HISTÓRIAS DE ROMA

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Nosso blog tem o propósito de contribuir para a informação e divulgação de assuntos relativos à Roma Antiga e para troca de ideias. Alertamos que o material aqui postado não deve ser usado para fins acadêmicos. Um blog jamais substituirá um curso superior de História.

A foto foi tirada no ano de 2003, em Pont du Gard, próximo à cidade francesa de Nîmes, no Sul da França. A Ponte-Aqueduto sobre o rio Gard é uma das obras-primas da engenharia romana. Eu fui um dos últimos a entrar neste sítio, naquele dia de final de outono. A pessoa que pode ser vista no cantinho superior da foto é minha esposa. Nós tivemos a oportunidade de andar praticamente sozinhos pelo sítio e de certa forma ter a mesma sensação de admiração e reverência que  teria um viajante medieval que percorresse aquele caminho e topasse com aquela construção magnífica, testemunho de uma  antiga e mais sofisticada civilização.

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PAPAI NOEL É ROMANO!

Ícone de São Nicolau, provavelmente bizantino, Public domain, via Wikimedia Commons

Em 15 de novembro de 270 D.C, na província romana da Lícia e Panfília, nasceu Nicolau (Nikolaos), filho de Epifânio (ou Téofano) e Joana (ou Nona), um casal de cristãos abastados da cidade de Patara, na atual província turca da Antalya. Tendo nascido livre e filho de romanos livres, Nicolau era também cidadão romano, de acordo com a lei promulgada pelo imperador Caracala, em 212 D.C .

Os pais de Nicolau morreram enquanto ele era ainda muito jovem e o menino foi criado por seu tio, também chamado Nicolau, que era o Bispo de Patara e logo fez o menino entrar na Igreja como coroinha, e, quando o sobrinho tornou-se adulto, ordenou-o padre.

Patara City Gate 2019.jpg
Portão da cidade de Patara, By Bjørn Christian Tørrissen – Own work by uploader, http://bjornfree.com/travel/galleries/, CC BY-SA 4.0, https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=81819539

Ainda em Patara, Nicolau ficou conhecido pelos atos de caridade, como quando certa vez, sabedor que as 3 filhas de um homem que havia caído na miséria iriam se prostituir para poder sobreviver, ele atirou três bolsinhas contendo moedas de ouro pela janela da casa da família.

Foi durante a Grande Perseguição dos Cristãos, decretada em 303 D.C, pelo imperador Diocleciano, que Nicolau, como tantos outros prelados cristãos, foi preso e, segundo relatos, espancado na prisão. Ele deve ter ficado preso, contínua ou intermitentemente, pelo menos até o Édito de Tolerância baixado pelo imperador Galério, em 311 D.C, também conhecido como Édito de Sérdica, e que tornou o Cristianismo uma religião lícita (este decreto antecedeu o famoso Édito de Milão, publicado dois anos depois).

Cabeça do imperador Diocleciano

Entre os anos 312 e 315 D.C, Nicolau peregrinou pela Terra Santa e viveu em uma pequena comunidade de monges que viviam em cavernas em Beit Jala, nas montanhas do deserto próximo à Belém, onde, séculos mais tarde seria construída a igreja ortodoxa grega de São Nicolau, porém, em 317 D.C, Nicolau voltou para a sua província e foi consagrado bispo da cidade de Mira, atual Demre, na Turquia.

Na condição de bispo de Mira, Nicolau participou do fundamental Concílio de Nicéia, convocado pelo 1º imperador romano cristão, Constantino I, em 325 D.C, sendo listado como participante de número 151: “Nicolau de Mira da Lícia”. Nicolau foi, assim, um dos signatários do “Credo Niceno”, que até hoje é o cerne dogmático do cristianismo católico romano e ortodoxo.

Vários milagres foram atribuídos a Nicolau, sendo que muitos teriam ocorridos em navios, motivo pelo qual ele virou padroeiro de várias cidades portuárias e, inclusive, da Marinha da Grécia moderna.

Nicolau faleceu em 6 de dezembro de 343 D.C, com 73 anos de idade. Ele foi enterrado em Mira.

Sarcófago original de Nicolau na Igreja de São Nicolau, em Demre (Mira), Turquia. By The original uploader was Sjoehest at German Wikipedia. – Transferred from de.wikipedia to Commons., CC BY-SA 3.0, https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=1422675

Durante as invasões turcas ao Império Bizantino, no século XI, a cristandade passou a implorar que as relíquias de São Nicolau fossem transferidas para um local mais seguro e os seus restos mortais quase completos foram transferidos para a cidade de Bari, na Itália, por piratas. Posteriormente, marinheiros venezianos levaram o restante dos ossos de Nicolau de Mira para Veneza. Exames forenses modernos confirmaram que ambos os restos pertencem ao mesmo esqueleto. Não obstante, alguns ossos ou fragmentos ósseos de São Nicolau foram sendo espalhados por várias igrejas da Europa.

Igreja de  San Nicolò al Lido , em Veneza, que guarda cerca de 500 fragmentos de ossos de São Nicolau. By Didier Descouens – Own work, CC BY-SA 4.0, https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=42306590

Em 2004 foi feita uma autópsia no esqueleto pelo professor de Patologista Forense da Universidade de Bari, Francesco Introna, e uma reconstrução facial do crânio pela perita antropologista facial Caroline Wilkinson, da Universidade de Manchester. Verificou-se que Nicolau sofreu uma fratura grave em vida no nariz, provavelmente devido aos maus tratos sofridos durante a Grande Perseguição. A sua altura foi estimada em 1,68 m. Posteriormente, em 2014, Wilkinson produziu uma nova versão da reconstrução facial do Santo. Tudo isto pode ser conferido no link https://www.stnicholascenter.org/who-is-st-nicholas/real-face

Mas como São Nicolau inspirou a figura do Papai Noel?

A tradição cristã registra que Nicolau, além de devotar especial cuidado para com as crianças, era conhecido pelo costume de dar secretamente presentes, colocados nos sapatos das pessoas que ele visitava. Atualmente, no Calendário Gregoriano seguido pela Igreja Católica Romana, o dia festivo de Nicolau é 6 de dezembro. Todavia, na Igreja Ortodoxa, que segue o Calendário Juliano o Dia de São Nicolau cai no dia 6 de janeiro, e, em sua homenagem, nos países ortodoxos nasceu o costume das pessoas se darem presentes, considerando que a data também coincidia com o dia de natal para os cristãos ortodoxos (atualmente é dia 7 de janeiro).

Atribuido a Antonino Giuffré o a Giovanni Antonio Marchese ,cópia do original de Antonello da Messina, c.1465, Public domain, via Wikimedia Commons

Entre as nações européias ocidentais cristãs que herdaram o culto a São Nicolau, ele passou a ser especialmente reverenciado durante a Idade Média na Holanda, como “SinterClaes“, forma que evoluiu para “Sinterklaas”, sendo representado com as roupas vermelhas comuns a um bispo católico. Inclusive, São Nicolau, ou Sinterklaas, passou a ser o santo padroeiro da Amsterdam.

Essa casa em Amsterdam, datada do século XVI traz um relevo do padroeiro da cidade,SInterClaesç By Aloxe – Own work, CC BY-SA 3.0, https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=3138918

Quando os Holandeses estabeleceram sua primeira colônia na América do Norte, batizada de Nova Amsterdam, em 1624. Sinterklaas, ou seja, São Nicolau, igualmente foi escolhido como padroeiro da cidade, que, quarenta anos depois, seria conquistada pelos ingleses e rebatizada de “Nova York”. Assim, Sinterklaas acabou sendo transliterado no idioma inglês como “Santa Claus” e no século XIX começou a ser associado nos Estados Unidos a uma figura tradicional do folclore anglo-saxão medieval tardio e seiscentista associada ao Natal, o “Father Christmas”, que, em português, pode ser traduzido como “Papai Noel“.

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“Father Christmas”, ilustração de Josiah King no panfleto The Examination and Tryal of Old Father Christmas (1687). By Josiah King – Folger Shakespeare Library, Washington, D.C., Public Domain, https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=457834

Progressivamente, durante o século XIX, a figura de Santa Claus foi ganhando personalidade própria em relação a São Nicolau na majoritariamente protestante costa leste dos EUA, perdendo seu traje de bispo católico (como ele sempre foi retratado), embora mantendo a cor vermelha, ganhando suas feições e silhueta roliças, e incorporando-se à sua iconografia os trenós, as renas e outras características típicas do inverno nas latitudes mais extremas da Europa Setentrional.

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Azulejo de Sâo Nicolau que se acredita ter vindo de uma igreja em Constantinopla, datado do século X. Walters Art Museum, Public domain, via Wikimedia Commons

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Feliz Natal!

VESPASIANO – O BOA-PRAÇA DURÃO QUE CONSOLIDOU O IMPÉRIO

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I- Nascimento, família e juventude

Em 17 de novembro do ano 9 D.C, nasceu, na cidade de Falacrinae, a sudoeste de Roma (https://phys.org/news/2009-08-archaeologists-unearth-birthplace-roman-emperor.html), Titus Flavius Vespasianus (Vespasiano), integrante de uma família de origem sabina proveniente de Reate (atual Rieti), que, recentemente, havia ingressado na classe Equestre, que era o segundo nível hierárquico da nobreza romana.

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(Piso de uma villa romana que estudiosos acreditam ter pertencido à família dos Flávios, vide http://news.bbc.co.uk/2/hi/europe/8190955.stm)

Com efeito, Titus Flavius Petro, o avô de Vespasiano havia sido um simples centurião das tropas de Pompeu, em Farsália, durante a guerra civil entre este e Júlio César, que depois virou coletor de impostos. E o pai de Vespasiano, Titus Flavius Sabinus (I), também seria coletor de impostos (publicano), na Província romana da Ásia, e banqueiro. Segundo o historiador Suetônio, na primeira função, Titus Sabinus destacou-se pela retidão, um traço que era tão incomum entre os publicanos romanos, que os provinciais chegaram a erguer uma estátua em sua honra ostentando a inscrição:

A um coletor de impostos honesto“…

Acredita-se que, devido à ausência dos seus pais enquanto eles serviam na Ásia, Vespasiano deve ter sido educado pela avó, Tertulla, a quem ele ficou muito apegado e de quem se lembraria pelo resto da vida, mesmo depois de virar imperador.

Foi o irmão mais velho de Vespasiano, também chamado de Titus Flavius Sabinus  (II)(Sabino), quem realmente começou uma carreira militar e pública de sucesso, sendo nomeado Tribuno na Trácia e, depois, conseguindo eleger-se para os cargos públicos (magistraturas) de Questor, Edil e Pretor.

Vespasiano seguiu os passos do irmão, e até o precedeu no exército romano, sendo nomeado, antes dele, Tribuno, também na Trácia, voltando à Roma por volta do ano 30 D.C.

O primeiro cargo público de Vespasiano, ainda durante o reinado de Tibério, no entanto, foi servir como integrante dos Vigintiviratos, um colégio de vinte magistrados menores, encarregados, dentre outras coisas, da limpeza das ruas de Roma.

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No início do reinado de Calígula, Vespasiano ainda continuava servindo no Colégio dos Vigintiviratos. Em sua “Vida de Vespasiano“, Suetônio, inclusive, chega a mencionar que aquele imperador, certa vez, insatisfeito com o serviço de limpeza urbana da Cidade, mandou que os seus guardas jogassem lama na toga de Vespasiano,  um gesto, sem dúvida, humilhante, mas que poderia até ter terminado pior para Vespasiano, tendo em vista os crescentes episódios de insanidade de Calígula.

Depois disso, Vespasiano serviu como Questor na ilha de Creta, retornando para assumir o cargo de Edil em 38 D.C. Neste mesmo ano, ele se casou com Flávia Domitila, a Velha, nascida na cidade de Sabratha (na atual Líbia) filha de um simples secretário de um Questor, originário da cidade italiana de Ferentium, que servia na província da África.

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(Denário de prata com a efígie de Flávia Domitila, a Velha, cunhado após a sua morte e deificação)

II- Sucesso na carreira pública

Mas foi no reinado do sucessor de Calígula, o imperador Cláudio, que a carreira dos irmãos Flávios, sobretudo a de Vespasiano, decolou. Ele seria muito ajudado pelo fato de ser amante de Antonia Caenis, uma mulher muito inteligente que tinha sido escrava, e, depois de, alforriada, já na condição de liberta, virara secretária pessoal da influente Antônia, a Jovem, mãe de Cláudio (Antônia, a Jovem era filha de Marco Antônio e Otávia, irmã de Augusto). Vale citar que, antes de Vespasiano se casar com Domitila, ele e Antonia Caenis viviam em “contubernium“, uma espécie de concubinato admitido pela lei romana).

E foi muito provavelmente por injunção de Antonia Caenis que Vespasiano caiu nas graças de Narcissus, o poderoso liberto de Cláudio, que então ocupava o importante cargo de Secretário de Correspondência Imperial (Praepositus ab Epistulis) na Corte Imperial, e exercia forte influência sobre o imperador.

Assim, Vespasiano foi nomeado general da II Legião Augusta (Legatus Legionis II Augustae), sediada em Argentorarum ,na província da Germânia (a atual Estrasburgo) em preparação para a campanha militar mais importante do reinado de Cláudio: a Conquista da Grã-Bretanha. Nesta guerra, Vespasiano, servindo sob as ordens do comandante-geral Aulus Plautius, ficou responsável por subjugar a maior parte do sul da atual Inglaterra, bem como a Ilha de Wight.

Como recompensa pelas suas vitórias na Britânia, Vespasiano recebeu a honraria dos “ornamentos triunfais“, regalias destinadas aos generais vitoriosos durante o Império e que substituíram os Triunfos, que foram reservados apenas para os Imperadores.

Em 51 D.C, Vespasiano foi escolhido para o cargo de Cônsul, a mais alta magistratura da antiga República, sendo ainda o ápice da carreira política em Roma. Todavia, logo depois disso, a posição dele sofreria uma grande reviravolta, pois Narcissus, o seu protetor, havia conspirado contra Agripina, a Jovem, a poderosa e vingativa nova esposa (e sobrinha) de Cláudio, e seu filho, Lucius Domitius Ahenobarbus (o futuro imperador Nero), que havia sido adotado, em 50 D.C,  por Cláudio, em detrimento do seu próprio filho natural, Britânico, que era apoiado por Narcissus.

III- Ostracismo e reabilitação

Cláudio morreu em 54 D.C., provavelmente envenenado por Agripina e o filho, desta, Nero, assumiu como novo Imperador. A seguir, Narcissus e Britânico também foram, no espaço de alguns meses, assassinados.

Assim, prudentemente, Vespasiano passaria os próximos 12 anos na obscuridade.

Esse “retiro” de Vespasiano só terminaria em 63 D.C, quando ele, agora um veterano e respeitável Senador, foi indicado para ser Procônsul na província romana da África. Consta que ali, Vespasiano fez uma boa administração, marcada pela honestidade, numa época em que os governadores romanos só pensavam em espoliar as províncias e encherem a bolsa de dinheiro.

Não demorou muito para que o respeitável senador e general fosse admitido de volta na Corte Imperial, passando a integrar o círculo íntimo de Nero, chegando até a integrar a comitiva do imperador, quando da sua acalentada viagem à Grécia, em 66 D.C, ocasião em que Nero apresentou-se em competições artísticas e esportivas, no seu afã de seguir a trajetória de um herói grego.

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(O ator Peter Ustinov foi indicado ao Oscar de melhor ator em 1951 pela sua magistral interpretação de Nero, no filme Quo Vadis)

Contudo, um fato, que hoje para nós soaria cômico, quase acabou com a sorte de Vespasiano: Durante um dos intermináveis recitais de Nero, ele cochilou enquanto o imperador cantava (ou tocava a lira), deixando o vaidoso artista furioso. De acordo com Suetônio,  em punição pela afronta, Vespasiano foi excluído da Corte e teve que ir viver em uma cidade pequena, onde ele chegou a temer, justificadamente, pela própria vida.

Foi por volta dessa época que Vespasiano ficou viúvo, após a morte de sua esposa Flávia Domitila, a Velha, que havia lhe dado três filhos: Tito, Flávia Domitila, a Jovem e Domiciano. Ele nunca mais se casaria novamente, mas logo voltou a viver junto com Antonia Caenis, que, nas palavras dos historiadores antigos, “de esposa de Vespasiano só não tinha o nome“.

Domiciano, o  filho caçula de Vespasiano, porém, jamais aceitou a madastra.

Por sua vez,  Flavia Domitila, a Jovem casou-se com o grande general Quinto Petílio Cereal, mas ela morreria jovem, com pouco mais de vinte anos.  O casal teve uma filha, também chamada Flávia Domitila, que, de acordo com a tradição católica, é a Santa Flávia Domitila, que se converteu ao cristianismo e por isso foi banida de Roma, e que também teria sido a responsável pela doação à Igreja das terras onde seriam escavadas as chamadas Catacumbas de Domitila.

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(Pintura do “Bom Pastor” existente nas Catacumbas de Domitila)

Mas a aflição de Vespasiano duraria pouco, porque, naquele mesmo ano de 66 D.C, o estouro de uma séria revolta na sempre turbulenta Judéia obrigou Nero a se valer dos seus melhores generais.

Com efeito, começara a Grande Revolta Judaica, com o massacre de toda a guarnição romana de Jerusalém e a destruição da XII Legião Fulminata, que havia sido mandada da Síria para esmagar a rebelião, onde, inclusive esta unidade militar teve o seu icônico estandarte-águia capturado pelos revoltosos. Vespasiano, assim, recebeu de Nero o comando especial do formidável exército de 60 mil soldados que havia sido reunido para  para esmagar a rebelião e partiu para a província rebelde. Lá chegando, ele rapidamente conquistou a Galiléia, que era o celeiro da Judéia, e começou os preparativos para o cerco a Jerusalém.

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Durante o avanço pela Judéia, Vespasiano tomou a cidade de Jotapata, uma das praças-fortes judaicas, e capturou vivo um dos líderes da defesa da cidade, um judeu que, anos mais tarde, escreveria o relato dessa terrível guerra, e ficaria conhecido como o grande historiador Flávio Josefo. Durante o seu cativeiro, Josefo teria predito que Vespasiano se tornaria Imperador, o que o fez cair nas graças do general.

Enquanto isso, na distante Gália, o governador Gaius Julius Vindex e suas legiões revoltaram-se contra Nero, mas essa insurreição foi rapidamente derrotada pelas legiões da Germânia. Todavia, o governador da Hispânia, Servius Sulpicius Galba, que fora sondado por Vindex para aderir a revolta, não relatou de pronto a conspiração a Nero e, por isso, ele foi condenado pelo imperador à morte. Galba, que pertencia ao ilustre clã dos Sulpícios, então, emitiu uma declaração de que ele estava “à disposição do Senado para restaurar a liberdade“…

Estimulados, os partidários de Galba em Roma conseguiram a adesão do comandante da Guarda Pretoriana, Ninfídio Sabino, que se juntou à rebelião, e, em decorrência disso, os guardas do palácio de Nero debandaram. Circulou a notícia de que o Senado tinha declarado Nero como “Inimigo Público“. Assim, o emotivo imperador, desesperado com a situação, cometeu suicídio, em junho de 68 D.C. Galba foi aclamado o novo imperador. Este foi o fim da dinastia dos Júlio-Cláudios, que fundara o Império e o governava há praticamente um século.

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IV- Candidato à sucessão e o “Ano dos Quatro Imperadores”

O reinado de Galba, que já tinha 70 anos de idade, porém, não duraria muito. O seu comportamento extremamente severo desagradou muito aos soldados que o apoiavam, e esperavam polpudas recompensas, bem como a todos aqueles que tinham sido beneficiados durante o reinado anterior e, agora, sentiam-se espoliados.

Assim, passados apenas dois meses da ascensão de Galba, as descontentes legiões da Germânia proclamaram, no dia 2 de janeiro de 69 D.C., o seu comandante Aulus Vitelius (Vitélio), como Imperador. Enquanto isso, em Roma, o rico senador Marcus Salvius Otho (Otão), insatisfeito pelo fato dele não ter sido escolhido como o sucessor de Galba, subornou a Guarda Pretoriana, que, ainda em janeiro de 69 D.C., assassinou o imperador.

O Senado, que não podia confrontar a Guarda Pretoriana, imediatamente reconheceu Otão como o novo Imperador Romano.

Ocorre que Vitélio e suas experimentadas legiões da Germânia já estavam entrando na Itália e marcharam em direção à Roma, derrotando com facilidade as tropas reunidas por Otão, na Primeira Batalha de Bedríaco, após o que, este, resignadamente, cometeu suicídio, dois dias depois, em 16 de abril de 69 D.C.. O reinado dele durara apenas três meses.

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(Mapa do Império Romano no “Ano dos Quatro Imperadores”, imagem de Steerpike e Andrei nacu)

Enquanto tudo isso ocorria na Europa Ocidental, Vespasiano comandava a campanha contra os Judeus. Quando as notícias da morte de Nero chegaram à Judéia, Vespasiano prontamente declarou lealdade a Galba. Depois, ele chegou a fazer o mesmo quando soube da aclamação de Vitélio. Porém, o caos gerado pela rápida sucessão de deposições violentas e nomeações de imperadores acabou por gerar nos auxiliares de Vespasiano a convicção de que  ele tinha melhores qualidades e tropas suficientes para aspirar ao trono imperial.

Assim, Gaius Licinius Mucianus (Muciano), o Governador da Síria,  encontrou-se com Vespasiano na fronteira com a Judéia. Provavelmente, nesse encontro, eles decidiram que Vespasiano deveria tentar tomar o cetro imperial para si.

Então, no dia 1º de julho de 69 D.C., as legiões estacionadas em Alexandria, no Egito, instadas pelo Prefeito do Egito, Tiberius Julius Alexander, que era de origem judaica, aclamaram Vespasiano Imperador. Poucos dias depois, elas foram seguidas pelas legiões comandadas pelo próprio Vespasiano, em Cesaréia.

V- O caminho para o trono

Em seguida, os líderes arquitetaram um plano: Muciano se dirigiria para a Itália com um contingente de 20 mil soldados para atacar Vitélio, enquanto Vespasiano iria para o Egito, para ordenar um bloqueio aos vitais carregamentos de trigo egípcio que alimentavam a enorme metrópole de Roma, ação que provavelmente forçaria Vitélio à rendição. No comando das tropas que ficariam na Judéia, para dar prosseguimento à guerra contra a Revolta Judaica e manter o cerco à Jerusalém, Vespasiano deixou o seu filho Tito.

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Durante essa incursão no Egito, Suetônio conta uma história curiosa, a de que Vespasiano teria feito dois milagres, bem comparáveis aos das narrativas bíblicas: Segundo o historiador, enquanto estava em Alexandria, Vespasiano teria curado um cego e um aleijado, após os dois, avisados pelo deus Serápis, aproximarem-se dele e pedirem que ele os tocasse. Suetônio também narra a existência de uma profecia entre os Judeus, a de que um homem vindo da Judéia seria o senhor do mundo, concluindo Suetônio que a profecia dizia respeito ao próprio Vespasiano. Esse mesmo episódio, com pequenas diferenças, é relatado por Tácito e Dião Cássio.

Cogito que esses intrigantes relatos talvez já demonstrem a influência das narrativas cristãs nos autores romanos pagãos que escreveram as suas obras entre quarenta (Tácito) e cento e cinquenta anos (Cássio) após os fatos narrados.

Todavia, antes que o citado plano de Vespasiano começasse a ser executado, as legiões da Panônia se declararam em revolta a favor de Vespasiano e partiram por si próprias para invadir a Itália, com 30 mil homens. Vitélio tentou resistir, mas as suas forças foram derrotadas na Segunda Batalha de Bedríaco, em 24 outubro de 69 D.C.. Um outro exército foi enviado por Vitélio, logo em seguida, contudo, ao invés de combater os insurretos, uniu-se a eles. Vitélio, assustado, tentou  abdicar, sem sucesso, pois os seus assessores e soldados partidários o proibiram.

Apostando na luta, os soldados leais a Vitélio mataram Sabino, o irmão de Vespasiano, que então era o Prefeito Urbano de Roma e havia tentando tomar o controle da cidade. Porém, quando as tropas leais a Vespasiano começaram a entrar em Roma, Vitélio foi assassinado e o seu corpo, segundo Suetônio, foi jogado ao Tibre, ou, segundo Dião Cássio, ele foi decapitado e a sua cabeça desfilada nas ruas da Cidade.

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Vespasiano foi oficialmente reconhecido como imperador pelo Senado em 22 de dezembro de 69 D.C., in absentia, pela “Lex de imperio Vespasiani“. Ele tinha, então, 60 anos de idade. Todos os seus atos foram ratificados, e, portanto, a lei tinha o efeito retroativo de reconhecer a aclamação feitas pelas tropas em 1º de julho.

Terminava, assim,  o turbulento ano que ficaria conhecido como “O Ano dos Quatro Imperadores“. O novo imperador somente chegaria a Roma em outubro de 70 D.C. Nesse período, quem administrou o Império em seu nome foram Muciano e Domiciano, o  filho mais novo de Vespasiano.

Consta que, durante esses meses, Domiciano agiu com tanto voluntarismo e independência que, Vespasiano, com o seu peculiar senso de humor, teria enviado a ele uma carta na qual constava o seguinte cumprimento:

“Obrigado, meu filho, por me permitir manter o meu cargo e por ainda não ter me destronado”

VI- O reinado de Vespasiano

O reinado de Vespasiano começou com a questão premente de sufocar a perigosa Revolta dos Batavos, na região do Delta do rio Reno, no território da atual Holanda. Os Batavos eram um povo germânico que vinha sendo recrutado como tropas auxiliares do Exército Romano. O comandante desses regimentos, Gaius Julius Civilis, um príncipe batavo, insatisfeito com  a conduta dos seus superiores, havia se rebelado e foi preso, mas ele acabou sendo solto por Vitélio, o governador da província da Germânia que havia se rebelado contra Galba e precisava das tropas batavas para invadir a Itália.

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Os Batavos lutaram na Primeira Batalha de Bedríaco, mas quando eles voltaram para suas terras e foram novamente convocados, acabaram rebelando-se novamente. Então, encorajados após a notícia da morte de Vitélio, os Batavos chegaram a derrotar duas legiões, fazendo com a revolta se espalhasse por algumas tribos do norte da Gália,  onde Julius Sabinus, um nobre gaulês romanizado que se dizia descendente de Júlio César, declarou a independência da Gália, autonomeando-se imperador. Duas legiões romanas, a  I Germanica e a XVI Gallica, aderiram à revolta.

Essa rebelião de Sabinus, entretanto, foi facilmente derrotada pela tribo gaulesa romanizada dos Sequanos, aliada dos romanos. Como curiosidade, as fontes relatam a estória de que Sabinus, foragido, ficou nove anos escondido em uma câmara  que existia debaixo de um monumento, junto com a mulher, com quem ele chegou a ter dois filhos durante o tempo que ficou no esconderijo.

Para lidar com a Revolta dos Batavos, Vespasiano enviou o general Quintus Petilius Cerealis  no comando um exército de oito legiões. A aproximação deste poderoso exército foi o suficiente para dispersar boa parte dos que apoiavam Civilis e ele teve que recuar para o território dos Batavos. Ali ele chegou a empregar táticas de guerrilha, porém, quando Civilis soube que Jerusalém foi saqueada e a Revolta Judaica virtualmente derrotada, ele percebeu que em breve todo o peso do Exército Romano voltaria-se contra si e, então, ele decidiu render-se.

Os romanos exigiram que os Batavos cedessem mais tropas para o Exército Romano e destruíram Naviomagus (Nijmegen), a capital batava, no final de 70 D.C.

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(Busto de Vespasiano, detalhe, foto Shakko)

O reinado de Vespasiano foi um governo de reconstrução e de reconciliação, característica que foi muito beneficiada pelo seu caráter íntegro, pela sua índole moderada e pelo seu senso de justiça. De certa forma, a sua política marcou uma retomada das linhas estabelecidas por Augusto, onde o Príncipe deveria se pautar pela retidão, moralidade e espírito público, permitindo ao Senado ter algum papel na administração pública e, principalmente, receber alguma deferência do Imperador.

Essas intenções ficaram implícitas na “Lex de Imperio Vespasiani“, que alguns consideram a primeira tentativa de regular por escrito as relações entre o Imperador e o Senado, com base nos precedentes dos reinados anteriores, até Augusto. É interessante notar que, pelo que denota a sua redação, trata-se de um Senatus Consultum (Decreto do Senado) que foi submetido à sanção da Assembleia (ou Comício) das Centúrias (Comitia Centuriata), obedecendo uma formalidade dos tempos da República, ainda que com caráter meramente cerimonial.

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(Tábua de bronze contendo o texto da Lex de Imperio Vespasiani, achadas  em Roma por Cola de Rienzo em 1347. Hoje as tábuas estão nos Museus Capitolinos).

Após décadas de expurgos e perseguições pelos imperadores Júlio-Cláudios, a aristocracia senatorial romana, que fornecia a maior parte dos quadros do serviço público, havia sido dizimada. Por isso, Vespasiano, valendo-se do cargo de Censor, deu ênfase à recomposição dos quadros da nobreza, conferindo este status a plebeus capazes, de preferência nascidos na Itália.

Foi Vespasiano quem primeiro instituiu a contratação pelo Estado de professores, pagos pelo Erário, para ministrarem o ensino público às crianças romanas, estando entre os primeiros mestres a serem contratados, o grande retórico Quintiliano.

Vespasiano também restaurou as finanças estatais, estabelecendo uma série de novos tributos. Essa medida, que poderia ser tomada como antipática, foi de certo modo contrabalançada pelo estilo de vida frugal e modesto que o imperador adotava, e que bem poderia servir de exemplo aos governantes atuais…

Esse traço austero de Vespasiano, que lhe rendeu em algumas passagens dos historiadores da época a pecha de avaro, é ilustrada por uma historia contada por Dião Cássio:

Certa vez,  alguns cidadãos  ilustres tomaram a iniciativa de erguer uma estátua de Vespasiano que custaria um milhão de sestércios. Quando eles foram dar a notícia a Vespasiano, o imperador estendeu a sua mão aberta e disse-lhes:

“Deem-me o dinheiro! Aqui está o pedestal!”

A vitória contra a Revolta Judaica e o saque de Jerusalém, especialmente do Segundo Templo, que também funcionava como um verdadeiro tesouro  administrado pelo Sinédrio, rendeu um espólio valioso que foi utilizado por Vespasiano para construir várias obras públicas em Roma.

A mais famosa, evidentemente, é o grandioso Anfiteatro Flávio, que ficaria popularmente conhecido como  o  “Coliseu” (Colosseum), pelo fato de ficar ao lado da enorme estátua dourada do imperador Nero, que era chamada de “Colossus” (Colosso). A espetacular arena começou a ser construída sobre o terreno onde ficava a enorme “Domus Aurea“, o espetacular palácio de Nero, que serviu como fundação para uma parte da construção. Politicamente, isso foi um gesto muito hábil, pois devolvia ao povo da cidade uma área que Nero havia tornado privada.

A construção do Coliseu  foi iniciada por volta de 72 D.C., mas somente seria concluída em 80 D.C., já sob o reinado de Tito, que o inaugurou. A sua capacidade é estimada entre 55 mil e 80 mil espectadores. Milhares de cativos judeus, entre os 100  mil capturados e trazidos para Roma, trabalharam como escravos na construção do edifício.

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Um ano antes do Coliseu, e também com os recursos provenientes do Saque de Jerusalém, Vespasiano construiu o chamado Templo da Paz, que ficava próximo ao Fórum de Augusto. No Templo da Paz ficavam em exibição os tesouros mais relevantes saqueados do Templo de Jerusalém, como por exemplo o célebre candelabro de 7 braços (Menorah), de ouro puro. O templo era circundado por um grande pórtico que circundava uma área aberta com jardins e fileiras de espelhos d’água retangulares. Parece que a sua função era funcionar como uma área para passear, entre as estreitas e congestionadas ruas que ligavam os apinhados fóruns.

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(Foto superior; Maquete do Templo da Paz, de E. Gismondi, no Museu da Civilização Romana; foto inferior: Relevo no Arco de Tito, retratando a chegada em Roma dos despojos do Saque de Jerusalém)

Uma orientação pouco abordada nos livros sobre o seu reinado é a clara política adotada por Vespasiano de racionalização militar e ordenamento das fronteiras do Império Romano:

A importante fronteira com a Germânia Magna, seguia o curso do rio Reno e prosseguia pelo curso do rio Danúbio, formando uma perigosa reentrância ou saliência, como se fosse uma cunha encravada e que facilitava o deslocamento das tribos. Essa área, com tamanho comparável ao da atual Suíça, era conhecida como os “Agri Decumates” (campos que pagam o dízimo). Vespasiano ordenou a ocupação da região, que foi anexada ao Império Romano, e a construção de uma cadeia de fortes para defendê-la.

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Na Britânia,  o rei Venutius, da tribo celta dos Brigantes, que habitava o norte da atual Inglaterra, aproveitando a convulsão do Império Romano durante o “Ano dos Quatro Imperadores“, iniciou uma rebelião e depôs a sua ex-esposa, e rainha dos Brigantes, Cartimandua, que era aliada dos romanos.

Em 71 D.C., Vespasiano designou o general Quinto Petílio Cereal como novo governador da Britânia, e ele começou o processo de conquista dos Brigantes. Em 74 D.C., Cereal foi substituído por Sextus Julius Frontinus, que subjugou a tribo dos Silures, no sudeste do atual País de Gales. Em 77 D.C., o novo governador, Gnaeus Julius Agricola assumiu e, no ano seguinte, iniciou uma campanha que levaria as legiões romanas até a Caledônia, estabelecendo alguns fortes no Firth of Tay (firth é uma palavra inglesa que denomina estuários escavados que adentram profundamente uma massa de terra), em 79 D.C. que era uma fronteira mais facilmente defensável. Essa campanha comandada por Agricola prosseguiu até 84 D.C., bem depois da morte de Vespasiano, mas o plano geral parece ter sido delineado durante o reinado dele.

