suas cruciais reformas militares,  as quais mudariam a  composição, a estrutura e a organização do Exército Romano para sempre, possibilitando a criação de um exército profissional baseado na classe dos proletários.

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(A Derrota dos Cimbros, tela de  Alexandre Gabriel Décamps )

E a reforma militar de Mário é uma das causas fundamentais de todo o processo que resultaria no fim da República e no advento do Império.

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