Em 23 de março de 59 D.C morreu Júlia Agripina, também conhecida como Agripina, cognominada “A Jovem” (para distingui-la de sua mãe, Agripina, chamada, “A Velha“), assassinada a mando de seu filho, o imperador Nero, após várias tentativas frustradas de utilizar métodos que simulassem um acidente.
Busto de Agripina, a Jovem, foto National Museum in Warsaw, CC0, via Wikimedia Commons
Agripina, a Jovem nasceu em 15 de novembro de 15 D.C, filha do adorado general Germânico, sobrinho e filho adotivo do imperadorTibério, e de Agripina, a Jovem, neta do primeiro imperador Augusto. Seu pai Germânico era filho de Antônia, a Jovem, por sua vez, filha do Triúnviro Marco Antônio com Otávia, a Jovem, irmã do imperador Augusto. Germânico também era irmão de Cláudio, que mais tarde se tornaria, inesperadamente, imperador.
Os pais de Agripina constituíam uma espécie de família real modelo para a opinião pública romana. Ela foi a primeira filha do casal, que já tinha três filhos do sexo masculino, incluindo o terceiro, Caio Júlio César, que ficaria conhecido como o imperador Calígula. Depois dela, nasceriam ainda duas irmãs, JúliaDrusila e Julia Lívila, além de outras três crianças, que morreram ainda bebês.
Como Germânico tornou-se um general de sucesso, comandando campanhas na Germânia, Agripina, a Jovemnasceu em um acampamento militar, chamado de Oppidum Ubiorum, por se situar no território da tribo germânica dos Úbios, e mais tarde se tornaria a cidade alemã de Colônia.
Porém, a sorte de Germânico e de sua família sofreria uma guinada quando aquele, que havia sido adotado como filho e herdeiro por Tibério por determinação do falecido imperador Augusto, morreu em circunstâncias suspeitas, supostamente uma doença não identificada, quando em missão na cidade de Antióquia, na Síria, em 10 de outubro de 19 D.C.
As suspeitas de que a causa da morte de Germânico teria sido o envenenamento supostamente tramado porLívia Drusila (Júlia Augusta), a poderosa mãe de Tibério, com o consentimento, tácito ou expresso, do imperador, inflamaram a opinião pública, sobretudo porque Agripina, a Velha expressava em público sua opinião de que o marido fora morto para permitir que Druso, o Jovem, o filho natural de Tibério, sucedesse o pai. Druso era casado com Livilla, irmã de Germânico.
Cabeça de Agripina, a Velha
Entretanto, o próprio Druso, o Jovem morreria, em 14 de setembro de 23 D.C, também em virtude de uma doença misteriosa, fato que recolocou Nero Júlio César e Druso Júlio César, os dois filhos mais velhos de Agripina, a Velha de novo no topo da linha sucessória para o trono, sendo ambos adotados por Tibério.
Todavia, após a morte do filho, Tibério paulatinamente foi confiando os assuntos administrativos ao Prefeito Pretoriano Élio Sejano, a quem se referia como seu “sócio-trabalhador“, que, assim prestigiado, começou a ambicionar o trono, para si ou para sua descendência. Sejano chegou a pedir autorização a Tibério para se casar com Livilla, a viúva de Druso, de quem era amante, mas o velho imperador não permitiu o casamento pelo fato do auxiliar ser apenas um Equestre e não pertencer a uma família ilustre. Tibério também negou autorização para que Agripina, a Velha casasse novamente, certamente temeroso de que ela se aproveitasse disso para derrubá-lo. Em verdade, Tibério já andava desconfiado com a viúva de Germânico, que vinha adotando um comportamento independente, relacionando-se com figuras ilustres. Além disso, as relações entre sogro e nora já estavam eivadas de desconfiança, relatando as fontes que Agripina chegou a recusar uma fruta oferecida por Tibério por temer que estivesse envenenada.
Sejano, mesmo assim, não desistiu de suas ambições e tornou-se mais ousado após Tibério, desiludido com o governo e com as intrigas, ter deixado Roma para ir morar em sua espetacular villa em Capri. O Prefeito Pretoriano começou a perseguir seus potenciais rivais, e, em sua mira, encontravam-se, em primeiro lugar, Agripina, seus filhos e seus aliados.
Não obstante, Tibério determinou que, em 28 D.C, Agripina, a Jovem, que na ocasião tinha apenas treze anos de idade, se casasse com o ilustre Gnaeus Domitius Ahenobarbus (Cneu Domício Enobarbo), sobrinho-neto de Augusto, que, sendo filho de Antônia, a Velha, tia de Germânico ( e irmã da Antônia, a Jovem), era primo em segundo grau da jovem. Assim, parece que a hostilidade do velho imperador, em princípio, não se estendia a prole de Agripina, a Velha. Nessa época, inclusive, Agripina, a Jovem, vivia no Palácio tendo a criação supervisionada pela matriarca dos Júlio-Cláudios, Lívia Drusila, e por sua avó, Antônia, a Jovem, ambas mulheres de personalidade forte que certamente influenciaram a criação da menina.
O historiador romano Suetônio escreveu que Cneu Domício Enobarbo era um homem cruel e desonesto. Talvez por isso, ao receber os cumprimentos dos amigos pelo nascimento de seu filho Lúcio Domício Enobarbo ( o futuro imperadorNero), em 15 de dezembro de 37 D.C., o citado autor registra que ele teria dito:
“Nada que não seja abominável e uma desgraça pública pode ter nascido de Agripina e de mim”
Por sua vez, Agripina, a Jovem, também por ocasião do nascimento de Nero, segundo o historiador Cássio Dião, ao consultar um astrólogo acerca do futuro do filho, teria ouvido a previsão de que ele reinaria mas que mataria a própria mãe, o que fez ela gritar, alterada:
“Que ele me mate, conquanto que reine!”
Cássio Dião, Epitome Livro LXI, 2
A morte da veneranda ex-imperatriz Lívia Drusila, viúva de Augusto e mãe de Tibério, em 29 D.C., removeu o último obstáculo que ainda protegia Agripina, a Velha e seus filhos das maquinações de Sejano. Com efeito, após a morte da imperatriz, foi revelada a existência de uma correspondência, supostamente escrita por Tibério, e provavelmente sob a instigação de Sejano, denunciando Agripina e seu filho primogênito, Nero Júlio César, por supostas condutas inapropriadas. Porém, novamente, o clamor popular se manifestou em favor de Agripina e seu filho e Tibério teve que se contentar em exilar Agripina para a ilha de Pandatária, a 46 km da costa da região do Lácio, em 29 D.C.
Caio César, o filho mais novo de Agripina, a Velha, então já conhecido como Calígula, foi morar com seu tio Tibério, em Capri. De acordo com o relato de Suetônio, o jovem Calígula (17 anos) habilmente soube fingir ser inofensivo e servil a Tibério e, graças a isso teria conseguido sobreviver ao destino da sua família.
Por sua vez, Nero Júlio César, o filho mais velho, foi exilado para a ilha de Pontia, a 33 km da costa do Lácio, onde, em 31 D.C, ele seria compelido a se suicidar pelos executores enviados por Tibério.
Cabeça de Nero Júlio César, foto de National Archaeological Museum of Tarragona – This image was provided to Wikimedia Commons by Museu Nacional Arqueològic de Tarragona as part of an ongoing cooperative GLAM-WIKI project with Amical Wikimedia. The artifact represented in the image is part of the permanent collection of Museu Nacional Arqueològic de Tarragona., CC BY-SA 3.0, https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=33898602
Melhor sorte não coube a Druso Júlio César, segundo filho de Agripina, que foi denunciado por sua esposa, Emília Lépida, supostamente também amante de Sejano, em 30 D.C, sendo preso e confinado a uma masmorra no Palatino, onde, em 33 D.C, morreria de inanição, após, segundo relatos, ter que comer o forro do próprio colchão.
Finalmente, Agripina, a Velha, cujo exílio não havia dobrado o seu inquebrantável espirito, após sofrer muitas indignidades, acabou morrendo em Pandatária, também em 33 D.C, segundo consta de greve de fome, embora paire a suspeita de que ela tenha sido privada de alimento por ordem de Tibério.
Contudo, no dia 18 de outubro de 31 D.C., chegou a vez do todo-poderoso Sejano ser executado, tendo seu corpo atirado para rolar pelas “Escadas Gemônias“, onde ficou por três dias sendo vilipendiado pela turba. De acordo com o historiador Flávio Josefo, foi Antônia, a Jovem, cunhada de Tibério e mãe do falecido Germânico, quem denunciou Sejano a Tibério. Ela teria enviado uma carta ao imperador, que estava em Capri, contando dos planos dele para tomar o poder, nos quais estaria sendo auxiliado pela amante, Livilla, filha da própria Antônia.
Não obstante a desgraça da família de Germânico e Agripina, a Velha, o marido de sua filha, Agripina, a Jovem, Cneu Domício Enobarbo, foi nomeado Cônsul em 32 D.C. Porém, em 37 D.C, poucos meses antes do nascimento de seu filho, Nero, ele foi acusado de traição, assassinato e adultério e ele somente se safou graças à morte de Tibério, em 16 de março de37 D.C.Cneu Domício Enobarbo morreria poucos anos depois, de um edema, em janeiro de 40 ou 41 D.C
Morto Tibério, ele foi imediatamente sucedido por seu sobrinho-neto, Calígula, de 25 anos, ja que seu próprio neto, Tiberius Gemellus, era ainda muito novo (18 anos) e logo seria assassinado a mando do novo imperador. Agora, da vasta prole de Germânico e Agripina, a Velha, só restavam vivos Calígula, Agripina, a Jovem, Júlia Drusila e Júlia Lívila.
Inicialmente, Calígula concedeu várias honras às irmãs. Há relatos, inclusive, de que ele teria relações incestuosas com Júlia Drusila, a quem tratava como se fosse sua esposa, tendo os dois, ainda na adolescência, sido flagrados na cama por sua avó, Antônia, a Jovem, segundo o frequentemente maledicente historiador romano Suetônio. Porém, Drusila em breve contraiu uma doença e morreu, deixando Calígula devastado.
Entretanto, depois de seis meses de um reinado moderado, Calígula começou a mostrar fortes sinais de despotismo e insanidade. E parece que a relação de Calígula com suas duas irmãs sobreviventes não era tão próxima como a que ele mantinha com Drusila.
Talvez por esses dois motivos, em 39 D.C., Agripina, a Jovem e sua irmã, Júlia Lívila, foram acusadas de fazer parte de uma conspiração, fictícia ou verdadeira, contra o seu irmão imperador, para substituí-lo pelo seu cunhado Marco Emílio Lépido, o viúvo de Júlia Drusila, de quem ambas as irmãs seriam amantes, segundo supostas cartas apresentadas por Calígula, resultando na condenação de Agripina e da irmã ao exílio nas ilhas Pontinas, outro arquipélago ao largo da costa do Mar Tirreno (Lépido foi prontamente executado). Então, Calígula aproveitou esse pretexto para confiscar a herança de seu jovem sobrinho Nero, que foi morar com sua tia, Domícia Lépida, irmã do seu pai. Todas as propriedades de Agripina também foram confiscadas e vendidas em leilão.
Reabilitação de Agripina e Nero
Todavia, a sorte de Agripina e Nero mudaria com o assassinato de Calígula pelo centurião Cássio Queréa, em 24 de janeiro de41 D.C., em uma conspiração engendrada pela Guarda Pretoriana. Logo após o tiranicídio, os guardas descobriram, escondido atrás de uma cortina, o tio da imperial vítima, Cláudio, até então tido como imbecil e incapaz de ocupar qualquer cargo público, e o aclamaram como novo Imperador.
Grato proclama Cláudio imperador. Tela de Sir Lawrence Alma-Tadema, 1871
Cláudio era irmão de Germânico e, portanto, não surpreende que uma das primeiras medidas de Cláudio tenha sido chamar de volta do exílio as filhas deste, Agripina e Júlia Lívila, que eram suas sobrinhas. Assim reuniram-se, novamente, Agripina e seu filho Nero. O novo imperador mandou também devolver ao seu sobrinho-neto, Nero, a herança confiscada por Calígula.
Recém viúva, Agripina começou a procurar um novo marido. O primeiro alvo de seu interesses foi o general e ex-Cônsul Sérvio Sulpício Galba (o futuro imperador Galba). Porém, Galba, que, embora fosse casado, tinha preferência sexual por homens, não se interessou, segundo Suetônio. Mesmo assim, conta o historiador, as investidas de Agripina foram tão evidentes que a sogra de Galba, certa vez, indignada, esbofeteou-a na frente de outras mulheres casadas.
Nova oportunidade, entretanto, surgiu com o divórcio da tia de Nero e cunhada de Agripina, Domícia Lépida. dessa vez, com o apoio de Cláudio, permitindo que Agripina se casasse, por volta de 42 D.C., com o rico ex-Cônsul Gaius Sallustius Passienus Crispus, que acabou ganhando um segundo consulado, em 44 D.C.
Agripina convenceu o marido a nomeá-la como herdeira, e segundo Suetônio, com isso ele, inadvertidamente, acarretou a própria morte, pois ela depois o mataria, por volta de 47 D.C., provavelmente por envenenamento, ficando com a herança.
Ao contrário das expectativas, Cláudio mostrou-se um administrador competente das questões de Estado, valendo-se do auxílio de um ministério integrado por libertos, especialmente Tiberius Claudius Narcissus, como praepositus ab epistuli (secretário da correspondência imperial) e Marcus Antonius Pallas, como secretário do tesouro. Todavia, o mesmo não se pode dizer quanto à sua vida conjugal…
Após dois casamentos fracassados, Cláudio, antes de assumir o trono, tinha se casado com Valéria Messalina (filha de Domícia Lépida), por volta de 39 D.C., uma esposa que se mostrou dominadora e notabilizou-se pela infidelidade e promiscuidade sexual, segundo os relatos antigos, que talvez sejam um tanto exagerados (ver Tácito, Suetônio, Plínio e Juvenal). Messalina deu a Cláudio, em 41 D.C., um filho, que recebeu o nome de Britânico. Porém, Messalina tomou-se de inimizade por Júlia Lívila, a irmã de Agripina e sobrinha de Cláudio, por considerar que a jovem não a tratava com respeito que considerava devido a uma imperatriz, além dela ser muito bonita e ter muita intimidade com o tio.
Messalina, então, conseguiu que Lívila, que era casada com ex-Cônsul Marcus Vinicius, fosse acusada de adultério com o senador e filósofo estoico Sêneca, o Jovem, em 41 D.C, sendo exilada, provavelmente de novo em uma das ilhas Pontinas, terminando por morrer de inanição forçada, da mesma forma que a mãe, provavelmente no ano seguinte, por ordem de Cláudio. Sêneca também foi exilado, mas para outra ilha, a Córsega.
Mesmo assim, Agripina, agora a única dos filhos de Germânico ainda viva, e Nero tinham acesso ao Palácio e mostravam-se populares entre a Plebe.
A imperatriz imediatamente percebeu que o jovem Nero era uma ameaça às pretensões de Britânico ao trono. Consta, inclusive, que Messalina encomendou a morte de Nero, então ainda uma criança pequena, a assassinos que chegaram a entrar no quarto do menino durante a sesta e somente não completaram a tarefa porque eles se assustaram com o que pensaram ser uma cobra (na verdade, Nero usava uma pele de cobra enrolada no pescoço, como talismã. Posteriormente, Agripina mandaria colocar esta pele dentro de um bracelete, o qual Nero só deixaria de usar após a morte da mãe).
Messalina segurando Britânico, estátua no Museu do Louvre, foto de Ricardo André Frantz
A grande popularidade de Agripina e Nero foi atestada quando, durante os concorridos Jogos Seculares, em 47 D.C., eles foram ovacionados pelo povo, que demonstrou por eles muito mais simpatia do que em relação a Messalina e Britânico, que também estavam presentes no evento.
