A BATALHA DE ACTIUM – O ATO FINAL DA GUERRA CIVIL E O FIM DA REPÚBLICA

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Em 02 de setembro de 31 A.C., ao largo do promontório e da cidade homônima deActium, próxima ao Golfo de Corinto, na Grécia, duas frotas romanas preparavam-se para entrar em combate, mas não, como de hábito, contra um inimigo estrangeiro ou atrás de piratas, mas uma contra a outra.

Nos seis anos anteriores, o Segundo Triunvirato – pacto político que  os dois homens mais poderosos da República, Otaviano e Marco Antônio, juntamente com Lépido, herdeiros políticos do poder do falecido Júlio César celebraram, após o assassinato do Ditador para dominar a República – só fazia se esgarçar, mesmo após a tentativa de união familiar simbolizada pelo casamento de Marco Antônio com a irmã de Otaviano. Todavia, o misto de romance e aliança política entre Marco Antônio e Cleópatra, mãe do único filho natural de César, constituíram, além de uma afronta pessoal ao filho adotivo de César, Otaviano, uma tremenda ameaça política, enfraquecendo a posição deste último como herdeiro reconhecido em testamento pelo Ditador.

As chamadas “Doações de Alexandria” de 34 A.C, onde Antônio e Cleópatra reconheciam Caesarion como o único filho legítimo de César, Rei do Egito e “Rei dos Reis”, além de selarem a ruptura definitiva entre Otaviano e Antônio, foram habilmente aproveitadas pelo primeiro para atacar a popularidade de Antônio, visto agora como hostil aos interesses da República Romana e submisso à vontade de uma rainha estrangeira. Apesar disso, um terço do Senado Romano continuou apoiando Marco Antônio.

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Após várias tentativas dos rivais atraírem o outro para um conflito terrestre, incluindo a teatral proposta de Antônio de enfrentar Otaviano em combate individual para decidir quem deteria o poder supremo, Otaviano acabou conseguindo obter do Senado uma declaração de guerra contra Cleópatra, o que indiretamente significava que Antônio agora era inimigo de Roma. Nesse meio tempo, ambos os contendores se prepararam, ficando claro que a estratégia que prevalecia nas forças de Antônio seria a de uma batalha naval, sob a instigação de Cleópatra, que vinha coletando uma grande frota. Muitos acreditam que o objetivo da rainha era proteger o Egito, pela destruição da frota romana em águas gregas.

Marco Vipsânio Agripa, o fiel amigo e comandante naval supremo de Otaviano, sabendo que sua frota, composta de navios leves do tipo “liburna”, era mais vulnerável às condições de tempo, esperou o verão chegar para se deslocar para a Grécia, onde se encontravam as principais forças de Antônio. Mesmo assim, a chegada da frota pegou Antônio de surpresa, pois ele ainda estava recrutando remadores para seus navios. Desse modo, a iniciativa estava com Agripa, que conseguiu desembarcar tropas que travaram algumas escaramuças com as forças terrestres de Antônio, nas quais estas levaram a pior.

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A longa inatividade já havia deteriorado o moral das tropas de Antônio, e, ele mesmo, também parece ter sido afetado. Porém, quando a frota de Otaviano avançou em direção ao seu quartel-general e ameaçou cercá-lo completamente no Golfo de Corinto, cortando os seus suprimentos vindos do Egito, Antônio resolveu agir.

No dia 02 de setembro de 31 A.C., Marco Antônio ordenou que os navios zarpassem e se colocassem de costas para o promontório de Actium, ao pé do qual sete legiões suas estavam acampadas, e de onde eles podiam assistir às manobras. A sua frota era composta de 230 grandes galeras, a maioria delas com oito bancadas de remadores (octores) e providas de torres armadas com catapultas, sendo que a sua nau-capitânia era uma espetacular “decere” (dez bancos de remadores), assim como a de seus outros almirantes. Os seus enormes navios eram pesadamente couraçados e muito difíceis de afundar por abalroamento com esporão, como era a tática comum nas batalhas navais da época. Porém, o tempo em que ficaram ancorados à espera de ação favoreceu o aparecimento de doenças entre os marinheiros e, por isso, poucas tinham o número ideal de remadores.