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Outra importante medida de Vespasiano no campo militar, certamente influenciada pelas já mencionadas rebeliões na Germânia e na Gália, foi a exigência de que os contingentes de tropas auxiliares recrutadas entre os povos estrangeiros não podiam servir na região de origem, devendo serem deslocadas para outros pontos do Império.

Os historiadores preservaram muitos relatos de episódios nos quais  Vespasiano demonstrou tolerância com opositores e respeito à posições divergentes dos senadores, mas em pelo menos duas oportunidades, os atritos acabaram degenerando em punições:  o primeiro caso foi o do senador Helvídio Prisco, um empedernido republicano que era hostil a Vespasiano, foi exilado, por volta de 75 D.C., e, posteriormente, assassinado, apesar de Vespasiano negar ter ordenado a execução dele. Posteriormente, no final do seu reinado, por volta de 78 D.C., o senador Éprio Marcelo e o general Aulus Caecina Alienus conspiraram contra o principado, aparentemente para evitar que Vespasiano fosse sucedido por Tito, e foram julgados culpados pelo Senado, sendo que o primeiro suicidou-se e o segundo foi executado por Tito.

Vespasiano tinha um grande senso de humor e as suas deliciosas tiradas ficaram célebres:

Ao filho Tito, que lhe repreendera por instituir um tributo sobre as latrinas públicas nas cidades (elas lucravam com a venda de urina para ser usada como alvejante nas lavanderias), algo que estaria abaixo da dignidade do Estado Romano, Vespasiano, então, deu a Tito uma moeda e mandou que o herdeiro a cheirasse e disse o que sentia: “Não cheira” (em latim, “non olet), respondeu o filho, ao que Vespasiano lhe respondeu que aquela moeda era fruto do  imposto questionado. Graças a esse episódio, o princípio tributário que prevê que qualquer tipo de renda, inclusive as oriundas de atos ilícitos, podem ser tributadas pelo Estado foi batizado de “non olet“). Aliás, a criação deste imposto mostraria-se tão marcante que, até hoje, Vespasiano, em italiano, quer dizer “penico” ou “urinol”.

Ao receber uma carta do rei dos Partos, dirigindo-se ao imperador romano dessa forma: “De Vologeso, Rei dos Reis, a Vespasiano“, que foi considerada por todos como uma afronta passível de retaliação. Vespasiano, todavia, achando graça no título grandiloquente do estrangeiro, ao responder a carta, simplesmente endereçou-a assim: “De Vespasiano a Vologeso, Rei dos Reis“.

VII – Morte de Vespasiano

Enquanto estava na Campânia, Vespasiano contraiu uma doença cujo sintoma principal era diarreia. Ele teve que voltar para Roma, mas logo partiu para a estação de águas minerais de  Aquae Cutiliae, onde passaria o verão, como era de seu costume, e que ficava em antigo território sabino, na sua região natal de Reate. Lá ele ainda tentou por algum tempo cumprir as obrigações do cargo de imperador, recebendo até embaixadas enquanto estava acamado, mas a crise de diarreia piorou.

Contudo, nem no leito de morte, o humor de Vespasiano se abateu. Quando ele sentiu que as suas forças se esvaíam, ele, fazendo graça com o costume romano de divinizar os imperadores que morriam , disse:

“Oh, penso que agora estou me tornando um Deus!”

No dia 24 de junho de 79 D.C., sentindo que o fim estava realmente  próximo, Vespasiano, com muito esforço tentou levantar-se, dizendo:

“Um imperador deve morrer de pé!”

E, assim, acabou falecendo nos braços dos que estavam ao seu redor, tentando ajudá-lo.

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(Ruínas da piscina dos Banhos de Vespasiano, 13 km de Rieti, antiga Reate)
VII- Conclusão

Vespasiano foi um governante consciencioso, justo e diligente. As suas numerosas boas medidas poderiam ser condensadas sob o lema “restauração do Império Romano às linhas traçadas por Augusto”. Podemos dizer, assim, que ele consolidou o Principado, cujo prestígio, bem como a confiança (ou, ainda, adesão) da elite naquele sistema de governo, estavam abalados pelos desmandos havidos no final dos reinados de Tibério, Calígula e Nero, pela extinção da dinastia fundadora (Júlio-Cláudios) e pela guerra civil travada durante o “Ano dos Quatro Imperadores“. A economia, sobretudo as finanças públicas, e as fronteiras foram organizadas com coerência e afinco. Por outro lado, ele conseguiu evitar as vicissitudes e ambiguidades que Augusto experimentou quanto à questão da sucessão, que ficou firmemente estabelecida pelo princípio dinástico, nas mãos de seus filhos, Tito, e, depois, Domiciano.

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OUTUBRO, O DÉCIMO

Repetindo o que já explicamos nos artigos anteriores sobre os meses do calendário, o primitivo calendário romano tinha dez meses e começava no mês de março.

Os quatro primeiros meses foram batizados em homenagem a divindades, e os outros seis eram chamados pelo número que correspondia à posição que ocupavam no calendário: Depois de Março, Abril, Maio e Junho, vinham Quintilis, Sextilis, Septembris, October (ou Octobres), Novembris e Decembris, respectivamente, o quinto, o sexto, o sétimo, o oitavo, o novo e o décimo mês do ano.

Detalhe do mosaico das estações e dos meses, do século III, encontrado em Albacete, no Museu Arqueológico Naciona da Espanha. Provavelmente, a imagem representa uma personificação do Outono ou do vento jogando as folhas secas, seguido pelo deus Marte. Foto: Carole Raddato from FRANKFURT, Germany, CC BY-SA 2.0 https://creativecommons.org/licenses/by-sa/2.0, via Wikimedia Commons

Devido a imprecisão desse calendário primitivo, os romanos passaram a adotar um calendário de doze meses, introduzindo-se os meses de janeiro (Ianuarius), que passou a ser o primeiro mês, e de fevereiro (Februarius). Essa reforma é atribuída ao rei Numa Pompílio, o mítico segundo Rei de Roma.

Assim, Octobres passou a ser o décimo mês do ano, mas, apesar disso, ele manteve o seu nome, com o qual o povo já estava acostumado e que foi preservado mesmo após a nova reforma instituída pelo Ditador Júlio César, implantando o Calendário Juliano, de 365 dias e doze meses. E também o seu número de dias foi mantido em 31.

Segundo as fontes antigas, o Senado Romano chegou a propor a Tibério rebatizar brevemente o mês de Outubro com o nome de Livius, em homenagem à mãe dele, Lívia Drusila, esposa de Augusto, nascida no referido mês, sugestão que foi recusada pelo imperador, que, sarcasticamente, replicou perguntando o que os senadores fariam quando mais de doze imperadores tivessem reinado ou se dois deles tiverem nascido no mesmo mês…

Página do Calendário de Filócalo, cópia medieval de calendário romano, mostrando a personificação do mês de outubro. Foto: Filocalus, Public domain, via Wikimedia Commons

Segundo os costumes e tradições dos Romanos, o mês de outubro marcava o fim do período anual destinado às campanhas militares e também o término dos trabalhos no campo. Por isso, o deus tutelar do mês era Marte.

A principal festividade religiosa que acontecia no mês de outubro na Roma Antiga eram os Jogos Capitolinos (Ludi Capitolini), instituídos em 387 A.C., para comemorar o fato dos Gauleses não terem conseguido capturar e incendiar a Colina do Capitólio no referido ano. Os Jogos eram celebrados em homenagem ao deus Júpiter Capitolino e começavam no dia 15 de outubro, tendo a duração de 16 dias. No início do período imperial, os Jogos Capitolinos tinham caído no esquecimento, mas foram revividos pelo imperador Domiciano, em 86 D.C, que os remodelou para serem uma espécie de olimpíada romana, sendo celebrados a cada quatro anos no Campo de Marte, compreendendo competições esportivas entre atletas, mas também concursos de poesia, oratória e outras performances artísticas.

Em honra do deus Marte, no dia 19 de outubro celebrava-se o Armilustrium, um festival no qual as armas dos soldados romanos eram ritualmente purificadas e guardadas para o reinício da temporada de campanhas, no ano seguinte. Antes disso, no dia 15 de outubro, ainda como devoção a Marte, era sacrificado o chamado “Cavalo de Outubro” (Equus October), também no Campo de Marte, após uma corrida de bigas. O cavalo vencedor, então, era morto com uma lança, e sua cabeça e rabo cortados. Essa era a única cerimônia religiosa romana em que se admitia o sacrifício de um equino, o que, para alguns, seria a reminiscência de algum antigo rito indo-europeu, ou, para outros, alguma alusão ao mítico Cavalo de Tróia, já que os romanos acreditavam serem descendentes dos Troianos. Mas, sem dúvida, o ritual tinha raízes profundas na cultura romana, uma vez que o mesmo consta assinalado no famoso Calendário de Filócalo, de 354 D.C, produzido já durante o reinado de imperadores cristãos.

Em outubro nasceram os imperadores romanos Domiciano e Alexandre Severo, os poetas, Lucrécio e Virgílio e o historiador Salústio e também ocorreram as Batalhas de Zama, Aráusio e Fílipos.

Fonte: TABLES OF THE ROMAN CALENDAR, EDWARD GRESWELL, IN FOUR VOLUMES,
VOLUME IV, OXFORD AT THE UNIVERSITY PRESS

POMPEU, O GRANDE

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(Excelente humanização de um dos muitos bustos de mármore de Pompeu)

 1 – Nascimento, juventude e início da carreira militar e política

Em 29 de setembro de 106 A.C, nasceu, em Piceno, na Itália, Gnaeus Pompeius (Pompeu), membro de uma família bem situada de proprietários rurais da Itália Central, uma gente que, apesar de estar totalmente integrada à República e gozar de cidadania plena há centenas de anos, ainda enfrentava algumas barreiras para ingressar no seio da elite romana.

Assim, o pai de Pompeu, Gnaeus Pompeius Strabo (Cneu Pompeu Estrabão), foi o primeiro de sua família a ascender ao Senado Romano, na condição de “homem novo” (novus homo, ou seja, um senador que não tinha antepassados senadores), chegando até o cargo de Cônsul, no ano de 89 A.C, graças aos seus feitos militares, especialmente durante a chamada “Guerra Social” (conflito que recebeu esse nome porque se tratava de uma insurreição dos povos italianos aliados, ou “socii“, em latim, de Roma, que queriam os mesmos direitos dos cidadãos romanos).

Quando Pompeu Estrabão morreu, em 87 A.C, vítima de uma epidemia, ele deixou ao seu jovem filho Pompeu, de apenas 20 anos de idade, a sua vasta fortuna e, talvez mais importante do que isso, uma numerosa clientela.

Então, o jovem Pompeu logo mostrou que também tinha grandes aspirações políticas quando, em 83 A.C, aproveitando-se da herança do pai, ele formou um pequeno exército e aliou-se a Lucius Cornelius Sulla (Sila), o poderoso general que atuava como defensor dos interesses da facção aristocrática do Senado Romano (“Optimates“), na acirrada disputa que esta travava contra os sucessores do falecido general Mário, que, por sua vez, durante vários anos vinha sendo o campeão da facção dos Populares, e que tinha se aproveitado da ausência de Sila da Itália (devido à guerra de Roma contra o rei Mitridates, na Ásia) para tomar novamente o poder (porém, Mário acabou morrendo pouco depois de assumir o seu sétimo e último consulado).

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(cabeça de Sila)

Tendo ajudado Sila a derrubar o governo dos Populares, em Roma, Pompeu  passou a gozar da simpatia deste, que, naquela oportunidade, foi nomeado “Ditador”. Sila, inclusive, ofereceu a Pompeu a mão da sua enteada, Emília Scaura. Este casamento, porém, seria breve, pois Emília, que já estava grávida de seu casamento anterior, acabou morrendo no parto, em 82 A.C.

Em seguida, Pompeu foi enviado para combater as forças dos partidários de Mário que haviam fugido para Sicília e para a África, campanha na qual ele ficou conhecido pela repressão brutal aos inimigos, que devido à isso deram-lhe o apelido de “açougueiro adolescente“…

De volta a Itália, Pompeu não recebeu, todavia, o Triunfo que ele esperava, pois a lei romana somente permitia tal honraria fosse concedida aos detentores do cargo de Pretores ou Cônsules. Não obstante, Sila ordenou que Pompeu deveria receber o cognome de “Magno” (Magnus, que em latim quer dizer, o Grande), em função das suas façanhas militares, apesar dele ter apenas 25 anos de idade. Não obstante, apesar do impedimento legal, Pompeu insistiu em realizar o triunfo que ele tanto ansiava, e, como Sila não o proibiu, a procissão triunfal acabou sendo realizada, em 81 A.C.

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Naquele mesmo ano de 81 A.C., Sila renunciou ao cargo de Ditador, restaurando o governo consula e concorrendo ao cargo de Cônsul nas eleições para o ano seguinte. Enquanto isso, Sila também patrocinou o novo casamento de Pompeu, agora com Múcia Tércia, que era víúva do filho do grande rival de Sila, Caio Mário, o Jovem, que se suicidou após ser derrotado quando Sila tomou Roma.

Para a eleição do consulado do ano de 79 A.C, Pompeu, contra a vontade de Sila, apoiou a candidatura de Marco Antônio Lépido (pai do futuro Triúnviro) que era integrante da facção dos Populares, e foi devido a esta desobediència que, quando Sila morreu, no ano seguinte, ele não mencionou Pompeu em seu testamento.

Porém, a morte de Sila não abrandou o conflito entre os Optimates e os Populares. Com efeito, em Roma, Lépido procurava revogar os atos de Sila contra a facção democrática, e ele até chegou a negar ao falecido Ditador um funeral público, sendo, todavia, impedido por Pompeu, que, apesar de não ocupar nenhum cargo público, continuava mantendo um exército particular, no qual baseava a sua influência nos assuntos do Estado. Usando esse trunfo, Pompeu conseguiu intimidar um exército aliado de Lépido, que tentava garantir a este um segundo consulado. Assim, Lépido foi obrigado a fugir para Sicília, onde acabou falecendo.

Enquanto isso, na Hispânia, um partidário dos Populares, o general Quinto Sertório, havia se rebelado, em 80 A.C., contra o governo de Sila, assumindo o governo daquela província como Procônsul. Sertório, cujo governo favorecia os chefes celtiberos e os cidadãos romanos nativos da Província, recebeu o apoio entusiasmado de várias tribos hispânicas, sobretudo do aguerrido povo dos Lusitanos. Essa rebelião política acabou se transformando também em uma guerra de guerrilha de cunho nativista e autonomista, na qual Sertório e os seus aliados derrotaram várias legiões romanas enviadas por Sila.

2 – Sucesso na Hispânia

Em 77 A.C., Pompeu conseguiu obter do Senado a missão de ir combater a rebelião de Sertório na Hispânia, juntando-se às forças de Quinto Cecílio Metelo Pio, que comandava as forças romanas nesta campanha há 3 anos. Juntos, Metelo Pio e Pompeu conduziram uma campanha extremamente difícil contra as forças de Sertório, alternando vitórias e derrotas. Contudo, em 72 A.C., Sertório foi assassinado em uma trama urdida por outro general rebelde, Perpena. Assim, boa parte das tropas celtiberas, incluindo os Lusitanos desistiram de lutar após a morte do admirado Sertório. Metelo Pio, então, resolveu deixar a cargo de Pompeu a tarefa de lidar com as forças remanescentes de Perpena, que foram derrotadas com facilidade por Pompeu, ainda em 72 A.C.

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Pompeu capturou e executou Perpena, mas ele foi muito criticado por ter queimado as cartas existentes no arquivo pessoal de Sertório. Acredita-se, por isso, que essa correspondência poderia guardar fatos comprometedores contra pessoas influentes em Roma…

O fato é que a luta contra Sertório deu grande prestígio popular a Pompeu, que levou a fama de haver vencido a guerra, apesar dele ter dividido o comando da parte mais difícil da campanha com Metelo Pio. Além disso, em 71 A.C., Pompeu aproveitou para aumentar a sua já vasta clientela na Hispânia e recompensou os seus soldados veteranos, dando-lhes terras na província.

3 – Aproveitando a vitória contra a Rebelião de Espártaco

De volta à Itália com seu exército,  a carreira de Pompeu seria novamente bafejada pela sorte: Os remanescentes da célebre rebelião de Espártaco (Terceira Guerra Servil), que havia sido derrotada pelo general Crasso, ainda vagavam pela Itália. Assim, Pompeu recebeu do Senado a missão de combatê-los e, sem muita dificuldade, ele derrotou os últimos 6 mil escravos rebeldes, recebendo, mais uma vez, a maior parte do crédito que, na verdade, deveria ter sido dado com mais propriedade aos seus antecessores.

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4 – Primeiro Consulado

A vitória na guerra contra Sertório deu a Pompeu, em 29 de dezembro de 71 A.C., o seu segundo Triunfo, igualmente contrário às leis da República, e pelo mesmo motivo anteriormente citado. Em seguida, numa uma prova cabal de que a República era, agora, mais um regime de fachada, onde o verdadeiro poder estava com os generais, Pompeu conseguiu ser eleito Cônsul para o ano de 70 A.C., apesar dele não ter percorrido a “Carreira das Magistraturas” (Cursus Honorum) e de ter apenas 35 anos de idade, não perfazendo, portanto, os requisitos legais. O seu colega de consulado seria Marco Licínio Crasso, o vencedor de Espártaco e que era o homem mais rico de Roma.

5 – Aproximação com a facção dos Populares

Em um sinal do tenso clima reinante, os dois homens fortes da República não dispensaram seus exércitos após o conflito. A bem da verdade, Pompeu e Crasso nunca digeririam bem a disputa sobre a quem cabiam os louros pela vitória na Guerra Servil. Não obstante, os dois concordaram em uma medida que certamente desagradou a facção dos Optimates: a restauração dos poderes e privilégios dos Tribunos da Plebe, os quais haviam sido revogados por Sila.

6 –  A Guerra Contra os Piratas

Após exercer o consulado, Pompeu manobrou para obter, em 67 A.C., com a duração de 3 anos, o importante comando da Guerra contra os Piratas, os quais, centrados na região da Cilícia, infestavam o Mediterrâneo, atacando e saqueando os navios comerciais romanos. Para isso,  ele contaria, entre outros, com o apoio de um jovem e promissor Senador, integrante dos Populares: Caio Júlio Cesar

A Guerra contra os Piratas seria uma campanha gigantesca, que envolveria cerca de 100 mil soldados e 250 navios de guerra, e que certamente representava uma grande oportunidade de fama e poder para os políticos ambiciosos…

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Muito mais do que em suas campanhas anteriores, Pompeu, na Guerra contra os Piratas, teve um desempenho brilhante e decisivo, derrotando os inimigos em apenas 3 meses. De fato, nesta guerra, Pompeu demonstrou um grande talento de estrategista, dividindo o Mediterrâneo em setores, cada um a cargo de um almirante, que ficava encarregado de patrulhar as respectivas águas, enquanto, por terra, Pompeu destruía, uma a uma, as bases dos piratas.

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7 – A Guerra contra Mitridates e os sucessos no Oriente

Com seu prestígio nas alturas devido á vitória contra os piratas, Pompeu recebeu, em 66 A.C., em substituição à Lúculo, e, novamente com o apoio do jovem Júlio César e, igualmente, do conservador Cícero, o comando da Terceira Guerra contra Mitridates, o rei do Ponto ( Nota: o Ponto era um reino originariamente surgido de uma satrapia, ou província, do Império Persa que se tornou helenizado e que, durante um quarto de século, vinha opondo-se fortemente à expansão romana pelo Mediterrâneo Oriental).

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(Mapa da campanha de Pompeu contra Mitridates)

No Oriente, Pompeu fez muito mais do que derrotar Mitridates, em 65 A.C., combatendo também os aliados deste na Armênia e até na atual República da Geórgia. Assim, com a vitória, além do Ponto, que foi unido à Bitínia, Pompeu anexou a Capadócia e a rica Síria, que se tornaram províncias romanas, apesar da relutância do Senado em autorizar isso. Pompeu também aproveitou-se das dissensões que grassavam no reino da Judéia para sitiar Jerusalém e invadir o Templo (respeitando, todavia, os objetos sagrados, que não foram saqueados) e, por último, ele atacou o reino dos Nabateus, em Petra. Concluindo sua jornada oriental, em 62 A.C., Pompeu transformou a Judeia em um estado-cliente, dependente da recém anexada Província da Síria.

Depois dessas façanhas militares, Pompeu passou a ser considerado no Oriente um personagem de uma estatura próxima a de Alexandre, o Grande. Já para os cidadãos romanos, que eram bem mais comedidos em colocar seus grandes homens no pedestal de heróis, Pompeu foi reconhecido por haver contribuído como poucos para aumentar o território e, sobretudo, a arrecadação da República Romana, incorporando como contribuintes as ricas cidades helenizadas da Anatólia e do Levante.

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(Em 62 A.C., após as campanhas de Pompeu, a República Romana anexa o Ponto e a Síria, alargando os seus domínios e a sua área de influência na Ásia)

8 – Triunfo em Roma e intrigas políticas

Assim, em seu trajeto de retorno vitorioso para Roma, Pompeu passou pela Grécia, onde ele foi homenageado como se fosse um verdadeiro rei. Neste momento, muitos acreditaram que ele tomaria o poder pela força ao voltar para Roma. Porém, contrariando todas as expectativas, Pompeu dispensou o seu exército antes de entrar na Cidade, como mandava a Lei Romana, para celebrar o seu terceiro Triunfo, no dia do seu aniversário, em 61 A.C., que, desta vez, foi a mais suntuosa e magnífica procissão triunfal jamais vista em Roma.

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(” Triunfo de Pompeu”, de Gabriel de Saint-Aubin Metropolitan Museum of Art)

Certamente, dispensar o exército e entrar em Roma como simples cidadão foi um gesto calculado de Pompeu para obter o apoio do Senado e do povo, demonstrando ser ele um cidadão cumpridor da lei e dos costumes tradicionais, imitando, deste modo, Sila, que, ao meu ver, parece ter sido o modelo no qual Pompeu baseava todo o seu projeto pessoal de ascensão ao poder…

Contudo, no Senado Romano, Pompeu não gozava nem da simpatia dos conservadores, ofendidos pelo apoio que ele havia dado à revogação das leis de Sila que restringiam o poder tribunício, e nem dos Populares, tendo em vista o seu histórico de lutas contra os mesmos. E Pompeu ficou ainda mais contrariado quando o Senado decidiu não recompensar os seus soldados veteranos com doações de lotes de terras públicas.

9 – Aliança com César e Crasso e o Primeiro Triunvirato

Enquanto isso, durante o afastamento de Pompeu de Roma para comandar as campanhas no Oriente, Júlio César ascendera como a grande liderança da facção dos Populares (César era sobrinho da mulher de Mário). Assim, quando César voltou à Roma, no ano 60 A.C., após governar a Hispânia, ele viu a oportunidade de conjugar a sua ambição política com as dos dois homens mais poderosos de Roma: Pompeu e Crasso, ambos insatisfeitos com os Optimates, que controlavam o Senado. Os três líderes então decidiram formar a aliança batizada de Primeiro Triunvirato.

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(Cabeças de César, Crasso e Pompeu)

A aliança política do Primeiro Triunvirato foi cimentada pelo casamento de Pompeu com Júlia, a filha única de César. Vale observar que, mesmo tratando-se de um casamento arranjado, e apesar da diferença de idade entre os noivos (Pompeu tinha 47 anos e Júlia, 24), não obstante, acredita-se que os esposos acabaram se afeiçoando e, anos mais tarde, Pompeu sofreria muito com a morte de Júlia, no parto de uma menina que também não sobreviveu.

César foi eleito Cônsul em 59 A.C., com o apoio de Pompeu, e o Triunvirato assumiu o poder de fato em Roma. Apesar da violenta oposição dos Optimates, liderados por Catão, o Jovem, e também do seu colega de consulado, Bíbulo, César, entre outras medidas defendidas pelos Populares, conseguiu aprovar uma legislação dando terras na Campânia para os veteranos de Pompeu. Na mesma toada, Clódio, um correligionário de César, conseguiu aprovar uma lei especial (Lex Clodia) determinando o exílio de Cícero, como pena pelo fato deste ter ordenado a execução dos envolvidos na Conspiração de Catilina sem julgamento. Essa lei também designou o adversário Catão para governar a distante Chipre, o que, na prática, também equivalia a um exílio, afastando-o do Senado.

Em seguida, os Triúnviros decidiram dividir o governo das províncias romanas entre si, e César escolheu controlar as Gálias Cisalpina e Narbonense, além da Ilíria, autonomeando-se Procônsul, com mandato de 5 anos, a partir de 58 A.C. Em breve, ficaria claro que o propósito de César na Gália era conseguir uma conquista militar que o igualasse em prestígio a Pompeu

10 – Crise do Primeiro Triunvirato

Todavia, as fontes relatam que os repetidos sucessos de César na Gália começaram a amargurar Pompeu, em Roma, pois eles ameaçavam ofuscar os seus próprios. Também por isso, Pompeu manobrou para trazer o influente Cícero de volta para Roma e, graças à revogação do exílio, os dois políticos se aproximaram.

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Busto de Cícero

Em 57 A.C., Pompeu recebeu poderes extraordinários do Senado para cuidar do abastecimento de cereais de Roma, onde a fome grassava, um encargo que o colocava em uma excepcional posição em relação aos outros dois colegas no que tange à capacidade de angariar as simpatias da Plebe.

Enquanto isso, as relações entre Crasso e Pompeu também iam mal e, diante de tudo isso, o Triunvirato começava a soçobrar…Os nobres conservadores Optimates logo perceberam este esgarçamento e, aproveitando as dissensões entre os Triúnviros, conseguiram eleger um dos seus integrantes como Cônsul para o ano de 56 A.C. Por sua vez, Cícero questionou a legalidade da nomeação de César para o governo da Gália.

Percebendo o risco ao Triunvirato e a sua própria vulnerabilidade política, César deixou o comando da campanha da Gália com seus lugares-tenentes e convocou Pompeu e Crasso para uma reunião em Lucca, cidade situada na fronteira da Itália com a Gália Cisalpina, em abril de 56 A.C. Nesse encontro, que passaria à História como a “Conferência de Lucca“, César, Pompeu e Crasso acertaram as suas diferenças, estabelecendo que os dois últimos seriam candidatos a Cônsul no ano seguinte, com o apoio de César. Assegurada a eleição, os novos cônsules promulgariam uma lei prorrogando o mandato do proconsulado de César na Gália por mais cinco anos, sendo que, após o término do consulado de Pompeu e Crasso, eles seriam designados procônsules, respectivamente, da Hispânia e da Síria, também pelo prazo de cinco anos.

O adversário de Crasso e Pompeu na eleição para o consulado de 55 A.C., Lúcio Domício Enobarbo, um fervoroso membro da facção dos Optimates, e que era casado com a irmã do líder deles, Catão, o Jovem, prometeu proibir a prática da compra de votos dos eleitores e revogar o comando de César na Gália.

Porém, no dia da eleição, Enobarbo foi expulso à força do Campo de Marte pelos partidários dos Triúnviros, incluindo mil soldados enviados por César, uma coação que garantiu a vitória de Crasso e Pompeu.

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Seguindo o combinado, os novos cônsules executaram os termos do acordo da Conferência de Lucca, através da “Lex Pompeia Licínia“, garantindo a recondução de César para a Gália e os proconsulados da Síria e da Hispânia para Crasso e Pompeu.

11 –  O fim do Primeiro Triunvirato e a reaproximação com os Optimates

O destino, porém, abalaria a recém obtida estabilidade do Primeiro Triunvirato: no ano de 54 A.C., Júlia, a filha de César e esposa de Pompeu, morreu no parto e, em 53 A.C., Crasso, também ele sedento de obter a glória militar contra os Partos, foi capturado e morto por estes, após a desastrosa Batalha de Carras, em uma das piores derrotas militares sofridas pelos romanos desde a Segunda Guerra Púnica, 150 anos antes…

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Logo ficou claro para os Optimates no Senado que César era uma ameaça muito maior do que Pompeu à supremacia que eles detinham no Estado Romano, e, assim, eles passaram a cortejar o último, que, na verdade, sempre havia ansiado pelo reconhecimento dos nobres.

Com efeito, reconciliado com os conservadores, Pompeu já não tinha se oposto à eleição de Lúcio Domício Enobarbo, ferrenho opositor de César, para cônsul, no ano de 54 A.C. Na verdade, o segundo até havia se tornado sogro do filho de Pompeu, que se casou com a filha de Enobarbo.

Sintomaticamente, Pompeu recusou a proposta de César para uma nova aliança matrimonial entre as famílias deles, na qual Otávia, a sobrinha-neta de César (e irmã do futuro imperador Otávio Augusto) lhe foi oferecida em casamento. Para reforçar ainda mais o seu  distanciamento de César, Pompeu, em completa oposição à proposta de renovação dos laços matrimoniais com a família do seu colega, casou-se, em 52 A.C., com Cornélia Metela, que era filha de Quinto Cecílio Metelo Cipião, um dos mais empedernidos membros da facção dos Optimates e, portanto, um inimigo figadal de César.

Ainda em 52 A.C, as lutas políticas na cidade de Roma degeneraram em anarquia, com repetidos motins nas ruas, culminando no assassinato do ex-Tribuno da Plebe e membro dos Populares, Clódio, e que resultaram inclusive no incêndio do edifício da Cúria do Senado, terminando por impedir a eleição dos cônsules naquele ano. Essa situação caótica obrigou o Senado à medida extrema de nomear Pompeu como único Cônsul para aquele ano. Assim empoderado, Pompeu prontamente agiu, convocando os seus soldados e, com eles, restaurou a ordem na Cidade.

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Evidenciando sua aproximação com os Optimates, Pompeu então nomeou o seu sogro Metelo Cipião como seu colega para o Consulado de 52 A.C.

Diante deste quadro, ainda que para os observadores externos Pompeu ainda resistisse a tomar a iniciativa do rompimento com César, qualquer um que tivesse o mínimo discernimento político perceberia que isso era apenas uma questão de tempo.

Na verdade, naquele momento, Pompeu e o Senado somente não tentaram tomar alguma medida mais efetiva contra César porque, ainda naquele ano de 52 A.C., estourou uma rebelião geral das tribos gaulesas, recém-conquistadas, um fato apto a colocar em risco à segurança da própria Roma.

Com efeito, unidos e liderados pelo chefe Vercingetórix, os gauleses tentaram um confronto definitivo na cidade fortificada de Alésia, onde, no entanto, eles foram definitivamente derrotados naquela que foi talvez a vitória militar mais brilhante de toda carreira de César.

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‘César depõe suas armas aos pés de Júlico César, pintura de Lionel Royer (1899), Public domain, via Wikimedia Commons

Terminada a luta na Gália, a facção dos Optimates no Senado tratou de tentar fazer o mesmo com o comando de César para aquela campanha. Tanto os senadores conservadores quanto César sabiam que, despido da condição de governador e sem cargo público, ele perderia a imunidade, não faltando pretextos para processá-lo e condená-lo, na mais branda das hipóteses, ao exílio.

O confronto entre César e os Optimates tornou-se, então, dramático, com várias manobras políticas visando substituir o primeiro, cassando-lhe a imunidade ou, pelo lado dos seus correligionários Populares, tentando prolongar-lhe o mandato ou elegê-lo para outra magistratura capaz de manter César fora do alcance das retaliações dos adversários.

Assim, em 50 A.C., enquanto ainda estava na Gália, César tentou, sem sucesso, concorrer ao cargo de Cônsul, sem, contudo, abandonar o Proconsulado da Gália e continuando naquela Província, o que era proibido por lei. César, porém, contava com o apoio do Tribuno da Plebe Caio Escribônio Curião, que, segundo alegou-se, teria sido subornado mediante o pagamento de suas dívidas por César. Curião vetava todos os projetos de lei que pretendiam substituir César na Gália ou revogar o seu mandato. Curião, inclusive, chegou a propor uma solução conciliatória entre os partidários de César e a facção dos Optimates: César renunciaria ao comando da Gália desde que: ele recebesse a permissão para concorrer às eleições para o Consulado de 49 A.C. e Pompeu também renunciasse ao seu comando militar. Essa proposta até encontrou simpatia do grupo de senadores moderados, mas o núcleo conservador do Senado, liderado pelo Cônsul Caio Cláudio Marcelo, se opôs ferozmente a ela e eles obstruíram a votação de qualquer proposta naquele sentido.

Com certeza, os senadores mais sensatos percebiam o risco iminente da guerra civil e, por isso, eles apoiavam uma solução de compromisso. Assim, quando, na Sessão do Senado do dia 1º de dezembro de 50 A.C., o Cônsul Cláudio Marcelo reapresentou a proposta de substituição de César na Gália, eles, que inicialmente haviam aprovado a remoção dele, acabaram aprovando, por 370 votos a favor e apenas 22 contra, a emenda substitutiva apresentada por Curião, que estabelecia que também o comando de Pompeu deveria ser encerrado. Porém, Marcelo recusou-se a aceitar o resultado da votação da emenda de Curião e, alegando que César havia cruzado os Alpes com 10 legiões para invadir a Itália, ele declarou dissolvida a Sessão, antes da aprovação do texto.

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12 – Rompimento com César

Em seguida, rompendo com a ordem institucional, Marcelo e alguns integrantes da facção conservadora partiram para a residência de Pompeu para tentar convencê-lo a assumir o comando de todas as tropas na Itália e fizesse o necessário para “salvar a República“. Pompeu, demonstrando alguma relutância, real ou fingida, concordou, ressalvando que ele faria isso

Curião, cujo mandato de Tribuno e a sua consequente inviolabilidade pessoal terminariam em poucos dias, decidiu fugir de Roma e ir ao encontro de César, que se encontrava em Ravena, fora dos limites da Itália Romana, acompanhado apenas da XIII Legião. Apesar de instado por Curião a marchar sobre Roma, César decidiu, entretanto, fazer uma nova proposta de acordo: Ele seria nomeado governador da Ilíria e manteria sob seu comando uma legião, até a eleição para o consulado de 49 A.C. Esta proposta foi, contudo, terminantemente recusada pelos Cônsules.