A conduta pretensamente escandalosa de Messalina, real ou exagerada, foi a causa da sua e ela acabaria sendo sentenciada à morte em 48 D.C., supostamente por ter se casado secretamente com um senador, Gaius Silius, no que seria uma conspiração para assassinar o seu marido e imperador. Há relatos de que, ainda assim, Cláudio teria relutado em ordenar a execução dela, que somente teria sido levada a cabo por iniciativa própria de seu auxiliar mais chegado, o liberto Tiberius Claudius Narcissus.
Agripina, imperatriz
Após a execução de Messalina, os seus libertos, visando cada um a aumentar a sua influência sobre o imperador, se revezaram em apresentar candidatas a se tornarem a nova imperatriz, sendo que Lollia Paulina, que havia sido esposa de Calígula, e a ex-esposa de Cláudio, Aelia Petina, chegaram a ser cogitadas.
A pretendente cuja “candidatura” era defendida pelo secretário Pallas acabou sendo a escolhida: Agripina, A Jovem, que, sendo filha de Germânico, era nada menos do que a sobrinha do próprio Cláudio. Além disso, Agripina também era irmã do antecessor dele, Calígula. Segundo as leis romanas, tal união, entre tio e sobrinha, era considerada incesto, mas, em tempos de Principado, obviamente que alterar essa lei não era tarefa difícil, e Senado, induzido pelo imperador, revogou a proibição.
Os relatos acerca da causa do enlace são de que Agripina teria seduzido o tio Cláudio, mas, provavelmente, considerações políticas também pesaram nesta decisão: Cláudio já estava com 58 anos de idade, sendo que seu filho, Britânico, tinha apenas sete. Na hipótese de Cláudio, que nunca havia sido uma pessoa muito saudável, morrer, ou ficar incapacitado, era grande o perigo de que a dinastia dos Júlio-Cláudios terminasse, pois Britânico ainda estava longe de despir a toga pretexta e tornar-se maior de idade, quando poderia assumir cargos públicos.
O Principado ainda estava nas primeiras décadas e, ainda que apenas no aspecto formal, o imperador era considerado como um primeiro-magistrado. A transição legal e cultural para uma monarquia ainda não havia sido feita, e a sucessão de Calígula mostrara que ainda havia anseios republicanos no Senado…
Portanto, Cláudio precisava de um arranjo que lhe permitisse garantir, na sua falta, a continuidade da dinastia no trono, esperançosamente, até que seu filho estivesse apto a governar. Esta era, inclusive, uma situação pela qual Augusto já tinha passado (Com efeito, sendo ele já idoso, e após o falecimento de alguns de seus vários herdeiros prediletos de sangue, sobrinhos e netos, tais como Marcelo, Lúcio e Caio César, Augusto viu-se obrigado a adotar Tibério, filho de sua esposa Lívia).
Assim, quase que imediatamente após a revogação da lei que caracterizava o casamento deles como incesto pelo Senado, em 1º de janeiro de 49 D.C., Cláudio e Agripina se casaram. No ano seguinte, em 25 de fevereiro de 50 D.C., Cláudio a adotou o filho dela, Lucius Domitius Ahenobarbus, que passou a se chamar “Nero Claudius Caesar Drusus Germanicus” (Nero). Novamente, foram os argumentos de Pallas, o grande aliado (e segundo rumores, amante) de Agripina, decisivos para convencer Cláudio a tomar essa medida.
Todos logo perceberam o tamanho da influência de Agripina sobre Cláudio e, pouco a pouco, o nome dela começou a aparecer em inscrições em monumentos, moedas e documentos. Consta que ela recebia embaixadores estrangeiros sentada em seu próprio tribunal, e vestia um manto militar com bordados de ouro em cerimônias oficiais. Segundo o comentário de Suetônio, essas foram umas das cenas mais notáveis daqueles tempos.
Tácito descreve o episódio em que o chefe bretão Carataco, capturado e levado em triunfo pelas ruas de Roma, pediu para si e para seu familiares clemência a Cláudio e Agripina, cada um sentado em seu palanque, e, obtida a graça, os bárbaros libertados demonstraram sua gratidão fazendo reverências em frente ao imperador e a imperatriz, algo inusitado na História de Roma.
O prestígio de Agripina era tanto que o povoado em que ela nasceu, na Germânia, às margens do rio Reno, onde seu pai estava aquartelado, recebeu, em 50 D.C., o nome de Colonia Claudia Ara Agrippinensium, que é a atual cidade de Colônia, na Alemanha. Vale citar que nunca, antes ou depois na História de Roma, uma cidade romana foi batizada em homenagem a uma mulher.
Reconstrução da Colonia Claudia Ara Agrippinensium – atual Colônia, no século I D.C.
Em 50 D.C., Agripina conseguiu que Cláudio persuadisse o Senado a dar-lhe o título de Augusta, honraria que somente Lívia Drusila, a esposa de Augusto, havia recebido em vida, e, mesmo assim, somente após a morte do marido.
No ano seguinte, em 51 D.C., Nero vestiu a toga virilis, alguns meses antes da idade costumeira, pouco antes de completar 14 anos. No mesmo ano ele recebeu o título de Princeps Iuventutis, um título que surgira no reinado de Augusto para honrar os jovens considerados como potenciais herdeiros do trono, e também foi nomeado Proconsul e entrou para o Senado. A partir daí, Nero começou a participar das cerimônias públicas junto com o Imperador, e até moedas foram cunhadas com a efígie de ambos.
Para a surpresa geral, parecia que Nero estava tomando a preferência de Cláudio para ser o seu sucessor. E Agripina começou a eliminar todos que representassem uma ameaça à trajetória de seu filho rumo ao trono. Em 51 D.C, ela ordenou a execução de Sosibius, o tutor de Britânico, que andava reclamando da preferência que vinha sendo dada ao filho de Agripina.
Ainda em 51 D.C, Agripina persuadiu Cláudio a nomear o Sextus Afranius Burrus (Burro) como único Prefeito Pretoriano (Comandante da Guarda Pretoriana), no lugar de Lusius Geta e Rufius Crispinus.
E, em 9 de junho de 53 D.C, sob instigação de Agripina, Cláudio concordou com o casamento entre Nero e sua filha, Claudia Octavia. A noiva antes tinha estado compromissada com Lucius Junius Silanus Torquatus, um nobre ilustre que era tataraneto do imperador Augusto. Porém, Agripina, planejando com bastante antecedência o casamento de Nero com Claudia Octavia, manejou para que Silanus Torquatus fosse acusado falsamente de incesto co sua irmã, Junia Calvina, em 48 D.C, Em função disso, o noivo foi expulso do Senado e, no dia do casamento de Agripina e Cláudio, ele se suicidou.
Cabeça de Cláudia Otávia, primeira esposa de Nero
Enquanto isso, Agripina supervisionava cuidadosamente a preparação de Nero para a futura ascensão ao trono imperial, designando, por exemplo, o afamado filósofo estoico Sêneca, o Jovem, que graças a Agripina havia voltado do exílio, e para quem ela havia conseguido o cargo de Pretor, para ser o tutor do rapaz. Ela também não poupava esforços para fazer o filho querido pelo populacho. Quando Cláudio adoeceu ela organizou em nome de Nero, uma série de magníficas corridas no Circo Máximo como agradecimento pela recuperação do imperador. E, em paralelo, Agripina também espalhava boatos acerca da saúde de Britânico, caracterizando-o como insano e epiléptico.
Porém, a maioria das fontes narra que, nos meses que se seguiram, Cláudio, um tanto descuidadamente, começou a fazer comentários, aqui e ali, lamentando o fato dele ter casado com Agripina e adotado Nero.
Em meados de 54 D.C., faltava menos de um ano para Britânico atingir a idade em que poderia vestir a toga virilis e ser considerado adulto. Suetônio cita que Cláudio mencionou publicamente em algum evento a intenção de antecipar a cerimônia, devido à altura de Britânico, chegando a dizer, na ocasião:
“Para que o Povo de Roma finalmente possa ter um genuíno César“.
Era uma clara advertência de que ele não considerava mais Nero como sucessor. Agora, o ano de 54 D.C. entrava em seus últimos meses e, pela primeira vez, em um discurso no Senado, Cláudio se referiu a Nero e Britânico como iguais em precedência.
Segundo os historiadores Tácito, Suetônio e Cássio Dião, Cláudio somente estaria esperando a maioridade do filho natural para nomeá-lo como seu novo herdeiro, e ele teria declarado isso na presença de outros, sendo esse o fato que levou Agripina a tramar a sua morte.
Em 13 de outubro de 54 D.C., pela manhã, foi anunciado que Cláudio morreu, após um banquete. Nas fontes antigas há um quase consenso de que ele foi envenenado a mando de Agripina, ou até mesmo por ela pessoalmente. Agripina, teria se aproveitado do fato do onipresente Narcissus, partidário de Britânico, estar descansando em sua villa na Campânia (Agripina mandou prendê-lo assim que Nero assumiu o trono, e na ocasião ele se suicidou ou foi executado), e contratou a célebre envenenadora Locusta para preparar o veneno, o qual teria sido administrado em um prato de cogumelos, iguaria muito apreciada por Cláudio, com a cumplicidade de seu provador, o eunuco Halotus. Segundo uma versão, Cláudio ao comer os cogumelos, acabou vomitando, e uma segunda dose lhe foi administrada pelo seu médico Xenofonte, tendo agonizado durante um tempo, e, após ele ter morrido, o seu falecimento ainda foi escondido por um curto período de tempo, durante o qual todos preparativos necessários foram feitos para assegurar a sucessão em favor de Nero, inclusive a destruição do último testamento de Cláudio, no qual ele teria reconhecido Britânico como sucessor.
Nero imperador (e Agripina)
Em seguida a A aclamação de Nero foi tranquila: O Senado reconhecidamente odiava Cláudio e,acima de tudo, Agripina e Nero podiam contar com a lealdade de Sextus Afranius Burrus (Burro), o Prefeito da Guarda Pretoriana indicado por Agripina...
Agripina, personificada como a deusa Ceres, coroa Nero. A mensagem devia ser evidente para todos
Nero fez a eulogia (oração fúnebre) em honra de Cláudio, que depois foi “deificado” pelo Senado, isto é, após a sua morte, decretou-se que ele tinha sido elevado ao panteão dos deuses a serem cultuados pelos romanos (apotheosis).
Tendo na ocasião Nero apenas dezessete anos de idade, na prática era Agripina quem efetivamente controlava o governo. Sintomaticamente, no primeiro dia de seu reinado, ao dar a sua primeira senha para o tribuno que chefiava a guarda palaciana, Nero escolheu a seguinte:
“A melhor das mães“…
Foi Agripina também que providenciou os dois principais auxiliares que aconselhariam Nero durante os primeiros anos do seu reinado: o filósofo Sêneca, o Jovem, que, segundo Cássio Dião, redigiu seu primeiro discurso dele ao Senado, e Sexto AfrânioBurro, que foi mantido como Prefeito da Guarda Pretoriana. Os dois asseguraram que o jovem imperador tivesse um começo de reinado promissor, com várias medidas sensatas e racionais.
Vale notar que, ainda durante o reinado de Cláudio, a administração dos assuntos de Estado começou a ser desempenhada cada vez mais pelos escravos libertos do Imperador que trabalhavam nas dependências do Palácio e que passaram a constituir o embrião de verdadeiros ministérios, no sentido administrativo moderno, assumindo tarefas que antes estavam a cargo dos antigos magistrados da República. Nero herdou esse sistema, e muitos libertos de Cláudio continuaram a exercer seus cargos no seu reinado, como por exemplo o grande aliado de Agripina, o liberto Marcus AntoniusPallas, que continuou exercendo o cargo de Secretário do Tesouro, uma circunstância que assegurou certa continuidade administrativa.
Sêneca e Burro, sensatamente, procuraram assegurar que o imperador mantivesse boas relações com o Senado Romano, comparecendo às sessões desta assembleia e levando em consideração as recomendações dos senadores. Os dois preocuparam-se especificamente em abolir o costume implementado por Cláudio, de conduzir julgamentos em sessões privadas realizadas no próprio Palácio (“in camera”), o que era considerado contrário aos princípios jurídicos romanos tradicionais, que previam audiências públicas..
Todavia, os dois conselheiros em questão, percebendo os danos à imagem do reinado que isto vinha acarretando, procuraram diminuir a excessiva intervenção de Agripina nos assuntos do governo, e, com esse propósito, eles chegaram até a incentivar a paixão que Nero nutria pela liberta Acte, que virou amante do Imperador. Dessa forma, além de afastar Nero da influência da mãe, eles também visavam diminuir a inclinação ao desregramento sexual que já se percebia no jovem imperador, impulsos que o casamento com a imperatriz Cláudia Otávia parecia incapaz de arrefecer.
Um episódio narrado por Cássio Dião, mostra um bom exemplo do propósito de Sêneca e Burro:
“Uma embaixada dos Armênios havia chegado e Agripina quis subir na tribuna de onde Nero falava com eles. Os dois homens (Sêneca e Burro), vendo a aproximação dela, persuadiram o jovem imperador a descer e ir ao encontro de sua mãe antes que ela pudesse chegar ali, como se ele fosse cumprimentá-la de alguma maneira especial. Então, tendo feito isso, eles não subiram de novo na tribuna, de modo que aquela fraqueza do Império não se tornasse aparente para os estrangeiros; e, posteriormente, eles trabalharam para prevenir que qualquer assunto público de novo ficasse nas mãos dela.”
Cássio Dião, Epítome do Livro XLI
Observe-se que Suetônio acusa diretamente Nero e Agripina de manterem uma relação incestuosa, mencionando até que isso costumava ocorrer quando os dois viajavam pelas ruas romanas em liteiras, um comportamento que seria denunciado pelas manchas suspeitas na toga do filho…Outros autores, de fato, também citam este costume que ambos tinham de andar na mesma liteira, mas muitos historiadores consideram que a obra de Suetônio, em muitas passagens, tende a reproduzir e aumentar boatos escandalosos, sem muita preocupação com a verdade histórica.
A tônica, porém, em todas as fontes, é de que Nero não nutria muito entusiasmo pelas tarefas governamentais, preferindo dedicar-se ao canto, ao teatro e às competições esportivas, sobretudo corridas de cavalos. Progressivamente, também, o poder absoluto lhe permitiu experimentar as mais variadas práticas sexuais.
Assim, a falta de aptidão para o cargo, a juventude e a onipotência uniram-se para empurrar Nero para uma ilimitada devassidão. Por outro lado, o avanço dos anos deu-lhe confiança para cada vez mais afirmar a sua vontade e ignorar os conselhos de Sêneca e Burro, ao passo que a repetida intromissão de Agripina em sua vida começou a lhe parecer insuportável, notadamente a oposição que a mãe externava em relação ao seu romance com Acte.
Aparentemente, Agripina se ressentia de não ser mais a figura feminina principal na vida do filho, e da perda de poder e influência que isso acarretava. Assim, ela se referia a Acte como: “minha competidora, a liberta” e “minha nora, a camareira“…
A insistência de Nero em continuar a relação amorosa com Acte irritou tanto Agripina que, segundo Cássio Dião, certa vez ela se irritou e disse na cara do filho:
Fui eu que te fiz Imperador!
Cássio Dião, Epítome do Livro LXI, 7
Por sua vez, farto da interferência da mãe, Nero, com o fim de diminuir o poder de Agripina, demitiu Pallas do cargo de secretário.
Outro fator de discórdia entre mãe e filho, e talvez mais importante, foi o fato de Agripina, certa vez, ter insinuado que Britânico aproximava-se da maioridade, dando a entender a Nero que ela poderia apoiar o rapaz como sendo o legítimo herdeiro de Cláudio. Por isso, em 55 D.C., Nero demitiu o liberto Pallas, que tinha sido um fiel aliado de Agripina desde os tempos de Cláudio, e, segundo algumas fontes, ambos seriam amantes.
Ainda em 12 de fevereiro de 55 D.C., Britânico morreu, de maneira suspeita, no dia exato em que ele completaria a maioridade. Segundo os autores antigos, ele foi envenenado a mando de Nero, que teria também recorrido aos serviços da envenenadora Locusta.