Segundo os relatos dos autores antigos, o navio de Antônio zarpou com as velas abertas, o que não era comum em ordem de batalha, levantando a suspeita que, desde o início, a intenção dele era chegar ao mar aberto e, aproveitando-se do vento noroeste que soprava, fugir em direção à Alexandria (os navios de guerra romanos não conseguiam navegar de través). Ele formou seus três esquadrões em duas linhas, à frente dos navios mercantes que levavam o enorme tesouro egípcio, e com os navios que escoltavam Cleópatra atrás.

A frota de Otaviano aproximou-se em duas linhas. Ela compunha-se de cerca de cerca de 250 quinquerremes, navios menores, porém mais rápidos e manobráveis do que os da frota de Antônio, os quais,  além disso, estavam subtripulados. Otaviano esperou, pois se avançasse mais ele corria o risco de ver seus navios ficarem perto de mais da costa e serem atacados pelas forças inimigas em terra. Vale citar que Otaviano tinha a vantagem de ter ciência prévia dos planos de Antônio, pois um importante partidário deste, Quintus Dellius, havia desertado pouco antes e se juntado às forças de Otaviano. Dellius era um notório “vira-casaca”, que já havia desertado duas vezes quando integrava o exército dos assassinos de César contra os triúnviros.

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Ao meio-dia, Antônio deu ordem de avançar. A sua ala esquerda deu a impressão de querer empurrar à ala direita da frota de Otaviano para o norte e abrir um caminho em direção ao sul (bombordo), que poderia levar ao Egito; porém, Otaviano, parecendo estar ciente desse propósito, mandou os seus  navios manterem distância, atraindo mais o inimigo para o alto-mar.

Quando ambas as frotas ficaram mais próximas, começaram os disparos de artilharia e flechas. Agripa ordenou que os navios de sua segunda linha se estendessem mais para o norte e para o sul, visando cercar o inimigo em menor número, sendo que Antônio, ao perceber isso, tirou alguns navios do seu centro e esticou a sua linha, deixando no centro os navios mais pesados, que estavam resistindo bem, e dirigindo-se à direita (estibordo) e ao norte para combater o esquadrão comandado por Agripa. Isso, entretanto, acabou abrindo espaços no centro da sua formação.

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Foi então que, em um movimento inesperado, os navios comandados por Cleópatra, aproveitando um buraco no centro da linha da frota comandada por Antônio e o súbito vento que soprava favoravelmente, ultrapassaram as suas linhas à toda velocidade, e, deixando para trás o resto da frota, rumaram em direção ao Egito, levando consigo todo o tesouro.

Não se sabem os motivos pelos quais Cleópatra tomou essa decisão…Alguns acreditam que ela, inexperiente na guerra, interpretou equivocadamente o fato de Antônio ter deixado o centro e rumado para o norte. É possível que ela tenha perdido contato visual com o navio do companheiro e pensado que ele tinha sido afundado ou fugido.

O fato é que Antônio, quando viu os navios de Cleópatra se afastando, resolveu ele também fugir, embarcando em outro navio mais veloz e deixando o restante da sua frota lutando acéfala (com exceção de cerca de 60 navios que conseguiram acompanhar a fuga). Os combates duraram até a noite, mas toda a frota remanescente de Antônio foi destruída por Otaviano. Isso prova que a fuga foi um momento crucial da Batalha, pois, mesmo sem o seu comandante, a frota de Antônio continuou lutando e vendeu caro a derrota.

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É verdade que, nominalmente, mesmo com a derrota naval na Batalha de Actium, Antônio e Cleópatra ainda comandavam um numeroso exército, mas o custo moral da derrota foi muito alto. Uma semana após a derrota, 19 de suas legiões e 12 mil cavaleiros renderam-se à Otaviano.

Ainda assim, levaria quase um ano até Otaviano conseguir chegar até o Egito. Nesse meio tempo, Cleópatra e Antônio, separadamente, enviaram propostas de rendição, tentando assegurar para si termos mais favoráveis. Otaviano ainda tentou negociar com Cleópatra, mas Antônio foi repelido.