No dia 1º de janeiro de 49 A.C., César tentou a sua última cartada no Senado para manter a sua carreira política: Valendo-se do novo Tribuno da Plebe, Marco Antônio, que, da mesma forma que o outro Tribuno, Cássio Longino, era seu fiel colaborador, César enviou, através de Curião, uma carta ao Senado para ser lida em sessão, por Antônio. Contudo, quando Antônio começou a ler a carta, após o trecho em que César reiterava a disposição dele de somente deixar a Gália e desmobilizar o seu exército caso Pompeu fizesse o mesmo, ele foi interrompido aos gritos pelos senadores conservadores, e não conseguiu prosseguir. No decorrer desta tumultuada sessão, Metelo Cipião, o sogro de Pompeu, propôs que fosse fixada uma data para que César fosse demitido do comando na Gália e dispensasse suas tropas, após o que ele seria declarado “Inimigo Público“. A moção foi aprovada, e somente houve dois votos contrários: os de Curião e do senador Célio.

Muito provavelmente, a explicação para tamanha diferença entre esta votação e aquela ocorrida um mês antes era a maciça presença das tropas de Pompeu nas cercanias de Roma…

Não obstante, o Tribuno Marco Antônio vetou a moção de Metelo Cipião e apresentou uma nova proposta para que fosse incluído na lei que o comando de Pompeu também se encerraria na mesma data, sendo esta proposta conciliatória bem recebida. Porém, novamente, o cônsul Lúcio Cornélio Lêntulo, apoiado por Metelo Cipião, dissolveu a Sessão antes que o projeto de lei contendo as modificações de Antônio fosse aprovado.

Em 7 de janeiro de 49 A.C., o Senado Romano aprovou o “Senatus Consultum Ultimus” declarando a Lei Marcial e nomeando Pompeu como “Protetor de Roma“, equivalendo, na prática, ao cargo de Ditador. Como era esperado, essa lei também declarou o término do mandato de César na Gália, ordenando que ele entregasse o comando das tropas. Em seguida, os soldados de Pompeu ocuparam Roma. Pompeu, agora mais incisivo, expediu uma sugestiva nota dizendo que:

Marco Antônio e Cássio entenderam bem o recado e fugiram de Roma, indo ao encontro de César. Quando eles chegaram, César percebeu que não havia mais espaço para manobras políticas ou negociações. Ele teria agora que optar entre obedecer o Senatus Consultum Ultimus e arriscar a sorte como um cidadão comum exposto à sede de vingança dos inimigos, ou ignorar a mesma e tornar-se um rebelde e um fora-da-lei.

13 – Começa a Guerra Civil

No dia 10 de janeiro de 49 A.C., César, comandando apenas a XIII Legião, cruzou o riacho chamado Rubicão, que marcava a fronteira da Itália com a Gália Cisalpina. Ao entrar na Itália à testa de um exército, ele violara a lei romana e era, tecnicamente, autor de um crime de alta traição. Nas próprias palavras de César:

Começava a Guerra Civil.

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O Senado ficou chocado com a rapidez com que César conseguiu invadir a Itália e pela ousadia de tê-lo feito com apenas uma legião.

O fato é que, pouco antes Pompeu já havia recebido a autorização do Senado, agora inteiramente controlado pelos Optimates, para recrutar um exército de 130 mil homens na Itália, o qual eles achavam que estaria pronto quando César chegasse. Entretanto, ao contrário do esperado, ao invés de ser recebido como fora-da-lei pelos italianos, praticamente todas as cidades no caminho aclamavam César como um herói e o campeão da causa dos Plebeus.

Pompeu também imediatamente compreendeu que qualquer tropa que estivesse a sua disposição não seria páreo para os calejados legionários de César, que naquele momento eram provavelmente os melhores soldados do Mundo…

Para compensar, durante o avanço de César para Roma, Pompeu recebeu um alento: um dos mais importantes comandantes de César, o hábil general Labieno, desertou e uniu-se às forças de Pompeu.

Em função de sua iniciativa e do apoio popular, César tomou Roma sem precisar lutar, pois os senadores conservadores, apavorados, fugiram para as propriedades deles fora da Cidade, deixando boa parte do Tesouro do Estado à disposição dele.

E sobretudo porque Pompeu havia concluído que a melhor estratégia era fugir para a Campânia, onde as tropas senatoriais ainda estavam sendo recrutadas.

Nesse meio tempo, Lúcio Domício Enobarbo, que fora apontado pelo Senado como o sucessor de César para a Gália e recebera 4 mil homens para tentar impedir o avanço dele para Roma, foi detido enquanto tentava escapar da cidade de Corfinium, pelos próprios habitantes e entregue a César, que já vinha em sua perseguição. Os soldados que Enobarbo comandava aderiram a César, enfraquecendo, assim, a perspectiva de uma resistência senatorial na Itália.

14- Retirada estratégica para a Grécia

Pompeu decidiu, então, partir para a Grécia, onde, explorando o seu prestígio e sua vasta clientela existente na região, ele poderia reunir um grande exército. Além disso, ele ainda tinha sob seu comando uma considerável frota romana, ao contrário de César, cujos poucos navios disponíveis  tornavam difícil perseguir Pompeu, ainda mais agora que a chegada do inverno estava próxima, impedindo por alguns meses os transportes marítimos. Finalmente, Pompeu tinha mais chances de interceptar os carregamentos de cereais para Roma, onde a fome resultante seria responsabilidade de César, enfraquecendo-o perante a Plebe.

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Embora o plano supracitado não fosse uma estratégia ruim, o fato de Pompeu ter tido que abandonar a Itália, demostra o despreparo com que ele foi pego pela rápida ação de César. E isto apesar de terem sido Pompeu e os Optimates que deram o ultimato ao adversário, tendo um bom tempo para se prepararem…

Acompanharam Pompeu em sua retirada estratégica da Itália a maior parte da facção dos Optimates. Assim, ao contrário de César, que era o comandante supremo de suas forças, Pompeu, por diversas vezes, tinha que escutar e levar em consideração os palpites militares dos senadores mais proeminentes, muitos deles com pouca ou nenhuma experiência bélica.

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César, devido à impossibilidade de perseguir Pompeu até a Grécia, decidiu partir para enfrentar os exércitos do rival que se encontravam baseados na Hispânia. Isso motivou o famoso comentário de César:

Chegando em Ilerda, após mais uma impressionante marcha forçada, César cercou o exército de Pompeu, que se rendeu em 02 de julho de 49 A.C., De volta à Roma, César, em apenas 11 dias de estadia na capital, foi nomeado Ditador por um curto período e, após editar uma série de decretos implementando políticas de interesse dos Populares, conseguiu que Pompeu fosse declarado “fora-da-lei”.

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Em 28 de novembro de 49 A.C., após conseguir os navios necessários, César partiu de Brundisium e cruzou o mar Adriático em direção ao Épiro, na atual Albânia. Se o inverno era insatisfatório para transportar as tropas via marítima, era muito mais para as instáveis galeras de patrulha da frota de Pompeu, assim, a cartada de César inicialmente foi um sucesso e ele conseguiu desembarcar metade de suas forças.

Porém o comandante da frota de Pompeu, ancorada em Corfu, Marco Calpúrnio Bíbulo, que tinha sido pego de surpresa pelo desembarque repentino de César, agora  estava alerta e decidiu bloquear a costa do Épiro, impedindo a chegada de reforços e de provisões para César. E, para a animar o ânimo de Pompeu, o seu outro comandante, Lúcio Escribônio Libo,  conseguiu a capturar as ilhas que dominavam a entrada do porto de Brundisium.

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Agora parecia que a audácia de César o tinha levado longe demais. Pompeu tinha muito mais legiões do que ele no Épiro e agora, além da inferioridade numérica, o exército do rival não poderia mais receber suprimentos nem reforços.

Enquanto isso, Pompeu, estabelecido em Tessalonica, na Macedônia, montou um verdadeiro governo romano no exílio, rodeado por tantos senadores fugitivos, cerca de duzentos, que eles passaram a se reunir em sessão naquela cidade grega, como se estivessem no Senado, em Roma. Em Tessalonica, Pompeu recebeu Rufo, um general partidário seu a quem César havia capturado na Hispânia, que lhe foi enviado por César como um emissário levando uma  proposta de acordo de paz, onde ambos desmobilizariam seus exércitos e submeteriam seus pleitos ao Senado e ao Povo de Roma. Essa proposta de César foi motivada pela situação desfavorável em que ele se encontrava no Épiro.

Pompeu, diante das notícias, recusou a oferta e decidiu que era hora dele se mexer e marchar em Direção à Apolônia, na costa do Épiro. Porém, César chegou ali antes e o povo da cidade, surpreendentemente, o recebeu de braços abertos, e o governador romano da cidade, Straberius, que tinha sido apontado por Pompeu, teve que fugir.

15-  Vitória tática, mas derrota estratégica na Batalha de Dirráquio

Quando ficou sabendo da perda de Apolônia, Pompeu decidiu fazer uma marcha forçada para uma boa posição defensiva na cidade de Dirráquio (atual Durres, na Albânia, ou, ainda, Durazzo, em italiano), local que ele alcançou em 3 de dezembro de 49 A.C. Porém, essa marcha forçada não foi um bom prenúncio para os partidários de Pompeu. Nela ficou patente que o grande general já estava ficando velho, e que as tropas por ele recrutadas estavam despreparadas e desanimadas.

Agora, os exércitos estavam separados pelo rio Apsus, o de Pompeu acampado nas cercanias de Dirráquio, e o de César nos arredores de Apolônia. Entretanto, Pompeu, apesar do seu exército ser muito mais numeroso, dando uma demonstração de falta de combatividade, ou talvez por ele não confiar na capacidade do seu exército, ao invés de atacar César, ficou acampado por dois meses em atitude de espera…

Nesse meio tempo, César vinha requisitando aos seus correligionários em Roma o envio de reforços com urgência, e, para a sua felicidade, Marco Antônio, o seu braço-direito, conseguiu despistar o bloqueio naval de Libo, que havia perdido um pouco da eficiência depois da morte de Bíbulo, e desembarcou mais 4 legiões na cidade de Nympheum, em fevereiro de 48 A.C.

A notícia do desembarque de Antônio chegou, quase ao mesmo tempo, aos dois acampamentos. Pompeu decidiu, então, interceptar os recém-chegados reforços  antes que eles se unissem a César. Ele tinha a vantagem de não ter que cruzar o rio e na verdade começara a marcha um pouco antes. Assim, Pompeu escolheu um ponto para tentar emboscar as legiões de Antônio que avançavam. Antônio, porém, foi avisado por simpatizantes gregos da armadilha e decidiu permanecer acampado, protegido de um ataque pela paliçada, fosso e torres. Pompeu logo percebeu que, agora, ele corria o risco de ficar entre uma posição fortificada inimiga e o exército de César e ele, então, achou mais prudente voltar para Dirráquio, onde se entrincheirou de vez. Ele foi seguido por César, que também começou a construir uma cadeia de paliçadas, fossos e torres de fortificação, de modo que ambos os líderes foram tornando o campo de batalha de certa forma parecido com o que se veria, quase dois mil anos depois, na 1ª Guerra Mundial.

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Ter permitido a junção das reforços de Antônio às legiões de César com certeza foi uma derrota tática de Pompeu. Se antes, quando tinha superioridade de 3 para 1, ele não atacara César, agora seria muito mais difícil… A sua estratégia reduziu-se, então, a esperar que César ficasse sem suprimentos, já que ele poderia recebê-los da Grécia. César, por sua vez, como demonstram os trabalhos de fortificação que ordenou, também esperava proteger as únicas linhas que tinha de suprimentos por terra, no Épiro, província que estava longe de ser abundante em recursos, já bem exauridos pelos recentes combates, e, sobretudo, se proteger dos ataques do inimigo muito mais numeroso.

Curiosamente, à medida que o tempo foi passando, o trigo dos campos que se encontravam dentro do perímetro fortificado de César começou a crescer. Já Pompeu passou a ter problemas de escassez de água, e, assim,  invertendo-se a situação, ele é que passou a ficar na condição de sitiado. Essa situação em breve obrigaria Pompeu a ter que atacar para romper as linhas de César. Mas, nessa premência, Pompeu seria beneficiado por um golpe de sorte: Dois comandantes de cavalaria da tribo gaulesa dos Allobroges, que serviam como auxiliares no exército de César,  acusados de desviarem o soldo das suas tropas, desertaram e foram se unir a Pompeu. Os desertores contaram detalhes acerca das posições defensivas de César, sobretudo algumas posições no sul das linhas, que não tinham ficado prontas.

Vislumbrando uma boa oportunidade para a ação, Pompeu, em 10 de julho de 48 A.C., ordenou um ataque de seis legiões contra o ponto fraco, onde a paliçada de César chegava até o mar, inclusive utilizando tropas ligeiras desembarcando diretamente da água, naquele ponto. Com superioridade numérica esmagadora, as legiões de Pompeu conseguiram romper o perímetro defensivo, fazendo recuar a IX Legião Cesarista, com pesadas perdas. Contudo, César deslocou 4 mil homens para o ponto fraco, sob o comando de Marco Antônio e contra-atacou, fazendo as tropas de Pompeu se refugiarem em um pequeno forte que havia sido abandonado pelos soldados de César. Este resolveu desalojá-los de lá enviando 33 Cohortes de infantaria, apesar desse número ser metade do das legiões que estavam sendo atacadas.

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Ao contrário do que se esperava, as tropas de Pompeu resistiram tenazmente e ainda foram auxiliadas por um destacamento misto de cavalaria e infantaria que o experiente general enviou no calor da batalha para flanquear a retaguarda da ala direita dos soldados de César. Ameaçado pelo contra-ataque de Pompeu, César tentou organizar uma retirada ordenada mas os soldados dele entraram em pânico e correram para se proteger atrás dos muros de seu próprio acampamento. César perdeu mil homens no ataque fracassado.

Mais uma vez, contudo, Pompeu hesitou no momento crucial e deixou de ordenar um ataque generalizado ao exército de César, o qual teria grande probabilidade de lhe dar a vitória completa. Parece que ele, erroneamente, suspeitou que a retirada do rival era uma armadilha ou, então, que a parada já estava ganha, mas o fato é que ele acabou não fazendo nada, o que motivou o impiedoso comentário de César:

César, então, decidiu se retirar do campo da Batalha de Dirráquio e marchar para a Tessália, local para onde ele já tinha enviado umas legiões sob o comando de Cneu Domício Calvino para confrontar o resto do exército de Pompeu que ali era lideradas por Cipião Násica

Da mesma forma, seguindo a uma distância prudente o inimigo, Pompeu deixou o campo de batalha e seguiu para a Tessália. Embora cautelosamente ele achasse que ainda não chegara a hora de lutar uma batalha decisiva, Pompeu acabou sendo convencido pelo seu séquito de influentes senadores Optimates a perseguir César e seu exército para forçar uma batalha decisiva. E o cenário escolhido para isso foi a planície de Farsália (Pharsalos), onde os exércitos inimigos acamparam.

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Pompeu tinha entre cerca de 60 mil soldados e 45 mil soldados e César, entre 30 mil e 22 mil (as fontes variam). E o contingente de cavalaria à disposição de Pompeu era esmagadoramente superior: 7 mil contra mil. Os acampamentos dos dois exércitos ficavam distantes cerca de 9 km um do outro.

César, com certeza, não tivera sua confiança abalada pela derrota na Batalha de Dirráquio e ele deve, como em tantas vezes anteriores, ter conseguido motivar suas tropas. Por isso, todo dia ele mandava o exército entrar em formação de combate à vista do inimigo, tentando atrair Pompeu para o campo de batalha. Mas o máximo que Pompeu fazia era formar seu exército no topo da colina em que ele acampara, na improvável esperança de que César atacasse em um terreno que lhe era francamente desfavorável.

Enquanto isso, no quartel de Pompeu, os senadores exigiam que ele liquidasse logo o assunto. Após o desempenho razoável em Dirráquio, a confiança dos Optimates era tanta que eles chegaram até a fazer uma divisão prévia dos cargos no governo, que seria implementada quando do que eles julgavam ser o iminente retorno vitorioso deles à Roma.

16- Derrota na Batalha de Farsália

Assim, em 9 de agosto de 48 A.C., todo o exército de Pompeu desceu da colina e se colocou em ordem de batalha, disposto em três linhas com profundidade de dez homens cada. Novamente, porém, a iniciativa seria deixada ao adversário. O plano era esperar que César atacasse, já que se esperava que suas tropas ficariam cansadas pela marcha. E, desta vez, as linhas de César, comandadas por Marco Antônio e Domício Calvino avançaram, não sem antes pararem no meio do caminho para descansar e se reagrupar, até que elas se chocaram com o centro da primeira linha de Pompeu, que resistiu ao ataque.

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Então, ambos os exércitos ficaram se empurrando e tentando abrir espaços entre os caídos, sem sucesso, como era característico dos combates da Antiguidade. Entretanto, quando Labieno, obedecendo as ordens de Pompeu, lançou a sua cavalaria do flanco esquerdo, que superava a de César por 7×1, visando esmagar a a cavalaria inimiga, é que se percebeu que César, discretamente, havia formado uma quarta linha, por trás das 3 primeiras, que tinham sido formadas para serem mais finas dos que as de Pompeu (6 homens),  a qual composta com elementos da terceira linha (8 coortes) misturados com seus mil cavaleiros.

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Os cavaleiros de Pompeu, surpresos pelo tamanho da formação, que eles esperavam que fosse bem menor, quando se depararam com a quarta fileira de tropas de César, entraram em pânico e dispersaram-se, quando os legionários, ao invés de atirarem os seus dardos (pila), usaram-nos como lanças, apontadas para os cavalos.

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Em seguida, a quarta linha de infantaria de César aproveitou-se de que o flanco esquerdo de Pompeu estava desprotegido, após a fuga da cavalaria, e atacou aquele ponto, que, em pouco tempo, começou a perder a coesão, e  com o pânico espalhando-se entre os soldados.

Aproveitando o momento adequado, César lançou a sua terceira linha sobre a linha de frente do inimigo, que foi rompida. Assistindo seu exército ser envolvido, Pompeu decidiu voltar para o seu acampamento, deixando as tropas no campo de batalha, que, ao se verem sem o seu comandante supremo, começaram um debandada geral. Quando César conseguiu alcançar o acampamento inimigo, que, diga-se de passagem, foi galantemente defendido pelos auxiliares trácios, Pompeu já tinha fugido.

De acordo com os “Comentários sobre a Guerra Civil“, obra atribuída ao próprio César, ele perdeu apenas 30 centuriões e 200 legionários na Batalha de Farsália.

17 – Pompeu foge para o Egito

O objetivo de César agora era perseguir e capturar Pompeu para impedir que ele reunisse um novo exército. De fato, Pompeu tinha parado em Amfípolis e publicado um decreto conclamando todos os homens da província da Macedônia a se juntarem a sua causa. Porém, quando se César aproximava-se daquela cidade, ele resolveu fugir, embarcou em um navio e, no trajeto, apanhou sua esposa, Cornélia, e o seu filho, para se juntar aos remanescentes de sua frota. Contudo, em todo lugar que Pompeu atracava, ficava claro que ele ali não era bem-vindo.

Como o grande aliado de Pompeu na guerra contra César e os Populares, Catão, o Jovem, o líder intelectual dos Optimates, já tinha fugido para a África para tentar organizar a resistência aos inimigos, Pompeu foi aconselhado a fazer uma parada no Egito. Parecia, de fato, uma boa ideia, já que o pai do atual faraó Ptolomeu XIII tinha mantido com Pompeu uma relação de quase-clientela, a quem, inclusive, o faraó pagou uma grande soma em dinheiro para ser reconhecido por Roma.

Ptolomeu XIII, que ainda era um menino de cerca de 14 anos, no início parecia disposto a receber Pompeu, porém, ele foi alertado pelo eunuco Potheinus, por seu tutor, Teódoto de Chios, e por Achillas, o comandante do exército egípcio, de que, uma vez no Egito, Pompeu poderia tentar governar o país, já que muitos dos mercenários romanos que compunham o exército egípcio tinham servido sob as ordens de Pompeu. O jovem faraó foi também aconselhado que tudo indicava que César seria o vencedor da Guerra Civil e o melhor seria não desagradá-lo.

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18 – A triste morte de Pompeu

Assim, quando a pequena frota de Pompeu chegou próximo à cidade egípcia de Pelousium, local onde Ptolomeu XIII travava uma guerra pela sucessão com sua irmã Cleópatra VII, o general Achillas foi, juntamente com Septimius, que tinha sido um antigo oficial de Pompeu, ao encontro dele, em um barco de pesca, dando a entender que tinham vindo buscar o romano para desembarca-lo em terra.

Os acompanhantes de Pompeu, porém, quando viram o pequeno barco de pesca aproximar-se, ficaram desconfiados e o aconselharam de que eles não deviam se aproximar da outra embarcação. Achillas, então, gritou que o motivo deles estarem usando um barco tão pequeno era a pequena profundidade da água, apesar de alguns navios egípcios estarem próximos. Nesse momento, Cornélia teve um pressentimento de que o seu marido ia ser morto e lhe disse para não embarcar. Pompeu, todavia, ignorou o receio da esposa e embarcou.

À bordo do pesqueiro, Pompeu, achando a fisionomia de Septimius familiar, perguntou se ele tinha sido seu camarada de exército. Naquele instante, Septimius, sem nada responder, enfiou a espada dele em Pompeu, sendo que Achillas e um certo romano de nome Savius, que acompanhavam tudo, também aproveitaram para esfaquear Pompeu com as suas adagas.

Assistindo a tudo, horrorizados, os tripulantes do navio de Pompeu, aproveitando o vento favorável, fugiram. Enquanto isso, a cabeça de Pompeu foi cortada, e o corpo dele, jogado ao mar.

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Pompeu morreu em 28 de setembro de 48 A.C., um dia antes do seu aniversário, no qual ele completaria 60 anos de idade. Quando, apenas dois dias após, César chegou à Alexandria, em perseguição ao rival, Teódoto lhe presenteou com o anel-selo de Pompeu e um recipiente, do qual foi retirada a cabeça de Pompeu. As fontes contam que César chocado, chorou o trágico fim do rival e amaldiçoou Teódoto, que teve que fugir para não ser executado.

Os restos de Pompeu foram entregues a Cornélia e enterrados na Vila de Pompeu, em Alba, na Itália.

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19 – Conclusão

Pompeu acabou se tornando um personagem que goza de uma certa simpatia pelo público amante da História de Roma. Apesar de ter sido um homem muito ambicioso, ele preferiu, quando teve condições de tentar a conquista do poder absoluto, obter a chancela do Senado e respeitar a Constituição. Parece-nos que o fato dele não pertencer a uma família da nobreza tornou-o excessivamente sequioso da aprovação dos nobres, dos quais, embora ele tenha se afastado temporariamente, acabou se reaproximando.

Na verdade, mesmo que Pompeu tivesse ganho a Guerra Civil, a República já estava ferida de morte e provavelmente ele seguiria a trajetória de Sila, ou, caso a sua ambição falasse mais alto, a que o próprio César trilharia, após ter vencido a Guerra Civil. Em qualquer dos casos, acredito que os Populares acabariam encontrando um outro campeão, talvez os mesmos Marco Antônio e Otaviano.

A relação pessoal amistosa de Pompeu com César, durante a maior parte da carreira dele, parece ter sido genuína, e os relatos deixam transparecer que os dois grandes homens da República da época efetivamente admiravam-se e respeitavam-se mutuamente. O casamento de Pompeu e Júlia, embora tenha sido arranjado com finalidades políticas, acabou se transformando em uma união de verdadeiro amor conjugal, e tudo isso contribuiu para melhorar a imagem de Pompeu para a posteridade.

FIM

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AUGUSTO – O PRIMEIRO

No dia 19 de agosto de 14 D.C , faleceu, em Nola, no sul da Itália, o primeiro imperador de Roma, Augusto, com a avançada idade de 75 anos.

1- Antecedentes Familiares, infância e adolescência

Nascido em 23 de setembro de 63 A.C, em Roma, com o nome de Gaius Otavius (Caio Otávio), em uma pequena propriedade no bairro do Palatino, chamada de “Cabeça de Boi”, ainda em tenra idade ele recebeu o cognome Thurinus, pelo fato de seu pai (que também se chamava Caio Otávio)  ter sufocado uma rebelião de escravos na cidade de Thurii, na região da atual Calábria, em antes de ir assumir o posto de Procônsul da Macedônia, em 60 A.C. Nesta província, as fontes relatam que Otávio pai mostrou-se um administrador justo e capaz, tendo, ainda, obtido uma vitória militar contra a tribo dos Bessi, na Trácia, pela qual foi aclamado “Imperator” (Comandante vitorioso) pelas tropas.

Acredita-se que esta cabeça de estátua retrate Caio Otávio, pai do imperador Augusto (foto: By https://www.flickr.com/photos/carolemage/https://www.flickr.com/photos/carolemage/14464486330/, CC BY-SA 2.0, https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=91027203)

O pai de  Caio Otávio Turino (que por enquanto iremos chamar de Otávio) era um “novus homo” (homem novo), isto é, alguém que chegou ao Senado Romano sem ter nenhum ancestral que o tivesse feito, o que significava não pertencer a uma família ilustre. A família dos Otávios (em latim, “Octavius“, inicialmente um prenome, significando que alguém era o oitavo filho nascido de um casal) era originária da cidade de Velitrae (atual Velletri), a cerca de 40 km a sudoeste de Roma, que fazia parte do território dos Volscos, um povo itálico que por volta de 338 A.C foi incorporado pelos Romanos. O primeiro Otávio a ser mencionado na História de Roma foi o questor Gnaeus Octavius Rufus, que ocupou o cargo por volta de 230 A.C. Ele teve dois filhos, sendo que a descendência do primeiro chegou a exercer cargos importantes. Augusto e seu pai, entretanto, descendiam do segundo filho de Octavius Rufus.

A cidade de Velletri, atualmente ( foto: By Deblu68 – Own work, Public Domain, https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=3883068)

Uma inscrição no Fórum de Augusto sumariza a carreira de Caio Otávio (pai):

Já a mãe de Otávio, Atia Balba, era filha de Marcus Atius Balbus (Balbo), primo do grande general e poderoso político Pompeu, o Grande, e provavelmente graças a esse parentesco, o pai dela foi apontado para o cargo de Pretor, em 62 A.C. Apesar disso, o próprio Pompeu, segundo Cícero, considerava Balbo um homem de pouca importância.

Mais importante, a mãe de Atia era filha de Júlia, a irmã mais nova de Caio Júlio César, político que começava a se tornar uma figura muito influente na política romana.

A carreira do seu pai, somado ao fato deles residirem no bairro do Palatino, um lugar habitado pela elite, ainda que tendo nascido em uma casa não muito grande, demonstra que a família de Otávio gozava de boa situação financeira.

Contudo, Atia ficou viúva do pai de Otávio quando este tinha somente 4 anos, em 59 A.C. O seu novo marido, Lucius Marcius Phillipus já tinha três filhos e, naquele momento, ele estava mais preocupado em se eleger Cônsul apoiado pela facção política dos Optimates, defensores dos privilégios da aristocracia senatorial contra a facção dos Populares, da qual a família dela fazia parte.

Por isso, o menino Otávio foi viver com sua avó Júlia, a irmã de César, que ficou responsável por sua criação até a morte dela, em 51 A.C, após o que ele voltou a morar com sua mãe e padrasto, período em que César concluía a sua brilhante campanha de conquista da Gália e dividia a supremacia política da República com Pompeu, o Grande.

Otaviano menino ([[File:Young Octavian by Edmonia Lewis.jpg|Young_Octavian_by_Edmonia_Lewis]]

Uma grande prova disso foi o fato de que Otávio, com apenas doze anos de idade, ter sido escalado para fazer a oração-fúnebre no velório de sua avó, que era uma cerimônia pública de grande importância para as famílias influentes da nobreza romana, muito embora o chefe do clã fosse César.

Certamente, essa proximidade que Otávio experimentou com a família do seu poderoso tio-avô, Júlio César, fez com que este notasse as qualidades do jovem sobrinho-neto.

Com efeito, após derrotar Pompeu e assumir o título de Ditador, César deu várias demonstrações de estima e consideração por Otávio, e, nos estágios finais da Guerra Civil contra o Senado e os remanescentes dos apoiadores de Pompeu, na Espanha, Otávio esteve com o tio-avô na campanha, apesar de vários episódios de problemas de saúde, algo que se repetiria ao longo de sua longa vida.


For more on the Museo della Civiltà Romana, have a look at http://en.museociviltaromana.it/ or http://en.wikipedia.org/wiki/Museum_of_Roman_Civilization

Antes disso, porém, com o falecimento da avó, Otávio voltou a morar com a sua mãe, que se esmerou em lhe fornecer a melhor educação possível para um jovem aristocrata. Desse modo, Otávio recebeu aulas de leitura, escrita, aritmética e de língua grega, sendo ensinado pelo escravo grego chamado Sphaerus, a quem mais tarde ele libertaria e concederia um funeral público, após a morte do tutor. Já adolescente, Otávio teria aulas de Filosofia com os filósofos Areios de Alexandria e Atenodoro de Tarso, de Retórica em Latim com Marcus Epidius, e de Retórica em Grego com Apolodoro de Pérgamo.

Em 48 A.C, formalmente Otávio deixou a infância e ingressou na idade adulta, conforme o costume romano, ao receber a “Toga Virilis“. Nesse período, seu tio-avô Júlio César já havia assumido o poder supremo em Roma, ocupando o cargo de Ditador, muito embora ainda houvesse resistência localizada da oposição no Senado e dos apoiadores de Pompeu. Assim, em mais uma demonstração das intenções de César em promover seu sobrinho-neto, em 47 A.C, Otávio foi eleito para o Colégio de Pontífices, corpo encarregado de celebrar os mais importantes ritos religiosos públicos e destinado aos membros das mais ilustres famílias romanas.

Seguiram-se novas honrarias concedidas por César a Otávio: ele acompanhou o tio-avô no Triunfo celebrado em honra da vitória na Campanha da África, e, em 44 A.C, após ser aclamado Ditador Perpétuo, César nomeou Otávio como Marechal da Cavalaria (Magister Equitum), significando que ele era agora um de seus principais auxiliares.

2- Herdeiro de César

Quando César foi assassinado nos Idos de Março de 44 A.C, Otávio estava estudando e recebendo treinamento militar em Apolônia, na Ilíria, a fim de participar da campanha que César planejava mover contra o Império Parta.

Quando a notícia da morte de César chegou a Apolônia, Otávio decidiu partir para Roma, apesar da oposição de sua mãe e de seu padrasto, tendo sido aconselhado e apoiado nesta decisão por seu amigo de infância, Marco Vipsânio Agripa, que lhe era muito devotado pelo fato de Otávio ter intercedido junto ao tio-avô para que este perdoasse o irmão de Agripa, que havia lutado contra César na Batalha de Tapsos (46 A.C.), na qual ele havia caído prisioneiro.

Ao desembarcar na Itália, Otávio tomou conhecimento de que ele havia sido adotado e nomeado herdeiro de César no recém-aberto testamento do Ditador, que havia sido depositado por este na Casa das Virgens Vestais em 13 de setembro de 45 A.C. Com isso, Otávio passou legalmente a se chamar Caio Júlio César, sendo que a maior parte dos historiadores, seguindo as convenções romanas para os nomes de pessoas adotadas, a partir de então passam a se referir a Otávio como “Caio Júlio César Otaviano”, ou, simplesmente, Otaviano, algo que também faremos a partir daqui, muito embora ele mesmo jamais tenha utilizado esse nome.

Contra o conselho expresso de seu padrasto, Otaviano aceitou os termos do Testamento de César em 8 de maio de 44 A.C, tornando-se formalmente herdeiro do Ditador e, por via de consequência, não só detentor do que era, então, a maior fortuna do Mundo Romano, mas também de um imenso capital político (vale observar que, segundo Cícero, Lucius Marcius Phillipus recusava-se a chamar o enteado pelo nome “César”).

Cabeça de Otaviano, ostentando barba em sinal de luto pela morte de César. Foto; [[File:Head thought to be of Octavian wearing a beard as a sign of mourning after the assassination of Julius Caesar, now said to be of Gaius Caesar, grand-son of Augustus, Musée de l’Arles antique (15158287595).jpg

Entretanto, após o assassinato de César, inicialmente, e por um período muito breve, o poder ficou nas mãos dos assassinos de César, liderados por Marco Júnio Bruto e Caio Cássio Longino, que em um primeiro momento se compuseram com Marco Antônio, o braço-direito de César. Porém, a indignação popular contra os assassinos obrigou os a fugir de Roma.

Vale citar que os senadores conservadores, que dominavam o Senado, temiam e detestavam Antônio, que comandava a maior parte do exército de César.

Porém, com a chegada de Otaviano a Itália e a publicidade acerca dos termos do testamento do Ditador, milhares de veteranos das legiões de César foram ao encontro dele  para oferecer sua lealdade ao seu jovem herdeiro.

Os senadores, liderados pelo prestigiado Marco Túlio Cícero, pensando que poderiam controlar o jovem e inexperiente Otaviano, de apenas 19 anos, e usá-lo para enfraquecer Antônio, rapidamente reconheceram a sua posição e providenciaram fundos para pagar as suas tropas.

Marco Túlio Cícero

Com esse propósito, Cícero passou a elogiar Otaviano publicamente, parecendo mesmo acreditar que o rapaz se guiaria pelos princípios republicanos caros aos Optimates.

Marco Júnio Bruto não concordou com a aproximação de Cícero e Otaviano,  e enviou ao primeiro uma carta, censurando-o por escolher um “tirano gentil” (Otaviano) a um “tirano inimigo” (Antônio).

O propósito de Cícero era enviar Otaviano contra Antônio, que sitiava Décimo Júnio Bruto, um dos conspiradores dos Idos de Março e nomeado governador da Gália, na cidade de Mutina (atual Módena). Assim, Cícero manobrou para que Otaviano fosse elevado ao cargo de Senador, apesar dele estar bem abaixo da idade requerida, e reconhecido oficialmente comandante (Imperator) das suas tropas, legalizando-as como um exército da República.