Após a morte de Britânico, aparentemente Nero sentiu-se confiante para se livrar da influência da mãe e dos conselheiros que ela havia escolhido.
O estranhamento entre Nero e Agripina ficou evidente quando o imperador ordenou que a Guarda Pretoriana retirasse a escolta que até então acompanhava a mãe pelas ruas, o que foi imediatamente percebido pela população.
Mas a relação de Nero com a mãe azedou de vez quando, em 58 D.C., a nobre Popéia Sabina, a Jovem, esposa de seu amigo Marcus Sálvio Otão (o futuro imperador Otão) tornou-se amante dele. Agripina, opondo-se ao romance, aproximou-se da imperatriz Cláudia Otávia, que, em oito anos de casamento com Nero, não tinha gerado filhos, muito em função do desinteresse do marido pela esposa.
Popéia Sabina, segunda esposa de Nero
Popéia Sabina, em vingança à oposição de Agripina ao seu romance com o imperador, teria aconselhado Nero a assassinar a mãe, segundo Tácito e Cássio Dião (Nota: Popéia seria natural de Pompéia, e a sua magnífica Villa, na cidade vizinha de Oplontis, foi soterrada pela erupção do Vesúvio e descoberta em excelente estado de conservação -vide fotos abaixo).
Morte de Agripina
Para evitar que o público desconfiasse da morte de Agripina, bem como para atraí-la para a armadilha, Nero fingiu uma reaproximação, voltando a ser amistoso e atencioso com a mãe
Os historiadores narram que Nero engendrou vários esquemas engenhosos para matar Agripina, que iam desde o naufrágio em um navio previamente sabotado para se desmanchar no mar (ideia do liberto Anicetus, preceptor de Nero na infância e que odiava Agripina) ao desabamento provocado do teto de um aposento que ela ocupava.
Nero, então, convidou a mãe para ir até a Campânia, região onde a elite romana frequentava o afamado balneário de Baiae, onde ela embarcaria em um navio adredemente preparado para ter uma seção que, posteriormente, em um momento determinado, se romperia, deixando Agripina cair no mar. Desse modo, quando o dispositivo fosse acionado, durante viagem, o público não desconfiaria da morte da mãe por afogamento.
Após embarcar no navio, algum dispositivo foi acionado e uma carga de barras de chumbo caiu em cima de Agripina, mas ela e sua amiga Acerronia Pollia foram protegidas pela cabeceira de madeira maciça da cama onde viajavam. Como o dispositivo não funcionou direito, os marinheiros tentaram virar o navio e Agripina e Acerronia caíram no mar. Na confusão, Acerronia, que estava se debatendo, procurando se salvar, achando que desta maneira ela seria ajudada pelos marinheiros, gritou que ela era Agripina, sem saber que os marinheiros eram partícipes do atentado. Então, acreditando que Acerronia era Agripina, os marinheiros começaram a bater nela com os remos, terminando por matá-la. Agripina, por sua vez, apesar de também receber uma remada, que a machucou, conseguiu nadar até a costa, ou segundo outra versão, foi resgatada por um barco de pesca.
Segundo Tácito e Cássio Dião, já a salvo em sua Villa em Bauli, nas proximidades, para onde os populares a haviam levado, Agripina concluiu que o naufrágio havia sido uma tentativa de assassiná-la, mas decidiu que a melhor estratégia seria fingir que acreditava que o naufrágio era um acidente e enviou um mensageiro a Nero contando do sucedido e que ela havia sobrevivido.
Contudo, a sorte de Agripina já estava lançada e Nero, ao receber a notícia, após consultar Burro e Sêneca, que disseram não ser recomendável confiar na lealdade da Guarda Pretoriana no que se referia à execução da filha do adorado Germânico ordenou que Anicetus fosse até Bauli e terminasse a tarefa.
Anicetus reuniu um grupo de marinheiros armados, possivelmente os mesmos que tripulavam o navio-armadilha e foi até a Villa de Agripina. Quando eles entraram, ela imediatamente percebeu o motivo da presença deles. Era 23 de março de 59 D.C.
Então, quando o executor ergueu a espada, Agripina rasgou a sua roupa, e como lamento por ter parido o filho, apontou para o próprio ventre, dizendo:
“Acerte aqui!”
Tácito, Anais, Livro XIV, 8
Ao receber a notícia da morte da mãe, Nero quis conferir pessoalmente, seja para certificar de que ela estava mesmo morta, ou por desejo de vê-la pela última vez.
De acordo com Cássio Dião, quando Nero chegou ao local, ele despiu o cadáver da mãe, percorreu todo o corpo dela com os olhos e examinou os ferimentos dela, “fazendo um comentário mais abominável que até o próprio assassinato“:
“Eu não sabia que eu tinha uma mãe tão bonita”
Cássio Dião, Epítome do Livro LXI, 14
O corpo de Agripina foi cremado na mesma noite. Em seu funeral, Nero manteve-se mudo e aparentemente apavorado, mas a morte da mãe não causou muita comoção e os aduladores de plantão até o congratularam pela morte da mãe, pelo fato dele agora estar livre das maquinações de Agripina. Entretanto, os relatos são de que Nero viveu o resto da vida tendo pesadelos sobre a mãe e sendo consumido pela culpa.
Após o reinado de Nero, as cinzas de Agripina foram depositadas em um mausoléu simples, em Miseno, providenciado por seus antigos serviçais.
Consta que Agripina escreveu suas memórias, hoje desaparecidas, que chegaram a ser consultadas pelo historiador Tácito e pelo escritor e naturalista Plínio, o Velho, que escreveram respectivamente, cerca de 20 (o segundo) e 60 anos (o primeiro) após a morte dela.
CONCLUSÃO
A vida de Agripina, a Jovem é notável porque mostra como, a despeito de viver em uma sociedade patriarcal e até certo ponto misógina, ela conseguiu influenciar o curso da História de Roma e exercer poder de fato, como poucas mulheres na Antiguidade e até mesmo além. Apesar disso, ela não deixou uma imagem virtuosa, passando a História como mulher manipuladora e cruel.
De qualquer forma, a trajetória dela demonstra as mazelas e contradições do regime inaugurado por seu bisavô Augusto.
“A beleza dela, de acordo com o que nos foi dito, em si mesma não era de todo incomparável, nem tanta que impactasse aqueles que a viam, mas a sua presença tinha um charme irresistível, e havia uma atração na sua pessoa e na sua conversa, que, junto com a peculiar força de sua personalidade, em cada palavra ou gesto, deixavam todos que se envolvessem com ela enfeitiçados. Apenas escutar o som da voz dela já era um prazer, e a sua língua, como se fosse um instrumento de muitas cordas, podia passar de um idioma para outro, conforme ela desejasse, de modo que havia poucas nações bárbaras para as quais ela precisava de um intérprete, respondendo-lhes pessoalmente e sem auxílio.”
Plutarco, Vida de Antônio, 27,2
Genealogia, infância e juventude
Kleopatra VII Thea Philopator (Cleópatra) nasceu no início do ano de 69 A.C., em Alexandria, a capital do Egito. Ela era filha do faraó Ptolomeu XII Auletes e, provavelmente, não se tem uma certeza exata, da rainha Cleópatra V Triphaena. Kleopatra quer dizer, em grego: “A glória do pai“, e “Thea Philopator ” significa: “Deusa que ama o pai“.
Busto de Cleopatra VII – Altes Museum – Berlin – Germany 2017.jpg
Cleópatra e sua família eram descendentes diretos do nobre macedônio Ptolomeu, um general que foi um dos auxiliares mais próximos do rei da Macedônia, Alexandre, o Grande.
Quando Alexandre morreu, em 323 A.C, os generais mais próximos de Alexandre estabeleceram-se, inicialmente, como “sátrapas” (governadores) das terras que tinham sido anexadas pelo rei macedônio, e a Ptolomeu coube governar o Egito. Em 305 A.C., Ptolomeu, da mesma forma que os outros sátrapas, após uma série de conflitos entre os sátrapas e diversos pretendentes à sucessão de Alexandre, denominada de Guerra dos Diádocos, autoproclamou-se rei do Egito, com o nome de Ptolomeu I Soter.
No Egito, os sucessores e descendentes de Ptolomeu rapidamente assumiram os títulos e ornamentos milenares dos faraós, e, para se legitimarem perante os súditos nativos, adotaram também muitos dos costumes da realeza nativa, entre os quais estavam os casamentos endogâmicos, entre irmão e irmã, que tinham o objetivo de preservar o caráter divino da linhagem sanguínea dos faraós.
Por outro lado, culturalmente e em suas relações com o mundo mediterrâneo, a corte ptolomaica reconhecia a si mesma e comportava-se como os outros reinos helenísticos surgidos a partir do falecimento de Alexandre, o Grande. A língua da corte era o grego koine e em Alexandria foram erguidos templos, monumentos e palácios em estilo arquitetônico clássico. Entretanto, os ptolomaicos continuaram construindo templos e monumentos no estilo egípcio, inclusive ostentando inscrições em hieróglifos e participando do culto às divindades egípcias tradicionais.
O Egito Ptolomaico experimentou tempos prósperos e chegou mesmo a ser um reino muito poderoso; porém, quando Cleópatra nasceu, o país estava em franca decadência política, em boa parte devido a disputas sucessórias e incompetência dos governantes, tornando-se praticamente um protetorado da grande potência do mundo mediterrâneo, Roma, que vinha paulatinamente anexando todos os reinos helenísticos. Na verdade, então, o único estado digno de nota no Mediterrâneo, além da República Romana, era o Egito, que, apesar de conflagrado e desorganizado, era bastante rico, graças aos abundantes excedentes de trigo gerados produzidos pela fertilidade oriunda do ciclo das enchentes do rio Nilo e ao comércio com a Índia.
Cleópatra recebeu uma educação clássica esmerada. O seu tutor foi Philostratos, provavelmente um filósofo, com o qual aprendeu Filosofia e Oratória. De fato, desde ja infância, a jovem princesa deve ter demonstrado uma notável inteligência, pois ela aprendeu a falar nove línguas: grego, egípcio, latim, persa, etíope (amárico), aramaico, siríaco, troglodita e a língua dos Medos. Segundo nos conta o historiador antigo Plutarco:
“Era um prazer somente escutar o som da voz dela, com a qual, como se fosse um instrumento de muitas cordas, ela podia passar de uma língua para outra, de modo que havia poucas nações bárbaras para as quais ela precisava de um intérprete para responder.”
Plutarco, Vida de Antônio, 27,3
O reinado do pai de Cleópatra foi marcado pelo aumento da dependência política e econômica do Egito para com Roma. Muitas dívidas foram contraídas junto aos banqueiros romanos e o Senado Romano chegou a cogitar a anexação do reino, acarretando que humilhantes concessões aos romanos tivessem que ser feitas. Obviamente, que isso desagradou à população egípcia e aos influentes sacerdotes.
Assim, em 58 A.C., as tensões políticas internas do Egito levaram a uma revolta popular que resultou no exílio de Ptolomeu XII, após a anexação da ilha de Chipre, que era domínio ptolemaico, pelos romanos. O faraó acabou indo morar na Villa do triúnviro Pompeu, na colinas albanas, próximo à cidade de Roma, levando consigo a sua filha Cleópatra, que tinha onze anos de idade (os dois filhos homens de Ptolomeu XII: Ptolomeu XIII Theos Philopator e Ptolomeu XIV, ainda tinham somente quatro e dois anos de idade).
Contudo, o levante nacionalista, que colocou como governante do Egito a irmã mais velha de Cleópatra, Berenice IV, em conjunto com rainha Cleópatra VI Triphaena, (que não se tem certeza se era outra irmã das duas ou a esposa de Ptolomeu XII), teria vida curta. Os banqueiros romanos, grandes credores de Ptolomeu XII, tinham todo interesse em sua restauração. Assim, Pompeu ofereceu uma grande soma em dinheiro ao governador romano da Síria, Aulus Gabinius, para ele invadir o Egito e recolocar Ptolomeu XII no trono.
No início de 55 A.C., Gabinius invadiu o Egito e Ptolomeu XII e Cleópatra acompanharam a expedição. Entre os oficiais de Gabinius, estava o jovem Marco Antônio, que inclusive impediu um massacre de civis na cidade greco-egípcia de Pelousium. Anos mais tarde, Marco Antônio contaria que foi durante a invasão que ele conheceu, e se apaixonou, pela jovem princesa egípcia de apenas 14 anos de idade…
Em pouco tempo, apoiado pela vitoriosa expedição, Ptolomeu XII já reinava de novo sobre o Egito. Ele executou a sua filha Berenice IV e vários de seus apoiadores, apoiado por dois mil soldados e mercenários romanos, que foram apelidados de “Gabinianos“. Percebendo a aptidão de Cleópatra para governar, e provavelmente já percebendo os primeiros sinais de doença, Ptolomeu XII, em 31 de maio de 52 A.C, a nomeou Regente do Egito, como atesta uma inscrição no Templo de Hator, em Dendera.
Rainha do Egito
Nos primeiros meses de 51 A.C., Ptolomeu XII morreu, nomeando como herdeiros e sucessores, em seu testamento, a sua filha Cleópatra e o seu filho Ptolomeu XIII, que deveriam reinar em conjunto. Para serem os executores deste testamento, Ptolomeu encarregou, expressamente, o “Senado e Povo Romanos”…
Rainha aos dezoito anos de idade, Cléopatra casou-se, como impunha o costume real egípcio, com seu irmão e agora colega Ptolomeu XIII, que tinha somente doze anos. Ele foi reconhecido oficialmente como governante, mas, na prática, quem atuava como o seu regente era o eunuco Pothinus (ou Potheinos).
(Dracma de Cléopatra VII. Podemos ver nesta moeda, que foi cunhada no reinado dela, todos os elementos convencionais da iconografia da rainha: O diadema real dos Ptolomeus, o cabelo fatiado no estilo “melão”, o coque, o nariz ligeiramente aquilino ou adunco e o queixo proeminente Foto By Hedwig Storch – Own work, CC BY-SA 3.0, https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=5930892
O fato é que, sendo mais velha e muito mais preparada do que o irmão, Cléopatra governava como se fosse a única soberana. A partir de agosto de 51 A.C, ela começou a cunhar moedas apenas com a sua efígie como rainha, e os documentos oficiais não mencionavam mais Ptolomeu XIII. A situação econômica, porém, continuava difícil, pois ela herdara a grande dívida que o pai contraíra junto aos romanos.
Pothinus e outros conselheiros de Ptolomeu XIII persuadiram-no a reagir contra a predominância da irmã no reino. Eles urdiram uma conspiração que foi bem sucedida e que foi ganhando o apoio de pessoas importantes, pois tudo indica que, antes do final de 50 A.C., Ptolomeu passou a controlar o governo, já que os documentos oficiais, a partir de então, ostentam o nome dele antes do nome da irmã.
Havia uma guerra surda não-declarada dentro de Alexandria entre as cortes de Ptolomeu XIII e Cleópatra quando, no verão de 49 A.C., chegou à cidade Gnaeus Pompeius, o filho de Pompeu, o Grande, que tinha sido obrigado a fugir para a Grécia após Júlio César invadir a Itália e tomar Roma, dando início à Grande Guerra Civil. Pompeu pedia ao Egito auxílio financeiro e tropas para ajudar as forças leais aos Optimates na guerra contra César e os Populares.
Cleópatra e Ptolomeu XIII concordaram e assinaram um último decreto conjunto enviando a Pompeu 60 navios de guerra e 500 soldados egípcios, além dos “Gabinianos“.
Deposição e luta pelo poder
Nesse meio tempo, os partidários de Ptolomeu conseguiram prevalecer sobre a facção que apoiava Cleópatra e ela foi obrigada a fugir do palácio, indo se refugiar em Tebas, mais ao sul, subindo o Nilo.
Agora, o Egito também estava vivendo uma guerra civil aberta.Assim, Cleópatra, acompanhada de sua meia-irmã Arsinoe IV, viajou para a Síria, e lá ela conseguiu reunir um exército para tentar recuperar Alexandria, porém, o avanço do seu exército foi barrado nas cercanias de Pelousium.