Quando o exército de Otaviano alcançou o Egito, Antônio com as forças de que dispunha tentou oferecer combate, mas a desproporção era enorme. Derrotado, ele conseguiu fugir, mas, pensando que Cleópatra havia sido capturada, tentou se matar com a própria espada, à tradicional maneira romana, Ferido mortalmente, mas ainda vivo, pediu para ser levado ao mausoléu de Cleópatra, onde ela estava escondida, A cena do trágico reencontro dos dois amantes foi dramaticamente descrita por Plutarco (ver nosso post CLEÓPATRA – RAINHA DE REIS). Antônio faleceu nos braços e no colo de Cleópatra, em 1º de agosto de 30 A.C.

As tropas de Otaviano já estavam em Alexandria e foi já como virtual prisioneira que Cleópatra voltou para o palácio, onde obteve a permissão de organizar o funeral de Marco Antônio. Ela ainda tentaria negociar alguma saída honrosa para si e para os seus filhos (consta, inclusive, que ela teria mandado Caesarion para a Índia). Percebendo, porém, que tudo que Otaviano queria era mantê-la viva para abrilhantar a sua iminente parada triunfal em Roma, a Rainha do Egito, após várias tentativas, conseguiu se suicidar, segundo uma das fontes, pela picada de uma serpente no braço., em 12 de agosto de 30 A.C.

Otaviano era agora o senhor de Roma e do Egito. Caesarion, o último faraó do Egito desapareceu da História naquele mesmo mês, executado a mando de Otaviano. Três anos mais tarde, este receberia do Senado Romano o título de Augusto e Princeps, inaugurando oficialmente o período do Império Romano e pondo fim à Roma Republicana.

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De certa forma, Marco Antônio acabou passando para a História como um personagem romântico e heroico, muito em função do romance dele com Cleópatra e o fim trágico de ambos. Apesar disso, ele parece ter sido também um tipo um tanto grosseiro e bronco, como apontado por Cícero (e foi muito bem retratado na minissérie “Roma”). Com efeito, não considerando as razões do coração, a sua decisão de se unir à Cleópatra e se estabelecer em Alexandria foi praticamente um suicídio político: A fonte de todo o poder residia nos exércitos italianos e isso já tinha ficado cabalmente demonstrado durante a Guerra Civil de César contra Pompeu e, novamente, nas guerras do 2º Triunvirato, contra os assassinos de César apoiados pela facção dos Optimates (nobres).

Roman male portrait bust, so-called Marcus Antonius. Fine-grained yellowish marble. Flavian age (69—96 A.D.). Rome, Vatican Museums, Chiaramonti Museum.
Busto romano de mármore, chamado de Marcus Antonius. Período dos Flávios (69-96 A.D.). Rome, Vatican Museums, Chiaramonti Museum.

CURIOSIDADE – Vitória na “Batalha dos Genes”

Ironicamente, seria a descendência de Marco Antônio, e não a de Otaviano, que herdaria o Império. Com efeito, a sua filha Antônia, a Velha, seria avó do futuro Imperador Nero; e a sua outra filha, Antônia, a Jovem, seria mãe do futuro imperador Cláudio, avó do Imperador Calígula e bisavó do Imperador Nero.

Os três filhos que  Marco Antônio teve com Cleópatra foram poupados por Otaviano e criados por sua irma, Otávia, a ex-esposa de Antônio. Uma das meninas, Cleópatra Selene, casou-se com o rei Juba II da Numídia, e dentre seus inúmeros prováveis descendentes que se tornaram reis da cidade síria de Emesa, estaria a célebre rainha Zenóbia, de Palmira, que no século III D.C chegou a conquistar a Síria e o Egito e ameaçar a própria sobrevivência do Império. Depois de derrotada e levada para Roma, Zenóbia teria se casado com um senador romano e tido muitos descendentes.

Outra Antônia, filha de Marco Antônio com sua prima, chamada Antônia Hybrida, casou-se com Phytodorus, um magnata grego, e a filha de ambos, Phytodorida casou-se com o rei do Ponto e da Capadócia, obtendo o título de rainha. Vários descendentes de Phytodorida tornariam-se reis também do Bósforo, da Armênia e da Iberia. Assim, é bem possível que haja por aí milhares, senão milhões, de descendentes de Marco Antônio, que, derrotado nos campos político e militar, pode se considerar vencedor na batalha dos genes…

FIM

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