A chegada do exército de Otaviano, juntamente com as tropas senatoriais lideradas pelos cônsules Hírtio e Pansa, obrigou Antônio a se retirar para a Gália, após combates desfavoráveis nas batalhas de Fórum Gallorum (14 de abril de 43 A.C) e Mutina (21 de abril de 43 A.C), nas quais os dois cônsules morreram. Em consequência, Otaviano assumiu o comando das tropas deles, tornando-se o chefe militar mais poderoso da península italiana naquele momento, controlando oito legiões.

Em seguida, algumas fontes (Apiano e Plutarco) mencionam que Otaviano teria feito uma proposta a Cícero para que este convencesse o Senado a indicá-los para os cargos de Cônsules, em substituição aos falecidos Hírtio e Pansa, instigando assim, astuciosamente, a conhecida vaidade do velho senador, que, animado com a possibilidade de exercer novamente o Consulado, deu andamento à proposta.

As evidências nos mostram que nessa aliança entre Cícero e Otaviano, ambos, a velha raposa política e o jovem herdeiro, estavam tentando aproveitar-se um do outro. Assim, Cícero via Otaviano meramente como um instrumento descartável para neutralizar Antônio. E Otaviano percebeu isso, mas também considerava útil ter o apoio de um dos senadores mais ilustres, o que lhe conferia mais legitimidade.

Com efeito, os dois certamente sabiam que se tratava de uma aliança precária e ao sabor das circunstâncias…Em uma carta de Décimo Bruto a Cícero, que sobreviveu, o primeiro assim escreveu ao grande senador:

Assim, em julho de 43 A.C., Otaviano enviou uma delegação de centuriões ao Senado demandando o cargo de Cônsul. Porém, o Senado respondeu com questionamentos acerca da pouca idade de Otaviano para o cargo. Ele então decidiu marchar em direção a Roma com suas oito legiões, sem encontrar oposição. Segundo Apiano, Cícero ainda conseguiu um encontro com Otaviano, onde enfatizou suas ações no Senado em apoio da candidatura dele, porém o rapaz apenas respondeu com ironia.

Cícero ainda convocou uma sessão noturna no Senado após circular um boato de que duas legiões de Otaviano tinham desertado e se unido à causa senatorial, mas quando a notícia foi desmentida, ele fugiu.

Como resultado, em 19 de agosto de 43 A.C. Otaviano foi eleito Cônsul, tendo apenas 19 anos de idade.

Ainda no mês de julho, Cícero tinha escrito uma carta a Bruto, tentando explicar os fatos e demonstrando a sua impotência diante deles :

3O Segundo Triunvirato

O fato da disputa entre Otaviano e Antônio não ser bem vista pelos soldados deles, quase todos veteranos de César, bem como a percepção de ambos de que o Senado, na primeira oportunidade, tentaria se livrar de todos, revogar as leis instituídas por César e restaurar a República e os privilégios senatoriais, para o “status quo ante” à Ditadura de César, tudo isso levou Otaviano, Marco Antônio e Marco Emílio Lépido, um importante aliado de César a encontraram-se nos arredores de Bononia (atual Bolonha) e formarem o chamado Segundo Triunvirato, em outubro de 43 A.C., ou, como eles mesmos batizaram: “Triúnviros com Poderes Consulares para Confirmar a República“, tendo o arranjo sido oficializado em 27 de novembro de 43 A.C.

Roman male portrait bust, so-called Marcus Antonius. Fine-grained yellowish marble. Flavian age (69—96 A.D.). Rome, Vatican Museums, Chiaramonti Museum.

Nessa reunião, os Triúnviros dividiram entre si as províncias romanas e, emulando Sila, decidiram fazer uma lista de proscrições abrangendo mais de 200 cidadãos (Apiano fala em cerca de 300 senadores e 2 mil equestres), sujeitos à serem executados e terem suas propriedades confiscadas (afinal, os cofres do tesouro estavam vazios). Porém, antes de publicar os decretos, eles resolveram enviar logo os executores para assassinarem doze ou dezessete (os números variam) desafetos, entre os quais estava Cícero.

De acordo com Plutarco, Antônio queria que o nome de Cícero fosse o primeiro da lista de proscritos, mas Otaviano teria sido contra a execução dele, e resistiu em dar a sua concordância durante dois dias, até que, no terceiro, ele acabou cedendo à vontade do colega. O Cônsul Quintus Pedius acabou, inadvertidamente, publicando a lista dos dezessete no dia seguinte. Cícero tentou fugir, mas foi apanhado e decapitado. A cabeça dele foi enviada para Antônio, em Roma, que a fez pendurar na tribuna chamada “Rostra”, em pleno Fórum Romano.

Enquanto isso, Bruto e Cássio, que haviam fugido para a Grécia, obtiveram apoio das lideranças simpáticas aos senadores e antigos apoiadores de Pompeu e reuniram lá um grande exército.

4- A Batalha de Fílipos

Então, Otaviano e Marco Antônio, no comando de 28 legiões, rumaram para a Grécia, derrotando os exércitos de Bruto e Cássio na Batalha de Fílipos, entre 3 e 23 de outubro de 42 A.C, levando os dois conspiradores a cometeram suicídio. Otaviano teve mais um dos seus muitos episódios de mal-estar durante a campanha, motivo pelo qual foi Antônio que participou e liderou os combates mais significativos. Por este motivo, mais tarde, Antônio reiteradamente atribuiria a Otaviano o rótulo de covarde.

Como já mencionado, os Triúnviros haviam feito uma divisão das províncias romanas entre si: Otaviano ficou a África, a Sardenha e a Sicília, Antônio com as Gálias Cisalpina e Transalpina, e Lépido com a Hispania e a Gália Narbonense. As outras províncias continuaram nominalmente com o Senado ou eram controladas pelos adversários do Triunvirato.

Entretanto, após a Batalha de Fílipos, houve um rearranjo: Antônio passaria a controlar a Grécia e as províncias do Oriente, e tomou as Gálias Narbonense e Transalpina de Lépido, que teve que entregar a Hispania e a Gália Cisalpina a Otaviano. A Itália, embora não fizesse parte da divisão, na prática seria administrada por Otaviano. Na ocasião, longe de representar uma vantagem, esse controle apresentava-se mais como um fardo, pois a Otaviano caberia a espinhosa tarefa de assentar os veteranos de César em terras escassas na península e de assegurar o suprimento de trigo para a população de Roma.

Para assentar os veteranos, Otaviano teve que confiscar terras de vários municípios italianos, o que levou a uma grande insatisfação na península, a qual foi explorada por Lúcio Antônio, irmão de Marco Antônio, e Fúlvia, a diligente e combativa esposa deste triúnviro.

Um dos motivos que teriam incentivado Fúlvia a agir foi o fato de Otaviano haver se divorciado da filha dela, Cláudia. Assim, aproveitando-se da crise gerada pelos confiscos de terras, os dois reuniram um exército de oito legiões para combater Otaviano, mas foram derrotados na chamada Guerra de Perusia, iniciada no inverno de 41 A.C , e que culminou no cerco à cidade de Perúgia, em 40 A.C. Ambos foram poupados por Otaviano, como gesto de boa vontade, e Fúlvia, que aparentemente agira sem o consentimento do marido, foi exilada por ordem de Antônio. Fúlvia acabaria morrendo no mesmo ano de 40 A.C, o que acabou sendo providencial para possibilitar uma reconciliação entre Otaviano e Marco Antônio.

Porém, com exceção do irmão e da esposa de Antônio, os demais apoiadores do partido de Antônio na Guerra Perusina seriam alvo de implacável punição por Otaviano e cerca de 300 senadores e equestres foram executados.

Antônio, quando estourou a Guerra de Perusia,  estava envolvido amorosamente com a rainha do Egito, Cleópatra, que já estava grávida dos gêmeos Alexandre Helios e Cleópatra Selene, que nasceriam no mesmo ano de 40 A.C., quando ele estava se preparando para lançar uma grande invasão ao Império Parta.

Busto de Cleópatra

Porém, sentindo sua posição na Itália enfraquecida com o desfecho da Guerra de Perusia, Antônio partiu para a Itália para combater Otaviano, sitiando a cidade de Brindisi (Brundisium).

5- O Tratado de Brundisium

Mais uma vez contudo, falou mais alto a camaradagem dos soldados e oficiais que tinham servido com Júlio César, que integravam os exércitos dos dois Triúnviros, os quais se recusaram a lutar contra seus velhos camaradas. Assim, Otaviano e Antônio foram obrigados a celebrar um novo acordo, instituído pelo Tratado de Brundisium, renovando o Triunvirato e consagrando a divisão do Mundo Romano: Desse modo, Marco Antônio ficou com as províncias do Oriente, Otaviano com as do Ocidente, restando apenas a África para Lépido. Como símbolo da renovada aliança, Marco Antônio casou-se com Otávia, a Jovem, que apesar do nome, era a irmã mais velha de Otaviano.

A divisão do Mundo Romano após o Tratado de Brundisium. (Foto: By Tobias1983 (talk · contribs) – This file was derived from: Roman-Empire-39BC-bg.png:, CC BY 3.0, https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=34775285)

Otaviano tentara atrair Sexto Pompeu para o seu lado durante o conflito contra Fúlvia e Lúcio Antônio. Muito provavelmente tentando cimentar essa aliança, Otaviano casou-se com Escribônia, que, acredita-se, era cunhada de Sexto. Esta união, que seria breve, deu a Otaviano aquela que seria sua única filha e descendente em 1º grau, Júlia, cognominada “Maioris” (isto é, a “Velha”). Aliás, no dia em que Júlia nasceu, 30 de outubro de 39 A.C, Otaviano divorciou-se de Escribônia.

O principal motivo do divórcio foi que, naquele momento, Otaviano estava apaixonado pela jovem Lívia Drusila, esposa de Tibério Cláudio Nero, de quem ela já tinha tido um filho (a quem foi dado o mesmo nome do pai), e grávida do segundo, Druso. Vale mencionar que Tibério Cláudio Nero era primo de Lívia, e, apesar de ter feito parte do governo de Júlio César, depois da morte do Ditador, ele passou a apoiar os seus assassinos, e, após a derrota deles, tomou partido de Marco Antônio. Em 17 de janeiro de 38 A.C, Otaviano e Lívia se casaram, três dias após ela dar à luz ao seu segundo filho do primeiro casamento e duas semanas antes dela completar 21 anos e tendo ele, apesar do imenso poder, ainda apenas 24.

Estátua de Lívia

Enquanto isso, Otaviano e Marco Antônio consentiram que Sexto Pompeu controlasse a Sicília, a Sardenha e a Córsega. O interesse de Otaviano era garantir os suprimentos de trigo para a Itália, ameaçados pelos bloqueios navais realizados pela frota de Sexto. E Antônio precisava de reforços que Otaviano se comprometera enviar para a sua campanha contra o Império Parta no Oriente.

Porém, quando Otaviano divorciou-se de Escribônia, o insatisfeito Sexto voltou a atacar os navios que levavam grãos para Roma. 

A lei senatorial previa que o mandato de cinco anos de Triunvirato expiraria em 31 de dezembro de 38 A.C. Então, Otaviano, com a intervenção de Otávia, sua irmã e esposa de Antônio,  que viajou junto com o marido para a Itália, concordaram em impor a renovação da aliança até 33 A.C., estipulando, ainda que Antônio forneceria 120 navios para a campanha contra Sexto Pompeu, comprometendo-se em troca a fornecer 20 mil soldados a Antônio. Porém, Otaviano somente enviaria a Antônio um décimo das tropas prometidas, fato que azedaria novamente a relação entre os dois Triúnviros. Todavia, com o auxílio dos navios fornecidos, Otaviano conseguiu recuperar a Córsega e a Sardenha.

Na campanha contra Sexto Pompeu, Otaviano também recebeu o apoio de Lépido e a sua frota, comandada pelo seu fiel amigo Marcos Agripa, que se revelou ser um talentoso almirante, conseguiu destruir a frota inimiga, em 3 de setembro de 36 A.C. Derrotado, Sexto Pompeu fugiu para a cidade grega de Mileto, onde, no ano seguinte, ele seria executado por Antônio.

Em seguida, Lépido tentou ocupar a Sicília, reivindicando a ilha para si, porém, o seu exército desertou para Otaviano. Sem alternativas, a sorte de Lépido repousava nas mãos de Otaviano, que, apesar de destitui-lo do posto de Triúnviro, resolveu mostrar clemência e indicou-o para o cargo de Sumo Pontífice (Pontifex Maximus).

Enquanto isso, no Oriente, a campanha de Marco Antônio contra os Partas enfrentava dificuldades. Isso levou Antônio a ficar cada vez mais dependente de Cleópatra, não só materialmente, como emocionalmente. Assim, a rainha egípcia, cada vez mais, passou a influenciar as decisões do amante, e a união entre os dois era publicamente exibida, para a humilhação de sua esposa legítima, Otávia.

Busto de Otávia. Foto: G.dallorto, Attribution, via Wikimedia Commons

Em Antioquia, onde Antônio se estabelecera para coordenar as operações, ele recebeu a visita de Cleópatra, que obteve dele importantes concessões: O Egito receberia todo o território da Fenícia, exceto Tiro e Sidon, e a cidade de Ptolemais Akko, fundada pelo seu antepassado Ptolomeu II. Cleópatra também recebeu a região da Síria-Coele, uma parte do reino dos Nabateus (parte da atual Jordânia), a cidade de Cyrene, na atual Líbia e duas cidades na ilha de Creta. Em troca, Cleópatra financiaria à campanha de Antônio na Pártia, além de fornecer a ele boa parte do exército egípcio. Isso possibilitou que Antônio armasse o que talvez fosse o maior exército jamais reunido pelos romanos, que alguns estimaram, provavelmente com algum exagero, em 200 mil homens.

Fazer tantas concessões à Cleópatra, sendo cristalino que elas seriam repudiadas pela opinião pública romana, foi uma aposta muito arriscada de Antônio, e uma oportunidade para propaganda negativa que não seria ignorada pelos partidários de Otaviano.

Cleópatra chegou a acompanhar Antônio no início da campanha, que começou pela invasão da Armênia, em 36 A.C., mas voltou para Alexandria, já que agora ela estava grávida do seu terceiro filho com Antônio, que nasceu entre agosto e setembro de 36 A.C. O menino recebeu o nome de Ptolomeu Philadelphus.

Todavia, a campanha contra os Partas foi praticamente um desastre e Antônio, regressando cabisbaixo, teve que afogar as suas mágoas com Cleópatra, em Alexandria.

Aproveitando a oportunidade, Otaviano enviou Otávia de volta para o marido, em Atenas (onde ficava a residência oficial do casal), levando os dois mil soldados que haviam sido prometidos, mas nunca enviados. Ocorre que Antônio, embora tenha aceitado o contingente, não só continuou em Alexandria com Cleópatra, como proibiu que Otávia deixasse Atenas para vir ao seu encontro.

Na prática, isso foi visto publicamente como se Antônio estivesse repudiando a nobre romana Otávia, sua esposa legítima, em favor de sua amante egípcia, e a comoção no seio da opinião pública romana só aumentou quando Otávia recusou o convite do irmão para abrigar-se na casa dele, continuando a residir na residência de Antônio, em Roma, ainda por cima continuando a cuidar não só dos filhos do casal, como também dos filhos que Antônio teve com a falecida Fúlvia, no que pode ter sido um gesto politicamente calculado com o irmão para estimular a compaixão do povo romano por ela e antipatizar Antônio.

6- As Doações da Alexandria e o rompimento com Antônio

Mas foi o próprio Antônio, estimulado por Cleópatra, quem daria o maior golpe na própria reputação, dando a Otaviano um trunfo gigantesco na disputa entre ambos pelo poder supremo:

Com efeito, no outono de 34 A.C., retornando de uma, enfim, moderadamente bem sucedida campanha na Armênia, Antônio e Cleópatra organizaram em Alexandria uma parada triunfal, sendo que Antônio conduzia o carro vestido de deus Dionísio-Osíris, e na qual a família real armênia foi exibida pelas ruas da cidade e conduzida até dois tronos dourados, um para Antônio, outro para Cleópatra.

Chegando ao palanque, Antônio proclamou solenemente ao povo reunido no Gymnasium, que Cleópatra, que na ocasião  estava vestida como a deusa Ísis, era a “Rainha dos Reis” e “Rainha do Egito, Chipre, Líbia e Sìria-Coele“, junto com seu filho, Caesarion, o “Rei dos Reis“. Alexandre Helios foi nomeado “Rei da Armênia, da Média e da Pártia“. Já Ptolomeu Philadelphus foi designado “Rei da Cilícia e da Síria”, e Cleópatra Selene, por sua vez, a “Rainha de Creta e de Cyrene“. Na cerimônia, Antônio também fez questão de proclamar que Cleópatra tinha sido esposa de Júlio César,  e que o filho que eles tiveram, Caesarion, era o filho legítimo de César. O episódio ficou conhecido como “As Doações de Alexandria“.

O prazo renovado do Segundo Triunvirato expirou em 31 de dezembro de 33 A.C, e os episódios recentes deixavam claro que nenhuma das partes teria interesse em uma nova prorrogação. Otaviano e Antônio, então, começaram uma guerra aberta de propaganda, cada um expondo episódios de má conduta, traições, ultrajes, etc., contra o outro, pois já anteviam o conflito que estava por vir e, por antecipação, ambos queriam justificar perante a opinião pública o motivo da  iminente guerra civil, colocando a culpa pelo início da mesma no adversário.

E não causou espécie a ninguém que o motivo mais grave alegado por Otaviano tenha sido o fato de Antônio ter reconhecido oficialmente Caesarion como o filho legítimo e herdeiro de Júlio César

Acredita-se que essa cabeça, encontrada submersa na Baía de Alexandria, retrate Cesárion, filho de Júlio César e Cleópatra

Mas o fato é que, naquele momento, Antônio ainda tinha muitos simpatizantes em Roma, inclusive no Senado. De acordo com o historiador romano Dião Cássio, em 1º de janeiro de 32 A.C., primeiro dia de sessão do Senado no ano, por exemplo, o cônsul e aliado de Antônio, Gaius Sosius, proferiu um discurso atacando violentamente Otaviano, e propondo a aprovação de uma legislação contrária aos interesses deste.

Otaviano resolveu, então, abandonar os escrúpulos de legalidade e, na sessão seguinte do Senado, no outro dia, compareceu à Cúria acompanhado de sua guarda pessoal e de vários correligionários armados com adagas escondidas sob as togas. Considerando que Otaviano controlava as legiões da Itália, bem como as do Ocidente em geral, nos dias seguintes, os cônsules Gaius Sosius e Domitius Ahenobarbus, intimidados, abandonaram Roma e partiram para se unir a Antônio, na Grécia, sendo acompanhados por mais de duzentos senadores que também apoiavam Antônio.

Já preparando-se para a guerra iminente, Cleópatra providenciou duzentos navios de guerra para a frota de oitocentas naves que Antônio estava reunindo, além de, naturalmente, muito dinheiro para o esforço bélico. Em seguida, o casal reuniu-se em Éfeso para organizar a campanha contra Otaviano.

De acordo com o historiador Plutarco, os aristocratas Titius e Lucius Munatius Plancus conheciam os termos do testamento de Antônio, que, conforme o costume, havia sido depositado lacrado em poder das Virgens Vestais, e contaram tudo para Otaviano. Ciente, assim, dos termos da última vontade do rival, Otaviano, ilegalmente, conseguiu se apossar do documento, que foi aberto e lido por ele em uma sessão do Senado. Entre suas cláusulas, segundo consta, havia a recomendação de Antônio para que , caso morresse no decorrer da guerra, o seu corpo fosse entregue à Cleópatra, para ser sepultado em Alexandria. Essa disposição muito convenientemente ia de encontro ao boato que os partidários de Otaviano andavam espalhando por Roma: a de que Antônio, caso vencedor, pretendia transformar Alexandria na capital do “Imperium” romano!

Engenhosamente, o Senado Romano, agora controlado por Otaviano, não declarou guerra a Antônio, apesar dele ser o alvo principal da medida. Preocupados com a opinião pública, e com a posteridade, os senadores formalmente votaram pela declaração de guerra contra Cleópatra, a rainha do Egito, e, dessa forma, todos os tradicionais ritos previstos para uma guerra contra inimigos estrangeiros puderam ser celebrados. Além disso, tal circunstância impedia que os senadores partidários de Antônio fossem considerados desertores ou criminosos, deixando uma porta aberta para o seu retorno e perdão. Não obstante, foi decretada expressamente a retirada de todos os poderes de Triúnviro que Antônio ainda detinha.

Se ainda havia alguma dúvida de que o rompimento era definitivo, ainda em 32 A.C, Antônio divorciou-se de Otávia. A partir daquele momento, Cleópatra não precisaria mais temer a rival e, aparentemente, a opinião dela prevaleceria em todos os aspectos, incluindo a estratégia que seria adotada para a guerra…

Embora o exército de Antônio fosse, nominalmente, maior que o de Otaviano (100 mil x 80  mil), ele e Cleópatra optaram por uma estratégia na qual a guerra seria decidida em um confronto naval, já que a frota deles era não apenas mais numerosa, mas também era composta por navios maiores. Acredita-se que, neste particular, teria prevalecido a opinião de Cleópatra, que, secretamente, tencionaria que a frota romana, pertencente a ambos os adversários fosse destruída ou ficasse bem enfraquecida, fato que beneficiaria o Egito em caso de uma futura tentativa de invasão de Roma. 

7- Começa a Guerra Civil

Mas quem tomaria a iniciativa seria Otaviano. Ele zarpou para a Grécia e se dirigiu para Actium, cidade localizada na entrada do Golfo Ambraciano, onde Antônio e Cleópatra tinham estabelecido o seu quartel-general das operações e reunido sua imensa frota. Enquanto isso, seu almirante, o fiel Marcus Vipsanius Agrippa (Agripa), tomou Corcyra e lá instalou uma base para as operações contra Antônio.

Por sua vez, Otaviano desembarcou suas tropas no lado oposto do Golfo Ambraciano e enviou emissários aos comandantes de Antônio propondo uma negociação, proposta esta que foi recusada. Porém, nas escaramuças que se seguiram com as tropas de Antônio, estacionadas ao longo de Actium, as forças de Otaviano levaram a melhor. Começaram, então, a pipocar deserções entre os aliados de Antônio, que incluíam quase todos os reinos-clientes de Roma no Oriente, além de amigos romanos de longa data, como Quintus Dellius, que fugiu e foi se juntar a Otaviano, fornecendo a este informações valiosas sobra o estado da frota e os preparativos de Antônio.

De acordo com o relato de Cássio Dião, nessa fase da campanha, Cleópatra fez prevalecer a opinião dela de que as posições mais defensáveis deveriam ser ocupadas por guarnições militares, mas que ela e Antônio, juntamente com o grosso das tropas, deveriam rumar para o Egito. Assim, parece realmente que o que importava mesmo para a rainha era a defesa do Egito e, para Antônio, que ele pudesse continuar contando com o suporte financeiro e militar de Cleópatra, dinheiro que, cada vez mais, aparentava ser o elemento crucial para a coesão do seu exército.

Tendo em vista que o número de marinheiros era insuficiente para tripular adequadamente todos os navios da sua frota, Antônio ordenou que aqueles em mau estado fossem queimados, mantendo apenas os melhores. Ele e Cleópatra também ordenaram que, secretamente, todo o tesouro fosse embarcado neles.

8- A Batalha de Actium

No dia 02 de setembro de 31 A.C, Antônio ordenou que os navios zarpassem e se colocassem de costas para o promontório de Actium, ao pé do qual suas sete legiões estavam acampadas, e de onde podiam assistir às manobras. Sua frota agora era composta de 230 grandes galeras.

Comandada por Agripa, a frota de Otaviano tinha 250 quinquerremes, navios menores, porém mais rápidos e manobráveis do que os da frota de Antônio. Graças às informações fornecidas por Quintus Dellius, entretanto, Otaviano e Agripa tinham ciência dos planos de Antônio, e estavam preparados, esperando a frota inimiga.

Ao meio-dia, Antônio deu ordem de avançar. A ala esquerda da sua frota deu a impressão de querer empurrar à ala direita da esquadra de Otaviano para o norte e abrir um caminho em direção ao sul (bombordo), que poderia levar ao Egito, porém, Otaviano, parecendo estar ciente desse propósito, mandou os navios manterem distância, atraindo mais o inimigo para o alto-mar.

Quando ambas as frotas ficaram mais próximas, começaram os disparos de artilharia e flechas. Agripa ordenou que os navios de sua segunda linha se estendessem mais para o norte e para o sul, visando cercar o inimigo em menor número, sendo que Antônio, ao perceber isso, tirou navios do seu centro e esticou a sua linha, deixando no centro os navios mais pesados, que estavam resistindo bem e se dirigindo à direita (estibordo) e ao norte para combater o esquadrão comandado por Agripa. Isso acabou abrindo espaços no centro da sua formação.

Relevo retratando a Batalha de Actium

Foi então que, em um movimento inesperado, os navios que estavam com Cleópatra, aproveitando um buraco no centro da linha da frota comandada por Antônio, e o súbito vento que soprava favoravelmente, ultrapassaram as suas linhas à toda velocidade, e, deixando para trás o resto da frota, rumaram no que parecia ser a direção do Egito, levando consigo todo o tesouro.

O fato é que Antônio, quando viu os navios de Cleópatra se afastando, resolveu ele também fugir, embarcando em outro navio mais veloz e deixando para trás o restante da frota, que ficou lutando acéfala, exceto por cerca de 60 navios egípcios que conseguiram acompanhar a fuga deles. Mesmo assim, os combates duraram até a madrugada do dia seguinte, porém, no final, toda a frota remanescente de Antônio acabou sendo destruída por Otaviano

Embora, mesmo com a derrota naval na Batalha de Actium, Antônio e Cleópatra ainda comandassem, ao menos no papel, um numeroso exército, o fato é que o custo moral da derrota foi muito alto.

Assim, Cleópatra e Antônio e seus navios remanescentes navegaram até o Peloponeso, conseguindo se evadir à breve perseguição dos navios de Otaviano, e rumaram em direção à África.

Antônio foi para a Líbia, pensando em trazer as legiões que ele tinha deixado ali para a defesa da fronteira ocidental do Egito, enquanto Cleópatra voltou para Alexandria. Porém, o governador de Cyrene e comandante daquelas legiões, Lucius Pinarius Scarpus, que era primo de Otaviano, recusou-se a entregá-las a Antônio. Ao perceber que tudo estava desmoronando, Plutarco conta que Antônio chegou a tentar o suicídio, mas foi impedido pelos seus amigos. Ele então partiu para o Egito, para reencontrar Cleópatra.

Em julho de 30 A.C, Otaviano sitiou Alexandria. Embora tenha havido resistência, as forças dele eram numericamente superiores e mais motivadas. Antônio chegou até a vencer uma escaramuça, no meio da qual desafiou Otaviano para um combate pessoal, a fim de resolver a disputa poupando baixas de ambos, mas este negou-se, limitando-se a responder que:

Em 1º de agosto de 30 A.C, retornando para Alexandria, Antônio, acreditando que Cleópatra tinha morrido, matou-se com a própria espada. A rainha, que estava escondida em seu mausoléu, foi capturada e levada para prisão domiciliar em seu próprio palácio.

Otaviano, agora senhor do mundo romano, planejava levar Cleópatra para Roma e exibir a rainha egípcia em seu triunfo, porém, ela conseguiu enganá-lo e cometeu suicídio, alegadamente deixando-se picar por uma serpente.

Restava somenbte Caesarion, que havia fugido para o sul do Egito com a finalidade de embarcar em direção à Ìndia. Ele, oficialmente, após a morte da mãe, agora era o último faraó do Egito. Consta que Otaviano, indeciso sobre o que fazer com o rapaz, recebeu o seguinte conselho do filósofo Areius:

Então, um destacamento de soldados de Otaviano conseguiu interceptar a caravana de Caesarion e ele foi executado.

9- Senhor de Roma

Após vários anos de duas grandes guerras civis, no período do Primeiro e do Segundo Triunviratos, o povo romano, exausto e sequioso de paz e ordem, aguardava ansiosamente qual seria o próximo passo de Otaviano

Busto de Otaviano, aproximadamente da época da derrota de Cleópatra. Foto> By Gautier Poupeau from Paris, France – Octave, CC BY 2.0, https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=35036733

Com a morte de Antônio e Cleópatra, não mais existiam na orla do Mundo Mediterrâneo, terras não controladas por Roma (a não ser por pequenos bolsões interiores, ainda não completamente dominados), e, no Estado Romano, ninguém que pudesse contestar a autoridade suprema de Otaviano, então na flor de seus 34 anos.

A primeira medida de Otaviano, como detentor de fato, ainda que não de direito, do poder absoluto em Roma e nas terras por ela controladas, foi tornar o Egito uma província romana, porém sujeita diretamente à sua pessoa, não sendo admitida qualquer participação do Senado em sua administração e até mesmo a presença de qualquer senador em seus limites, sem expressa autorização dele.

Quando a notícia da vitória completa de Otaviano alcançou Roma, o Senado decretou que ele detivesse as prerrogativas de imunidade dos Tribunos de forma perpétua (o que era importante, pois os Tribunos eram invioláveis não podendo ser alvo de qualquer constrição, processo ou violência). E muitas outras honras inauditas foram votadas e conferidas a Otaviano, antes mesmo dele por os pés novamente na Cidade.

Ao chegar na capital, Otaviano recusou algumas homenagens e privilégios mais extravagantes, mas fez questão de que seus maiores auxiliares, incluindo Agripa, fossem devidamente condecorados. Na Procissão Triunfal das inúmeras vitórias obtidas durante a Guerra Civil e contra povos estrangeiros, foram exibidos os despojos e prisioneiros capturados, destacando-se os filhos de Cleópatra e Antônio, além de uma pintura de Cleópatra (leia nosso artigo sobre esse quadro).

Em 29 A.C., Otaviano e Agripa foram eleitos cônsules, o que legalmente lhes dava o exercício do que poderíamos chamar de poder executivo em Roma.

Percebe-se que, desde que voltou vitorioso e assumiu as rédeas do Estado Romano, Otaviano mostrou-se consciente de que era necessário evitar, ou, quando isto não fosse possível, ao menos mascarar, as práticas e comportamentos que acarretaram o assassinato de seu tio-avô Júlio César, acusado de tentar se tornar Rei de Roma.

Neste propósito, ele contou com o aconselhamento de seus inseparáveis amigos Agripa e Caio Mecenas.

Assim, Otaviano deveria ser visto aos olhos do público como o salvador da República; nunca como um Rei, mas sim como um líder que divinamente nasceu para manter a paz, a ordem e as tradições republicanas, as quais, sem a sua presença, continuariam ameaçadas por novas guerras civis e pela anarquia. Desse modo, as prerrogativas dos Senadores seriam respeitadas, graças à sua proteção, assim como cabia a ele assegurar os direitos da plebe. Todas as formalidades, assembleias e cargos republicanos seriam nominalmente mantidos, mas o seu funcionamento e efetividade, na prática dependeriam da vontade de Otaviano.

Busto de Marco Vipsânio Agripa, fiel colaborador de Augusto

Seguindo essa política, em 28 A.C, Otaviano revogou todos os decretos e leis excepcionais ou de emergência editados durante a Guerra Civil e declarou que estava devolvendo todos os poderes ao Senado, incluindo o comando das várias dezenas de legiões que ele controlava.

Provavelmente, poucos senadores ficaram convencidos da sinceridade do gesto, mas outros tantos, certamente, temiam, com razão, que, sem a autoridade de um líder inconteste como Otaviano, era grande a probabilidade de que as guerras intestinas pelo poder voltassem a assolar o Estado Romano.

Ocorre que, efetivamente, Otaviano, naquele momento, era provavelmente o homem mais rico do planeta, e ele controlava recursos descomunais comparáveis ao do próprio Estado Romano. E comandava uma imensa massa de militares que, naquele momento, estava ligada por laços de lealdade e devoção à causa de César e do herdeiro deste, Otaviano. Esses veteranos precisavam ser desmobilizados, assentados e assegurada a sua subsistência, e com boa dose de certeza, isso não seria possível sem a intervenção de Otaviano.

10 – Início do Principado e o Primeiro Pacto

Este foi o quadro em que se deu o chamado “Primeiro Pacto” entre Otaviano e o Senado Romano: Ante o clamor dos senadores para que ele continuasse à frente do Estado, Otaviano “aceitou” que ele ficaria no controle das províncias onde estavam estacionadas a maior parte das legiões romanas, não por mera coincidência, aquelas mais estratégicas, pelo prazo de dez anos, enquanto que as outras seriam administradas pelo Senado. Criou-se ainda, já que qualquer insinuação de monarquia era inaceitável, um novo título para espelhar a posição de Otaviano na República – ele seria o “Princeps” (o primeiro de todos), um título derivado de uma prerrogativa senatorial conferida ao senador mais antigo de ser o primeiro a falar (Princeps Senatum).

Busto de Augusto. Foto By Dan Mihai Pitea – Own work, CC BY-SA 4.0, https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=117069932

O título foi conferido pelo Senado em 16 de janeiro de 27 A.C., sendo que na mesma sessão, lhe foi conferido o cognome de “Augustus” (significando o “Venerável” ou o “Reverenciado“), após anteriormente vários outros nomes terem sido considerados (e certamente avaliados por Otaviano). Este nome tinha conotações religiosas e visava conferir a Otaviano uma aura sagrada, valendo citar que ele já se apresentava como “Filho do Divino Júlio“, por causa da deificação de Júlio César, tornado divino logo após o seu assassinato. A partir daí, os historiadores passam a se referir a Otaviano como Augusto, e é assim que faremos também.

Seguindo a convenção de conhecimento geral, a partir de 27 A.C, termina o período da República Romana, nascendo o Império Romano.

Observe-se que “Imperium Romanum” significava, originalmente, as terras sobre as quais Roma exercia domínio, mas “Imperium” também significa o comando e a autoridade militar conferidos a um general sobre suas tropas. De acordo com o costume, quando vitorioso, o general era aclamado “Imperator“. Vimos que a primeira providência de Augusto foi continuar tendo o “Imperium” sobre suas legiões – afinal, desde o início do século I A.C, esta vinha sendo a verdadeira fonte de poder dos governantes romanos – Assim, o título de “Imperator” seria, desde o início, adotado por todos os imperadores romanos a partir de Augusto.