Em 9 de agosto de 48 A.C., Pompeu foi derrotado na Batalha de Farsália, e, com o remanescente de seu exército, ele fugiu para a cidade de Tiro, no atual Líbano. Lá, Pompeu decidiu que valia a pena ele viajar até o Egito, tendo em vista as boas relações que ele sempre manteve com Ptolomeu XII, pai dos atuais governantes do país, os quais, inclusive, haviam atendido o seu pedido anterior de ajuda, e onde ele esperava obter um valioso apoio para continuar a luta contra César.
Quando o navio de Pompeu chegou próximo a Pelousium, ele foi abordado por galeras da frota egípcia, que aderira a Ptolomeu XIII. O jovem rei foi aconselhado por Pothinus a não ajudar Pompeu, e, em uma armadilha idealizada pelo seu auxiliar Theodotus, Pompeu foi atraído para desembarcar e morto no próprio bote em que ele estava sendo transportado, tendo a sua cabeça sido cortada, fato ocorrido em 29 de setembro de 48 A.C.. Este assassinato ocorreu porque Ptolomeu e Pothinus acreditavam que, assim, eles estariam agradando a César, o qual poderia seria ser simpático à causa do primeiro na disputa contra a irmã.
Porém, ao contrário do que os egípcios esperavam, César ficou consternado e enfurecido com o assassinato de Pompeu. Além da afronta que representava o assassinato de um cônsul ao prestígio romano, ele certamente pretendia utilizara captura de Pompeu politicamente, talvez perdoando-o, como era do seu costume, para angariar simpatia perante a opinião pública. Assim, César ordenou que Ptolomeu XIII e Cleópatra desmobilizassem os seus exércitos e fossem encontrá-lo em Alexandria, onde ele resolveria a disputa entre os irmãos à luz dos interesses de Roma.
Todavia, Ptolomeu XIII não obedeceu a ordem de César e chegou a Alexandria à testa de seu exército, que ficou acampado nas cercanias da cidade, enquanto ele e seus auxiliares mais diretos, instalados na mesma, aguardavam a audiência como o líder romano. Já César ficou instalado no palácio real, situado em uma península.
Amante de Júlio César, restauração do trono e maternidade
Para a surpresa de Ptolomeu XIII, a sua irmã/esposa e rival dele conseguiu furar o cerco que o exército dele fazia à cidade e penetrar no palácio, chegando até os aposentos de César. A ser verdadeiro o célebre relato de Plutarco, foi uma aparição espetacular: Cleópatra entrou no palácio escondida dentro de um tapete enrolado, que estava sendo levado como presente para César!
Acho altamente provável que, já naquela noite, César tenha dormido com Cleópatra, conforme o relato de Plutarco deixa transparecer. Ela tinha entre 20 e 21 anos e era bonita, inteligente e sedutora. Ele tinha 52 e era famoso por ter casos com mulheres ilustres, incluindo algumas rainhas. E é até possível que César tenha sido o primeiro homem na vida de Cleópatra. Ela certamente não deve ter tido relações sexuais com o irmão bem mais novo.
(Busto de Tusculum, considerado o único que foi feito enquanto César era vivo, por volta dos 50 anos de idade, mostrando a aparência que ele deveria ter quando conheceu Cleópatra, Museum of antiquities, Public domain, via Wikimedia Commons)
A versão do historiador romano Dião Cássio, embora um pouco diferente nos detalhes, e sem mencionar a rocambolesca entrada em um tapete, é no mesmo sentido:
“Cleópatra, ao que parece, tinha, inicialmente, exposto a César o seu pleito contra o irmão por meio de emissários, porém, assim que ela descobriu as inclinações dele (que era muito suscetível, a tal ponto de ter tido casos com tantas outras mulheres – indubitavelmente, com todas que por acaso tivessem passado pelo seu caminho), ela o avisou de que estava sendo traída pelos amigos dela, e pediu permissão para defender a sua causa em pessoa. Pois ela era uma mulher de beleza transcendente, e, naquela época, quando ela estava na flor da sua idade, ela estava ainda mais impactante; ela também possuía uma voz muito charmosa, e sabia como se fazer ainda mais agradável a todos. Sendo deslumbrante tanto para ser vista como para ser ouvida, e com o poder de conquistar a qualquer um, e até mesmo um homem saciado de amor que já tinha ultrapassado o auge da idade, ela achou que era o seu papel encontrar César e escorar em sua beleza todas as suas reivindicações ao trono. Ela, consequentemente, pediu para ser admitida à presença dele, e, obtendo essa permissão, ela se enfeitou e se arrumou de modo a aparecer perante ele com a aparência mais majestosa, e, ao mesmo tempo, inspiradora de pena. Quando ela aprontou esse esquema, ela entrou na cidade (pois ela estava vivendo fora dela) e, à noite, sem o conhecimento de Ptolomeu, entrou no Palácio. César, ao vê-la e ouvi-la dizer algumas palavras, imediatamente ficou tão cativado por ela que, antes da alvorada, mandou buscar Ptolomeu e tentou reconciliá-los, agindo assim como advogado daquela mesma mulher da qual ele tinha decidido ser o juiz.”
Cássio Dião, História de Roma, Livro LII, 34, 4 – 35, 1
Furiosos com a intimidade que agora César e Cleópatra demonstravam ter, há até quem diga que ele, ao chegar no palácio para falar com César, encontrou a irmã no quarto do romano, Ptolomeu XIII e os seus partidários resolveram partir para o confronto direto com o futuro Ditador romano. Eles correram até a multidão, denunciando que Cleópatra iria entregar o Egito aos romanos e a turba, revoltada, cercou o palácio. Entretanto, embora César tivesse entrado em Alexandria com poucas soldados, o número era suficiente para conter a multidão eele não se abalou: o líder romano mandou ler em público o testamento de Ptolomeu XII e afirmou que a vontade do falecido rei seria respeitada, devendo Ptolomeu XIII e Cleópatra governarem o Egito juntos.
O eunuco Potheinus não se conformou com a decisão de César e secretamente mandou uma mensagem para o general egípcio Achillas, o assassino de Pompeu e comandante militar de Ptolomeu XIII, instando-o a ordenar um ataque aos romanos em Alexandria. Ele estava confiante que César, contando com apenas quatro mil soldados, não conseguiria resistir ao exército do faraó, que era muito maior, de cerca de vinte mil homens. Mas, após o envio do recado, o ardil de Pothinus foi descoberto e ele acabou sendo executado por ordem de César. Diante da situação, o líder romano até tentou negociar um acordo com Achillas, mas este executou os emissários romanos, e, em seguida, marchou contra Alexandria, sitiando César e Cleópatra no palácio.
Arsinoe IV, a jovem e ambiciosa irmã de Cleópatra, que tinha entre cerca de 15 ou 20 anos de idade (não se sabe exatamente quando ela nasceu), aproveitou para fugir do palácio, auxiliada pelo eunuco Ganymedes, e se juntou a Achillas, proclamando-se rainha do Egito, já que o seu irmão Ptolomeu XIII encontrava-se sob a custódia de César. Em seguida, Arsinoe ordenou a execução de Achillase nomeou Ganymedesno lugar dele, como comandante do exército.
Em 23 de junho de 47 A.C., Cleópatra deu a luz a seu primeiro filho, que se chamou Ptolemaios XV Philopator Philometor Caesar. Ela anunciou que o menino, que receberia o apelido de Caesarion (Cesárion ou Cesarião), era fruto do seu relacionamento com Júlio César, que, aliás, nunca negou publicamente a paternidade, apesar de, igualmente, jamais ter reconhecido oficialmente a criança. A cronologia do nascimento de Caesarion, estimando-se que ele tenha nascido com 9 meses, aponta para uma concepção por volta de outubro de 48 A.C., mais ou menos a data em que deve ter ocorrido o primeiro encontro entre Júlio César e Cleópatra, ou, então, somente um punhado de dias depois.
(Cabeça que se acredita retratar Caesarion como Faraó. Os traços faciais lembram muito os das imagens de Cleópatra; Sdwelch1031, CC0, via Wikimedia Commons
Com muita dificuldade, César conseguiu resistir ao cerco até que reforços chegassem, em março de 47 A.C. O exército egípcio, agora comandado por Arsinoe IV e Ptolomeu XIII, que tinha conseguido autorização de César para sair de Alexandria, para servir de negociador, recuou para o Nilo, onde foram derrotados por César, na chamada Batalha do Nilo. O barco de Ptolomeu XIII, na fuga, virou, e ele acabou se afogando no rio, em janeiro ou fevereiro de 47 A.C., morrendo com 15 anos de idade, aproximadamente. Arsinoe foi capturada e, mais tarde, seria exibida na procissão triunfal de César pelas ruas de Roma.
Em seguida, César designou o irmão mais novo de Cleópatra, Ptolomeu XIV, que tinha doze anos de idade, para reinar ao lado dela, como faraó, e, como previa o costume, irmão e irmã se casaram. Não obstante, Cleópatra e César continuaram morando juntos, no palácio, em Alexandria. Como presente, César também devolveu ao Egito o governo da ilha de Chipre, que tinha sido tomada pelos romanos em 58 A.C.
Se a posição de Cleópatra no Egito parecia assegurada., no entanto, a de César, na República Roman, certamente estava longe disso, pois ainda havia consideráveis forças dos Optimates na África e na Espanha, onde os seus adversários estavam firmes e resolutos no prosseguimento da guerra civil. Além disso, havia assuntos políticos urgentes a decidir em Roma, já que ele havia sido, recentemente, nomeado Ditador.
Por isso mesmo, até hoje é motivo de espanto entre os analistas o fato de César, deixando de lado a sua premente situação, ter ficado até abril de 47 A.C. no Egito, ou seja, mais de dois meses. E, segundo a narrativa de Suetônio, os amantes aproveitaram esse tempo para fazer um idílico cruzeiro romântico e turístico pelo Nilo, visitando os antigos monumentos da milenar civilização egípcia na barcaça real de Cleópatra, que se chamava Thalamegos e tinha remos de prata. Este inusitado interlúdio amoroso somente foi interrompido pelo fato dos soldados romanos que acompanhavam César terem se recusado a continuar até a Etiópia:
“Ele também teve casos com rainhas, incluindo Eunoe, a Moura, esposa de Bogudes, para quem, e também ao marido, ele deu vários presentes esplêndidos, como escreve Naso; Mas, acima de todas, com Cleópatra, com quem ele frequentemente festejava até o amanhecer, e com quem ele teria ido até a Etiópia, atravessando o Egito, na barcaça real dela, se os seus soldados não tivessem se recusado a segui-lo. No final, ele chamou-a para Roma, e não deixou-a ir até que ele a cobrisse de honrarias e de ricos presentes; E ele até permitiu que ela desse o seu nome à criança que ela carregava. De fato, de acordo com certos autores gregos, essa criança parecia muito com César, fisicamente e no jeito de andar. Marco Antônio declarou ao Senado que César tinha realmente reconhecido o menino, e que Gaius Matius, Gaius Oppius, e outros amigos de César, sabiam disso”.
Suetônio, Vida de Júlio César, 52, 1-2
Barcaça de Cleópatra, de Henri Pierre Picou, 1891, foto Internet Archive Book Images, No restrictions, via Wikimedia Commons
Detalhe do famoso mosaico romano retratando cenas do rio Nilo, no Museu Nacional de Palestrina, por amelia.boban, CC BY-SA 3.0 https://creativecommons.org/licenses/by-sa/3.0, via Wikimedia Commons
Em abril de 47 A.C., César foi para a Capadócia lutar contra o rei Farnaces II, que havia se aproveitado da guerra civil romana para invadir a região e tentar retomar o antigo reino de seu pai, o Ponto, deixando no Egito quatro legiões para apoiar Cleópatra e vigiar eventuais ações contra os interesses romanos. Em 2 de agosto de 47 A.C., essa guerra na Ásia já estava terminada, com a vitória romana na Batalha de Zela. A campanha foi tão rápida, que levou César a dizer uma de suas frases célebres: “Veni, vidi, vinci” (Vim, vi e venci).
De fato, o tempo ocioso passado no Egito dera tempo às forças remanescentes do falecido Pompeu e do Senado de se reorganizarem na Áfric, obrigando César a ter que se deslocar para lá, mas, mesmo assim, ele conseguiu vencer as Batalhas de Ruspina, em 04 de janeiro de 46 A.C. e de Tapsos, em 6 de abril de 46 A.C., na qual foram eliminados seus grandes opositores, Catão, o Jovem, e Metelo Cipião.
A Guerra Civil ainda não estava terminada, já que restava um importante foco de resistência na Hispânia, centrado em Córdoba, que era liderado pelos filhos de Pompeu. Por sua vez, nessa campanha, os exércitos de César eram comandados pelos seus lugar-tenentes, Quinto Fábio Máximo e Quinto Pédio. Não obstante, Cleópatra e César julgaram a situação suficientemente segura para que a rainha fizesse uma espetacular visita à Roma, no final de 46 A.C, acompanhada de Ptolomeu XIV, para assistirem ao Triunfo de César.
Cleópatra em Roma. Grandes esperanças e decepções.
Em Roma, Cleópatra foi recebida por César com toda a pompa que os monarcas helenísticos estavam acostumados a ter. Mas, para manter as aparências, uma vez que ele era casado com a sua esposa romana Calpúrnia, a rainha e o seu irmão-consorte ficaram hospedados nos Horti Caesaris, a propriedade com grandes jardins que o Ditador possuía do lado de fora das muralhas de Roma, às margens do rio Tibre. Lá, ela era visitada pelos mais ilustres membros da sociedade romana, incluindo Cícero, que se queixou da rainha egípcia em uma carta. a seu amigo Atticus. Nesta missiva, o célebre político e orador romano confessa que detestava Cleópatra, de quem não suportava a arrogância, e se queixa de que a rainha não teria cumprido uma promessa relativa a “assuntos literários” (talvez, quem sabe, algum livro raro da Biblioteca de Alexandria no qual Cícero estaria interessado?).
Dião Cássio afirma que essa recepção à Cleópatra comprometeu a imagem de César perante a opinião pública, o que tanto pode se referir apenas à classe senatorial, como à população em geral. Ciente, ou não disso, durante a estadia de Cleópatra e Ptolomeu, César providenciou para que eles recebessem o título de “Amigos e Aliados do Povo Romano“.
Estátua de Cleópatra, no Museo Pio Clementino, parte dos chamados Musei Vaticani. A imagem possui o diadema real, o penteado “melão”, o nariz adunco e outros traços faciais correspondentes às de outros retratos identificados como o da rainha. É, indiscutivelmente, uma estátua de Cleópatra. Foto:.Vatican Museums, Public domain, via Wikimedia Commons
Em setembro de 46 A.C., César celebrou o seu grande triunfo pelas ruas de Roma, celebrando suas vitórias desde a Gália até o Egito, e que durou espantosos dez dias. Nessas procissões triunfais, foram exibidos, como cativos, o chefe gaulês Vercingetórix, e Arsinoe IV, a irmã de Cleópatra. Porém, Dião Cássio menciona que a visão da jovem Arsinoe sendo levada acorrentada em um carro inspirou compaixão na multidão, que ficou com pena da menina de apenas 17 anos de idade (estimativa mais baixa). Essa inesperada reação do público forçou César a poupar a vida de Arsinoe, contrariamente á tradição de executar o líder inimigo cativo após o evento, e então ela foi enviada para residir no Templo de Artémis, em Éfeso, um tradicional santuário para perseguidos políticos e fugitivos da justiça.
No dia 26 de setembro, último dia de seu triunfo, César inaugurou o chamado Fórum de César, próximo ao Fórum Romano, cujo espaço já estava ficando insuficiente para abrigar o público. E dentro do Fórum de César foi erguido o Templo de Vênus Genitrix (Vênus Genitora), divindade que ele associava ao culto da sua própria genealogia, pois os Júlios alegavam ser descendentes de Enéas, que, segundo a mitologia romana, era filho da deusa. E, no precinto do templo, César mandou colocar várias obras de arte, incluindo uma estátua de ouro de Cleópatra, caracterizada como se fosse a deusa egípcia Ísis.