Segundo Antônio dissera certa vez, “Otavio deve tudo ao nome“. Embora tenha sido um comentário feito com intenção depreciativa, o fato é que não fosse a conexão familiar dele com Júlio César, o homem que antes dele chegara ao poder supremo ilimitado temporalmente, abrindo as portas para o processo de mudança de regime, certamente Augusto não teria chegado onde chegou, não obstante ele tenha demonstrado, ainda muito jovem, notável determinação, coragem, talento e inteligência para se tornar o primeiro imperador romano e inaugurar uma forma de governo que duraria, praticamente inalterada, até 284 D.C, e que pode ser considerar, ainda, que, com muitas modificações, sobreviveria, sem quebra de continuidade, até a Queda de Constantinopla, em 1453.

Por isso, ao titulo de “Imperator“, em pouco tempo seriam adicionados,  na forma de títulos, os nomes de “Caesar” e “Augustus“. Em pouco tempo, inúmeros imperadores  romanos subsequentes ostentariam nas inscrições e moedas o título de “Imperator Caesar Augustus“.

Mantendo a fachada de retorno à ordem institucional republicana, Augusto assumiu o cargo de Censor, junto com Agripa, o que lhe permitiu escolher novos senadores, excluindo outros para compor aquela Assembleia, que se encontrava bastante desfalcada em função das mortes ocorridas durante a Guerra Civil.

Agripa também foi nomeado “Curador das Águas” e, nesta capacidade, ele reformou o aqueduto Acqua Marcia. Como Edil, ele também limpou e expandiu a rede de esgoto Cloaca Maxima, além de ter construído Termas e muitos templos. Efetivamente, Agripa foi o principal responsável pelo que Augusto, mais tarde, deixaria expresso em seu testamento público como sendo um de seus maiores legados:

Entre os monumentos mais conhecidos que Augusto ergueu em Roma está o Fórum que leva o seu nome, sendo este o segundo Fórum planejado construído em Roma, após o Fórum de César. Neste Fórum, inaugurado em 2 A.C, Augusto cumpriu a promessa que havia feito de construir um templo em honra ao deus Marte, caso ele vencesse a Batalha de Fílipos, ocorrida quarenta anos antes da inauguração. Assim, foi erguido o Templo de Marte Vingador (Mars Ultor), sendo esta denominação devida ao fato de que o deus teria intervindo para vingar a morte de Júlio César, ajudando Augusto a vencer os assassinos dele. O templo foi construído em uma área que pertencia ao próprio Augusto, e o projeto teve que ser alterado porque Augusto se recusou a desapropriar ou confiscar as residências particulares contíguas para que o espaço contemplasse a concepção original do complexo.

Ruínas do Templo de Marte Vingador, no Fórum de Augusto, em Roma. Foto Por Jakub Hałun – Obra do próprio, CC BY-SA 4.0, https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=37645434

Também digno de nota é o Teatro de Marcelo, inaugurado em 12 A.C, que recebeu esse nome em memória do falecido sobrinho de Augusto, sobre o qual falaremos em breve. Com capacidade para 17 mil espectadores, foi o maior teatro já construído na cidade de Roma e suas ruínas, que foram parcialmente transformadas em residências, ainda podem ser aprecidas.

Teatro de Marcelo. Foto By Fiat 500e – Own work, CC BY-SA 4.0, https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=139306337

Outra obra importante, não pela grandiosidade, mas pelo significado político, histórico e artístico, foi a Ara Pacis (Altar da Pax), erguida no Campo de Marte para celebrar aquela que Augusto considerava como uma de suas maiores realizações: A Paz Romana (Pax Romana), ou Paz Augusta (Pax Augusta), que consistia no fim das guerras civis e conquista ou pacificação das nações vizinhas circundantes, garantindo a existência de fronteiras estáveis. A Ara Pacis foi dedicada em 9 de janeiro de 9 A.C e ela é importante também como monumento artístico, graças à excelência de suas proporções e qualidade dos relevos, os quais ilustram uma procissão religiosa com retratos de vários membros da família imperial dos Júlios-Cláudios

A Ara Pacis, reconstruída com parte dos relevos originais. Foto Por Manfred Heyde – Obra do próprio, CC BY-SA 3.0, https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=6435591

11- Grave enfermidade e o Segundo Pacto

Porém, em 23 A.C, Augusto ficou muito doente a ponto de considerar seriamente que não iria sobreviver. Fazia dez anos sucessivos que ele vinha ocupando o cargo de Cônsul, algo que causava desagrado aos senadores tradicionalistas, uma vez que durante a República este era o cargo mais alto que podia ser alcançado por um cidadão, e que conferia grande prestígio às famílias aristocráticas, que o vinham ocupando desde  o início da República, em 509 A.C, com raríssimas exceções.

Até aquele momento, não havia nenhuma norma estabelecida acerca da sucessão de Augusto como Princeps e nem mesmo se esta posição seria exclusiva dele, cessando com sua morte, ou se o regime continuaria. E neste caso, também não se sabia quem seria o escolhido para ser o novo imperador.

O colaborador mais próximo e amigo mais íntimo do imperador, Marco Vipsânio Agripa, certamente poderia contar com o apoio do Exército, que tantas vezes ele havia comandado com brilhantismo durante a Guerra Civil. No entanto, sua família pertencia à classe equestre, o segundo escalão da nobreza romana, e sua aceitação pelos integrantes da aristocracia senatorial provavelmente seria problemática, embora ele, naquele momento, fosse casado com a sobrinha de Augusto, Cláudia Marcela. O herdeiro mais provável parecia ser Marco Cláudio Marcelo, que além de ser sobrinho de Augusto, e seu parente do sexo masculino mais próximo, era casado com Júlia, a única filha de Augusto. No entanto, Marcelo somente tinha 19 anos e não possuía real experiência política e militar. 

Busto de Marcelo. Foto: By Siren-Com – Own work, CC BY-SA 3.0, https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=32780891

Segundo as fontes, no auge da doença, Augusto entregou o anel contendo o seu selo para Agripa, o que muitos entenderam como sendo a escolha dele como sucessor. Entretanto, Augusto também convocou seu colega de consulado, Calpúrnio Pisão, conhecido por ser um adepto das tradições republicanas, e entregou-lhe as contas das finanças do Estado, bem como todos os documentos oficiais que estavam em seu poder, além da lista das legiões existentes, no que pode ter parecido um gesto de que ele tencionava restaurar a República, ou ao menos, manter a divisão de poderes entre o futuro príncipe e o Senado como ele havia deixado. 

Porém, de fato, pode ser que a intenção de Augusto fosse a de que Agripa, que sempre havia se provado o seu amigo e ajudante mais fiel entre todos, administrasse o Estado até que Marcelo estivesse preparado. Essa é a hipótese que me parece mais provável.

No entanto, Augusto, graças aos cuidados do médico Antônio Musa, acabou se recuperando. Em seguida, o imperador começou a dar demonstrações de preferência por Marcelo, conferindo-lhe honras e financiando um grande espetáculo que o sobrinho ofereceu em Roma. Ocorre que o episódio do anel gerou uma certa animosidade de Marcelo em relação a Agripa. Assim, para afastar quaisquer dúvidas, o sempre obediente e dedicado Agripa foi enviado em uma missão no Oriente.

Porém, naquele mesmo ano, Marcelo contraiu uma febre, possivelmente a mesma enfermidade que havia atacado Augusto, sendo igualmente tratado por Musa, mas desta vez sem sucesso. Então, Marcelo morreu aos 19 anos de idade e foi muito pranteado pelo tio, recebendo várias homenagens fúnebres. 

Apesar de ser de conhecimento do público que uma peste grassava em Roma no ano da doença de Augusto e da morte de Marcelo, muitos desconfiaram que o rapaz pudesse ter sido envenenado, e a principal suspeita recaiu sobre a imperatriz Lívia, que estaria interessada em assegurar que seu filho natural mais velho, Tibério, fosse o sucessor de Augusto. Embora provavelmente não tenha passado de um boato, essa suspeita seria reforçada no futuro por acontecimentos semelhantes…

Diante do estado de indefinição sobre quais seriam os limites do poder de Augusto, ou, melhor dizendo, quais os poderes e prerrogativas o Senado ainda poderia manter, os acontecimentos levaram Augusto e os senadores a colocarem em prática o que ficaria conhecido como o “Segundo Pacto“.

Tentando, sinceramente ou não, afastar as incertezas  e os temores que as ações relativas à sua sucessão durante a sua grave enfermidade incutiram tanto em seu círculo, como no Senado  e até na opinião pública, de que o Império se tornaria uma monarquia hereditária, Augusto decidiu renunciar ao Consulado. Isso visava contentar aos Senadores, que agora teriam duas vagas para disputar as muitas honrarias que o cargo proporcionava. Além disso, deixando de ser Cônsul, tecnicamente Augusto não teria mais ingerência, ao menos formalmente, sobre as chamadas Províncias Senatoriais, continuando apenas como Procônsul das chamadas Províncias Imperiais, administradas por seus Legados.

O Segundo Pacto, antes de significar que o Senado tencionasse disputar o poder com Augusto, era uma forma de solucionar impasses legais aptos a gerar confusões e perplexidades no governo do Império. Assim, o Senado votou que Augusto deteria um “Imperium Proconsularis Maius“, que lhe permitia, em caso de necessidade, intervir nas províncias senatoriais, mas que, de maneira inédita, aplicava-se também no interior da cidade de Roma.

Prosseguindo, o Senado também conferiu a Augusto o Poder Tribunício vitalício (mas não, por óbvio, o cargo de Tribuno, que era privativo de plebeus), permitindo-lhe apresentar  ou vetar propostas de leis, incluindo, ainda, os poderes de Censor, muito importante porque permitia arrolar os cidadãos dentro dos diversos estratos da sociedade romana (o que importava em prerrogativas e privilégios para os escolhidos, como o de ocupar certos cargos e não ficar sujeito a penas infamantes), realizar Censos, além de fiscalizar os costumes públicos.

Foi no uso dessas capacidades que Augusto criou um corpo de “Vigiles” (bombeiros) para atuar na cidade de Roma, e também instituiu medidas conservadoras de costumes, como penas para adultério e a obrigação de todo cidadão usar a toga quando adentrasse o Fórum Romano. E também criar uma guarda imperial, que foi chamada de Guarda Pretoriana e era a única guarnição armada admitida no interior da Cidade de Roma.

Nota: originalmente, todos os comandantes militares romanos tinham uma guarda pretoriana, nome derivado do Pretorium, o quartel-general ocupado pelo comandante. Augusto manteve a sua guarda pretoriana quando voltou para Roma, e mais tarde, institucionalizou esse corpo militar, inclusive criando o cargo de Prefeito Pretoriano, que eram dois). Não obstante, a segurança dentro do palácio ficaria a cargo de um corpo de guarda-costas de origem germânica.

A plebe romana, que não confiava na aristocracia senatorial, ao saber que Augusto não mais concorreria ao Consulado, e ignorante das sutilezas do Segundo Pacto (que na realidade havia aumentado os poderes de Augusto), chegou a promover tumultos nas ruas, exigindo que ele concorresse às eleições para o cargo nos anos de 22, 21 e 19 A.C, e até que ele assumisse o posto de Ditador (que era uma magistratura excepcional temporária prevista nas normas constitucionais da República Romana). Augusto, cautelosamente, recusou. Mas quando, no primeiro ano citado, houve escassez de comida na Cidade, seguiram-se maiores tumultos, e o imperador foi obrigado a intervir com recursos próprios para assegurar o fornecimento de trigo. Isso o levaria, anos mais tarde, a instituir o cargo de Prefeito da Anona, que teria muita importância política na história imperial.

O aumento dos poderes do Príncipe não passou despercebido para os mais perspicazes senadores, e, em 22 A.C, foi denunciada a existência de uma conspiração em andamento para derrubar Augusto, liderada por um obscuro Fannius Caepio (provavelmente, as referências ao personagem foram restringidas pela reação imperial), com a participação de Lucius Murena, legado imperial na Síria. Os participantes, que haviam fugido, foram julgados sumariamente à revelia, e executados assim que foram capturados. Nesse julgamento, Tibério, o enteado de Augusto, funcionou como acusador público.

Em 19 A.C,  a aparência de continuidade republicana tão ciosamente promovida por Augusto esvaneceu-se um ainda um pouco mais quando ele recebeu o “Império Consular“, permitindo-lhe exercer os poderes dos Cônsules Ordinários e utilizar seus ornamentos e símbolos, incluindo um séquito de litores carregando “fasces” (o feixe de varas que representava o poder de castigar que detinham os magistrados). Finalmente, em 12 A.C, Augusto recebeu o cargo de  Sumo Pontífice, passando a ser o chefe dos cultos reconhecidos pelo Estado Romano e, finalmente, em 2 A.C, a ele foi conferido o título de “Pai da Pátria“. Podemos, assim considerar que estava concluída a transição da República para o Império.

Estátua de Augusto, vestido de Sumo Pontífice. Foto By Vicenç Valcárcel Pérez – Own work, CC BY-SA 4.0, https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=99990278

12- A Era de Augusto

Augusto e seus auxiliares mais próximos, sobretudo Gaius Mecenas, patrocinaram poetas, artistas e historiadores, como Virgílio e Tito Lívio, reunidos em um círculo, criando uma verdadeira ideologia e estética imperiais. O governo de Augusto foi apresentado como o ponto culminante de toda da História de Roma, desde a sua fundação, e as obras produzidas, como a Eneida, enfatizavam os costumes ancestrais, as virtudes romanas e sua relação com a Era de Augusto, em que o patriotismo, a paz e a concórdia eram estimulados e assegurados pelo imperador. 

Por sua vez, a imperatriz Lívia passou a personificar a virtude das matronas romanas. Tida como casta e incorruptível, segundo divulgou-se, ela até chegava a fiar em seus aposentos as roupas que o marido usava. Porém, Lívia era muito mais do que apenas uma imperatriz-consorte, e por várias vezes constatou-se que ela tinha voz efetiva nos assuntos do governo e Augusto ouvia seus conselhos. Além disso, Lívia tinha o direito de ter seus próprios secretários e geria por conta própria o seu vasto patrimônio.

Como Censor, Augusto tentou reformar práticas considerados imorais da aristocracia romana, tomando medidas contra o adultério (embora ele mesmo fosse um rematado adúltero) e revigorar costumes tradicionais, como por exemplo ao proibir que pessoas entrassem no Fórum Romano sem estarem vestidas com a típica toga romana.

Passada a fase de alguma indefinição acerca de sua posição no Estado Romano, após os dois pactos estabelecendo a sua supremacia sobre qualquer outra instância de governo, Augusto sentiu-se à vontade para expandir e consolidar as fronteiras do Império Romano.

Dissemos nos capítulos anteriores que, ao final da Guerra contra Antônio e Cleópatra, Roma era a senhora da orla do Mediterrâneo, o que era verdade. Porém, no interior dos territórios controlados pelos Romanos, havia várias tribos e regiões ainda não submissas ao poder romano, acarretando, inclusive, alguma descontinuidade territorial entre algumas províncias. Vale citar que o próprio César, por exemplo, teve que negociar com chefes de tribos celtas que controlavam passagens nos Alpes para poder se movimentar da Gália para a Itália e vice-versa, mesmo após a conquista romana e a transformação da Gália em província.

Mesmo antes da completa estabilização política interna, Augusto já havia liderado, até ser obrigado a se afastar por uma enfermidade, uma campanha contra as tribos dos Cântabros, em 26 A.C, e, posteriormente, contra os Astures e os Galaicos, na Hispânia,. Essas campanhas foram concluídas com sucesso pelos governadores da Hispânia Citerior e Ulterior, em 19 A.C., assegurando o controle romano sobre o norte e o noroeste da Península Ibérica, incluindo ricas minas de ouro.

Em 25 A.C, o rei Aminthas, da Galácia, um reino-cliente de Roma, morreu e Augusto aproveitou o fato para anexar o reino.

Entre 16 A.C. e 7 A.C, as tribos que habitavam os Alpes foram conquistadas. Em comemoração, foi erguido o imponente monumento denominado “Troféu dos Alpes” (conhecido como La Turbie, na França), próximo ao atual Principado de Mônaco, cujas ruínas ainda existem, contendo a inscrição com o nome das 45 tribos subjugadas.

La Turbie, originalmente em forma de cilindro, ainda hoje é uma ruína impressionante. (Foto: Berthold Werner, CC BY-SA 3.0 http://creativecommons.org/licenses/by-sa/3.0/, via Wikimedia Commons)

Em 20 A.C, Augusto obteve, mediante diplomacia, a devolução dos estandartes militares romanos que os Partas haviam capturado em 53 A.C, após derrotarem e matar o Triúnviro Crasso (o colega de César e Pompeu no Primeiro Triunvirato). O acontecimento foi alvo de uma bem-sucedida campanha de propaganda para o público interno, apresentada como se o imperador parta, Fraates IV, tivesse se submetido a Augusto. Este até passou a usar uma elaborada couraça com relevos retratando a devolução dos estandartes, que pode ser apreciada na famosa estátua conhecida como “Augusto de Prima Porta“, atualmente nos Museus Vaticanos, em Roma.

A famosa estátua do Augusto de Prima Porta

Todas essas vitórias foram orgulhosamente relacionadas na Res Gestae Divi Augusti (Atos do Divino Augusto), um documento escrito pelo próprio Augusto, descrevendo todas as suas realizações civis e militares desde que iniciou sua vida pública, sobretudo após vencer a Guerra Civil e exercer o poder supremo em Roma (o texto encontra-se gravado nas paredes de um templo, em Ancyra (atual Ancara), na Turquia, e por isso é conhecido como Monumentum Ancyranum.

As paredes do Templo de Augusto e Roma, em Ancara, contendo as inscrições com o texto da Res Gestae Divi Augusti

Porém, Augusto, não é de surpreender, não contou as, diga-se de passagem, poucas derrotas que os romanos sofreram em seu longuíssimo reinado. Ele omitiu, particularmente, o famoso “Desastre de Varo”, na Germânia.

Hoje não há dúvidas, cotejando os relatos das fontes antigas com os achados arqueológicos, que Augusto pretendia transformar toda a Germânia (Germania Magna) em uma província romana. Seus generais, notadamente seus enteados Druso e Tibério, obtiveram muitas vitórias sobre as tribos germânicas e chegaram a alcançar o rio Elba , indo até mesmo além. Quartéis e até algumas cidades foram construídas a leste do rio Reno.

Porém, quando tudo parecia correr para que este projeto desse certo, o governador da Germânia, Públio Quintílio Varo, seria atraído para uma emboscada por seu auxiliar germânico, Arminius, e ele e três legiões romanas completas seriam massacrados na Batalha da Floresta de Teutoburgo, em 9 D.C. Os próprios romanos desmantelaram ao menos uma das cidades e os quartéis queimados pelos germanos. Segundo consta, após receber a notícia do desastre, Augusto passou vários dias lamentando-se, chegando a bater a cabeça na parede, enquanto dizia :

Não obstante, Augusto fez importantes reformas militares e fixou o número de legiões, espalhadas predominantemente pelas fronteiras estratégicas, em 28, reduzindo assim a quantidade imensa de legiões criadas durante as Guerras Civis, que pesavam no orçamento público.

A carreira militar também foi incentivada com a criação de um fundo público para o pagamento de pensões, o Aerarium Militare, um passo importante para assegurar a existência de um exército permanente.

Até mesmo inovações tecnológicas no equipamento militar foram implantadas no governo de Augusto, como a adoção da lorica segmentata, a célebre armadura de placas articulares, tão famosa nos filmes de Hollywood.

Voltando às iniciativas no campo da administração civil, Augusto estabeleceu um sistema de tributação permanente e estável, para vigorar em todo o território controlado por Roma, mas ao mesmo tempo acabando com os confiscos e tributos extraordinários e irregulares que eram impostos frequentemente às províncias, e aproveitando para aliviar a taxação sobre os Italianos (O sistema, elaborado em bases mais racionais, também restringiu a atuação dos odiados publicanos, que eram particulares que recebiam comissões para cobrarem impostos, ficando com uma parte, o que passou a ser predominantemente feito por servidores públicos).

Aliás, foi Augusto quem primeiro estabeleceu a Itália como uma região político-administrativa, compreendendo a península italiana.

13- A procura de um herdeiro e os últimos anos

Mas o grande insucesso de Augusto foi mesmo não conseguir ser sucedido por um parente sanguíneo, legítimo integrante da gens Júlia.

O primeiro candidato a não vingar, como vimos, foi Marcelo. Augusto, então determinou que a viúva deste, a  sua filha Júlia, se casasse com aquele que talvez fosse a pessoa em que ele mais confiava: Marcos Agripa, em 21 A.C. (que, após o falecimento de Marcelo, recebeu o império proconsular pelo prazo de cinco anos. O casamento dos dois seria prolífico, gerando três meninos  e duas meninas: O primeiro, Caio César, nasceu em 20 A.C, sendo seguido por Júlia, a Jovem. Em 17 A.C. nasceria Lúcio César. Depois se seguiriam Agripina, a Velha, e Agripa, cognominado Póstumo (por ter nascido após o falecimento do pai).

Cabeça de Júlia, a Velha, filha de Augusto. Foto By Didier Descouens – Own work, Public Domain, https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=115964066(Toulouse) Portrait de Julie Ra 338

Eu acredito, vale repetir, que Augusto nunca pretendeu de fato que Agripa fosse o seu sucessor permanente, confiando que o amigo cumpriria o planejado e abdicaria em favor de um dos filhos, quando eles se tornassem maiores de idade. Assim, Caio e Lúcio César foram adotados oficialmente por Augusto, tornando-se legalmente os seus herdeiros, em 17 A.C. Augusto providenciou para que os rapazes fossem nomeados cônsules para os anos de 1 D.C. e 4 D.C, apesar deles estarem bem abaixo da idade legal. Como já visto, Agripa faleceu em 12 A.C, pouco antes do nascimento de seu terceiro filho com Júlia, que seria chamado de Agripa Póstumo.

Contudo, Lúcio César faleceu em Marselha, enquanto se dirigia para completar seu treinamento militar na Hispânia, aparentemente de alguma enfermidade não identificada, em 20 de agosto de 2 D.C., quando tinha 18 anos de idade.

Cabeça de Lúcio César

Por sua vez,  Caio César seria ferido em um cerco a uma fortaleza na Armênia, em 9 de setembro de 2 D.C. Segundo as fontes, o ferimento não teria sarado adequadamente, e Caio César acabaria falecendo em 21 de fevereiro de 4 D.C, aos vinte e três anos, em uma cidade da Lícia, na atual Turquia.

Cabeça de Gaius Caesar, neto de Augusto. Foto By Unknown artist – Marie-Lan Nguyen (2011), CC BY 2.5, https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=15469314

Autores antigos levantaram a suspeita de que a imperatriz Lívia estaria por trás da morte dos rapazes, de modo semelhante aos boatos que circularam no caso da morte de Marcelo, e pelo mesmo propósito: assegurar o trono para seu filho Tibério.

É muito difícil chegar a uma conclusão sobre essas suspeitas…Realmente, as mortes de três jovens bem nascidos e, aparentemente, sem problemas de saúde reportados previamente, parece improvável. Mas devemos lembrar que a mortalidade na Roma Antiga, assolada por epidemias e cuja medicina era mais rudimentar, era bem maior do que hoje.

Eu acho difícil que Lívia possa ter tido participação no episódio que resultou no ferimento de Caio César, ocorrida em uma ação militar em um território distante e fora da jurisdição de Roma. Entretanto, há um considerável intervalo de tempo de mais de um ano entre este episódio e a morte do rapaz, que ocorreu já em uma província romana oriental.

Note-se que Caio, que estava mais próximo na corrida pela sucessão, foi o segundo a morrer, em circunstâncias que não chegam a parecer tão suspeitas. Por outro lado, Lúcio, o mais novo, morreu mais perto de Roma, em Marselha, e em circunstâncias um tanto mais obscuras. Mas, para quem acredita que Lívia realmente encomendou a morte dos rapazes, não teria sido mais fácil matá-los enquanto ainda crianças? Afinal, a mortalidade infantil era algo corriqueiro na Roma Antiga. E o pai deles, Agripa, que poderia inspirar algum receio em Lívia, morreu em 12 A.C, quando o mais velho tinha 8 anos e o mais novo, 5. Faria mais sentido assassinar os dois antes que eles chegassem à idade adulta.

O fato é que a morte do sobrinho e dos dois netos deixou Augusto sem uma opção de herdeiro imediata. Isto em uma época em que ele estava entrando em uma idade avançada para os padrões romanos. Assim, ele foi obrigado a recorrer ao seu enteado Tibério.

Cabeça de Tibério

A posição de Tibério, a quem parece que Augusto nunca foi afeiçoado, já tinha melhorado  na “corrida sucessória” com a morte de Agripa, uma vez que, no mesmo ano do falecimento deste, em 12 A.C., Augusto obrigou-o a divorciar-se de sua amada esposa, Vipsânia Agripina, filha de Agripa, e casar-se com sua filha Júlia, viúva do falecido, no que seria uma união notoriamente infeliz. Além disso, Tibério vinha se destacando como um excelente general, e sendo encarregado de importantes missões estatais, as quais cumpriu com eficiência.

Augusto, em 6 A.C, chegou a compartilhar o “Poder Tribunício” com Tibério. Surpreendentemente, contudo, neste mesmo ano, o enteado resolveu abandonar tudo e ir morar na ilha de Rodes, em verdadeiro autoexílio. Ninguém sabe ao certo quais foram os motivos de Tibério para sua partida, mas há várias hipóteses plausíveis. 

Na minha opinião, há uma coincidência sintomática entre esta decisão e o fato de que, também no ano de 6 A.C., o Comício das Centúrias, certamente por sugestão de Augusto, tenha decidido eleger Caio e Lúcio César para os consulados do ano 1 e 4 D.C.:

Assim, o seu “autoexílio” seria um gesto de retaliação de Tibério contra o propósito de Augusto de avançar a carreira dos rapazes e prepará-los para serem os sucessores o mais rápido possível, retirando a perspectiva de que Tibério pudesse sucedê-lo, ou, no caso de que isto ocorresse, devido à morte de Augusto antes de que eles fossem Cônsules, de que o reinado dele fosse breve. Desse modo, Tibério, ao contrário de Agripa, teria querido deixar claro que ele não aceitava ser apenas um  imperador “interino”. Muitos estudiosos defendem esta hipótese. 

Mas há outros historiadores que acreditam que a causa principal do exílio de Tibério teriam sido os frequentes adultérios de Júlia em Roma, os quais maculavam a reputação do próprio Tibério enquanto marido traído. Foi em 2 A.C. que o comportamento escandaloso de Júlia chegou ao conhecimento de Augusto que, envergonhado pelo comportamento da filha, contrário às leis moralizantes instituídas por ele próprio, decidiu pelo divórcio de Tibério e Júlia.

Indo além, Augusto mandou exilar os amantes da filha e até mesmo obrigou alguns a cometerem suicídio. A própria Júlia também foi exilada para a remota ilha de Pandatária. A mágoa de Augusto foi tanta, que, em seu testamento, ele proibiu que ela, quando morresse, fosse sepultada no Mausoléu dele, em Roma, proibição que se estendia à  sua neta Júlia, a Jovem, filha de Júlia, que também seria exilada em 8 D.C, igualmente sob a acusação de adultério. Dada a dimensão desse rancor, aventou-se a possibilidade de que Júlia também teria participado de uma conspiração contra Augusto, fato que, segundo uma fonte, ele mesmo teria comentado no Senado. Júlia morreria em 14 D.C, após a morte de Augusto, ainda no exílio, agora em Regium, segundo consta, de depressão ou até mesmo inanição deliberadamente provocada por ordem ou no interesse de Tibério, aos 52 anos de idade.

Seja como for, as fontes mencionam que o auto-exílio de Tibério deixou Augusto muito preocupado pelo fato de Caio e Lúcio César serem ainda meros adolescentes, o que colocaria em perigo a própria continuidade do Principado, caso Augusto morresse subitamente naquele momento, no qual, mais uma vez, ele lidava com um problema de saúde. Porém, como das outras vezes, Augusto se recuperou e, pelas aparências, não perdoou Tibério, que, reiteradamente, após passar alguns anos em Rodes, fazia  pedidos de autorização para retornar para Roma, todos recusados pelo imperador. Certamente Augusto, com a chegada de Caio à idade adulta, não via mais utilidade no enteado. Somente em 2 D.C, Augusto consentiu com a volta de Tibério a Roma, porém, como mero particular, sem dar-lhe nenhum cargo ou função pública.

Tudo mudaria, porém, com a morte dos dois netos, Caio e Lúcio. Sem mais nenhuma opção viável para a sucessão, Augusto foi obrigado a adotar imediatamente Tibério como filho e herdeiro, conferindo-lhe, ainda, o Poder Tribunício e o Império Proconsular Maior.

Todavia, ainda assim, Augusto não abandonou completamente o desejo de que um dia alguém  do seu sangue herdasse o Império: ao adotar Tibério, ele exigiu que este, por sua vez, adotasse o seu sobrinho-neto, Germânico, filho de Antônia, a Jovem, que era filha de sua irmã, Otávia. Além disso, juntamente com Tibério, Augusto adotou seu único neto vivo, Agripa Póstumo (que não havia sido adotado junto com os irmãos para que ele pudesse dar continuidade ao nome de seu pai, Marco Vipsânio Agripa).

Cabeça que se acredita ser de estátua de Agripa Póstumo

Por que, então, Augusto não adotou apenas Agripa Póstumo como herdeiro? Na verdade, este tinha 16 anos quando Augusto adotou-o junto com Tibério. Assim, se Augusto falecesse subitamente, era grande a chance de que Póstumo não tivesse apoio suficiente para ser imperador ou então fosse facilmente “bypassado” por outros. Consequentemente, naquele momento, o respeitado e experiente Tibério era a garantia de continuidade do principado.

Ademais, segundo várias fontes, Agripa Póstumo seria um rapaz brutal, estúpido, insolente e depravado, portanto, não deve ter demorado muito tempo para que o próprio Augusto tenha percebido que ele seria inapto para sucedê-lo.

Assim, em 7 D.C, Póstumo foi banido para Sorrento, e, posteriormente, para Planásia, outra remota ilha  É bem provável que Lívia e o próprio Tibério tenham influído nesta decisão e o rapaz ficaria sob guarda armada na ilha, em exílio perpétuo. Especula-se que ele também possa ter se envolvido em alguma conspiração que ensejou esta medida. De fato, no ano seguinte, Júlia, a Jovem, irmã de Póstumo e neta de Augusto, seria exilada sob a alegação de ter cometido adultério, sendo que, segundo Suetônio, o marido dela, Lúcio Emílio Paulo, foi executado por ter conspirado contra Augusto, em data não apontada.

Suetônio também menciona que dois homens de baixa condição, Lucius Audasius, um estelionatário, e Asinius Epicadus, mestiço de origem ilíria, chegaram a planejar o resgate de Júlia e Póstumo e levá-los até um contingente de tropas, certamente com o propósito de derrubar Augusto, então existe alguma possibilidade de que ambos os irmãos tenham mesmo se envolvido em alguma conspiração.

14- Morte de Augusto e sucessão

Nesta época, Augusto se tornara septuagenário, uma idade avançada mesmo para romanos da classe alta. Pouco a pouco ele foi deixando os assuntos de Estado mais importantes a cargo de Tibério, embora, segundo as fontes, ele nunca tenha deixado de despachar e ler os documentos de governo.

Esta estátua de bronze, encontrada no Mar Egeu, hoje no Museu Arquológico Nacional de Atenas, é uma das poucas a retratar Augusto em idade madura e de forma não idealizada, sendo provavelmente uma de suas representações mais realistas. Foto George E. Koronaios, CC BY-SA 4.0 https://creativecommons.org/licenses/by-sa/4.0, via Wikimedia Commons

Em 13 D.C, foram dados a Tibério todos os poderes de Augusto, em pé de igualdade. Portanto, na prática, Tibério era, agora, co-imperador. Ele passara os dois últimos anos na Germânia, lidando com os problemas militares que sucederam o Desastre de Varo. Ao voltar para Roma, Tibério celebrou um Triunfo, a procissão da vitória que, no governo de Augusto, tinha se tornado exclusiva do Imperador.

Em meados de 14 D.C, a saúde de Augusto começou a piorar. Mesmo assim, ele resolveu fazer uma viagem para Nola, hospedando-se na mesma velha casa de verão da sua família. Ele estava chegando aos 75 anos. Apesar disso, em Nola, ele chegou a melhorar um pouco. Porém, em 19 de Agosto de 14 D.C, o vetusto imperador sentiu que iria morrer. Ele deitado no mesmo quarto em que o seu pai havia falecido. As suas últimas palavras para os que estavam em seu aposento foram: 

Julgo que a frase é de extrema sutileza, pois Augusto de fato interpretou com maestria o personagem de “rei que não deveria ser e nem quer ser um rei”…

Novamente, alguns nutriram, mais uma vez, a suspeita de que Lívia teria envenenado o marido, mencionando até que ela teria utilizado figos envenenados. Entretanto, não há nenhuma evidência sólida de que isto teria acontecido. O fato de alguém muito doente melhorar um pouco antes da morte é algo bem corriqueiro e frequentemente observado.

Um dos motivos para a suspeita é que, durante o trajeto da viagem para Nola, algumas fontes aventaram o fato de que Augusto teria pego um barco até a ilha de Planásia e feito uma visita a Agripa Póstumo, com o suposto objetivo de reabilitar o neto. Porém, aberto o testamento de Augusto, não havia nenhuma menção ao rapaz (é bem verdade que não se pode excluir terminantemente a hipótese dele ter sido adulterado, a mando de Lívia ou de Tibério).

De qualquer forma, Póstumo foi executado no mesmo ano e aproximadamente na mesma época em que Augusto morreu, não se sabe ao certo se exatamente antes ou depois. Tácito conta que um centurião teria abordado Tibério após ele ser aclamado pelo Senado, e dito que “as ordens dele foram cumpridas“, mas Tibério negou que tivesse dado qualquer ordem, e que o centurião teria se referido a uma ordem dada por Augusto.