(Fórum de César, com o Templo de Vênus Genitrix, onde ficava a estátua de Cleópatra
Porém, no início de 45 A.C., Fábio Máximo e Quinto Pédio pediram a intervenção de César, pois eles estavam em situação difícil na Espanha, sitiados pelos exércitos dos Optimates, liderados por Cneu e Sexto Pompeu, além de Labieno, um general ex-partidário de César. Assim, César deixou Roma às pressas e foi para a Espanha. Não sabemos se Cleópatra e o irmão voltaram para o Egito, mas após derrotar definitivamente os adversários na Batalha de Munda, em 17 de março de 45 A.C., o último conflito da Guerra Civil,César retornou para Roma.
Em fevereiro de 44 A.C., na celebração do festival das Lupercais, Marco Antônio tentou, por 3 vezes, colocar um diadema de ouro na cabeça de César. O diadema era um tipo de coroa em forma de aro que simbolizava a realeza nos reinos helenísticos, como era o caso do Egito. Com efeito, Cleópatra, inclusive, assim como os seus antepassados ptolomaicos e os seus congêneres macedônios, selêucidas, atálidas, etc., era quase sempre retratada usando um diadema.
Portanto, além de parecer uma óbvia manifestação de um projeto monárquico, seja de César ou de seus partidários, o gesto de Antônio, ao menos indiretamente, pode muito bem ter sido associado à relação de César com Cleópatra: Tencionariam ambos reinar sobre o mundo como um casal real? Seria aquela união uma repetição da política de Alexandre, o Grande, que costumava casar-se com as rainhas dos países que ele conquistava? Sintomaticamente, Cícero, que estava presente na ocasião, desconfiado, chegou a perguntar “de onde teria vindo aquele diadema”…
O fato é que o incidente com o diadema nas Lupercais sem dúvida desencadeou, ou ao menos apressou, a execução da conspiração para assassinar César.
Quando, em 15 de março de 44 A.C., César foi assassinado na Cúria de Pompeu, por um grupo 60 senadores,Cleópatra e seu filho Caesarion ainda estavam em Roma. E, certamente, no grande caos que se seguiu ao assassinato, a rainha egípcia deve ter temido pela segurança de ambos, mas, mesmo assim, ela ainda ficaria em Roma até meados de abril.
Teria sido esse período de aproximadamente um mês que Cleópatra ficou em Roma após o assassinato de César decorrente da sua esperança de que Caesarion obtivesse algo de grande monta no testamento do Ditador falecido? Quem sabe o esperado reconhecimento póstumo da paternidade do menino, ou, ao menos, quem sabe, algum grande legado. Porém, segundo as fontes, o testamento não continha nenhuma menção a Caesarion, mas, ao contrário, a última vontade de César oficializava a adoção do sobrinho-neto dele, Gaius Octavius Thurinus (ou Otaviano, como ele passou a ser chamado, que mais tarde se tornaria o futuro imperador Augusto), que, além de filho adotivo, tornou-se o herdeiro político de César e, além disso, recebeu dois terços da imensa fortuna do tio-avô.
De volta ao Egito e reinado “junto “com Caesarion.
Otaviano, que estava na Ilíria recebendo treinamento militar para participar, junto com César, na planejada campanha contra a Pártia, chegou à Roma em 06 de maio de 44 A.C., ocasião em que Cleópatra já tinha voltado para o Egito. Aliás, essa missão de Otaviano, juntamente com outras ações do Ditador em favor do sobrinho neto, não deixam muitas dúvidas de que César jamais planejou tornar o filho de Cleópatra seu herdeiro.
De volta ao Egito, Cleópatra passou a reinar sozinha, e o seu irmão e marido oficial, Ptolomeu XIV, era faraó apenas no papel. Mas, em algum momento, entre o final de julho e o final de agosto de 44 A.C., Ptolomeu XIV morreu. Suspeita-se, com boa dose de probabilidade, que ele tenha sido assassinado por ordem de sua irmã e consorte.
Assim, em 02 de setembro de 44 A.C., com a tenra idade de três anos, Caesarion foi coroado Faraó do Egito, com o nome oficial de Ptolemaios XV Philopator Philometor Caesar, passando a reinar oficialmente ao lado da mãe, que, obviamente, era quem detinha todo o poder.
Relevo no Templo de Dendera, retratando Cleópatra, personificada como Ísis., e Caesarion, como faraó. Foto de Olaf Tausch, CC BY 3.0 https://creativecommons.org/licenses/by/3.0, via Wikimedia Commons
Cleópatra iniciou a construção de um templo em honra de César, o Caesareum, em Alexandria. Ela mandou retirar quatro imensos obeliscos erguidos por faraós das 18ª e 19ª dinastias do Antigo Egito para decorar o templo. Aliás, um destes obeliscos, conhecido como a “Agulha de Cleópatra“, foi doado pelo Quediva do Egito aos Estados Unidos, no século XIX e encontra-se no Central Park, em Nova York. Cleópatra construiu também outros templos e até uma sinagoga para os judeus, em Alexandria (estima-se que mais de 100 mil habitantes da cidade eram judeus).
Enquanto isso, a situação política em Roma permanecia confusa: Marco Antônio e Otaviano apresentavam-se como herdeiros políticos de César, cada um tendo seus partidários e exércitos. No início, houve confronto entre ambos, e o Senado tentou se aproveitar disso para reassumir o controle do Estado, aliando-se aos assassinos de César. Todavia, os numerosos veteranos de Júlio César não gostaram nem um pouco disto. Assim, Antônio e Otaviano se associaram a outro correligionário de César, o general Marco Emílio Lépido e os três assumiram o governo, formando o chamado “Segundo Triunvirato“, em 43 A.C.. O Senado, acuado, assentiu com o governo dos três pelo prazo de cinco anos, mas, neste ínterim, os assassinos de César, que se autoentitulavam Liberatores (“Os Libertadores”), tinham conseguido fugir da Itália e levantar alguns exércitos, encontrando apoio entre alguns governadores simpáticos à causa deles, conseguindo, com isso, controlar a Grécia a Macedônia e a Síria.
Começava, assim, uma nova guerra civil romana e, como não era de surpreender, em pouco tempo chegaram ao Egito duas mensagens pedindo o apoio militar de Cleópatra: uma delas enviada pelo governador da Síria, Públio Cornélio Dolabela, um ex-partidário de César, que, tendo inicialmente aderido à causa dos Liberatores, e assim obtido a sua nomeação, resolveu mudar de lado novamente e apoiar o Segundo Triunvirato; a outra, de Caio Cássio Longino (Cássio), o principal líder, juntamente com Bruto, da conspiração que assassinara César. Inclusive Cássio, que conseguira apoio na Síria, tinha sido designado pelo Senado para substituir Dolabela, em uma decisão tomada antes do reconhecimento do Segundo Triunvirato. Agora, ambos lutavam pelo controle da Síria.
Cleópatra respondeu a Cássio que o seu reino estava mergulhado em problemas internos. Porém, ela permitiu que as quatro legiões que César tinha deixado no Egito se juntassem à Dolabela, além de lhe fornecer alguns navios. Em troca, Dolabela conseguiu que o Senado, agora controlado pelos Triúnviros, reconhecesse Caesarion como rei do Egito. Entretanto, não só as legiões que Cleópatra enviou do Egito foram capturadas por Cássio, como Serapion, o governador que Cleópatra havia nomeado para o Chipre, resolveu se juntar a ele, fornecendo-lhe vários navios. Este último fato talvez seja um indício de que a estratégia de Cleópatra era a de tentar ficar bem com os dois lados, e esperar para ver quem iria prevalecer.
Então, na Batalha de Fílipos, travada em duas etapas, em 03 e 23 de outubro de 42 A.C., Marco Antônio e Otaviano derrotaram os exércitos de Bruto e Cássio, que se suicidaram.
(Mapa do mundo romano, após a Batalha de Fílipos, por ColdEel)
Romance com Marco Antônio
Após a Batalha de Fílipos, Antônio passou a controlar a maior parte das províncias orientais da República Romana, enquanto Otaviano passou a mandar no Ocidente. Porém, dentre as suas primeiras medidas, Antônio resolveu apurar as responsabilidades daqueles que tinham apoiado Bruto e Cássio contra o Segundo Triunvirato. Assim, de acordo com o relato de Plutarco, Antônio mandou convidar Cleópatra para uma audiência em Tarsos, na Cilícia, parte da atual Turquia, onde ele estava aquartelado, no verão de 41 A.C., já que ela tinha sido acusada de ter fornecido dinheiro e navios a Cássio. Como a rainha não respondeu às várias cartas remetidas, Antônio enviou um assessor, Quintus Dellius, para tentar convencer Cleópatra a se encontrar com ele em Tarsos. Então, segundo, Plutarco:
“Ela foi convencida por Dellius, e, levando em consideração as evidências que, antes disso, ela tinha percebido acerca do efeito que a beleza dela teve sobre Júlio César e Cneu, o filho de Pompeu, ela esperava que Antônio cairia mais facilmente aos pés dela. Pois, César e Pompeu a tinham conhecido quando ela ainda era uma garota inexperiente nas coisas, mas agora ela iria visitar Antônio exatamente na idade em que a beleza das mulheres é mais brilhante e elas estão no pico da sua capacidade intelectual. Consequentemente, ela levou consigo muitos presentes, dinheiro e ornamentos que, naturalmente, a sua alta posição e o seu reino próspero tornavam possível, porém, ela partiu colocando a maior confiança em si mesma, e no charme e no feitiço de de sua própria pessoa.”
Plutarco, Vida de Antônio, 25, 3
E Cleópatra não estava errada. Ela chegou a Tarsos de forma arrasadora e deslumbrante, na sua barcaça-real Thalamegos, a mesma embarcação que a levara junto com César no cruzeiro romântico pelo Nilo. Plutarco descreve a cena:
“Ela muito menosprezou e se riu daquele homem, ao ponto de subir o rio Cydnus em uma barcaça de proa dourada, cujas velas abertas tinham cor púrpura e cujos remadores remavam com remos de prata. ao som de flautas misturados com órgãos de tubo e alaúdes. Ela própria ia reclinada sob um toldo salpicado de ouro, adornada como Vênus em uma pintura, enquanto meninos, também como Amores em uma pintura, ficavam de cada lado abanando-a. Da mesma forma, as mais belas criadas, vestidas como Nereidas e Graças, estavam a postos, algumas nas voltas dos lemes, e o outras nas cordas esticadas. Maravilhosos odores de incontáveis incensários se espalhavam ao longo das margens do rio. Alguns dos habitantes acompanhavam-na em cada margem do rio desde a embocadura, enquanto outros desceram da cidade para observar aquela cena. Então, a multidão no mercado gradualmente foi se dispersando, até que o próprio Antônio, sentando no seu tribunal, ficou sozinho. E um rumor se espalhou por toda parte de que Vênus tinha vindo para se divertir com Baco pelo bem da Ásia.”
Plutarco, Vida de Antônio, 26,1-3
Cleópatra navegando pelo rio Cygnus para encontrar Marco Antõnio, 1892, Óleo de Henryk Siemiradzki, Public domain, via Wikimedia Commons
Antônio foi jantar na barcaça de Cleópatra, toda iluminada, e foi recebido com todo o luxo e sofisticação decorrentes de séculos de refinamento egípcio e grego, os quais faziam os romanos parecerem rudes camponeses. No dia seguinte, o triúnviro tentou retribuir, em terra, o banquete, mas, segundo Plutarco, ele não conseguiu nem chegar perto. Vale a pena, contudo, transcrever, nesse episódio, mais uma descrição da rainha:
“Cleópatra via nos gracejos de Antônio muito de soldado e de plebeu, e ela também adotou esses modos com ele, sem hesitar e audaciosamente. A beleza dela, de acordo com o que nos foi dito, em si mesma não era de todo incomparável, nem tanta que impactasse aqueles que a viam, mas a sua presença tinha um charme irresistível, e havia uma atração na sua pessoa e na sua conversa, que, junto com a peculiar força de sua personalidade, em cada palavra ou gesto, deixavam todos que se envolvessem com ela enfeitiçados.”
Plutarco, Vida de Antônio, 27, 1
Não surpreende, assim, que a acusação contra Cleópatra tenha sido descartada; Antônio, inclusive, entregou-lhe Serapion, o ex-governador egípcio de Chipre que ajudara Cássio, e a rainha mandou imediatamente executá-lo. Mas Antônio também atendeu a um outro pedido de Cleópatra, este muito mais sombrio: Ele mandou executar a irmã dela, Arsinoe IV, que, como vimos, estava custodiada no Templo de Artémis, em Éfeso, apesar de este ser um santuário reconhecido por todo o mundo helenístico (e listado entre as Sete Maravilhas). Com efeito, a execução da jovem, de apenas 22 anos de idade, morta nas próprias escadarias do templo, em desrespeito à santidade do santuário, foi considerada um grande escândalo em Roma, e este fato mancharia as reputações de Antônio e Cleópatra.
Reconstrução do Templo de Artémis, em Éfeso, uma das 7 maravilhas do mundo antigo e local da execução de Arsinoe. Por Zee Prime at cs.wikipedia, CC BY-SA 3.0 http://creativecommons.org/licenses/by-sa/3.0/, via Wikimedia Commons
Nota: Hilke Thür, uma arqueóloga austríaca, afirmou que os vestígios de uma tumba descoberta há várias décadas, em Éfeso, continham restos mortais que poderiam ser de Arsinoe. A tese decorre do fato da tumba ser octogonal, lembrando o formato do célebre Farol de Alexandria, e da data estimada da construção bater com o período em que Arsinoe viveu em Éfeso. Todavia, a análise do esqueleto mostrou que tratava-se de uma jovem cuja idade estava entre 15 e 18 anos na data da morte, um tanto jovem demais para ser Arsinoe, de acordo com os historiadores (ver https://www.livescience.com/27459-cleopatra-sister-discovery-controversy.html).
Os “Inimitáveis Viventes
Em novembro de 41 A.C., Antônio visitou Alexandria, a convite de Cleópatra, e o caso entre os dois não era mais segredo para ninguém. Eles passavam o tempo em fantásticos banquetes, rindo e se divertindo, entre eles e com amigos. Plutarco conta que os dois amantes fundaram uma espécie de sociedade, que eles batizaram de “Os Inimitáveis Viventes“, o que por si só dá uma ideia do prazer que ambos estavam tendo na companhia um do outro (É interessante observar que, em sua “Vida de Antônio“, Plutarco menciona que ouviu esses relatos de seu próprio avô, que conviveu com uma testemunha ocular).
Cleópatra e Antônio passavam o dia e a noite inteira juntos, e nem mesmo as brincadeiras e arruaças que eles costumavam cometer pelas ruas de Alexandria pareciam deixá-los mal com a população da cidade. Plutarco:
“Ela jogava dados com ele, bebia com ele, caçava com ele e o assistia enquanto ele treinava com armas; e, quando à noite, ele se postava nas portas ou janelas da gente comum da cidade e zombava daqueles que se encontravam dentro das casas, ela ia junto, nessas suas sessões de maluquices, vestindo um traje de serva, porque Antônio também tentava se disfarçar de servo. Por conta disso, ele sempre recebia uma batelada de insultos, e, frequentemente, de pancadas, antes de voltar para casa, embora a maioria das pessoas suspeitasse quem ele era. Entretanto, os alexandrinos adoravam os modos engraçados e civilizados deles; Eles gostavam dele, e diziam que ele usava uma máscara de teatro trágica com os romanos, porém, quando estava com eles, ele punha uma máscara de comédia“.
Afresco da Casa dos Amantes Castos, em Pompéia, por WolfgangRieger, Public domain, via Wikimedia Commons
Entre as estórias deliciosas do romance entre os dois, Plutarco conta que Antônio, incomodado pelo fato de Cleópatra estar assistindo uma pescaria na qual ele não havia conseguido pescar nada, certa vez mandou que um pescador mergulhasse e prendesse um peixe enorme, mas já pescado, na linha dele para impressionar a amante. Cleópatra percebeu a trapaça, mas não deu recibo, fingindo ficar admirada com a destreza de Antônio. Na pescaria seguinte, ela convidou todos os amigos do casal e mandou que outro mergulhador prendesse um arenque defumado no anzol de Antônio, e quando ele puxou a linha, todos caíram na gargalhada.