O corpo de Augusto foi levado para Roma, cremado e as cinzas depositadas no Mausoléu de Augusto, que foi recentemente reformado pela Prefeitura de Roma. Vários outros imperadores e membros da dinastia dos Júlios-Cláudios seriam sepultados ali.

Maquete reconstituindo o Mausoléu de Augusto, modelo da cidade de Roma por E. Gismondi. Foto Por Jean-Pierre Dalbéra from Paris, France – Maquette du mausolée d’Auguste (musée de la civilisation romaine, Rome), CC BY 2.0, https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=24668980

15- Características pessoais de Augusto

Segundo relatos das fontes e traços detectados nas estátuas sobreviventes, Augusto tinha uma bela aparência, possuindo cabelos castanhos claros, puxados um tanto para o louro e ligeiramente ondulados, e olhos azuis claros. A tez de sua pele ficava entre clara e morena, e ele tinha muitas pintas no corpo. Ele gostava de estar bem barbeado e penteado. Seus dentes eram separados, pequenos e mal cuidados. O imperador tinha 1,70m de altura, não sendo baixo para os padrões da época, mas gostava de usar calçados para aumentar a sua estatura.

Augusto gostava de morar na mesma casa que ele habitava no Palatino e dormiu no mesmo quarto por quarenta anos, uma casa que depois foi aumentada e anexada ao templo do deus Apolo, de quem ele era especial devoto. Ele tinha o costume de, mesmo depois, de adulto, usar de propósito algumas palavras com erros que ele cometia quando criança. Ele era moderado no comer e no beber, mas era muito friorento no Inverno, quando costumava vestir quatro túnicas, uma por cima da outra, para diminuir a sensação de frio, e calorento no verão, quando gostava de ser abanado e dormir de portas e janelas abertas. E também não gostava de pegar sol. Seu principal divertimento eram jogos de tabuleiro e especialmente os que envolviam apostas.

Acredita-se que esse aposento, soterrado por cosntruções posteriores, pertence à Casa de Augusto, no Palatino. Foto By Cassius Ahenobarbus – Own work, CC BY-SA 3.0, https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=26372292

Augusto viveu a maior parte de sua vida junto à sua terceira esposa, Lívia, com quem ele casou aos 25 anos, tendo o casamento durado 51 anos. Durante a união, Lívia chegou a engravidar de Augusto e dar a luz a uma criança, que, no entanto, nasceu morta. Eles nunca conseguiram ter outro bebê. Muito provavelmente, Lívia, que já tinha tido dois filhos de seu casamento anterior, deve ter ficado estéril devido às complicações deste último parto.

Não obstante, embora isso fosse comum na sociedade romana, Augusto  não se divorciou da esposa infértil e eles ficaram casados até morrer. Por tudo isso, acredito que havia amor genuíno entre o casal.  Mas era público e notório que Augusto teve casos com várias mulheres durante o casamento, e Lívia deixou também publicamente transparecer que ela sabia das traições, mas preferia ignorá-las, como escreveu Cássio Dião:

16 – Legado

Durante a sua longuíssima carreira pública, iniciada aos 19 anos, já em uma posição de poder, Augusto adotaria vários comportamentos: Inicialmente mostrou-se implacável e até sanguinário, na luta contra seus adversários políticos, mas, após assumir o poder supremo, ele assumiu uma postura bem mais benevolente. As suas grandes virtudes foram a de conseguir inspirar lealdade e respeito, reunindo e mantendo um círculo de partidários leais e talentosos, e, em troca, ser leal  e devotado aos seus amigos. Sem ser general e quase totalmente ignorante na arte da guerra, ele fez com que outros lutassem e vencessem por ele, dando-lhe alegremente as glórias.

Augusto soube avaliar os erros dos que os precederam e compreender que era necessário dar uma aparência republicana de legitimidade ao seu governo. Sobretudo, ele compreendeu que não era viável governar o Império Romano sem a classe senatorial, ao mesmo tempo que era necessário cultivar o apoio da plebe e, sobretudo, dos soldados.

O mero fato de Augusto governar o Império por mais de quarenta anos, sem conflitos internos, e apenas contendo os inimigos externos (com a exceção do Desastre de Varo) foi uma grande contribuição para a prosperidade e desenvolvimento econômicos do Mundo Romano.

Augusto estabeleceu um sistema de governo que durou, praticamente inalterado, até o reinado de Diocleciano, iniciado em 284 D.C.  As fronteiras do Império e até mesmo o número de 28 legiões que ele julgou suficiente para defendê-las foram mantidas, mais ou menos inalterados, até o reinado de Constantino, e mesmo além. Seu único insucesso foi não ter conseguido implantar uma regra estável para a sucessão.

FIM

AURELIANO, O RESTAURADOR DO MUNDO

Moeda de Aureliano, como “Restaurador do Mundo”

1- Origem e início da carreira

Em 9 de setembro de 214 D.C nasceu, em Sirmium, na província romana da Panônia, Lucius Domitius Aurelianus, o imperador romano Aureliano (OBS: algumas fontes também mencionam que ele teria nascido na província da Dacia Ripensis).

Maquete de Sirmium, foto mediaportal.vojvodina.gov.rs, CC BY-SA 3.0 https://creativecommons.org/licenses/by-sa/3.0, via Wikimedia Commons

Aureliano era filho de um humilde colono romano, provavelmente um soldado veterano assentado nas terras de um certo senador de nome Aurelius, com cuja filha seu pai acabou casando-se, tendo ele nascido dessa união, recebendo, portanto, o seu sobrenome por parte da mãe. Esta é a versão da frequentemente fantasiosa História Augusta, que também menciona que a mãe dele seria sacerdotisa no templo do Deus-Sol.

Mas alguns historiadores acreditam que Aureliano era apenas o filho de um soldado ilírio que deve ter recebido a cidadania romana no reinado de Caracala, que a estendeu a todos os homens livres do Império, em 212 D.C. Em gratidão, sabe-se que boa parte deles adotou o sobrenome de “Aurelius”, em homenagem àquele imperador, cujo nome oficial era “Marcus Aurelius Antoninus”.

Busto do Imperador Caracala

Como tantos outros soldados de origem Ilíria durante o século III, Aureliano alistou-se no exército romano, seguindo a carreira do pai, e ele foi sendo promovido graças a seus méritos militares. A História Augusta conta que Aureliano tinha uma boa aparência, era alto e forte, e que ele costumava se exercitar com as armas, sendo muito hábil com a espada, mas muito severo em relação à disciplina dos seus comandados:

“(…) ele era um homem atraente, belo de se olhar devido a sua graça varonil, bem alto de estatura, e de musculatura muito forte; ele era um tanto dado ao vinho e a comida, porém ele raramente se entregava à suas paixões; ele era muito severo e aplicava uma disciplina que não tinha igual, estando extremamente pronto para desembainhar a sua espada. E de fato, como havia no Exército dois tribunos, ambos chamados Aureliano: ele e um outro, que posteriormente foi capturado junto com Valeriano, os soldados deram-lhe o apelido de “Espada â mão”, de modo que, se alguém perguntasse qual dos dois Aurelianos tinha feito algo ou praticado qualquer ação, a resposta seria “Aureliano Espada à Mão”, e aí saberiam que foi ele.”

História Augusta, Vida de Aureliano, 6

 

Há dúvida se esta cabeça de estátua de imperador retrata Aureliano ou Cláudio Gótico

Segundo a História Augusta, o desempenho de Aureliano chamou a atenção de um certo comandante (Dux) chamado Ulpius Crinitus, que o nomeou para comandar como Legado a III Legião. Comandando esta unidade, Aureliano derrotou uma força de Godos. Agradecido, Ulpius Crinitus adotou Aureliano como herdeiro, cerimônia da qual participou o próprio imperador Valeriano. É possível que a esposa de Aureliano, Úlpia Severina, fosse filha deste Úlpio Crinitus. Cumpre observar que a real existência de Ulpius Crinitus, que seria da família do imperador Trajano, não é inconteste.

Aureliano e Úlpia Severina tiveram uma filha, cujo nome não foi preservado.

Após a humilhante captura de Valeriano pelos persas, em 260 D.C, seu filho, Galieno, passou a reinar sozinho. Esta derrota para a Pérsia lançou o império romano no caos, e, naquele mesmo ano, visando proteger-se melhor das crescentes invasões germânicas, a Gália, juntamente com a Germânia e a Britânia, se separaram na prática do Império Romano, quando o legado imperial, o usurpador Póstumo, estabeleceu o que seria chamado de “Império Gaulês”.

território controlado pelo Império Gaulês, em vermelho e roxo, foto Aurelian272, CC BY-SA 3.0 https://creativecommons.org/licenses/by-sa/3.0, via Wikimedia Commons.

Durante o reinado de Galieno, o sucesso de Aureliano fez com que ele fosse designado para integrar a cavalaria de elite que foi instituída por aquele Imperador (Comitatus), da qual ele acabou se tornando comandante. Esta força, baseada em Milão, atuava como o núcleo de um exército central móvel e, para alguns, representava uma transição de uma estratégia de defesa estática, adotada desde o principado de Augusto, para uma focada na defesa em profundidade.

2- Ascensão

No reinado de Cláudio II “Gótico, sucessor de Galieno, assassinado em setembro de 268 D.C, ele também um ilírio nativo de Sirmium, Aureliano foi nomeado Comandante-em-chefe da Cavalaria do Exército Romano, e, liderando um grande ataque montado, ele participou decisivamente da grande vitória obtida pelo novo imperador contra os Godos, na Batalha de Naissus, em 268 ou 269 D.C. Observe-se que alguns historiadores acreditam que Aureliano pode ter participado da conspiração que resultou no assassinato de Galieno.

Em seguida, juntos, na Batalha do Lago Benacus (Lago de Garda), ocorrida provavelmente no início de 269 D.C., Cláudio Gótico e Aureliano derrotaram uma crítica invasão da Itália pelos Alamanos, que tinham se aproveitado da rebelião de Aureolus, um general que se rebelara contra Galieno, para invadir a Península.

A cavalaria romana de elite, em período anterior a Aureliano. foto I, Adsek, CC BY-SA 3.0 http://creativecommons.org/licenses/by-sa/3.0/, via Wikimedia Commons

Porém novamente os Godos, agora aliados com os Hérulos, Gépidas e Bastarnae, voltaram a atacar o Império nos Bálcãs e Aureliano teve participação vital em combater essa incursão com sua cavalaria dálmata. Porém, os bárbaros resistiram duramente até 270 D.C, quando uma peste irrompeu na Península afetando ambos os exércitos.

Ocorre que o imperador Cláudio Gótico acabou contraindo a peste e teve que abandonar as operações, que foram concluídas com sucesso por Aureliano, a quem coube o comando das tropas.

3- Aureliano imperador

Ainda no 1º quadrimestre de 270 D.C, chegou a notícia de que Cláudio Gótico morreu em Sirmium, da doença que ele havia contraído. O Senado imediatamente reconheceu o irmão do imperador falecido, Quintilo, como sucessor. Porém, em maio, o exército sob o comando de Aureliano também o aclamou imperador.

Rapidamente, as tropas de Aureliano derrotaram o exército de Quintilo e este foi assassinado ou cometeu suicídio.

Aureliano assumiu um Império Romano em grave crise e em processo de desagregação. Após a derrota de Valeriano para a Pérsia Sassânida, as províncias romanas da Síria, da Arábia e do Egito procuraram a proteção da cidade autônoma de Palmira, governada pelo vigoroso líder Odenato, que conseguiu repelir os Persas.

Aureliano passou à História como um dos “imperadores-soldados” oriundos da Ilíria que mais contribuiu para a sobrevivência de Roma durante a “Crise do Século III”, contribuindo decisivamente para colocar um fim nela, estabilizando o Império Romano.

Palmira era uma cidade habitada por uma mescla de povos semitas, em sua grande maioria Arameus (ou Aramaicos) e Árabes. Localizada ao redor de um oásis no meio de um vasto deserto ela fica entre 150 e 200 km dos rios perenes mais próximos, dependendo do oásis e de cisternas para uma agricultura viável. Entretanto, a cidade prosperou como importante centro na rota de caravanas comerciais que ligavam o Mediterrâneo ao Império Persa e à Índia.

Encorajado pelo sucesso e pelo declínio romano, Odenato proclamou-se “Rei dos Reis”, mas ainda mantendo-se formalmente subordinado à Roma. Porém, após ser assassinado, em 267 D.C., ele foi sucedido por seu filho pequeno, Vaballathus, e o poder passou a ser exercido por sua viúva, Zenóbia, como regente. Em seguida, embora ainda sob o pretexto de agir em nome do Império Romano, Zenóbia invadiu o Egito, em outubro de 270 D.C. Aliás, vale citar que a rainha reivindicava ser descendente direta da célebre rainha do Egito, Cleópatra.

Contudo, em 271 D.C, Zenóbia assumiu para si e para o filho os títulos de Augustos, criando o que ficaria conhecido como “Império de Palmira” (ou também Império Palmirense. ou Palmireno).

O Império de Palmira,, em 271, em amarelo. Em verde, o Império Gaulês. Foto User:Pomalee, User:Игорь Васильев, CC BY-SA 4.0 https://creativecommons.org/licenses/by-sa/4.0, via Wikimedia Commons

4- Invasões e revoltas

Inicialmente, quando a notícia da incorporação das províncias orientais pelo Império de Palmira chegou ao seu conhecimento, Aureliano estava impossibilitado de atacá-lo pelo fato de estar envolvido com invasões dos Iutungos, Vândalos e Sármatas no norte da Itália, as quais ele conseguiu derrotar.

Ademais no ano seguinte, uma nova invasão bárbara, dos Alamanos ou dos Iutungos, obrigou Aureliano a ir combatê-los no norte da Itália, e finalmente conseguiu derrotá-los na Batalha de Fano, no Rio Metauro, vitórias pelas quais ele recebeu o título de “Germanicus Maximus”.

As fontes também relatam três revoltas lideradas respectivamente por Septimius, Urbanus e Domitianus, personagens obscuros, que provavelmente eram comandantes de tropas nas províncias afetadas pelas invasões bárbaras, cujas rebeliões devem ter tido breve duração.

De volta à Roma, percebendo que a ameaça dos bárbaros ao coração do Império passaria a ser uma constante, Aureliano ordenou a construção do grande sistema de muralhas defensivas da Cidade, protegendo uma área de 1.400 hectares e que ficariam conhecidas como as “Muralhas Aurelianas”. As obras durariam 5 anos e somente seriam completadas pelo imperador Probo.

Muralhas Aurelianas, foto Lalupa, Public domain, via Wikimedia Commons

Em Roma, Aureliano ainda teve que enfrentar uma feroz revolta armada dos cunhadores de moedas, liderados por Felicissimus, o Secretário do Tesouro Imperial, que provavelmente estavam insatisfeitos com alguma medida dele coibindo o desvio dos metais, o que acarretava a cunhagem de moedas de qualidade inferior. Inclusive, durante o seu reinado, Aureliano fez uma reforma monetária, aumentando a quantidade de prata contida no Antoninianus (moeda que substituiu o denário) para 5%, o que demonstra o quanto a moeda estava desvalorizada. Se os relatos forem verídicos, a revolta dos cunhadores foi tão séria que resultou no massacre deles, sendo que a repressão teria custado a vida de sete mil soldados!

Antoninianus de Aureliano, No verso da medalha, celebra-se a concórdia entre o imperador e os militares. Foto Copyrighted free use, https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=348653

Novamente, mais uma incursão dos Godos nas fronteiras do Danúbio obrigou Aureliano a marchar para dar-lhes combate, ocasião em que, atravessando o Rio, as tropas comandadas pelo imperador derrotaram e mataram o chefe Godo Cannobaudes, recebendo, em homenagem a esta vitória, do Senado o título de “Gothicus“. Entretanto, a constante pressão bárbara nesta fronteira, levou Aureliano a decidir abandonar a província romana da Dácia, na margem norte do Danúbio, pela dificuldade em defendê-la. Ele reassentou os habitantes romanos da província abandonada ao sul do Danúbio, em uma parte da Mésia, que foi rebatizada de “Dacia Aureliana“, com a cidade de Serdica (atual Sofia, na Bulgária), como capital.

5- Guerra contra o Império de Palmira e reconquista das províncias orientais

Finalmente, em 272 D.C, Aureliano teve condições de enfrentar o grave problema da perda das províncias orientais para o Império de Palmira, que agora controlava o Egito, a Síria, a Palestina e até partes da Ásia Menor. Vale observar que a perda do Egito estava afetando o vital suprimento de trigo para a cidade de Roma.

Moeda de Zenóbia Augusta. Foto Classical Numismatic Group, Inc. http://www.cngcoins.com, Public domain, via Wikimedia Commons

Interessante observar, antes de falarmos sobre a campanha de Aureliano contra o Império de Palmira, que recentemente cientistas da Universidade Aarhus e da Universidade de Bergen conduziram uma pesquisa e publicaram um artigo que trouxe uma nova perspectiva sobre os motivos que teriam levado os Palmirenses a anexarem territórios controlados pelo Império Romano.

No estudo, os cientistas, examinando dados paleo-climáticos e as culturas e técnicas agrícolas empregadas pelos Palmirenses, concluíram que as mudanças climáticas prejudiciais que ocorreram exatamente na época dos reinados de Odenato e Zenóbia, bem como o rápido crescimento populacional da cidade, decorrente da prosperidade experimentada nos séculos II e III D.C (Palmira chegou a ter mais de 200 mil habitantes), comprometeram a segurança alimentar da cidade, levando seus líderes a embarcarem em um processo de militarização e expansão territorial que levou ao conflito final com Roma.

https://www.heritagedaily.com/2022/09/archaeologists-give-new-insights-into-final-blow-of-autonomous-ancient-palmyra/144774?amp

Feito o parêntese acima, na ofensiva romana contra os Palmirenses, Aureliano reconquistou com facilidade os territórios romanos que aqueles ocupavam na Anatólia, havendo apenas resistência nas cidades de Bizâncio (prenunciando a excepcional posição defensiva que caracterizaria a futura capital, Constantinopla) e Tiana (que teria sido poupada graças à aparição do espírito do filósofo e suposto paranormal Apolônio de Tiana, que rogou por sua cidade ao imperador). Enquanto isso, o general Marco Aurélio Probo (o futuro imperador Probo) reconquistou o Egito, ocasião em que o Quarteirão Real de Alexandria, onde ficava o remanescente da Biblioteca de Alexandria, foi queimado.

Batalha de Imas

Então, o exército de Aureliano chegou aos arredores da grande cidade síria de Antióquia, para onde Zenóbia e o general palmirense Zabdas esperavam os romanos com um grande exército. A Batalha de Imas, que se seguiu, é assim narrada pelo historiador romano Zósimo:

“Observando que a cavalaria palmirena depositava grande confiança na armadura deles, que era muito forte e segura, e que eles eram melhores cavaleiros do que os seus soldados, ele (Aureliano), ele posicionou sua infantaria do outro lado do rio Orontes. Ele ordenou que a sua cavalaria não engajasse imediatamente a vigorosa cavalaria dos Palmirenos, mas que esperassem pelo ataque deles, e, então, fingindo fugir, continuassem galopando até que eles fatigassem tanto os homens quanto os seus cavalos devido ao excesso de calor e o peso das armaduras, de modo que eles não pudessem mais persegui-los.

Este plano foi bem-sucedido e assim que a cavalaria do imperador viu que seus inimigos estavam cansados, e que as montarias deles eram praticamente incapazes de ficar em pé sob eles, ou mesmo de se mover, os romanos puxaram as rédeas dos seus cavalos, e, voltando-se rapidamente, carregaram contra os inimigos, atropelando-os enquanto caíam dos seus cavalos. Dessa forma, o massacre foi generalizado, alguns morrendo pela espada e outros pisoteados pelos seus próprios cavalos ou pelos dos romanos”

Zozimus, New History, Livro 1

Os sobreviventes do exército de Zenóbia foram tentar se refugiar dentro dos muros da cidade de Antióquia e o relato de Zósimo infere que, para entrar na cidade, que já estava em vias de se amotinar contra seus conquistadores palmirenses, Zabdas foi obrigado a usar o artifício de conduzir preso um soldado que se parecia com Aureliano, vestindo-o com trajes semelhantes aos usados pelo imperador, como se este tivesse sido capturado pelos Palmirenos. Mesmo assim, durante a noite, Zabdas e Zenóbia partiram com seu exército para Emesa.

Então, quando amanheceu, Aureliano, ao partir para engajar novamente os remanescentes do exército de Palmira, recebeu a notícia da fuga de Zenóbia e entrou em Antioquia, sendo recebido festivamente pelos habitantes. Ao saber que muitos cidadãos tinham fugido da cidade pelo temor da punição de terem apoiado Zenóbia, Aureliano publicou decretos perdoando-os e conclamando-os a retornar à Antioquia, tendo multidões atendido a este chamado.

Seguindo o relato de Zósimo, Aureliano então partiu para Daphne, um subúrbio de Antióquia, onde uma parte do exército de Palmira tinha ocupado uma colina que interceptava a estrada para Emesa Nesta passagem, fica claro que Aureliano ordenou que os soldados atacassem os Palmirenses entrincheirados no alto da colina, em formação de “tartaruga” (testudo), demonstrando que, no final do século III, o exército romano ainda era capaz de utilizar esta célebre tática:

“Imaginando que a inclinação dela (da colina) lhes permitiria obstruir a passagem do inimigo, ele ordenou a seus soldados que marchassem com seus escudos tão próximos uns aos outros, e em forma tão compacta, para que eles não fossem atingidos por quaisquer dardos ou pedras que fossem atirados contra eles”.

Zózimo, New History, Book 1
Legionários em formação tartaruga, Coluna de Trajano, Roma, foto: National Museum of Romanian History, CC BY-SA 3.0 http://creativecommons.org/licenses/by-sa/3.0/, via Wikimedia Commons

Batalha de Emesa

Após reconquistar a grande cidade síria de Antióquia para o Império Romano, Aureliano subiu o curso do rio Orontes e entrou sem contestação nas cidades de Apamea, Larissa e Arethusa, percorrendo o caminho em direção à cidade de Emesa (atual Homs, na Síria), também cortada pelo referido rio. Então, ao se aproximar das muralhas desta Cidade, os romanos observaram o exército de Palmira em formação em frente às mesmas. Segundo o relato de Zósimo:

“Encontrando o Exército Palmireno formado ante Emesa, totalizando setenta mil homens, entre Palmirense e seus aliados, Aureliano opôs a eles a cavalaria dálmata, os Mésios e os Panônios, e as Legiões célticas de Noricum e Rétia, e atrás destas os mais seletos regimentos imperiais, escolhidos homem a homem, a cavalaria da Mauritânia, os Tianenses, os Mesopotâmicos, os Sírios, os Fenícios e os Palestinos, todos homens de reconhecido valor; os Palestinos ao lado de outras armas, brandindo porretes e cajados. No começo do engajamento, a cavalaria romana recuou, a fim de que os Palmirenses, que os excediam em número, e eram melhores cavaleiros, valendo-se de algum estratagema, não cercassem o exército romano. Mas a cavalaria palmirena os perseguiu tão ferozmente, embora as suas fileiras estivessem desfeitas, que o evento ocorreu muito contrariamente ao que esperava a cavalaria romana. Porque eles foram perseguidos por um inimigo cuja força lhes era muito superior, e consequentemente muitos deles foram derrubados. A infantaria então teve que suportar o peso da ação. Observando que os Palmirenses tinham quebrado as suas linhas quando a cavalaria iniciou a perseguição, ela deu meia-volta e atacou quando eles estavam espalhados e em desordem. Nesta ocasião, muitos deles foram mortos, porque um lado lutou com as armas costumeiras, enquanto os Palestinos empregaram clavas e cajados contra cotas de malha feitas de ferro e latão. Consequentemente, os Palmirenses debandaram com a maior precipitação, e em sua fuga eles pisotearam uns aos outros, ficando em pedaços, como se o inimigo já não os tivesse massacrado suficientemente; O campo ficou coalhado de homens e cavalos mortos, enquanto os poucos que escaparam refugiaram-se na cidade.”

Zózimo, New History, Book 1

A derrota abalou o espírito de Zenóbia, que, após consultar seus auxiliares, decidiu abandonar Emesa e entrincheirar-se em Palmira, tendo em vista que os habitantes da cidade já manifestavam a sua insatisfação com a rainha e davam mostras de simpatia aos Romanos. Com a partida de Zenóbia, Aureliano entrou em Emesa, onde efetivamente ele foi bem recebido pelos cidadãos e capturou uma parte do tesouro que a rainha não havia conseguido levar consigo. Na cidade, segundo a História Augusta, o imperador fez oferendas no Templo de Elagabalus, divindade solar introduzida em Roma pelo imperador Elagábalo (ou Heliogábalo). Aureliano, tudo indica, atribuiu a vitória que lhe valeu a conquista de Emesa à divindade e, mais tarde, dedicaria um templo ao Sol Invicto, em Roma.

Aureliano, então, marchou em direção à Palmira, afastando-se do rio Orontes e rumando para o deserto sírio. Lá chegando, cercou-a por todos os lados, valendo-se da ajuda dos Beduínos, que haviam passado para o lado dos Romanos, para assegurar suas linhas de suprimentos (segundo o relato da História Augusta, essa marcha foi hostilizada pelos locais, tendo, inclusive, Aureliano sido ferido por uma flechada).

Cerco a Palmira

Inicialmente, os Palmirenses, aparentemente, não se sentiram muito intimidados com o cerco inimigo e chegaram até a zombar dos Romanos, acreditando que estes logo ficariam sem provisões, ignorando o efeito da aliança daqueles com os Beduínos. Porém. com o passar do tempo, foram os sitiados que começaram a ficar privados de alimentos, e, então, de acordo com Zósimo, um conselho de guerra decidiu que seria melhor Zenóbia fugir da cidade em direção ao rio Eufrates, com o fim de pedir auxílio aos Persas, montando um camelo (fêmea) veloz.

Ruínas da cidade de Palmira, Síria. Foto: James Gordon from Los Angeles, California, USA, CC BY 2.0 https://creativecommons.org/licenses/by/2.0, via Wikimedia Commons

Todavia, a fuga foi percebida pelos Romanos, e Aureliano enviou sua cavalaria em perseguição à Zenóbia, que foi interceptada, enquanto tentava cruzar o rio Eufrates em um barco, capturada, e levada à presença do Imperador.

Diante disso, os Palmirenses resolveram render-se. Aureliano foi magnânimo e não puniu a cidade, mas apropriou-se do tesouro de Palmira. Ele também deixou na cidade uma guarnição de 600 arqueiros, comandada por um certo Sandario. Então, segundo Zósimo, o imperador retornou para Emesa, onde Zenóbia e seus auxiliares próximos foram submetidos a um julgamento (em sendo verdadeiro esse relato, isso, a nosso ver, demonstra que Zenóbia e seus assessores, provavelmente, gozavam de cidadania romana. De fato, o sobrenome de Zenóbia em inscrições existentes em Palmira é “Septimia“, que deve ser proveniente de seu marido, Odenato, que era cidadão romano com status de “consularis“, e, portanto, integrante da classe senatorial, no topo da sociedade romana). No julgamento, segundo Zósimo e a História Augusta, o filósofo Longino foi condenado à morte e executado, de acordo com o primeiro, pelo fato dele ter sido acusado por Zenóbia, sua aluna, de tê-la induzido a embarcar na aventura contra Roma, ou, mais especificamente, na versão da segunda, pelo fato de ter redigido uma carta ofensiva a Aureliano quando do cerco à Palmira. Nesta carta, transcrita na História Augusta, Zenóbia, ao recusar a proposta de rendição oferecida por Aureliano, teria mencionado o exemplo de Cleópatra, em que esta preferiu morrer a ser um troféu para Otaviano. Após o julgamento, outros membros do conselho de Zenóbia também foram executados.

Em seguida, Aureliano derrotou um destacamento de soldados que o Império da Pérsia Sassânida havia enviado em auxílio aos Palmirenses.

Aureliano, em seguida, rumou de volta para Europa, levando consigo, como cativos, Zenóbia e o filho dela, Vaballathus. Aqui as fontes divergem, Zósimo contando que na viagem, a rainha teria morrido de doença, ou inanição, e os demais cativos se afogado no Estreito de Bósforo. Porém, os demais autores narram que os dois foram levados até Roma, onde adornaram o magnífico Triunfo de Aureliano, que veremos adiante. Algumas fontes relatam que após ser exibida na procissão, Zenóbia foi libertada e acabou indo morar na Vila de Adriano, em Tívoli. Ela também casou-se com um senador romano, com quem teria tido outros filhos.

“A Rainha Zenóbia olhando Palmira pela ùltima Vez”, tela de Herbert Gustave Schmalz, (1888) Public domain, via Wikimedia Commons

Ao chegar à Europa, Aureliano teve que enfrentar uma invasão dos Carpi, um povo aparentado aos Dácios, no Danúbio, vitória que teria lhe valido o título de “Carpicus“. Porém, logo após, já em 273 D.C., enquanto ainda estava na região da Trácia, o imperador recebeu do Prefeito da Província da Mesopotâmia e Corrector do Oriente, Marcellinus, a notícia de que os Palmirenos tinham novamente se revoltado, sob a liderança de um certo Septimius Apsicos (ou Apseus), matando Sandario e a guarnição de 600 arqueiros. Em seguida, Apsicos havia tentado cooptar Marcellinus, oferecendo apoio caso este se rebelasse contra Aureliano, reclamando o trono. Marcellinus, entretanto, fingiu considerar a proposta, enquanto relatava os fatos ao imperador.

Percebendo que seus esforços estavam sendo infrutíferos, os líderes da revolta, então, proclamaram Septimius Antiochus, um parente de Zenóbia, como Augusto. Todavia, Aureliano, imediatamente após receber a mensagem de Marcellinus, pôs-se em marcha com seu exército e, com rapidez inesperada, chegou a Antióquia, e dali, partiu para Palmira, que foi tomada com facilidade. Dessa vez, Aureliano não teve clemência e, após derrotar a nova insurreição, ordenou que a cidade fosse saqueada e arrasada. No entanto, a vida de Septimius Antiochus, que, tudo indica, era apenas uma criança, foi poupada.

De Palmira, Aureliano teve que rumar para Alexandria, pois estourara ali uma revolta comandada por um certo Firmus, um rico aliado de Zenóbia no tempo em que o Egito fez parte do Império de Palmira, aliado a grupos de Árabes e Blemmyes (povo que habitava terras ao sul do Egito). Embora seja incluído em algumas fontes como usurpador, consta que Firmus na verdade não se proclamou imperador, sendo o seu objetivo tornar o Egito independente. Porém, Firmus cortou o vital suprimento do trigo do Egito para a Cidade de Roma, algo que nem a poderosa Zenóbia ousara fazer. De qualquer modo, Aureliano submeteu Alexandria com facilidade, executou Firmus e restaurou o fornecimento do trigo egípcio.

Em decorrência dessas vitórias no Oriente, que reincorporaram ao Império Romano as províncias conquistadas por Palmira, Aureliano recebeu os títulos de “Parthicus Maximus” e de “Restaurador do Oriente”.

Chegou então a oportunidade para Aureliano lidar com o “Império Gaulês”, que já estava bem enfraquecido pelas derrotas sofridas para Cláudio Gótico.

6- Guerra contra o Império Gaulês e reconquista das províncias ocidentais

Em 274 D.C, Aureliano marchou contra Tétrico, o usurpador que ocupava o trono da Gália e os exércitos encontraram-se em Chalons-en-Champagne, no nordeste da Gália. Os combates foram duros, mas as tropas de Aureliano levaram a melhor. Tétrico foi poupado e posteriormente até nomeado para o cargo de Corrector da Lucânia. Algumas fontes mencionam que Tétrico teria feito um acordo prévio de rendição com Aureliano e abandonado suas tropas antes ou durante os combates.

Com a reincorporação das províncias controladas pelo Império das Gálias ao Império Romano, que foi reunificado e restituído ao seu tamanho tradicional, Aureliano celebrou seu grande triunfo, que incluiu a exibição de Tétrico e Zenóbia pelas ruas de Roma, e recebeu do Senado o título de “Restaurador do Mundo” (Restitutor Orbis). A História Augusta nos deixou um relato muito interessante da referida procissão triunfal, a qual transcrevemos abaixo:

“Vale a pena saber como foi o triunfo de Aureliano, porque este foi um espetáculo sobremaneira brilhante: Houve três carros imperiais, o primeiro dos quais, esmeradamente forjado e adornado com ouro, prata e joias, tinha pertencido a Odenato, o segundo, forjado com igual esmero, foi dado a Aureliano pelo rei dos Persas, e o terceiro Zenóbia mandou fazer para si mesma, esperando visitar a cidade de Roma nele. E esta esperança não deixou de ser satisfeita, porque, de fato, foi com ele que ela entrou na cidade, porém derrotada e levada em triunfo. Havia também outro carro, puxado por quatro cervos e que se dizia ter pertencido ao rei dos Godos. Neste carro, de acordo com a memória de muitos, Aureliano foi conduzido até o Capitólio, planejando sacrificar lá os cervos, que ele tinha capturado junto com este carro e então dedicou-os, diz-se, a Jupiter Optimus Maximus. Ali avançaram vinte elefantes, e duzentas bestas domesticadas de diversos tipos, da Síria e da Palestina, que certa vez havia presenteado a cidadãos particulares, pelo fato de que o orçamento pessoal do imperador (Fiscus) não fosse sobrecarregado com o custo de sua alimentação; além disso, junto eram conduzidos em ordem quatro tigres e também girafas, alces e outros animais, e também oitocentos pares de gladiadores ao lado dos cativos das tribos bárbaras. Havia Blemmyes, Axumitas (povo da Etiópia), Árabes da Arábia Feliz, Indianos, Báctrios, Iberos (da Ibéria, na atual Geórgia), Sarracenos e Persas, todos carregando seus presentes; Havia Godos, Alanos, Roxolanos, Sármatas, Francos, Suevos, Vândalos e Germanos, todos cativos, com suas mãos acorrentadas. Também caminhavam entre eles certos homens de Palmira, que tinham sobrevivido à sua queda, os mais principais do governo, e também Egípcios, por causa da sua rebelião.