Mas toda essa diversão não significa que Cleópatra descurasse dos assuntos de governo. No início do reinado dela, por exemplo, ela ordenou que os grãos armazenados nos celeiros reais fossem distribuídos para aliviar os efeitos da seca. E, no decorrer de seu governo, ela decretou uma reforma monetária e promulgou leis instituindo monopólios e de controle de preços, pois o Egito vivia em duradoura crise econômica decorrente de problemas climáticos e do pagamento das dívidas com Roma.
Inclusive, chegou até os nossos dias um papiro, datado de 33 A.C., registrando uma isenção de impostos dada a um romano relacionado a Antônio, assinado pela própria Cleópatra, que constitui um dos raríssimos casos de escrita manuscrita de um governante da antiguidade. O texto com a parte dispositiva do papiro foi produzido por um escriba, mas, no final do documento, a rainha escreveu, de próprio punho: “Faça-se com que aconteça“.
Ancient Ptolemaic-period scribe(s) as well as Cleopatra VII of Egypt who offered her signature on the document, Public domain, via Wikimedia Commons
Todavia, Marco Antônio era casado com a rica e poderosa Fúlvia, que naquele momento não apenas representava os interesses do marido em Roma, mas agia e dava as cartas na política romana por conta própria, pois herdara as conexões políticas de seu ex-marido, o populista e demagogo Clódio. Inclusive, para selar a aliança do Segundo Triunvirato, Otaviano casou-se com Clódia, filha de Clódio e de Fúlvia.Mesmo assim, Fúlvia se opôs a algumas medidas de Otaviano e conseguiu reunir oito legiões para defender os interesses de Antônio. Então, houve um conflito armado na Itália, no final de 41 A.C, entre as tropas de Otaviano e essas legiões reunidas por Fúlvia, comandadas por Lúcio Antônio, irmão caçula de seu marido, que acabaram sendo sitiadas na cidade de Perugia. Mas, em fevereiro do ano seguinte, Lúcio Antônio acabou se rendendo e Fúlvia foi obrigada a fugir da Itália para a Grécia, levando junto os seus filhos. Por isso, Antônio, já no ano seguinte, foi encontra-la em Atenas, onde ele censurou a esposa por ter desencadeado o conflito.
Segundo o historiador Apiano, o motivo principal para Fúlvia ter provocado a guerra contra Otaviano teria sido o desejo dela de obrigar Marco Antônio a deixar Cleópatra e voltar para a Itália. Esse motivo, entre outros, também é mencionado por Plutarco, mas o mais provável é que a motivação tenha sido política.
Entretanto, ainda em 40 A.C., Fúlvia morreu, próximo a Corinto, aparentemente de alguma doença, e isso foi um pretexto para Antônio e Otaviano reconciliarem-se publicamente, na Itália, alegando que as suas desavenças tinham sido provocadas pela falecida. Então, para selar essa reconciliação, Antônio casou-se, em outubro de 40 A.C, com Otávia, a Jovem, a bela irmã mais velha de Otaviano (ela, aliás, nasceu no mesmo ano que Cleópatra). Pouco depois, em Brundisium (Brindisi), os Triúnviros dividiram formalmente entre eles o território romano, celebrando o chamado Tratado de Brundisium.
Sintomaticamente, Dião Cássio faz questão de observar que, durante as negociações, em que as partes se ofereceram banquetes, Otaviano se apresentava vestido com uniforme romano de general, enquanto que Antônio vestia trajes egípcios e orientais, mas, segundo Plutarco, embora, nessa época, Antônio estivesse apaixonado pela rainha egípcia, ele ainda não admitia a possibilidade de tê-la como esposa, mostrando que, ao menos politicamente, a sua razão continuava a prevalecer sobre a emoção.
Busto de Otávia, a Jovem, irmã de Otaviano, foto de Giovanni Dall’Orto
No final de 40 A.C., Cleópatra deu a luz a um casal de gêmeos, que receberam os nomes de Alexandre e Cleópatra. As crianças eram filhas naturais de Antônio, mas, legalmente para os romanos, era preciso que Antônio reconhecesse as crianças, para que o fato gerasse efeitos jurídicos relevantes.
Busto de Cleópatra |Selene II, filha de Cleópatra e Marco Antônio, no Museu de Cherchell, Argélia. Por PericlesofAthens, CC0, via Wikimedia Commons
Nessa período, Antônio estava envolvido com assuntos importantes: primeiro com o conflito de Fúlvia contra Otaviano e, em seguida, com a invasão da Síria pelos Partos, liderados por Pacorus, filho do rei Orodes. Contudo, sabe-se que, no intervalo dessas guerras, Antônio passou o início do ano de 40 A.C. em Alexandria, que deve ter sido quando Cleópatra engravidou dos gêmeos.
De qualquer forma, pouco tempo antes ou depois dos gêmeos de Cleópatra nascerem, conforme já mencionamos, Antônio já estava morando com sua nova esposa, Otávia em Atenas, cidade em que o casal foi residir depois da celebração do Tratado de Brundisium. Sabemos que, em agosto ou setembro de 39 A.C., nasceu a primeira filha do casal, Antônia, a Velha. Sem dúvida, Antônio não negligenciava os deveres de amante, e muito menos os de marido…O seu comportamento, contudo, continuava a escandalizar os romanos: ele se autodenominou “Dionísio” e promovia festas em que se apresentava vestido como este deus.
Como não deve causar espanto, tudo indica que a relação entre Cleópatra e Antônio esfriou a partir do nascimento da filha dele com Otávia. O romano, agora, governava a partir do lar conjugal deles, em Atenas, o que, sem dúvida, enfraquecia os projetos mais ambiciosos de Cleópatra, pois, desse modo, Alexandria deixava de ser o centro do Mundo Helenístico.
Não obstante, o fato das atenções de Antônio, e de Roma, no Oriente estarem totalmente voltadas para a guerra contra os Partas, enquanto que Otaviano tinha que lidar com a oposição armada de Sexto Pompeu, o filho de Pompeu, o Grande, que controlava a Sicília, ao Segundo Triunvirato, deixava a rainha com considerável margem de atuação política.
Com efeito, Cleópatra já podia se orgulhar dela não só ter mantido a independência do Egito ante Pompeu e César, durante a Guerra Civil romana, mas também de ter persuadido Antônio de restaurar vários territórios que historicamente fizeram parte do império ptolomaico, tais como Chipre e a Cilícia.
Também sob Cleópatra, o Egito havia voltado a ser um ator influente na política do mediterrâneo oriental: De fato, em dezembro de 40 A.C., ela recebeu como refugiado o tetrarca e futuro rei Herodes, o Grande, da Judéia, um aliado de Antônio, mas que tinha sido obrigado a se exilar pelo rival Antigonos II Mattathias, que tomou o trono apoiado pelos Partas. Mas Cleópatra nunca escondeu que o seu desejo era restaurar o império ptolomaico em sua máxima extensão, o que incluía a Judéia. Assim, Herodes acabou indo procurar ajuda em Roma.
Por outro lado, quando a relação entre Antônio e Otaviano voltou a ficar conflituosa, Otávia foi fundamental para apaziguar o marido e o irmão. e até conseguiu convencer este a ceder tropas para a campanha de Antônio contra os Partas. Esta campanha estava sendo bem conduzida pelo lugar-tenente de Antônio, que, entre 39 e 38 A.C., obteve várias vitórias, culminando com a derrota e morte de Pacorus. E a morte do príncipe parta causou muita instabilidade na Pártia, resultando que o rei Orodes acabasse sendo assassinado, junto com boa parte da sua família, pelo próprio filho, Fraates IV, que assumiu o trono. Este era um nítido sinal de fraqueza que estimularia Antônio a buscar a glória de anexar o Império dos Partas, que, menos de duas décadas antes, tinha infligido dura derrota aos romanos, aniquilando as legiões de Crasso, em Carras.
Ao mesmo tempo, estava chegando ao fim o mandato de cinco anos que o Senado dera aos Triúnviros para governar a República, que ia até 31 de dezembro de 38 A.C.. Em um encontro intermediado por Otávia, Otaviano e Marco Antônio se encontraram em Tarento, já em 37 A.C., e concordaram em impor a renovação da aliança até 33 A.C. Entre as cláusulas do chamado Tratado de Tarento estava o fornecimento por parte de Otaviano de duas legiões completas, mais auxiliares, cerca de 20 mil homens, para a planejada campanha de Antônio contra os Partas.
Antônio voltou para o Oriente ainda em 37 A.C., deixando, na Itália, Otávia, grávida da segunda filha deles, Antônia, a Jovem, que nasceria em 31 de janeiro de 36 A.C. Na narrativa sobre o Tratado de Tarento, Plutarco menciona passagens que denotam que Otávia de fato amava o marido.
Porém, Otaviano deixou de cumprir o compromisso de fornecer as prometidas tropas a Antônio para a campanha contra os Partas. Em vez de 20 mil, só foram enviados 2 mil, dez por cento do prometido e que não representavam grande ajuda.
Busto de Antônia, a Jovem, na Ny Carlsberg Glyptotek, Public domain, via Wikimedia Commons
Consequentemente, precisando de soldados, e também de dinheiro, Antônio, por conveniência ou não, lembrou-se de sua rica e poderosa amante em Alexandria. Instalado em Antioquia, quartel-general das operações, Antônio mandou chamar Cleópatra para uma conferência. A rainha chegou, como sempre, em grande estilo, e desta vez trazendo os gêmeos Alexandre Helios (Sol) e CleópatraSelene (Lua), que, pela primeira vez, iriam ser apresentados ao pai. As crianças estavam com três anos de idade e, provavelmente, foi nesta ocasião que elas receberam os seus segundos nomes e foram reconhecidas oficialmente por Antônio. E esses nomes denotam, sem dúvida, que os pais delas tinham planos bem elevados para o futuro deles…
Em Antioquia, Cleópatra obteve de Antônio importantes concessões: O Egito receberia todo o território da Fenícia, exceto Tiro e Sidon, e a cidade de Ptolemais Akko, fundada pelo seu antepassado Ptolomeu II. Cleópatra também recebeu a região da Síria-Coele, uma parte do reino dos Nabateus (parte da atual Jordânia), a cidade de Cyrene, na atual Líbia e duas cidades na ilha de Creta. Em troca, Cleópatra financiaria à campanha de Antônio na Pártia, além de fornecer boa parte do exército egípcio. Isso possibilitou a Antônio armar o que talvez fosse o maior exército jamais reunido pelos romanos, que alguns estimam, provavelmente com algum exagero, em 200 mil homens.
Fazer tantas concessões à Cleópatra, sendo cristalino que elas seriam repudiadas pela opinião pública romana, foi uma aposta muito arriscada de Antônio (e outras concessões ainda maiores seriam feitas no futuro!): Em uma justificativa racional dessa cartada, Antônio deve ter ficado impressionado com os recursos materiais e financeiros que o Egito podia lhe proporcionar e pensou que, com os mesmos, se ele derrotasse o Império Parta, o caminho de eliminar Otaviano e assumir o poder unipessoal em Roma estaria pavimentado. Sem dúvida, Antônio deve ter se sentido próximo de emular a carreira quase mitológica de Alexandre, o Grande, e tanto mais próximo disso ele não estaria, quem sabe, unindo-se matrimonialmente à última remanescente do império macedônio que aquele fundara?
Seja como for, os relatos das principais fontes, notadamente Plutarco e Dião Cássio, dão conta de que, em Antioquia, Cleópatra e Antônio reataram a sua união amorosa. E, dali em diante, eles não se separaram mais, exceto quando chegou o crepúsculo de suas vidas.
Cleópatra chegou a acompanhar Antônio no início da campanha, que começou pela invasão da Armênia, em 36 A.C., mas voltou para Alexandria, já que agora ela estava grávida do seu terceiro filho com Antônio, que nasceu entre agosto e setembro de 36 A.C. O menino recebeu o nome de Ptolomeu Philadelphus.
A campanha de Antônio contra os Partas estava enfrentando altos e baixos. Os romanos até ganharam alguns confrontos, mas sofreram várias emboscadas e foram cercados algumas vezes. Mas a maior causa de baixas foram doenças e o frio do inverno que chegava. As perdas já alcançavam cerca de 30 mil homens, quando Antônio resolveu suspendê-la e retirar-se para a cidade de Leukokome, próximo à Beirute, no atual Líbano.
Quando a notícia da volta de Antônio e do insucesso da sua expedição chegou em Alexandria, Cleópatra partiu para o Líbano, levando mantimentos e dinheiro para pagar as tropas, e lá encontrou Antônio abatido e entregue à bebida., em dezembro de 36 A.C. Em seguida,ambos voltaram para Alexandria, onde ele finalmente pode conhecer o seu segundo filho homem, Ptolomeu Philadelphus.
As Doações de Alexandria
O ano de 35 A.C., começou com Antônio planejando retomar a campanha na Armênia. Otávia, que soube do insucesso da expedição do marido, se propôs a viajar para Atenas levando os dois mil soldados para ajudá-lo na continuação da guerra. Segundo as fontes, esta foi uma tentativa da esposa romana de tentar contrabalançar a influência de Cleópatra e afastar o marido da presença da amante. Consta que seu irmão, Otaviano, permitiu a viagem da irmã e forneceu os soldados, já prevendo que poderia utilizar o episódio como propaganda contra Antônio.
E Otaviano estava certo: Antônio não só não foi ao encontro da sua fiel e dedicada esposa, como ainda lhe deu ordens para que não deixasse Atenas para encontrá-lo no meio trajeto da expedição; todavia, sem demonstrar nenhum constrangimento, Antônio aceitou os soldados que Otávia lhe trouxera. Foi um ultraje para a distinta Otávia, uma ofensa que até justificaria, aos olhos da opinião pública romana, uma resposta de Otaviano.
Segundo Plutarco, sentindo a ameaça que a volta de Otávia a Atenas e a aparente determinação dela em reconquistar Antônio representavam, Cleópatra valeu-se de vários artifícios românticos e dramáticos para seduzi-lo e mantê-lo preso a ela. O autor narra, entre outros exemplos, que a rainha chegou a fazer um regime para emagrecer, além de passar a usar roupas sensuais e a simular choros. Fantasioso ou não o relato, o fato é que Antônio adiou por algum tempo a expedição à Armênia e continuou em Alexandria.
Enquanto isso, a quase repudiada Otávia retornou para Roma. Otaviano, como se esperava, utilizou a humilhação da irmã o máximo possível contra a reputação de Antônio. Ele chamou Otávia para morar em sua casa, como uma mostra de que sua irmã não podia mais contar com a proteção do marido. Porém, para a surpresa de muitos. Otávia recusou e foi morar na residência de Antônio, em Roma. Lá, ela continuou cuidando não só das filhas que tinha com ele, mas também dos filhos de Antônio e Fúlvia, demonstrando publicamente que ainda se considerava a legítima esposa do marido. Não é impossível, contudo, que tudo isso também tenha sido combinado com Otaviano, para vitimizá-la ainda mais perante o público romano.
Mas foi o próprio Antônio, estimulado por Cleópatra, quem daria o maior golpe na própria reputação, dando a Otaviano um trunfo gigantesco na disputa entre ambos pelo poder supremo:
No outono de 34 A.C., retornando de uma, enfim, moderadamente bem sucedida campanha na Armênia, Antônio e Cleópatra organizaram em Alexandria uma parada triunfal, sendo que Antônio conduzia o carro vestido de deus Dionísio-Osíris, e na qual a família real armênia foi exibida pelas ruas da cidade, até dois tronos dourados, um para Antônio, outro para Cleópatra. Em seguida, ao povo reunido no Gymnasium , Antônio proclamou solenemente que Cleópatra, que na ocasião estava vestida como a deusa Ísis, era a “Rainha dos Reis” e “Rainha do Egito, Chipre, Líbia e Sìria-Coele“, junto com seu filho, Caesarion, o “Rei dos Reis“. Alexandre Helios foi nomeado “Rei da Armênia, da Média e da Pártia“. Já Ptolomeu Philadelphus foi designado “Rei da Cilícia e da Síria”, e Cleópatra Selene, por sua vez, a “Rainha de Creta e de Cyrene“. Na cerimônia, Antônio também fez questão de proclamar que Cleópatra tinha sido esposa de Júlio César, e que o seu filho Caesarion, era o filho legítimo de César.