Junto a eles também foram conduzidas dez mulheres, que, lutando com trajes masculinos, tinham sido capturadas entre os Godos, depois de muitos deles terem sido mortos: Quanto a estas, uma tabuleta declarava que pertenciam a raça das Amazonas”.

7- Outras iniciativas de Aureliano

Aureliano era devoto do “Sol Invicto”, que ele procurou tornar a divindade máxima do Império e a principal do Panteão Romano. Há até quem diga que o imperador tencionava, com isso, instaurar o Monoteísmo no Império. No dia consagrado ao “Nascimento do Sol Invicto” (Dies Natalis Solis Invicti), em 25 de dezembro de 274 D.C, Aureliano inaugurou em Roma o templo dedicado ao Deus (construído e adornado com o espólio de Palmira). Aliás, o imperador instituiu para si o tratamento de “Nascido Deus e Senhor”.

Outro indício de que o reinado de Aureliano prenunciava o período do Dominado, em contraste com o Principado instituído por Augusto, encontra-se na Epitome de Caesaribus, do historiador romano Sextus Aurelius Victor:

“Este homem foi o primeiro a introduzir entre os Romanos um diadema para a cabeça, e ele usava ouro e pedras preciosas em cada item de vestuário, em uma escala praticamente desconhecida para os costumes romanos”.

Epitome de Cesaribus, Aurelius Victor, 35,5

Aureliano incrementou a distribuição de alimentos objeto da Anona, acrescentando à porção de pão uma quantidade de azeite, de sal e de toucinho ou salame.

8- Morte de Aureliano

Em 275 D.C, Aureliano partiu para o Oriente visando derrotar o último grande inimigo de Roma que ele ainda não havia vencido: o Império Persa.

Todavia, no final de setembro ou início de outubro de 275 D.C. quando Aureliano, ainda no início da expedição, chegou na cidade de Caenophrurium, na Trácia (na atual Turquia europeia ou na Bulgária), um secretário que estava ameaçado de ser punido por uma transgressão (segundo Zózimo, este se chamaria Eros, e segundo a História Augusta, o nome dele seria Mnestheus), forjou uma lista de oficiais da Guarda Pretoriana que também seriam punidos e estes, temerosos, acabaram assassinando o imperador, aproveitando uma ocasião em que Aureliano deixou a cidade acompanhado de um pequeno séquito. Os seus próprios assassinos construíram no local uma tumba para seus restos mortais e um templo em sua homenagem.

9- Epílogo

A História Augusta e Sexto Aurélio Victor relatam que o Império Romano ficou sem um imperador por um intervalo de até seis ou sete meses, e alguns historiadores consideram, com base na numismática, que a imperatriz-viúva Ulpia Severina pode ter governado o Império até que o Senado Romano escolhesse, a pedido do Exército, o velho senador Tácito como novo imperador, período que constituiu, assim, um “interregnum“. Mas, este intervalo, de acordo com outras fontes, teria durado apenas algumas semanas. Pode ser que a explicação para esta discrepância esteja na versão constante da História Augusta: O Senado, relutante em escolher um imperador que não tivesse o apoio dos militares, devolveu a questão para o Exército, e, por causa disto, o impasse teria durado cerca de seis meses.

Acreditamos, portanto, que há alguma verossimilhança no relato das circunstâncias que levaram ao assassinato de Aureliano, uma vez que aparentemente nenhum general reclamou o trono logo após a morte dele, e os líderes do Exército, provavelmente surpreendidos pelo seu desaparecimento, em uma decisão incomum, solicitaram ao Senado que um novo imperador fosse escolhido entre os senadores. O escolhido foi Marco Cláudio Tácito, supostamente um riquíssimo senador, que também parece ter relutado algum tempo até aceitar a escolha. Mas alguns historiadores defendem outra possibilidade, como aventado acima: que o Senado tenha devolvido o assunto para o Exército, sendo Tácito um general que foi escolhido por seus próprios colegas, após algum tempo de deliberação (situações que se repetiriam no século seguinte, com Joviano e Valentiniano I).

O Senado Romano deificou Aureliano, provavelmente no período do interregno, ou, então, no início do reinado de Tácito.

Aureus de (Úlpia) Severina Augusta. Foto: By Sailko – Own work, CC BY-SA 3.0, https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=31986856

10 – Conclusão

Aureliano é um típico representante do grupo dos chamados “imperadores-soldados”, homens originários da Ilíria que se alistavam no Exército Romano e galgavam os postos até chegarem ao trono, onde sua principal preocupação era a de lutar contra ataques dos bárbaros e usurpadores.

Mas Aureliano passaria à História como um dos mais bem-sucedidos desses “imperadores-soldados” e um dos que mais contribuiu para a sobrevivência de Roma durante a “Crise do Século III”, restaurando a autoridade do Império Romano nas suas fronteiras históricas. É certo que Diocleciano foi mais além e promoveu uma grande reforma administrativa e fiscal, além de ter reinado por muito mais tempo, mas não há dúvida que sem a contribuição dada por Aureliano, ele talvez não tivesse tido tanto sucesso.

FIM

Fontes:

a) Antigas;

1-Historia Augusta, “Life of Aurelian“, livros I e II, disponível em https://penelope.uchicago.edu/Thayer/E/Roman/Texts/Historia_Augusta/Aurelian

2-Zósimo, “New History“, Livro I, disponível em https://www.tertullian.org/fathers/zosimus01_book1.htm

3-Eutropius, “Abridgment of Roman History“, livro 9, disponível em https://www.forumromanum.org/literature/eutropius/trans9.html

4- Sextus Aurelius Victor, “The Style of Life and the Manners of the Imperatores“, disponível em http://www.roman-emperors.org/epitome.htm

b) Modernas:

5- Diana Bowder, “Quem foi Quem na Roma Antiga“, Art Editora S.A

6- Ross Cowan, “Roman Battle Tactics” 109 BC-AD 313″, Osprey

7- Wikipedia, “Aurelian“, verbete em inglês

c) Artigo:

8-“Food security in Roman Palmyra (Syria) in light of paleoclimatological evidence and its historical implications“, Joan Campmany Jiménez, Iza Romanowska , Rubina Raja  e Eivind H. Seland, disponível em https://journals.plos.org/plosone/article?id=10.1371/journal.pone.0273241

AGOSTO – O MÊS DE AUGUSTO

No primitivo calendário romano, de dez meses, que começava no mês de março, Sextilis era o nome do sexto mês, que vinha depois de Quintilis, mês que, após a morte do Ditador Caio Júlio César, foi rebatizado de Iulius (Julho), mês do nascimento dele, em sua homenagem.

Devido a imprecisão desse calendário primitivo, os romanos passaram a adotar um calendário de doze meses, introduzindo-se os meses de janeiro, quer passou a ser o primeiro mês, e de fevereiro (essa reforma é atribuída ao rei Numa Pompílio). Assim, Sextilis passou a ser o oitavo mês do ano, mas, apesar disso, ele manteve o seu nome, com o qual o povo já estava acostumado.

Ilustração do Fasti Antiates, calendário anterior à reforma Juliana, mostrando Sextilis (abreviado como SEX) no topo da oitava coluna. Foto: See page for author, Public domain, via Wikimedia Commons

Apesar disso, persistindo ainda consideráveis discrepâncias entre aquele calendário romano, de apenas 355 dias e o ano solar (período de translação da Terra em torno do Sol, ordinariamente de 365 dias), Júlio César, em 46 A.C., assistido por uma comissão de astrônomos notáveis, determinou a adoção de um novo calendário, inspirado pelo mais preciso utilizado pelos Egípcios, de 365 dias, ajustando o número de dias dos diversos meses, que passou a ser chamado de “Calendário Juliano“. Em decorrência, Sextilis e Quintilis passaram a ter 31 dias.

Segundo Varrão e Cássio Dião, em 8 A.C, o Senado Romano decretou que Sextilis deveria se chamar Augustus, em homenagem ao primeiro imperador romano, Otávio, que recebera o nome honorífico de Augusto (cujo significado em latim é “venerável”, “magnífico”).

Fragmento de um mosaico romano mostrando os meses do ano, no Museu Arqueológico de Sousse, Tunísia. Foto: Ad Meskens, CC BY-SA 3.0 https://creativecommons.org/licenses/by-sa/3.0, via Wikimedia Commons

O motivo para a escolha de Sextilis para receber o nome de Augusto (que em português virou “Agosto”, de acordo com o Senatus Consultum (decreto do Senado Romano com força de lei), transcrito na obra “Saturnalia“, do romano Macrobius, escrita no século V D.C., foi o fato de que neste mês ocorreram eventos muito importantes na carreira do primeiro imperador. Segue a tradução da referida transcrição:

QUANDO O IMPERADOR CAESAR AUGUSTO ASSUMIU O CONSULADO NO MÊS DE SEXTILIS, E TRÊS TRIUNFOS FORAM TRAZIDOS PARA A CIDADE, E DO JANÍCULO AS LEGIÕES DEPOSITARAM SOB SEUS AUSPÍCIOS A SUA LEALDADE. E TAMBÉM O EGITO FOI COLOCADO SOB O PODER DO POVO ROMANO NESTE MÊS. E O FIM DAS GUERRAS CIVIS FOI IMPOSTO NESTE MÊS. E POR ESTAS RAZÕES, ESTE MÊS FOI E É O MAIS FELIZ PARA ESTE IMPÉRIO. O SENADO DECIDIU QUE ESTE MÊS DEVERIA SER CHAMADO DE AGOSTO.

No mês de agosto, as datas mais importantes eram o festival de Hércules Invicto ou Hércules Vencedor, no dia 12, o festival em honra da deusa Diana, no dia 13, a Portunalia, o festival em honra do deus Portunus, protetor dps portões, chaves e portos (leia nosso artigo clicando no link), no dia 17, a Vinalia, festival da colheita da uva e da safra do vinho, no dia 19, a Consualia, festival em homenagem a Consus, deus protetor da colheita de grãos, no dia 21, e a Volcanalia, festival do deus Vulcano, no dia 23.

Templo de Portunus, em Roma, século I A.C.

Fontes:

1) ORlGINES KALENDARIE ITALICAE, NUNDINAL CALENDARS OF ANCIENT ITALY, NUNDINAL CALENDAR OF ROMULUS, CALENDAR OF NUMA POMPILIUS, CALENDAR OF THE DECEMVIRS, IRREGULAR ROMAN CALENDAR .AND JULIAN CORRECTION. TABLES OF THE ROMAN CALENDAR, FROM U. C . 4 OF VARRO B . C . 750 TO U. C . 1 108 A. D. 355 , de EDWARD GRESWELL, B . D. FELLOW OF CORPUS CHRISTI COLLEGE, OXFORD (download de forgottenbooks.com).]

2) SATURNALIA, DE MACROBIUS, em https://penelope.uchicago.edu/Thayer/L/Roman/Texts/Macrobius/Saturnalia/1*.html#12.35

OTÃO

1- Antecedentes familiares, infância e juventude

Em 28 de abril de 32 D.C, nasceu Marcus Salvius Otho (Otão), no seio de uma família da antiga nobreza etrusca, originária de Ferentium, uma cidade da Etrúria. O avô de Otão, de nome idêntico ao seu, foi alçado ao Senado Romano por influência da influente imperatriz Lívia Drusila, na casa de quem inclusive, este avô havia crescido. Já o pai de Otão, Lucius Salvius Otho, gozava da intimidade do imperador Tibério, e, segundo as fontes, era tão parecido com este, que muitos suspeitavam de que ele fosse filho ilegítimo dele.

Detalhe da cabeça de Otho de uma estátua do acervo do Louvre. Foto Fred Romero from Paris, France, CC BY 2.0 https://creativecommons.org/licenses/by/2.0, via Wikimedia Commons

Por sua vez, Alba Terentia, mãe de Otão, vinha de uma família romana ilustre.

Não obstante, dada a proximidade da família de Otão com a dinastia dos Júlios-Cláudios, não surpreende que o seu pai tenha, desde cedo, conseguido seguir uma carreira pública: ele ocupou algumas magistraturas menores em Roma, foi nomeado Procônsul da África e, no reinado do imperador Cláudio, exerceu comandos militares na Ilíria, onde ele se notabilizou pela extrema severidade com relação à disciplina dos soldados, inclusive punindo com a morte legionários que haviam matado seus comandantes, não obstante estes tenham aderido a uma revolta contra o citado imperador, em 42 D.C., motivo pelo qual acabou incorrendo no desagrado da Corte.

Posteriormente, contudo, Lucius Salvius Otho recuperou seu prestígio após descobrir uma suposta conspiração de um integrante da classe Equestre que planejava assassinar Cláudio. Em reconhecimento, o Senado Romano decretou uma rara homenagem: que uma estátua de Otão deveria ser colocada no Palácio imperial.

Quando Otão nasceu, seu pai já tinha dois outros filhos: um chamado Lucius Salvius Otho Titianus, e uma filha de nome Salvia, que foi prometida a Drusus Caesar, filho do popular Germânico, morto em 19 D.C, que por sua vez tinha sido adotado por Tibério por determinação de Augusto. Este casamento, entretanto, não aconteceu, seja porque a menina morreu antes de atingir a idade para casar, seja pelo fato da família de Germânico ter caído em desgraça após a morte dele, sendo provavelmente esta a hipótese mais provável, pois as fontes relatam que, antes de morrer, Otão escreveu uma carta de despedida para uma irmã, ainda que não nominada. Suetônio menciona, ainda, que Otão, sua irmã e seu irmão mais velho eram todos filhos de Alba Terentia, mas considerando o cognomen do primogênito e a distância de idade entre Titianus e Otão, que devia ser de cerca de 20 anos, é bem possível que aquele fosse filho de um casamento anterior do pai deles.

Durante a infância e juventude precoce, segundo Suetônio, cujo relato é a base deste artigo, Otão não tinha bom comportamento, manifestando um temperamento turbulento e extravagante, chegando a obrigar seu pai a chicoteá-lo como castigo. O historiador conta, ainda, que Otão era dado a saídas noturnas pelas ruas de Roma junto com alguma turma de rapazes, ocasiões em que costumavam agarrar qualquer transeunte que aparentasse estar bêbado ou doente, jogá-lo em um cobertor, e sacudir e arremessar o pobre coitado para cima (em um procedimento algo similar ao “manteamento” tão bem descrito por Cervantes, em Dom Quixote).

Quanto à sua aparência e modos, assim Otão foi descrito por Suetônio:

Suetônio, “Vida dos Césares”; “Vida de Otão”, 12, 1

Esses obsessivos cuidados com a aparência e excessiva vaidade levaram o poeta romano Juvenal a mencionar expressamente Otão na sua Sátira de número 2, cujo título é “Moralistas sem Moral”, onde o poeta critica a decadência da elite romana e ridiculariza a efeminação de homens públicos:

Juvenal, “Sátiras”, Sátira 2

2- Ingresso no círculo imperial e carreira pública

O fato é que a personalidade e os modos de Otão acabariam aproximando-o do imperador Nero. Após cortejar uma liberta influente na corte imperial, apesar dela ser, nas palavras de Suetônio, “velha e quase decrépita“, ele conseguiu ingressar no círculo mais íntimo do imperador e, em pouco tempo, tornou-se o amigo mais próximo de Nero. De acordo com Suetônio, circularam relatos de que a amizade entre os dois pode ter ido além e envolvido “relações imorais“…

Provavelmente o boato nasceu do fato de que Nero e Otão tornaram-se tão íntimos a ponto de terem partilhado a mesma mulher, a rica Popeia Sabina, neta de um Cônsul, segundo os relatos de Suetônio, Tácito e Cássio Dião.

Cassius Dio, “Epitome of Book LXII”, 11,2

Os relatos dos três historiadores romanos acima citados acerca desse “affair” divergem apenas em poucos pontos: Segundo Suetônio e Cássio Dião, foi Nero, de quem Popeia já seria amante, que a ofereceu a Otão para que os dois celebrassem um casamento forjado, com a finalidade que Nero pudesse desfrutar dela com mais facilidade. Já de acordo com Tácito, o que ocorreu foi o contrário: Otão seduziu Popéia, casou-se com ela e, de tanto ele exaltar as qualidades da esposa para o imperador, Nero acabou interessando-se por Popeia. Mas todos convergem para o fato de que tudo se passou de acordo com a vontade da ambiciosa Popeia, que voluntariamente instigou a paixão do imperador por ela, não se afastando a hipótese de que ela tenha se casado com Otão já com este objetivo em mente.

Cabeça de Popeia

Nota: Popeia Sabina, com base em consideráveis evidências arqueológicas e epigráficas, pode ter nascido na cidade de Pompéia (não por causa do seu prenome), e certamente ela e sua família eram muito ligados à cidade e sua região, onde tinham propriedades, incluindo a fabulosa “Villa de Popeia”, na cidade vizinha de Oplontis, cujas ruínas foram admiravelmente preservadas pela erupção do Vesúvio, em 79 D.C.

Vista da Villa Poppea, em Oplontis

Essas fontes relatam que Popeia, após conseguir se fazer desejada por Nero, teria fingido relutância em trair Otão, ou, de outro modo, este, não suportando mais ter o imperador como rival, começou a dificultar o encontro entre este e a esposa.

Seja como for, o resultado foi que Nero, agora contrariado com as dificuldades que Otão, ou Popeia, ou estes dois juntos, estavam colocando em sua paixão pela última, decidiu, entre 58 e 59 D.C, nomear Otão para ser o governador da longínqua província da Lusitânia, uma designação que, na verdade, visaria acobertar do público o virtual exílio do antigo amigo e agora rival amoroso.

Para surpresa de muitos, Otão fez uma boa administração na Lusitânia, ficando lá por longos e incomuns dez anos. Nesse meio tempo, em 65 D.C, Popeia faleceu, provavelmente de complicações decorrentes de um parto ou aborto. Segundo boatos que circularam, registrados por Suetônio, Tácito e Cássio Dião, essas complicações teriam ocorrido por causa de um chute que Popeia teria levado de Nero no abdômen, segundo os dois primeiros historiadores, ou porque o imperador teria pulado sobre a barriga dela.

3- Atuação durante a aclamação e reinado de Galba

Quando a rebelião de Gaius Julius Vindex na Gália, no início de 68 D.C, pôs em marcha os eventos que resultaram na aclamação de Sérvio Sulpício Galba, governador da Hispânia, inicialmente por Vindex e, em seguida, por várias legiões, Otão imediatamente apoiou o governador da província vizinha a sua, tendo sido ele um dos primeiros a fazê-lo.

Abandonado pelo Prefeito Pretoriano, Ninfídio Sabino, que aderiu a Galba, e declarado inimigo público pelo Senado, que reconheceu a aclamação de Galba, Nero cometeu suicídio, em 09 de junho de 68 D.C.

Durante a marcha de Galba em direção à Roma, sabe-se que Otão teve participação ativa no avanço.

Em outubro de 68 D.C, Galba entrou na capital do Império e assumiu de fato as rédeas do governo. Porém, embora sua aclamação tenha sido recebida com algum entusiasmo, logo o novo reinado mostrou-se falho em manter a popularidade.

De fato, Galba, ao longo de sua carreira, sempre mostrou ser um chefe extremamente severo e, especialmente, um homem sovina. Os súditos e, especialmente, os militares, haviam se acostumado aos excessos de Nero quanto às benemerências e gratificações, e à condescendência quanto à disciplina. Também não ajudou o fato de Galba ser um homem já idoso e sem o “glamour” que envolvia os Júlio-Cláudios. Além disso, os cortesãos e os grupos que giravam em torno de Nero temiam as punições que já estavam ocorrendo. E os soldados esperavam recompensas.

Busto de Galba, foto: Gfawkes05, CC BY-SA 4.0 https://creativecommons.org/licenses/by-sa/4.0, via Wikimedia Commons

As fontes relatam que Galba, velho e atacado pela gota, deixava boa parte das questões de governo por conta de dois apoiadores de primeira hora: Titus Vinius, general que fazia parte do seu staff militar na Hispânia, um homem alegadamente corrupto, e que foi nomeado por Galba para servir como seu colega no primeiro consulado como imperador; e Cornelius Laco, o novo Prefeito Pretoriano, além de seu liberto, Icelus Martianus.

Com o objetivo de acalmar as legiões da Germânia e, talvez, de afastar um possível concorrente para o trono ou para a sua sucessão, Galba enviou o dissoluto e, aparentemente inofensivo, Aulo Vitélio, um notório glutão, para ser o governador da província, no final de 68 D.C. É bem possível que essa indicação tenha tido a influência de Vinius, que era amigo de Vitélio pelo fato de ambos apoiarem a facção dos Azuis nas corridas do Circo Máximo.

Entretanto, no dia em que Galba e Vinius assumiram o Consulado, em 1º de janeiro de 69 D.C, as legiões da Germânia se revoltaram e aclamaram Vitélio como novo imperador. As legiões estavam insatisfeitas com Galba porque esperavam recompensas pelo fato de terem debelado a rebelião de Julius Vindex. Segundo Tácito, as tropas também temiam alguma punição pelo fato de terem apoiado Nero contra Vindex e não terem declarado apoio a Galba na ocasião em que ele foi aclamado. Um emissário foi despachado imediatamente por Pompeius Propinquus, um agente imperial na vizinha província da Gália Bélgica levando a mensagem para Roma (Tácito).

Certamente percebendo a fragilidade de seu estado de saúde e, especialmente, a nova rebelião na Germânia, que sucedia alguns episódios prévios de indisciplina militar em seu reinado, fortaleceu-se em Galba, que não tinha filhos, a percepção de que era necessário nomear um sucessor, na esperança de que o estabelecimento de uma linha dinástica fortaleceria a sua posição e traria mais estabilidade ao governo.

Titus Vinius apoiava o nome de Otão para ser ungido como o herdeiro de Galba. Vale observar que Otão, segundo consta, estimulado por profecias de astrólogos, já vinha aproveitando, desde o início do reinado, toda oportunidade para se tornar o escolhido por Galba, alternando entre a descarada adulação ao imperador e a prestação de favores a qualquer pessoa que pudesse ter alguma influência, incluindo os militares da Guarda Pretoriana.

Todavia, para o grande desapontamento de Otão, prevaleceu a opinião de Cornelius Laco e de Icelus, que apoiavam Lucius Calpurnius Piso Frugi Licinianus. Sem dúvida, Piso Licinianus possuía um nome muito mais ilustre do que o do Otão. A gens Licínia era uma das famílias mais ilustres de Roma, embora inicialmente de origem plebeia, tendo gerado vários cônsules e um triúnviro. Além disso, por parte de mãe, Licinianus era descendente direto do triúnviro Pompeu, o Grande, e seu irmão foi marido de Cláudia Antônia, filha do imperador Cláudio. Não obstante, para Galba, o que teria pesado mesmo contra Otão era a associação dele com o reinado de Nero

Assim, em 10 de janeiro de 69 D.C, Lucius Calpurnius Piso Frugi Licinianus foi oficialmente adotado por Galba, em uma cerimônia realizada no Quartel da Guarda Pretoriana, em Roma, passando o herdeiro a adotar o nome de Servius Sulpicius Galba Caesar.

Vestígios do muro do Quartel da Guarda Pretoriana (Castra Pretoria), em Roma. Foto; Gustavo La Pizza, CC BY-SA 4.0 https://creativecommons.org/licenses/by-sa/4.0, via Wikimedia Commons

4- Ascensão ao trono

Ao receber a notícia da adoção de Lúcio Calpúrnio Pisão Licianiano por Galba, o ambicioso Otão não perdeu tempo de passar da decepção para a ação. Valendo-se de uma propina que obteve ao extorquir um liberto do imperador, no montante de um milhão de sestércios, Otão começou a subornar alguns guarda-costas do imperador. Vale observar que alguns desses pretorianos eram ligados a Tigellinus, o infame Prefeito Pretoriano de Nero, e eles sentiam-se ainda ligados a esse finado imperador, de cujo círculo íntimo Otão chegara a fazer parte. Tudo isso deu-se em um contexto de insatisfação geral da Guarda com a intensificação da disciplina e a falta de pagamento do donativo verificados no reinado de Galba.

Então, no dia 15 de janeiro de 69 D.C, enquanto Galba realizava um sacrifício ritual em frente ao Templo de Apolo, no Fórum Romano, acompanhado de Otão e vários senadores, os fatos foram precipitados pela predição de um advinho ao interpretar os presságios como indicando a existência de um plano para matar Galba. Premido pela revelação do plano, ou acreditando, por sua vez, que se tratava de um presságio favorável à conspiração, Otão deu uma desculpa para deixar a cerimônia e foi ao encontro dos guarda-costas que apoiavam o seu plano, que eram em número de vinte e três, próximo ao Marco Miliário de Ouro e ao Templo de Saturno, também no Fórum Romano.

Localização do Marco Miliário de Outro e do Templo de Saturno no Fórum Romano. Foto: Public Domain Book: Christian Hülsen, Bretschneider und Regenberg, 1904. Author Christian Hülsen died in 1935., Public domain, via Wikimedia Commons

Os 23 guarda-costas saudaram Otão como imperador e logo um número semelhante de Pretorianos se juntou ao grupo, que ergueu Otão em uma cadeira e dirigiram-se ao Quartel da Guarda Pretoriana, onde os oficiais e o resto dos soldados, confusos e cautelosos em tomar partido, não tomaram nenhuma atitude contra os revoltosos, no que provavelmente também contribuiu a antipatia geral que a tropa nutria contra Galba.

Entretanto, Galba prosseguia na realização da cerimônia religiosa, momento em que chegaram os rumores de que Otão estava sendo aclamado pela Guarda Pretoriana.

Galba e seu círculo íntimo resolveram que o mais adequado à situação era verificar se os guardas do palácio no Palatino continuavam leais. Assim, o seu herdeiro, Lúcio Calpúrnio Pisão Licianiano, foi até lá e fez um discurso conclamando-os a defenderem o seu imperador.

Assim que foi terminado o discurso, os integrantes do corpo de guarda-costas pessoais do imperador desapareceram, mas parte do corpo de pretorianos que estava no Palácio permaneceu em formação, atrás dos seus estandartes. Dois oficiais foram enviados ao Quartel da Guarda Pretoriana para se inteirar do ânimo da tropa, e lá chegando foram hostilizados e detidos pelos soldados. Para piorar, o destacamento de soldados-marinheiros da Frota Imperial, que ficava aquartelado em Roma aderiu aos revoltosos (eles haviam sido alvo de um banho de sangue perpetrado pelas tropas leais à Galba, quando estas entraram em Roma nos primeiros dias do reinado dele).

Uma turba invadiu as ruas do Fórum Romano, inicialmente clamando pela punição dos revoltosos.

Dois cursos de ação foram recomendados à Galba: a) Titus Vinius aconselhou que o imperador se entrincheirasse no Palácio e resistisse até que forças leais mais numerosas pudessem alcançar Roma e combater a Revolta; b) Cornelius Laco e Icelus defendiam que Galba fosse imediatamente ao encontro dos revoltosos com os poucos guardas que lhe eram leais enquanto a rebelião ainda estava incipiente e retomasse o controle das tropas.

Galba preferiu seguir o conselho de Laco e Icelus, talvez reforçado pelo falso boato de que Otão teria sido executado no Quartel da Guarda Pretoriana. O idoso imperador, então, vestiu uma couraça e, enquanto deixava o Palácio sendo carregado em uma cadeirinha, foi abordado por um pretoriano, que lhe disse que ele mesmo havia matado Otão, chegando a mostrar a espada ensanguentada. A resposta do severo e inflexível imperador foi:

Tácito, “Histórias”, Livro I, 35

Enquanto isso, o movimento no Quartel da Guarda Pretoriana transformou-se em rebelião generalizada, com os soldados aclamando Otão, vestindo suas armaduras e brandindo suas espadas, lanças e escudos com intenção de defendê-lo pela força das armas.

Logo os sons da rebelião e, em seguida, os primeiros destacamentos de revoltosos começaram a se aproximar do Fórum Romano, por onde trafegava a pequena comitiva de Galba, observada pela multidão espalhada pelas ruas, nos templos e nos edifícios públicos.

Todos puderam ter um prenúncio do que iria ocorrer quando o porta-estandarte do pelotão que escoltava Galba, ao perceber a chegada dos primeiros pretorianos amotinados, arrancou a efígie de Galba do estandarte. A multidão, ameaçada pelos soldados, e ciente do iminente desfecho, tentou fugir por onde fosse possível.

Alguns soldados de infantaria e cavalaria rebeldes aproximaram-se mais do cortejo imperial e um deles lançou um dardo, que acertou Galba sentado na cadeirinha em que era carregado. O imperador, ferido, caiu e rolou pelo chão, ocasião em que alguns relataram ter ouvido ele dizer:

Cássio Dião, “Epítome do Livro LXIV”, 5

Os soldados impiedosamente feriram várias partes do corpo de Galba, terminando por decapitá-lo. Durante todo o selvagem episódio, apenas um Guarda Pretoriano, um centurião de nome Semprônio Denso, tentou defender o imperador, conseguindo evitar a morte dele durante alguns momentos, lutando contra vários atacantes. A história pode ser consultada no artigo que escrevemos sobre Galba. Graças à ação de Semprônio, momentaneamente, Lúcio Calpúrnio Pisão Licianiano conseguiu escapar e se refugiar no Templo de Vesta, apenas para, um pouco mais tarde, ser capturado por ordens de Otão e terminar executado na frente do santuário. Já Titus Vinius, que acompanhava Galba, vendo a morte do imperador, tentou escapar, mas foi atingido por uma lança, e, em seguida, também foi executado no ato.

Reencenação de um centurião romano. Foto: I, Luc Viatour, CC BY-SA 3.0 http://creativecommons.org/licenses/by-sa/3.0/, via Wikimedia Commons

5- Reinado de Otão

No fim daquele dia de 15 de janeiro de 69 D.C, após ser aclamado pelos Pretorianos e pelos soldados-marinheiros da Frota Imperial no Quartel, que, naquele momento, eram os verdadeiros senhores da situação, Otão foi até o Senado Romano, onde os senadores imediatamente confirmaram a sua elevação, votando pela concessão de todos os poderes inerentes ao Principado.

Todavia, naquele momento a anarquia e a indisciplina dos Pretorianos era tanta que foram eles próprios que não apenas escolheram os seus novos comandantes, o simples soldado Plotius Firmus e Licininus Proculus, ambos ligados a Otão, mas também o novo Prefeito Urbano, escolha que recaiu sobre Flávio Sabino, que anteriormente havia sido escolhido por Nero para ocupar esse cargo (relato de Tácito, em suas “Histórias”. Sabino era irmão do respeitado general Vespasiano, que na ocasião conduzia a campanha romana contra a Grande Revolta dos Judeus, na província da Judéia. Laco e Icelus, ligados ao finado Galba, foram imediatamente executados, e Tigellinus forçado a cometer suicídio.

Nesse ínterim, a rebelião dos partidários de Vitélio ganhava adesões na Gália e no norte da Itália. Otão tentou fazer um acordo com o rival, enviando emissários com promessas de dinheiro e salvo-conduto para ir viver a salvo onde quer que ele escolhesse. Vitélio, por sua vez, também enviou uma mensagem de teor semelhante. Os generais partidários de ambos também enviaram ou tentaram enviar mensageiros às legiões controladas pelo oponente imperial. Inclusive, Fábio Valente, general de Vitélio, enviou emissários à Guarda Pretoriana, em Roma, oferecendo negociações e argumentando que Vitélio tinha sido aclamado primeiro que Otão.

Mensagens mais animadoras chegaram da Dalmácia, da Panônia e da Moésia haviam jurado lealdade a Otão. Entretanto, a boa nova foi contrabalançada pela informação que as legiões da Hispânia aderiram à causa de Vitélio. O substancial contingente de legiões estacionadas na Judéia, sob o comando de Vespasiano, juraram lealdade a Otão.

O novo imperador tentou alguns gestos conciliadores em relação a pessoas ilustres. algumas inclusive punidas nos reinados anteriores. Após exercer o consulado do ano de sua elevação juntamente com seu irmão, Salvius Titianus, até o mês de março, Otão, para os meses posteriores, nomeou uma série de senadores, no número total de 15, para serem Cônsules daquele ano. Ele também concedeu direito de cidadania romana a algumas cidades.

Aureus de Otão. Foto: Antiksikkeler, CC BY-SA 4.0 https://creativecommons.org/licenses/by-sa/4.0, via Wikimedia Commons

Outras medidas, como o soerguimento de estátuas de Nero e da falecida imperatriz Popeia Sabina, parecem ter visado a agradar os partidários de Nero e o populacho da Cidade, no seio do qual o tresloucado imperador ainda gozava de bastante estima. Ele também reabilitou vários dos libertos que faziam parte do círculo íntimo do referido antecessor. Aparentemente, Otão pretendia, e assim o seu reinado estaria sendo percebido, como uma restauração do reinado de Nero. Sintomaticamente, o povo começou a chamá-lo de “Nero Otão“, um nome que, embora ele não tenha assumido oficialmente, também não consta ter proibido ou manifestado contrariedade.

Algo que contribuiu para reforçar o sentimento de continuidade em relação ao reinado de Nero, embora tenha sido considerado desabonador pelos historiadores romanos, foi o fato dele ter trazido para perto de si o escravo Sporus (Esporo), um rapaz que, devido a grande semelhança dele com a imperatriz Popeia Sabina, seguindo as ordens de Nero, foi castrado e passou a ser tratado por este imperador como se fosse a sua própria esposa.

Finalmente, de acordo com Suetônio, o imperador Otão destinou 50 milhões de sestércios para a conclusão da Domus Aurea, o suntuoso e espetacular palácio que Nero havia começado a construir em Roma, que ainda estava por ser terminado.

Alguns bárbaros, percebendo a turbulência política no seio do Império, aproveitaram para fazer incursões no território romano. Assim, os Roxolanos invadiram a província da Moésia com nove mil guerreiros montados. Porém, a Legião III, alerta e preparada para a ação, derrotou a tribo sármata com facilidade.