Tudo aquilo representava, sem dúvida nenhuma, uma declaração de rompimento com Otaviano e com o próprio Senado Romano. Na verdade, aquela era uma iniciativa que seria recebida em Roma quase que como uma declaração de guerra, pois, doando-os à amante e aos filhos, abria mão de territórios que faziam parte da esfera de influência de Roma, alguns até já controlados diretamente, ainda que não formalmente anexados.
Essa distribuição de territórios feita por Antônio à Cleópatra e aos seus filhos, um ato que, já naquele tempo, recebeu o nome de “AsDoações de Alexandria“, era tão impactante e inacreditável, que, quando a mensagem que Antônio enviara comunicando o decreto ao Senado Romano chegou à Roma, já no ano seguinte, os futuros cônsules GnaeusDomitius Aehonabarbus e GaiusSosius, que eram partidários de Antônio, recusaram-se a tornar o documento público, resistindo aos insistentes pedidos de Otaviano!
A “Guerra Fria” entre Antônio e Otaviano
O prazo renovado do Segundo Triunvirato expirou em 31 de dezembro de 33 A.C, não havendo interesse em nova prorrogação. Otaviano e Antônio, então, começaram uma guerra aberta de propaganda, cada um expondo episódios de má conduta, traições, ultrajes, etc., contra o outro, pois já anteviam o conflito que estava por vir e, por antecipação, ambos queriam justificar perante a opinião pública o motivo da iminente guerra civil, colocando a culpa pelo início da mesma no adversário. E não causou espécie a ninguém que o motivo mais grave alegado por Otaviano foi o fato de Antônio ter reconhecido oficialmente Caesarioncomo o filho legítimo e herdeiro de Júlio César…
Por sua vez, Cleópatra também foi apontada pelos propagandistas de Otaviano como a principal responsável pelas causas do conflito, acusando-se a egípcia ter seduzido Antônio para satisfazer as suas ambições dinásticas. De modo muito parecido com o que acontece hoje, políticos, poetas e escritores divulgavam verdadeiras “fake news“, como por exemplo a de que Cleópatra teria usado de bruxaria para enfeitiçar Antônio. Este também foi acusado de ter doado à amante todos os livros da biblioteca de Éfeso, uma acusação que, posteriormente, mostrou-se inverídica. Da sua parte, Antônio chegou a afirmar que Otaviano somente teria sido adotado por César porque este costumava possuir sexualmente o sobrinho-neto…
Havia outras acusações tão ou mais sérias, segundo a lei romana, que incluíam o fato de Antônio ter iniciado a guerra contra a Armênia e a Pártia sem a necessária autorização do Senado (não ficando claro, contudo, se o mandato como Triúnviro lhe dava poderes para tanto) e ter executado Sexto Pompeu sem julgamento. Por sua vez, Antônio acusou Otaviano de ter removido ilegalmente Lépido da posição de Triunviro (o que ele realmente fez) e se apossado do território que este controlava, a Sicília.
A versão de Otaviano, obviamente, foi aquela que, mais tarde, prevaleceria. Mas o fato é que, naquele momento, Antônio ainda tinha muitos simpatizantes em Roma, inclusive no Senado. De acordo com Dião Cássio, em 1º de janeiro de 32 A.C., primeiro dia de sessão do ano, por exemplo, o cônsul e aliado de Antônio, Gaius Sosius, proferiu um discurso no Senado atacando violentamente Otaviano e propondo a aprovação de uma legislação contrária aos interesses deste.
Otaviano resolveu, então, abandonar os escrúpulos de legalidade e, na sessão seguinte do Senado, no outro dia, compareceu à Cúria acompanhado de sua guarda pessoal e de partidários armados com adagas escondidas sob as togas. Como Otaviano controlava as legiões da Itália, bem como do Ocidente em geral, nos dias seguintes os cônsules Gaius Sosius e Domitius Ahenobarbus, intimidados, abandonaram Roma e partiram para se unir a Antônio na Grécia, sendo acompanhados por mais de duzentos senadores que também apoiavam Antônio.
Fachada da Curia Julia, no Fórum Romano,em Roma, onde o funcionava o Senado Romano. Foto de Thorvaldsson, CC BY-SA 3.0 https://creativecommons.org/licenses/by-sa/3.0, via Wikimedia Commons
A situação era um tanto parecida com a que deflagrara a Primeira Guerra Civil, de César contra Pompeu. Este fugiu para o Oriente, junto com os senadores partidários dos Optimates. Agora, eram os partidários de Antônio que fugiam para encontrá-lo no Leste. E, assim como os historiadores militares consideram que abandonar a Itália foi um grande erro de Pompeu, eu, igualmente, acredito que também foi um grande erro de Antônio ter deixado Otaviano ter o controle total da Itália. A Itália ainda era o esteio militar do mundo romano, mesmo que o oriente helenístico fosse mais rico e mais populosos, e isso seria mais uma vez demonstrado na nova guerra civil que estava por vir.
Já preparando-se para a guerra, Cleópatra providenciou duzentos navios de guerra para a frota de oitocentas naves que Antônio estava reunindo, além, naturalmente, de muito dinheiro para o esforço bélico. O casal reuniu-se em Éfeso para organizar a campanha contra Otaviano. Segundo as fontes, alguns senadores correligionários de Antônio, sobretudos os amigos dele, Titiuse Munatius Plancus, mostraram-se contrariados pela proeminência que Cleópatra demonstrava ter em todas as decisões, e, por sua vez, resolveram partir e aderir a Otaviano.
De acordo com Plutarco, Titiuse LuciusMunatius Plancus conheciam os termos do testamento de Antônio, que, conforme o costume, havia sido depositado lacrado em poder das Virgens Vestais, e contaram tudo para Otaviano. Ciente, assim, dos termos da última vontade do rival, Otaviano, ilegalmente, conseguiu se apossar do testamento, que foi aberto e lido por ele em uma sessão do Senado. Entre suas cláusulas, segundo consta, havia a recomendação de Antônio para que o seu corpo fosse entregue à Cleópatra e sepultado em Alexandria. Essa disposição muito convenientemente ia de encontro ao boato que os partidários de Otaviano andavam espalhando por Roma: a de que Antônio, caso vencedor, pretendia transformar Alexandria na capital do território romano!
A “Guerra contra Cleópatra”
Engenhosamente, o Senado Romano, agora controlado por Otaviano, não declarou guerra a Antônio, apesar dele ser o alvo principal da medida – Preocupados com a opinião pública, e com a posteridade, os senadores formalmente votaram pela declaração de guerra contra Cleópatra, a rainha do Egito, e, assim, todos os tradicionais ritos previstos para uma guerra contra inimigos estrangeiros puderam ser celebrados. Além disso, tal circunstância impedia que os senadores partidários de Antônio fossem considerados desertores ou criminosos, deixando uma porta aberta para o seu retorno. Não obstante, foi decretada expressamente a retirada de todos os poderes que Antônio ainda detinha. Essa preocupação com as aparências, e a necessidade de justificar a guerra pelo poder como um conflito contra uma governante estrangeira, mostra também que o povo devia estar indeciso sobre quem tinha razão no conflito entre os dois líderes romanos.
Se ainda havia alguma dúvida de que o rompimento era definitivo, ainda em 32 A.C, Antônio divorciou-se de Otávia. A partir daquele momento, Cleópatra não precisaria mais temer a rival e, aparentemente, a opinião dela prevaleceria em todos os aspectos, incluindo a estratégia que seria adotada para a guerra…
Contrariando os conselhos dos seus assessores militares mais próximos, que defendiam uma guerra terrestre, já que, nominalmente, eles possuíam mais tropas do que Otaviano (aproximadamente cerca de 100 mil homens, contra 80 mil de Otaviano), Antônio seguiu a vontade de Cleópatra, que defendia que Otaviano deveria ser derrotado no mar, pela frota composta, em parte apreciável, pelos navios egípcios. E os navios da frota de Antônio, de fato, eram mais numerosos e maiores do que os de Otaviano.
Mas o motivo principal da estratégia proposta por Cleópatra, na visão de muitos historiadores, era o fato de que uma vitória no mar, travada na Grécia ou na Turquia, protegeria melhor o Egito de um ataque romano, pois nesta batalha, boa parte da frota romana seria destruída. De todo modo, ainda que mais numerosos, os navios de Antônio e Cleópatra tinham um considerável déficit em suas tripulações, em alguns casos havendo menos da metade dos remadores previstos. Além disso, em virtude dessa deficiência, muitos deles não eram remadores experientes, e sim tropeiros, fazendeiros e até meninos.
Os historiadores antigos criticam Antônio por ter cedido às intenções de Cleópatra, mas o mais provável é que ele conhecesse as deficiências do seu efetivo militar. De fato, as próprias fontes dão a entender que o exército de Otaviano era melhor treinado. Não que Antônio não tivesse um núcleo de tropas romanas experimentadas com ele, mas o número de legiões essencialmente romanas de Otaviano parece que era maior. Por outro lado, os recursos financeiros à disposição de Antônio parecem ser ter sido bem maiores, pois as fontes relatam que ele chegou a enviar dinheiro para a Itália para tentar subornar partidários de Otaviano, que realmente ficou bem preocupado com essa possibilidade.
A Batalha de Actium
Consta que Antônio chegou a tentar um avanço naval até Corcyra, atual Corfu, na fronteira da atual Grécia com a Albânia, o que o colocaria bem próximo de poder atacar a costa italiana, mas, ao encontrar unidades navais da frota de Otaviano, ele desistiu e voltou para o Golfo Ambraciano, ou Golfo de Actium, na costa setentrional da Grécia, no final de 32 A.C.. Assim, quem tomou a iniciativa foi Otaviano. Ele zarpou para a Grécia e se dirigiu para Actium, local onde, agora, Antônio e Cleópatra tinham estabelecido o seu quartel-general das operações e reunido sua imensa frota. Enquanto isso, seu almirante, Marcus Vipsanius Agrippa (Agripa), tomou Corcyra e lá instalou uma base para as operações contra Antônio.
Otaviano desembarcou suas tropas no lado oposto do Golfo Ambraciano e enviou emissários aos comandantes de Antônio propondo uma negociação, proposta esta que foi recusada. Porém, nas escaramuças que se seguiram com as tropas de Antônio, estacionadas ao longo de Actium, as forças de Otaviano levaram a melhor. Começaram, então, a pipocar deserções entre os aliados de Antônio, que incluíam quase todos os reinos-clientes de Roma no Oriente, tais como Amynthas, da Galatia, e Deiotarus, da Paflagônia, além de amigos romanos de longa data, como Quintus Dellius, que fugiu e foi se juntar a Otaviano, fornecendo a este informações valiosas sobra o estado da frota e os preparativos de Antônio.
De acordo com o relato de Dião Cássio, nessa fase da campanha, Cleópatra fez prevalecer a opinião dela de que as posições mais defensáveis deveriam ser ocupadas por guarnições militares, mas que ela e Antônio, juntamente com o grosso das tropas, deveriam rumar para o Egito. Assim, parece realmente que o que importava mesmo para a rainha era a defesa do Egito e, para Antônio, que ele pudesse continuar contando com o suporte financeiro e militar de Cleópatra, dinheiro que, cada vez mais, aparentava ser o elemento fundamental para a coesão do seu exército.
Tendo em vista que o número de marinheiros era insuficiente para tripular adequadamente todos os navios da sua frota, Antônio ordenou que aqueles em mau estado fossem queimados, e selecionou os melhores. Ele e Cleópatra também ordenaram que, secretamente, todo o tesouro fosse embarcado neles.
No dia 02 de setembro de 31 A.C, Antônio ordenou que os navios zarpassem e se colocassem de costas para o promontório de Actium, ao pé do qual suas sete legiões estavam acampadas, e de onde podiam assistir às manobras. Sua frota agora era composta de 230 grandes galeras.
Segundo os relatos, a nau-capitânia de Antônio zarpou com as velas abertas, o que não era comum em ordem de batalha, levantando a suspeita entre alguns historiadores de que, desde o início, a intenção dele era chegar ao mar aberto e, aproveitando-se do vento noroeste que soprava a seu favor, fugir em direção à Alexandria. Ele formou seus três esquadrões em duas linhas, à frente dos navios mercantes que levavam o tesouro e dos navios que escoltavam Cleópatra, que seguia, atrás, embarcada em sua nau-capitânia, batizada de “Antonias“.
Comandada por Agripa, a frota de Otaviano tinha 250 quinquerremes, navios menores, porém mais rápidos e manobráveis do que os da frota de Antônio. Graças às informações fornecidas por QuintusDellius, entretanto,Otaviano e Agripa tinham ciência dos planos de Antônio, e estavam preparados, esperando a frota inimiga.
Ao meio-dia, Antônio deu ordem de avançar. Sua ala esquerda deu a impressão de querer empurrar à ala direita da frota de Otaviano para o norte e abrir um caminho em direção ao sul (bombordo), que poderia levar ao Egito, porém, Otaviano, parecendo estar ciente desse propósito, mandou os navios manterem distância, atraindo mais o inimigo para o alto-mar.
Quando ambas as frotas ficaram mais próximas, começaram os disparos de artilharia e flechas. Agripa ordenou que os navios de sua segunda linha se estendessem mais para o norte e para o sul, visando cercar o inimigo em menor número, sendo que Antônio, ao perceber isso, tirou navios do seu centro e esticou a sua linha, deixando no centro os navios mais pesados, que estavam resistindo bem e se dirigindo à direita (estibordo) e ao norte para combater o esquadrão comandado por Agripa. Isso acabou abrindo espaços no centro da sua formação.
Foi então que, em um movimento inesperado, os navios comandados por Cleópatra, aproveitando um buraco no centro da linha da frota comandada por Antônio, e o súbito vento que soprava favoravelmente, ultrapassaram as suas linhas à toda velocidade, e, deixando para trás o resto da frota, rumaram em direção ao Egito, levando consigo todo o tesouro.
Não se sabe com exatidão os motivos pelos quais Cleópatra tomou essa decisão. Alguns acreditam que ela, inexperiente na guerra, interpretou equivocadamente o fato de Antônio ter deixado o centro da linha deles e rumado para o norte. De fato, a rainha pode ter perdido contato visual com o navio do companheiro e pensado que ele tinha sido afundado, capturado ou fugido.
O fato é que Antônio, quando viu os navios de Cleópatra se afastando, resolveu ele também fugir, embarcando em outro navio mais veloz e deixando para trás o restante da frota, que ficou lutando acéfala, exceto por cerca de 60 navios egípcios que conseguiram acompanhar a fuga deles. Mesmo assim, os combates duraram até a madrugada do dia seguinte, mas, no final, toda a frota remanescente de Antônio acabou sendo destruída por Otaviano. A grande duração dos combates ao nosso ver mostra que, sem a fuga de Antônio e Cleópatra, o resultado da Batalha de Actium poderia ter sido outro.
Nesse sentido, vale notar que, mesmo após a derrota, 19 de suas legiões e 12 mil cavaleiros mantiveram-se aquartelados por uma semana, esperando o aparecimento de Antônio, mas, passado esse tempo, os soldados desistiram e se renderam. Com isso, todos os reis aliados abandonaram a causa de Antônio e entraram em acordo com Otaviano, sendo um destes o rei Herodes, o Grande, da Judéia.
Embora, mesmo com a derrota naval na Batalha de Actium, Antônio e Cleópatra ainda comandassem, ao menos no papel, um numeroso exército, o fato é que o custo moral da derrota foi muito alto.