Todavia, na cidade de Roma, a indisciplina dos soldados permanecia: Em certa ocasião, os Pretorianos, da qual boa parte encontrava-se embriagada no Quartel, interpretou erroneamente uma movimentação de tropas e víveres e, acreditando que se tratava de uma tentativa de destronar Otão, um bando deles, após matar um dos seus comandantes, dirigiu-se ao Palácio e invadiu um banquete que estava sendo dado pelo imperador, que mostrou-se fraco e indulgente na ocasião. Nenhum soldado foi punido pelo episódio e eles ainda receberam uma gratificação de cinco mil sestércios para comprar a sua obediência. Para finalizar, os líderes da rebelião só foram punidos porque os próprios soldados assim o demandaram.

Em seguida, em meio aos preparativos para a expedição contra Vitélio, houve uma grande cheia do rio Tibre que inundou boa parte de Roma.

Tomadas as providências para minorar os danos da inundação, Otão retomou os planos para o confronto contra o rival: Ele enviou a frota para atacar a Gália Narbonense, um dos redutos de Vitélio e reforçou as tropas aquarteladas na cidade, predominantemente componentes da Guarda Pretoriana, com alguns outros contingentes. Julgando que os preparativos eram suficientes e tomando como exemplo negativo a postura passiva de Nero ante à rebelião que lhe custou a vida e o trono, Otão, em 14 de março de 69 D.C, partiu de Roma em direção ao norte da Itália.

No meio dessas ações iniciais, dois episódios merecem nota: Tito, o filho de Vespasiano, que havia sido enviado da Judéia pelo pai para prestar homenagens a Galba, ao saber que este havia sido assassinado, e que Otão assumira o trono tendo como contestantes Vitélio e suas legiões, achou mais prudente voltar e expor a situação ao pai, a fim de ver qual curso de ação tomar. Concomitantemente, apareceu na Ásia um impostor dizendo que ele era Nero, que teria conseguido escapar da Itália, conseguindo enganar e atrair um bom número de apoiadores. Mas a farsa não perdurou muito e o farsante foi capturado e morto.

A força militar à disposição de Otão foi reforçada com a chegada de quatro legiões: a VII, XI, XIII Gemina e XIV Gemina. Nero havia conferido a esta última muitas distinções e, por causa disso, esses soldados aderiram entusiasticamente à causa de Otão, que, envergando uma couraça de metal, marchava à frente de sua tropa citadina, majoritariamente composto de Pretorianos e dos Soldados-Marinheiros, aos quais se somaram algumas tropas esparsas, incluindo uma constituída de dois mil gladiadores. A pressa se justificava, pois parte do exército de Vitélio, comandado por Aulus Caecina Alienus, já tinha atravessado os Alpes, cujas passagens haviam sido asseguradas pela adesão de um contingente de cavalaria chamado de Sílios, e chegado à Itália. Por sua vez, o envio da frota mostrou-se frutífero e assegurou o controle da costa italiana até os Alpes Marítimos (cadeia de montanhas no litoral do Mediterrâneo que separa a Itália da França).

Otão enviou um destacamento avançado de suas forças para atacar a região dos Alpes Marítimos, tendo essas tropas causado grande dano aos habitantes locais, com saques e destruição de propriedades. O governador da província tentou defendê-la mediante o recrutamento dos aguerridos povos montanheses, mas estes, devido à falta de treinamento militar, foram facilmente subjugados.

No litoral da Gália, Fábio Valente, general de Vitélio, temendo a ameaça de um desembarque da frota próximo à importante cidade de Forum Julii (atual Fréjus, na França), enviou doze esquadrões de cavalaria, acompanhado de uma coorte auxiliar (unidade com cerca de 800 soldados) de Lígures (povo que habitava o sopé e a parte mais baixa dos Alpes) e 500 auxiliares Panônios.

As tropas de Otão ocuparam posições elevadas junto à costa e contavam com a proteção da frota no litoral adjacente. A batalha seguiu-se imediatamente e, devido à ação conjunta dos pretorianos, de camponeses recrutados para atirar pedras (talvez usando fundas) e das tropas embarcadas, resultou favorável ao exército de Otão. Em decorrência, as tropas de Vitélio foram obrigadas a recuar. Contudo, o sucesso distraiu as tropas de Otão, e, aproveitando-se disso, o exército de Vitélio atacou o acampamento adversário de surpresa, mas acabaram sendo repelidos.

Não tendo nenhum dos lados obtido uma vitória decisiva, os dois exércitos retiraram-se: o de Vitélio para Antipolis (atual Antibes, França) e o de Otão para Albingaunum (atual Albenga, Itália).

Não obstante, a maior ameaça para Otão era o fato de que um exército de Vitélio, comandado por Aulus Caecina, já havia descido os Alpes e ocupado a fértil planície do rio Pó, cruzando este mesmo rio e ameaçando a cidade de Placentia (atual Piacenza). Observe-se que a junção dessa força com aquela comandada por Fábio Valente poderia colocar o exército de Otão em perigosa desvantagem.

Spurinna, o comandante da guarnição de Placentia, leal a Otão, mandou fortificar as defesas da cidade, que foi atacada por Caecina, mas conseguiu resistir bravamente ao cerco que se seguiu. Assim, o general de Vitélio foi obrigado a recuar, cruzar de volta o rio Pó e buscar abrigo na cidade de Cremona. Durante esta retirada, positiva para a causa de Otão, contudo, algumas tropas desertaram e juntaram-se a Caecina.

A Legião I Adiutrix, uma legião recém-formada, comandada por Annius Gallus, que marchava em direção a Placentia para ajudar a guarnição da cidade na resistência ao cerco, ao saber da retirada de Caecina, entusiasmou-se e, mesmo sem que houvesse ordem de seu comandante, marchou em direção à Cremona, somente parando, após retomada a disciplina, na cidade de Bedriacum (Bedríaco, atual Calvatone), que ficava a meio caminho.

Nesse ínterim, uma ação inusitada, segundo Tácito, acirraria a falta de confiança e entusiasmo das forças partidárias de Otão: a força de dois mil gladiadores comandada por Marcius Macer logrou atravessar o rio Pó e atacou com sucesso unidades de auxiliares do exército de Vitélio, tendo parte conseguido fugir para Cremona e outra parte sido aniquilada. Apesar do sucesso, Macer ordenou que seus homens não explorassem esse sucesso, temeroso de enfrentar inimigos em maior número. Em seguida, o general Suetônio Paulino comandou outra ação bem-sucedida na localidade chamada de Locus Castorum, porém, da mesma forma e pelo mesmo motivo, decidiu interromper o avanço. Essas hesitações acabaram acarretando a desconfiança do grosso das tropas de Otão em seus comandantes. Em decorrência, o imperador foi obrigado a designar seu irmão, Titianus, como o comandante geral do seu exército, preterindo talentosos generais que já comandavam suas legiões no teatro de batalha, como era o caso de Suetônio Paulino (que havia derrotado com sucesso a grande revolta da rainha Boudica, na Britânia).

Após controlar um perigoso motim em suas tropas, Fábio Valente conseguiu unir-se ao exército comandado por Caecina, em Cremona, ocasião em que a rivalidade entre os dois ficou evidente.

6- Primeira Batalha de Bedríaco

A junção dos dois exércitos de Vitélio tornava urgente a definição de uma estratégia por parte de Otão. Os seus generais mais experientes, como Suetônio Paulino, cientes da inferioridade numérica, recomendaram evitar uma batalha e esperar que os suprimentos das forças de Vitélio se esgotassem, já que estes não controlavam o resto da Itália e nem as rotas marítimas. O rio Pó configurava uma barreira favorável à defesa e, portanto, manter as posições defensivas em cidades fortificadas ao longo do rio propiciaria que com a passagem do tempo, as tropas de Vitélio começassem a sofrer os efeitos da carência de víveres.

Entretanto, prevaleceram as opiniões de Titianus e do Prefeito Pretoriano Proculus, que defendiam um ataque imediato, porém recomendando que o imperador e sua guarda ficassem na retaguarda, aquartelados na cidade de Brixellum (atual Brescello), para a proteção de Otão e como reserva.

Alguns desertores, espiões ou ambos, levaram as resoluções do comando das forças de Otão ao conhecimento de Valente e Caecina, que planejaram um ataque simulado aos gladiadores de Otão. Seguiu-se um combate em que os gladiadores acabaram levando a pior, o que gerou mais insatisfação das tropas com o comandante deles, Macer, que foi substituído por Tito Flávio Sabino, sobrinho de Vespasiano (não confundir com o irmão deste, mencionado anteriormente).

Finalmente, em 14 de abril de 69 D.C, Titianus, o comandante do exército de Otão, decidiu atacar Cremona e forçar o engajamento decisivo.

Mesmo assim, durante o avanço para Cremona, os generais de Otão estavam relutantes e, sentindo as tropas fatigadas pela marcha e decidiram acampar em um trecho da Via Postumia, próximo a Bedríaco (atual Calvatone).

Local da Batalha de Bedríaco. Foto: Hannibal21, CC BY-SA 3.0 https://creativecommons.org/licenses/by-sa/3.0, via Wikimedia Commons

Segundo Suetônio, enquanto isso, dois centuriões das coortes pretorianas pediram para serem recebidos por Caecina, com o objetivo de entabular negociações. Antes que o real propósito dos pretorianos fosse conhecido, o comandante percebeu que seu colega Valente havia ordenado que suas tropas entrassem em formação de batalha, dando o respectivo sinal.

Então, a cavalaria do exército de Vitélio avançou, mas, surpreendentemente, ela foi repelida por um pequeno contingente das tropas de Otão. Mesmo assim, as forças de Vitélio se posicionaram em boa ordem, enquanto que as tropas de Otão se dispuseram em certa confusão, aparentando nervosismo e insatisfação com seus comandantes.

Para piorar a situação, espalhou-se entre as tropas de Otão um boato de que o exército de Vitélio havia desertado, não se sabe se propositalmente ou por acaso. Em decorrência, baixou sobre as primeiras um estado de desânimo, chegando os homens a saudarem os inimigos, que, mesmo assim, continuavam demonstrando animosidade contra eles.

Foi neste momento que o grosso do exército de Vitélio atacou.

Apesar de sua inferioridade numérica, desorganização e estado de ânimo, o exército de Otão ofereceu uma corajosa resistência. Como o campo de batalha era, em alguns trechos, entremeado de árvores e vinhedos, a luta adquiriu uma característica ora de combate homem a homem, ora de combate entre formações. As ações ofensivas foram feitas basicamente com espadas e machados, sem o arremesso de dardos.

Em outra parte do campo de batalha, entre o rio e a estrada, onde o terreno era plano e aberto, a experimentada Legião XXI Rapax de Vitélio engajou a Legião I Adiutrix de Otão, que nunca tinha visto combate real antes. Apesar disso, a Adiutrix, lutando com entusiasmo, conseguiu capturar a o estandarte-águia da Rapax. Porém, isto acabou inflamando os soldados da legião de Vitélio, e eles conseguiram matar em combate o comandante da Adiutrix, Orfidius Benignus, e capturar vários estandartes.

Ponte sobre o rio Oglio, afluente do Pó, em Calvatone (antiga Bedríaco). Alguns dos combates descritos no texto podem ter tido esse local como cenário. Foto: Massimo Telò, CC BY-SA 3.0 https://creativecommons.org/licenses/by-sa/3.0, via Wikimedia Commons

Enquanto isso, outra legião de Vitélio, a V Alaudae, conseguiu desbaratar a Legião XIII, de Otão, tendo outra legião “Otoniana”, a Legião XIV, experimentado o mesmo revés. Nesta altura do combate, os generais de Otão abandonaram o campo de batalha. A situação do exército de Otão piorou quando a temível unidade dos Batavos, que integrava as forças de Vitélio, chegou ao campo de batalha e conseguiu destroçar o contingente de gladiadores de Otão que havia atravessado o rio.

O símbolo da Legião V Alaudae era um elefante. Foto: CatMan61, Public domain, via Wikimedia Commons

Em franca desvantagem, o restante do exército de Otão foi obrigado a fugir em desordem e procurar abrigo em Bedríaco. Os seus comandantes foram recebidos com hostilidade pelos soldados no acampamento. Não obstante, parte dos soldados, inclusive dos Pretorianos, ainda considerava que eles poderiam continuar a luta.

O exército de Vitélio avançou até o marco de cinco milhas da que partia de Bedríaco e decidiu esperar. No dia seguinte, a disposição dos soldados no acampamento mudou e eles resolveram enviar uma delegação para negociar com os generais de Vitélio. Após alguma hesitação, esta delegação voltou acompanhada de uma enviada pelo exército de Vitélio, a qual foi recebida com emoção pelos acampados.

Nesse meio tempo, Otão aguardava com ansiedade as novas da batalha em Brixellum. Ele ainda tinha consigo uma quantidade apreciável de tropas e sabia que havia outras legiões que, formalmente, ainda lhe eram leais que poderiam chegar de outros pontos do Império. As lideranças dos soldados que estavam com ele manifestaram o desejo de continuar lutando, tendo Plotius Firmus, Prefeito da Guarda Pretoriana sido vocal neste sentido. Inclusive, integrantes de destacamentos das legiões da Moésia que se encontravam no acampamento, afirmaram que as tropas desta província já teriam alcançado a cidade de Aquileia, e em breve reforçariam o exército de Otão.

Naquele momento, de acordo com o relato do historiador Tácito (Nota: o nosso relato da batalha é praticamente uma transcrição do texto deste historiador), o imperador Otão fez o seguinte discurso aos seus soldados:

Tácito, Histórias, Livro II, 46

O historiador Suetônio transcreve um discurso de teor semelhante, embora com texto diferente. Sabemos que os historiadores antigos usavam como recurso narrativo inventar discursos de pessoas célebres em momentos decisivos. Tácito é considerado um historiador mais confiável em relação às fontes, mas ele também costumava inventar discursos. O certo é que todos os historiadores que relataram esses fatos concordam que Otão se dirigiu aos soldados e fez um discurso declarando o desejo de interromper a guerra civil e tirar a própria vida, para evitar mais derramamento de sangue.

7- Morte de Otão

Após o discurso, Otão mandou queimar documentos que poderiam comprometer os seus partidários e distribuiu dinheiro para algumas pessoas. Alguns militares chegaram a ameaçar um motim, mas o imperador conseguiu demovê-los. Ele tinha a seu lado seu jovem sobrinho, Lucius Salvius Otho Cocceianus, filho de seu irmão Titiano, a quem ele tranquilizou, dizendo que não tivesse medo (de fato, o rapaz foi poupado por Vitélio e viveu até o reinado de Domiciano, quando chegou a ser Cônsul, no ano de 82 D.C.., mas, segundo consta, este imperador o teria executado pelo simples fato dele haver comemorado o aniversário de Otão).

Então, Otão retirou-se para sua tenda, despediu seus amigos e apanhou duas adagas que lhe tinham sido trazidas. Após matar a sede com um tanto de água fria, o imperador dormiu um pouco. Quando o dia 16 de abril de 69 D.C. raiou, finalmente, ele se jogou sobre uma das adagas e morreu, faltando onze dias para completar 37 anos de idade.

Em obediência às suas instruções, o cadáver de Otão foi rapidamente cremado em uma pira, sendo que, durante a cremação, alguns soldados, emocionados, cometeram suicídio. Os seus restos foram sepultados em um modesto mausoléu, contendo apenas uma inscrição com o seu nome.

Mesmo após a morte de Otão, seus soldados chegaram a se amotinar e obrigar o general Lucius Verginius Rufus a aceitar ser aclamado como imperador, mas este se recusou (como já havia ocorrido quando ele derrotou a rebelião de Gaius Julius Vindex).

Os soldados, então, aceitaram a realidade e enviaram uma delegação composta por alguns generais, que submeteram aos generais de Vitélio a capitulação e o reconhecimento deste como novo imperador.

De acordo com o historiador romano Cássio Dião, quarenta mil soldados pereceram nos combates em Bedríaco.

8 – Epílogo

Em 19 de abril de 69 D.C, o Senado Romano formalmente declarou Vitélio imperador. Este, quando recebeu a notícia da vitória de suas tropas e da morte da Otão, prontamente dirigiu-se para Roma, onde fez uma entrada triunfal. Os homens fortes do novo reinado eram, obviamente, os generais Caecina e Valente. O novo imperador tentou, inutilmente, como seus predecessores, contentar a ganância dos soldados, sem conseguir discipliná-los. Para isso contribuiu o comportamento desregrado e a sua falta de compostura, que naturalmente não estimulava o respeito dos militares nem o suporte por parte da elite senatorial. Como seu predecessor, Vitélio parece ter procurado demonstrar que seu reinado manteria a orientação favorável a Nero.

Porém, em julho de 69 D.C., os exércitos do Oriente aclamaram como imperador o respeitado general Vespasiano, que comandava a campanha contra a Revolta dos Judeus. A situação de Vitélio piorou quando as legiões da Panônia, sob o comando de Antonius Primus, e da Ilíria, sob o comando de Cornelius Fuscus, declararam-se a favor de Vespasiano e marcharam para invadir a Itália. Em breve, os exércitos dos rivais encontrariam-se novamente nas proximidades de Cremona, e travariam a Segunda Batalha de Bedríaco.

9- Conclusão

A despeito de seus vícios tão enfatizados pelas fontes antigas, Otão não parece ter sido pior do que alguns de seus antecessores ou sucessores. Devemos, então, nos debruçar mais sobre os aspectos estruturais, sem deixar de relacioná-los com as ações do próprio Otão. A crônica da vida e do reinado dele demonstra a disfuncionalidade que havia quanto ao Principado no que se refere à natureza do regime e ao princípio da sucessão, algo que já abordamos no nosso artigo sobre Nero. Essa disfuncionalidade foi herdada da crise do final da República, em que o poder político se sustantava nas legiões recrutadas por generais-políticos ambiciosos. Augusto foi bem-sucedido em cooptar a elite senatorial sob uma aparência de manutenção de seus privilégios na ordem republicana, mas não conseguiu estabelecer um princípio sucessório que assegurasse a continuidade de sua dinastia. A queda de Nero reabriu a oportunidade para que aventureiros ambiciosos aliassem-se à ganância dos soldados, resultando em imperadores fracos, com pouca autoridade sobre os militares, e em um regime instável. O capítulo final da vida de Otão, e a nobreza demonstrada em sua morte, mostra que ele não era um romano tão degenerado como se supunha. Mas somente um governante com autoridade moral, comportamento respeitável, sensatez e ascendência sobre as tropas, como Vespasiano, conseguiria restaurar a estabilidade do regime imperial.

FIM

Fontes:

1- Suetônio, “Vida dos Doze Césares”; “Vida de Otão”, em https://penelope.uchicago.edu/Thayer/E/Roman/Texts/Suetonius/12Caesars/Otho*.html

2- Tácito, “Histórias”, Livros I e II, começa em https://penelope.uchicago.edu/Thayer/E/Roman/Texts/Tacitus/Histories/1B*.html

3- Cássio Dião,Epítome dos Livro LXIII e LXIV“, em https://penelope.uchicago.edu/Thayer/E/Roman/Texts/Cassius_Dio/63*.html

4-Juvenal, Sátiras, Sátira 2, em https://www.tertullian.org/fathers/juvenal_satires_02.htm

AVE, GEORGIOS!

Em 23 de abril de 303 D.C, um soldado romano chamado Georgios foi executado por ordens do Imperador Romano Diocleciano.

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Diocleciano havia ordenado que todos os soldados do Exército Romano oferecessem um sacrifício aos deuses do panteão tradicional de Roma e aqueles que se recusassem deveriam ser presos.

Georgios (Jorge), segundo a hagiografia e a tradição cristã seria filho de Gerontius, um oficial romano da ilustre família senatorial dos Anícios, e Pollycronia, uma súdita romana de Lydda, atual Lod, em Israel, então situada na província romana da Síria Palestina. Segundo outro relato, Gerontius seria natural da Capadócia. De qualquer modo, as fontes acordam que Jorge cresceu em Lydda e que sua família era cristã.

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(Mosaico romano descoberto em Lod, Israel)

Seguindo a carreira do pai, Jorge se alistou na guarda imperial, servindo na corte de Diocleciano em Nicomédia (atual Izmit, na Turquia), que havia sido elevada pelo imperador à condição de capital imperial, no recém-criado sistema da Tetrarquia.

Jorge acabou sendo promovido ao posto de Tribuno, que hoje seria equivalente ao de coronel. Quando Diocleciano publicou seu Édito exigindo que os soldados cristãos renunciassem ao cristianismo, Jorge anunciou publicamente, perante as tropas formadas na presença do Imperador, sua devoção a Jesus Cristo.

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O Imperador, que apreciava Jorge tentou convencê-lo de várias formas a obedecer o Decreto, até oferecendo-lhe terras, dinheiro e escravos, mas Jorge manteve-se irredutível.

Sentindo-se obrigado a reforçar a obediência ao seu Édito, Diocleciano ordenou que Jorge fosse torturado em uma roda de afiadas espadas. Após este suplício, Jorge foi decapitado em frente às muralhas de Nicomédia, em 23 de abril de 303 D.C. Seu corpo foi levado para Lydda e logo se tornou foco de devoção como relíquia de umt mártir cristão. Ainda segundo a tradição, a imperatriz Alexandra, esposa de Diocleciano (segundo as fontes históricas, o nome da esposa dele era Prisca), ao assistir o martírio de Diocleciano, converteu-se ao cristianismo, motivo pelo qual ela também foi executada e, posteriormente, canonizada.

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(Panorama de Izmit, a antiga Nicomédia, na Turquia)

A associação de São Jorge ao dragão parece ter sido recolhida e trazida à Europa pelos cruzados no Oriente Médio (algumas populações islamizadas inclusive mantiveram a veneração a São Jorge na região).

Segundo a lenda, na cidade de Sylene (que poderia ser Cirene, na Líbia ou, segundo alguns, seria a própria Lydda), um dragão ( originalmente um crocodilo) viveria na fonte de água potável dos habitantes, que eram obrigados a oferecer ao monstro uma ovelha para sacrifício, até que, na falta dos animais, eles foram forçados a oferecer uma virgem. A donzela orou pedindo proteção e São Jorge apareceu e matou o dragão, motivo pelo qual todos os habitantes se converteram ao cristianismo.

Jorge foi canonizado pelo Papa Gelásio I, em 494 D.C. Embora o santo fosse conhecido no Ocidente, a sua popularidade chegou ao ápice com o retorno à Europa dos cruzados, que atribuíram à intervenção de São Jorge várias vitórias obtidas na Terra Santa. Por influência deles, São Jorge acabou virando o santo patrono da Inglaterra, de Portugal, da Geórgia, da Romênia e de Malta. A imagem de São Jorge matando o dragão também compõe a Cota de Armas da Federação Russa.

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MACRINO

Segundo o historiador Cássio Dião (Epítome do Livro 79, Marcus Opellius Macrinus (Macrino) nasceu na cidade de Caesarea (atual Cherchell, na Argélia), na província romana da Mauritania Caesariensis, estima-se que por volta do ano de 165 D.C.

Cássio Dião descreve Macrino como sendo um “Mouro”, o que significa que provavelmente ele era de origem berbere. Já os pais dele, por sua vez, ainda de acordo com o relato do referido historiador, seriam de “origem obscura”, significando que não se sabia nada sobre a condição social deles. Como evidência de sua origem Moura, o texto menciona que Macrino tinha uma de suas orelhas furada, presumivelmente para usar um brinco ou outro adorno, no que seria um costume característico dos Mouros.

Busto de Macrino, Palazzo Nuovo, Roma. Aumentando-se a foto nota-se parece haver algo no lóbulo da orelha direita. Seria um brinco? Pretendo inspecionar de perto quando voltar à Roma. foto: <a href=”https://www.flickr.com/photos/mumblerjamie/, CC BY-SA 2.0 https://www.flickr.com/photos/mumblerjamie/, CC BY-SA 2.0 <https://creativecommons.org/licenses/by-sa/2.0&gt;, via Wikimedia Commons

As fontes romanas relatam que, em algum momento de sua vida, Macrino adquiriu um respeitável conhecimento da legislação e jurisprudência romanas, chegando a exercer a advocacia, uma atuação que chamou a atenção de Plautianus, o desafortunado sogro do imperador Caracala, que o contratou para ser ser seu secretário particular. Conseguindo escapar da desgraça de Plautianus, que foi executado ainda durante o reinado de Septímio Severo, o promissor Macrino foi nomeado Superintendente (Curator) da Via Flamínia, uma estrada importante estrada que ligava Roma à cidade de Rimini. Certamente, este era um posto que dava visibilidade política e também permitia ao seu titular amealhar bastante dinheiro, uma prática bem comum entre os homens públicos romanos.

Durante o reinado de Caracala, a carreira de Macrino continuou em ascensão e ele foi nomeado para um cargo não especificado de Procurador, muito provavelmente um cargo de Procurator Augusti, administrando a arrecadação de tributos ou Fiscus (rendas e patrimônio da casa imperial). Também sabemos que Macrino recebeu o anel de ouro que simbolizava o pertencimento à classe dos Equestres (status social que vinha abaixo da nobreza senatorial), uma vez que os referidos cargos eram exclusivos deste grupo. De acordo com Cássio Dião, essas funções foram exercidas por Macrino com eficiência e correção.

Contudo, a História Augusta, uma coleção de biografias imperiais escrita por volta do século IV D.C. (e considerada não muito confiável pelos historiadores modernos, devido aos seus vários erros factuais e algumas contradições), apresenta uma versão mais deletéria da vida de Macrino, citando outros autores, não obstante, no próprio texto, o autor faça questão de advertir que são relatos duvidosos.

Assim, de acordo com a História Augusta, referindo afirmações feitas por um suposto historiador chamado Aurelius Victor, Macrino, durante o reinado de Cômodo (180-192 D.C.), era um escravo liberto e teria sido um “prostituto público”, encarregado de tarefas servis no Palácio, sendo, além disso, corrupto. Posteriormente, já no reinado de Septímio Severo, Macrino teria sido banido para a África por aquele imperador, província onde ele se dedicou a estudar, começando por defender pequenas causas perante os tribunais, dedicando-se à Oratória, após o que, finalmente teria conseguido tornar-se um magistrado. Então, Festus, um outro liberto que tinha sido colega de Macrino, conseguiu que este recebesse o anel de Equestre e, no reinado do imperador Verus Antoninus*, ele foi nomeado Procurador do Fisco.

*Nota: Esta referência é considerada um erro crasso do autor da História Augusta, já que Macrino seria no máximo uma criança de tenra idade quando Lucius Verus foi imperador, sendo que o autor provavelmente quis se referir a Caracala, cujo nome oficial era Marcus Aurelius Antoninus)

E a História Augusta ainda cita outras passagens sobre a vida de Macrino, provenientes de outros autores não identificados, os quais mencionaram que ele teria chegado a lutar na arena como gladiador-caçador (isto é, um venator, tipo de gladiador que capturava feras e outros animais selvagens na arena, além de se apresentar como domador, fazendo-os performar truques) sendo que, após receber o diploma honorário de dispensa da profissão, ele mudou-se para a Província Romana da África.

De qualquer modo, as fontes concordam que Macrino exerceu o cargo de Procurador com zêlo e confiabilidade suficiente para fazer com que Caracala o nomeasse Prefeito Pretoriano, em 214 D.C., tornando-se um dos comandantes da Guarda Pretoriana. Este era um posto que inicialmente compreendia apenas o comando da Guarda, mas que, no decorrer do período imperial foi sendo expandido para abranger também o comando das tropas da Itália e outras unidades mais próximas ao imperador. Posteriormente, tornaria-se um dos cargos mais importantes da administração civil, de certa forma análogo ao de um primeiro-ministro ou grão-vizir. Normalmente, eram dois os Prefeitos Pretorianos, mas, sob Caracala, chegaram a haver três simultaneamente, sendo, um deles, Macrino. O outro era Marcus Oclatinius Adventus, que também havia sido anteriormente Procurator Augusti, algo que talvez demonstre um padrão nas nomeações de Caracala. Observe-se que, pela tradição, o cargo de Prefeito Pretoriano também era destinado à homens pertencentes à Classe Equestre.

Busto de Caracala

Apesar da nomeação, Macrino parece não ter gozado da estima do imperador, que, segundo Herodiano, chegou a criticá-lo por ser adepto demais da boa mesa e também por ser efeminado.

Para não nos alongarmos muito, cumpre relatar que Macrino, na condição de Prefeito Pretoriano, acompanhou, juntamente com seu colega Adventus, Caracala na expedição contra os Partas. Durante a expedição, Flavius Maternianus, que havia ficado em Roma para comandar os Guardas durante a campanha, teria enviado uma carta a Caracala relatando que um vidente teria tido uma visão em que Macrino seria o novo imperador. Entretanto, Macrino, que já estava preocupado com a má disposição que o imperador vinha demonstrando contra ele, teve acesso primeiro à correspondência e, após ler a carta, removendo-a do malote, compreendeu que certamente seria executado se a profecia chegasse ao conhecimento de Caracala.

Assim, visando salvar a própria vida, Macrino abordou o soldado Julius Martialis, integrante da guarda pessoal do imperador, com quem ele tinha uma ligação próxima, o qual estava insatisfeito com Caracala pelo fato deste ter mandado executar injustamente o irmão dele, também soldado e convenceu-o a executar o imperador, da maneira já narrada no tópico antecedente.

No dia 8 de abril de 217 D.C, quando a caravana de Caracala se dirigia da cidade de Edessa para Carras (atual Harran, na Turquia) parou pelo simplório motivo dele fazer suas necessidades no mato, Martialis, que o seguia de perto, atravessou Caracala com sua espada e, em seguida, tentou fugir, sendo morto por um arqueiro.

Localização de Carras (Harran). Foto:Attar-Aram syria, CC BY-SA 4.0 https://creativecommons.org/licenses/by-sa/4.0, via Wikimedia Commons

Em 11 de abril de 217 D.C., três dias após o assassinato, e sob a iminência do exército ser atacado pelos Partas, as tropas aclamaram Macrino imperador. Vale observar que, antes, a coroa foi oferecida a Marcus Adventus, porém este recusou, alegando estar muito velho.

Importante notar que Macrino foi o primeiro imperador romano não oriundo da classe senatorial, em quase 250 anos de período imperial. Em uma sociedade marcadamente classista e estratificada como a romana, certamente era uma condição capaz de diminuir a legitimidade do imperador. Não obstante, Caracala era tão detestado pelo Senadores que a notícia da aclamação de Macrino foi bem recebida e confirmada pelo Senado Romano.

Em seguida, Macrino concluiu uma paz com os Partas, mas, ao invés de desmobilizar o Exército reunido para a campanha, mandando-o de voltas para os seus quartéis nas fronteiras, e voltar para Roma, ele preferiu ficar em Antióquia, decisão que foi considerada um erro pelos autores antigos. Ali, Macrino ficou um tempo desfrutando de luxo e prazeres, vestido com roupas luxuosas e extravagantes, o que, aparentemente, nos dá uma pista de que as anteriormente mencionadas críticas de Caracala não seriam infundadas.

Então, os soldados passaram a sentir nostalgia de Caracala, que se comportava como um deles. Além disso, a crise fiscal ocasionada pelo aumento dos gastos militares necessitava de medidas urgentes. Macrino, então, decidiu que os novos recrutas do Exército receberiam um soldo menor do que os já engajados. A ideia era não desagradar os soldados já em exercício, mas isso acabou sendo percebido como uma antecipação de futuros cortes nos soldos deles.

A insatisfação das tropas com Macrino não passou despercebida às influentes mulheres da família de Caracala. A imperatriz Júlia Domna havia morrido, de câncer no seio, pouco depois dele assumir o trono. Macrino, então, ordenou que a irmã dela, Júlia Maesa, deixasse Roma e voltasse para a cidade natal delas, Emesa, na Síria, junto com suas filhas, Júlia Soêmia e Júlia Maméia, e seu neto, Sextus Varius Avitus Bassianus, que ficaria conhecido como Elagábalo (ou Heliogábalo), filho da primeira.

Moeda com a efígie de Júlia Maesa. Foto: Bibliothèque nationale de France, Public domain, via Wikimedia Commons

Ocorre que Macrino permitiu que Júlia Maesa mantivesse com ela a imensa fortuna que a família, que já era riquíssima pelo fato de governarem a cidade e chefiarem o culto ao deus El-Gabal, tinha amealhado durante mais dos 20 anos em que fizeram parte da família imperial. Certamente, este dinheiro facilitou que Júlia Maesa convencesse os soldados da III Legião Gallica, cujo quartel ficava próximo à Emesa, que seu neto, considerado um adolescente muito bonito, chamado Elagábalo, em homenagem ao referido deus, era filho ilegítimo de Caracala, a quem as tropas tanto adoravam. Assim, em 16 de maio de 218 D.C, o comandante da Legião, Publius Valerius Comazon, aclamou Elagábalo imperador.

A reação de Macrino, que aparentemente não deu a importância devida à rebelião, foi nomear seu filho, Diadumeniano, de dez anos de idade, como co-imperador e enviar um destacamento comandado pelo novo Prefeito Pretoriano, Ulpius Julianus. Porém, ao chegarem ao acampamento dos rebeldes, os soldados de Ulpius, ao verem Elagábalo nos muros e os soldados revoltosos com suas bolsas cheias de dinheiro, desertaram e aderiram à rebelião. A cabeça de Ulpius foi cortada e enviada a Macrino.

Áureo de Diadumeniano. Foto Numismatica Ars Classica NAC AG, CC BY-SA 3.0 CH https://creativecommons.org/licenses/by-sa/3.0/ch/deed.en, via Wikimedia Commons

Em 8 de junho de 218 D.C, uma força comandada pelo tutor de Elagabálo aproximou-se de Antióquia. Macrino decidiu dar combate ao exército rebelde, mas, durante os combates, o imperador, descrente do resultado, abandonou o campo de batalha e voltou para Antióquia. Na cidade, contudo, estouraram tumultos e Macrino resolveu fugir em direção à Roma, despachando Diadumeniano para que este encontrasse abrigo entre os Partas.

Ao chegar à cidade de Calcedônia, Macrino foi reconhecido e capturado, sendo mantido em cativeiro. Por sua vez, a caravana conduzindo Diadumeniano foi interceptada na cidade de Zeugma e o menino assassinado. Quando a notícia chegou ao conhecimento de Macrino, ele tentou fugir, sem sucesso, terminando por ser também executado, ainda durante o mês de junho de 218 D.C. A cabeça dele foi enviada à Elagábalo, o novo imperador.

FIM