Assim, Cleópatra e Antônio e seus navios remanescentes navegaram até o Peloponeso, conseguindo se evadir à breve perseguição dos navios de Otaviano. Consta que durante a viagem, que durou três dias, ambos não se falaram. De lá, Cleópatra resolveu partir o mais rápido possível para o Egito, temendo que a notícia da derrota chegasse à Alexandria primeiro do que ela, o que poderia desencadear uma rebelião. Por isso, ela mandou decorar as proas dos seus navios de modo a que parecessem estar chegando ao porto em triunfo pela vitória inexistente.
Já Antônio foi para a Líbia, pensando em trazer as legiões que ele tinha deixado ali para a defesa da fronteira ocidental do Egito. Porém, o governador de Cyrene e comandante daquelas legiões, Lucius Pinarius Scarpus, que tinha sido apontado por ele, mas também era primo de Otaviano, recusou-se a entregá-las. Percebendo que tudo estava desmoronando, Plutarco conta que Antônio tentou o suicídio, mas foi impedido pelos amigos. Ele então partiu para o Egito, para reencontrar Cleópatra.
Chegando no Egito, Antônio encontrou Cleópatra organizando um plano ousado: transportar por terra os trezentos navios da frota egípcia para o Mar Vermelho, através da península do Sinai, com o objetivo de colocá-los à salvo da frota de Otaviano. Contudo, este plano foi por água baixo quando os primeiros navios que chegaram próximo à cidade de Petra foram queimados pelos Nabateus, instigados pelo governador da Síria, Quintus Didius, partidário de Otaviano. Este é mais um exemplo de que a linha mestra da rainha egípcia sempre fora a manutenção da independência do Egito e a sobrevivência da dinastia ptolomaica.
Os “Parceiros na Morte”
Inicialmente, Cleópatra e Antônio mantiveram-se afastados em Alexandria, ele vivendo em uma mansão à beira-mar, e ela no palácio. Porém, quando chegou a idade de inscrever Caesarion na lista dos efebos (evento que marcava o fim da infância no mundo grego) e de Anthilyus, o filho de Antônio e Fúlvia, vestir a toga virilis, Antônio passou os dias na companhia de Cleópatra, comendo e bebendo nos suntuosos banquetes comemorativos do evento.
Le repas de Cléopâtre et de Marc-Antoine, 1754, por Charles-Joseph Natoire, Public domain, via Wikimedia Commons
Foi durante esses eventos que, segundo Plutarco, Cleópatra e Antônio resolveram dissolver a sociedade dos “Inimitáveis Viventes” e fundar outra em seu lugar, a qual batizaram de “Sociedade dos Parceiros na Morte“, nome que certamente demonstra a consciência que os dois tinham de que a cortina estava se fechando para eles e de que estava chegando ao fim a brilhante trajetória que tinham percorrido juntos…
Os autores antigos afirmam que, nessa época, Cleópatra começou a testar venenos em prisioneiros condenados, inclusive submetendo-os a picadas de serpentes, com o objetivo de encontrar algum que causasse a morte mais rápida e indolor possível.
Cleópatra e Marco Antônio supervisionando a morte de conspiradores, 1866, quadro de Antoine Van Hammée, Public domain, via Wikimedia Commons
Parece que a sobrevivência da dinastia dos Ptolomeus agora era a única preocupação de Cléopatra: Segundo Dião Cássio, ela enviou uma correspondência secreta para Otaviano, contendo uma coroa e um cetro, que foram aceitos por ele. Assim, em público, Otaviano teria continuado a dar ultimatos para que ela abandonasse as armas e renunciasse ao trono, mas, secretamente, mandou mensagens prometendo que, se Cleópatra mandasse matar Antônio, ela seria perdoada e mantida como soberana.
Enquanto isso, Antônio também enviou correspondências a Otaviano, acompanhadas de muito ouro, afirmando que ele concordava em largar tudo e ir viver como particular. Já em outra versão, ele propôs a Otaviano que ele se mataria, desde que o rival deixasse Cleópatra viver. Em todo o caso, as fontes concordam que Otaviano somente respondia às mensagens de Cleópatra, ignorando as de Antônio.
As fontes antigas enfatizam que as respostas de Otaviano à Cleópatra visavam três objetivos: incentivá-la a eliminar Antônio, o que encerraria logo a guerra e lhe daria o poder absoluto em Roma; dissuadir que Cleópatra dispersasse ou destruísse o imenso tesouro egípcio, preservando-o para os romanos; e desestimular que a rainha se matasse, para que não lhe fosse roubada a incomensurável glória de exibi-la em triunfo pelas ruas de Roma. Mas parece que os dois primeiros motivos eram os mais prementes para Otaviano, pois, quando ele soube que Cleópatra pretendia levar todo o tesouro do Egito para a tumba que ela estava construindo para si mesma nos jardins do palácio, onde tudo seria queimado, Otaviano mandou Thyrsus, que era seu liberto, levar para Cleópatra cartas na qual ele dizia que estava apaixonado por ela, ao menos segundo a versão de Dião Cássio, na esperança de que a rainha, que se consideraria irresistível, acreditaria nisso e daria cabo de Antônio, mantendo-se viva, e o tesouro, intacto.
O cerco se fecha
Na primavera de 30 A.C., As forças de Otaviano tomaram Pelousium, que, de acordo com Dião Cássio, teria sido entregue sem luta, seguindo ordens de Cleópatra. Porém, segundo Plutarco, essa suspeita parece infundada, pois ela concordou com a execução da esposa e dos filhos de Seleucus, o governador que se rendeu a Otaviano.
O exército de Otaviano, aproximava-se dos muros de Alexandria., na vizinhança do Hipódromo, Antônio comandou um ataque à vanguarda do exército inimigo e conseguiu derrotar a cavalaria de Otaviano, que, já cansada da marcha até a cidade, foi perseguida até o acampamento. Porém, a inferioridade numérica impediu qualquer exploração desse sucesso, e Antônio retornou ao palácio, onde, vestido de uniforme e couraça, ele beijou Cleópatra e contou sobre a pequena vitória que eles tinham obtido. Ela deu caros presentes para um soldado que havia se destacado na batalha, mas, como um emblema da situação desesperadora em que eles se encontravam, naquela mesma noite o soldado fugiu e desertou para Otaviano, levando consigo os presentes…
No dia seguinte, Antônio tentou um ataque combinado por terra e por mar. Ele próprio cavalgou até próximo das tropas inimigas e desafiou Otaviano para um combate singular, corpo a corpo, entre os dois, um desafio que ele já havia feito anteriormente. Otaviano ignorou e mandou responder que “havia muitos maneiras pelas quais Antônio poderia morrer“.
Quando Antônio ordenou que a frota avançasse, para a sua consternação, os remadores levantaram os remos em sinal de rendição e ele soube que eles tinham aderido à Otaviano, o que, segundo Dião Cássio, teria ocorrido por ordens de Cleópatra, que talvez tivesse resolvido traí-lo para cair nas boas graças de Otaviano, ou, poderia também estar com medo de que Antônio tentasse fugir para a Espanha. É de se notar, contudo, que a cavalaria dele também desertou. Antônio ainda tentou combater com a infantaria que lhe restara, mas foi facilmente derrotado. Naquele momento, então, Antônio não teve dúvidas de que estava tudo acabado. Ele deixou o campo de batalha e correu para o palácio.
Cléopatra foi se esconder no interior do mausoléu que ela havia mandado construir, acompanhada de um eunuco e duas escravas. Quando Antônio chegou, ele foi informado de que Cleópatra havia se matado e estava enterrada na tumba, que havia sido lacrada. Desesperado, Antônio, segundo Plutarco, proferiu as seguintes palavras:
“Por que tu demorastes tanto, Antônio? O Destino levou a tua única desculpa para te agarrares à vida!”
Antônio, então, entrou na antecâmera da tumba, tirou a couraça e, deixando-a de lado, continuou:
“Oh, Cleópatra! Eu não lamento que tu tenhas sido arrancada de mim, pois logo eu me juntarei a ti, mas eu lamento que um comandante tão grande como eu tenha se mostrado menos corajoso do que uma mulher”
Em seguida, Antônio implorou ao seu escravo doméstico, Eros, que o matasse, como ele já o havia anteriormente instruído. Porém, o devotado Eros, ao invés de matar o seu amo, pegou a espada e matou a si mesmo, para não ter que cumprir essa dolorosa ordem. Desesperado, Antônio, então, jogou-se sobre a própria espada apoiada no chão, que penetrou em sua barriga. Porém, esta ferida não foi suficiente para matá-lo imediatamente e, assim, Antônio ficou agonizando na cama, pedindo para que algum dos presentes se dignasse a apressar a sua morte.
Os ruídos e lamentos do agonizante Antônio acabaram sendo ouvidos por Cleópatra, que, observando a cena de dentro da tumba, por uma janela, mandou seu secretário Diomedes trazer Antônio para dentro. Quando Antônio percebeu que Cleópatra estava viva, ele mandou que os servos dele o colocassem de pé. Mas, como a porta do mausoléu estava selada, Antônio teve que ser erguido por cordas até a janela, puxadas pelas escravas de Cleópatra que estavam lá dentro, além da própria rainha, que também ajudava. Segundo o próprio Plutarco, enquanto Antônio era puxado, coberto de sangue, ele estendia os braços e as mãos em direção à Cleópatra, e para o historiador, de acordo com as testemunhas presentes que descreveram a cena, jamais houve cena mais pungente:
“E quando Cleópatra dessa forma conseguiu pegá-lo e deitá-lo, ela rasgou suas roupas sobre ele, puxou e socou os seios com as próprias mãos, esfregou um tanto do sangue dele no rosto dela, e o chamou de amo, marido e imperador; De fato, em sua compaixão por ele, ela quase esqueceu a sua própria desgraça. Mas Antônio fez cessar os lamentos dela e pediu uma taça de vinho, tanto por ele estar com sede, como para lhe dar mais rapidamente um alívio. Depois de ter bebido, ele aconselhou-a buscar a sua própria segurança, se ela pudesse fazer isso sem desonra; que, dentre todos os amigos de César (Otaviano), ela deveria confiar em Proculeius; e que ela não lamentasse as últimas adversidades que ele tinha sofrido, mas que o considerasse feliz pelas boas coisas que ele tinha conseguido, uma vez que ele tinha se tornado o mais ilustre dos homens, tinha conquistado o poder supremo; e que, naquele momento, ele não tinha sido derrotado de modo ignóbil, mas em uma luta de romano contra romano“.
Plutarco, Vida de Antônio, 77, 1
Antoine rapporté mourant à Cléopâtre d’Eugène-Ernest Hillemacher (1863), Museu de Grenoble, Eugène Ernest Hillemacher, Public domain, via Wikimedia Commons
Em poucas horas, Antônio morreu nos braços de Cleópatra, em 1º de agosto de 30 A.C. Ele tinha 53 anos de idade. Um dos seus guarda-costas, Dercetaeus, escondeu a espada com a qual ele tinha se suicidado, fugiu do palácio e entregá-la a Otaviano, que, fingidamente ou não, mostrou-se consternado pela morte do rival.
Prisioneira de Otaviano
Verdadeiro ou não o seu lamento, agora a maior preocupação de Otaviano era evitar que Cleópatra cumprisse as ameaças de se suicidar, impedindo-o de exibi-la em seu almejado triunfo pelas ruas de Roma, e de levar consigo todo o tesouro do Egito, para ser incinerado junto com o cadáver dela na tumba real. Assim, ele enviou o seu auxiliar Proculeius para conversar com Cleópatra, que ainda estava encerrada no mausoléu, cujas pesadas portas eram fechadas com poderosos ferrolhos e trancas. Na conversa com Proculeius, do lado de dentro da tumba, Cléopatra fez o pedido para que os filhos dela herdassem o seu trono, enquanto o enviado tentava tranquilizar a rainha, dizendo-lhe que ela podia confiar em Otaviano.
Na verdade,Proculeius, agindo bem ao contrário do que o finado Antônio havia mencionado a seu respeito, tinha aproveitado a conversa para fazer um reconhecimento do mausoléu e voltou para contar a Otaviano o que ele tinha visto. Em decorrência, Otaviano mandou Gallus, com o pretexto de fazer uma nova entrevista com Cleópatra. E, então, enquanto Gallus e a rainha conversavam, Proculeius, valendo-se de uma escada, conseguiu entrar na tumba pela janela. Quando notou a invasão, Cleópatra tentou se matar com uma faca, mas Proculeiusconseguiu impedir que ela se ferisse, e disse:
“Oh, Cleópatra! Você está enganando a si mesma e a César (Otaviano), tentando roubar dele uma oportunidade de mostrar a maior bondade, e pregando nele o estigma de ser implacável e não-confiável“.
Dito isso, ele retirou a faca dela e revistou-a, para certiricar-se de que ela não tinha outra arma escondida. Otaviano, ao saber do que havia sucedido, ordenou que Cleópatra fosse mantida sob estrita vigilância, mas que a rainha deveria ter tudo que fosse necessário para o seu conforto e lazer. A verdade é que, na prática, Cleópatra, agora estava sob prisão domiciliar…
Antes disso, enquanto Otaviano ainda não havia conquistado Alexandria, Cleópatra havia mandado seu filho Caesarionpara a Etiópia, junto com um tesouro bem substancial, como ponto de partida para a viagem dele para a Índia, onde o rapaz poderia ficar a salvo da perseguição romana. Era um plano inteligente, mas, que deveria ter sido posto em prática com mais antecedência, pois, tudo indica, Otaviano não demorou a saber disso, e, mais tarde, Caesarion acabaria sendo capturado e morto. Na versão de Plutarco, foram os próprios tutores de Caesarion, Rhodon e Theodorus, certamente a mando de algum emissário de Otaviano, que convenceram o rapaz a voltar para Alexandria, sob o falso pretexto de que Otaviano deixaria que ele continuasse reinando no lugar da mãe. Já segundo Dião Cássio, a caravana de Caesarion foi interceptada ainda na estrada para a Etiópia e o rapaz foi morto ali mesmo, mas, em qualquer caso, isso somente ocorreu após a morte de Cleópatra. A morte de Caesarion teria sido decidida após o filósofo Areiusassim ter advertido Otaviano:
“Boa coisa não é que haja muitos Césares!”
Após a morte de Antônio, Otaviano consentiu que Cleópatra sepultasse o corpo de Antônio no mausoléu, em uma cerimônia suntuosa, típica da realeza. Devido ao pesar que ela sentia pela morte de Antônio e pelas dores que ela sentia devido aos golpes que ela mesmo desferira contra os próprios seios, Cleópatra acabou ficando doente após o funeral, e até deixou de comer. Ela ficou aos cuidados do médico Olympus, a quem ela pediu conselhos sobre a melhor forma de cometer suicídio, como o próprio Olympusescreveria mais tarde em um livro, que deve ter sido consultado por Plutarco.
Temendo a morte de Cleópatra, o que esvaziaria o seu triunfo, Otaviano ameaçou-a com relação ao bem-estar dos filhos dela, e, assim, preocupada com o destino deles, a rainha acabou consentindo em receber cuidados médicos.
Mesmo assim, o próprio Otaviano resolveu visitar Cleópatra em pessoa, o que, segundo Dião Cássio, teria ocorrido a pedido dela. Na narrativa deste historiador, Cleópatra mandou arrumar o quarto da forma mais esplêndida e luxuosa, onde foram espalhadas imagens de seu antigo amante Júlio César, o pai adotivo de Otaviano. E Cleópatra também colocou a seu lado, as várias cartas de amor que ela recebera de César. Então, quando Otaviano entrou, ela teria se jogado aos pés dele, em sinal de submissão, e, depois de ter lido trechos ardentes da carta, Cleópatra tentou seduzir Otaviano com olhares lânguidos e voz melosa, terminando por dizer a ele que, se ela o tivesse, seria como se ela tivesse César, e que César viveria nele.
Sobre esse episódio, eu prefiro a narrativa de Plutarco:
“Após alguns dias,o próprio César (Otaviano) veio conversar com ela e confortá-la. Ela estava deitada numa cama simples de estrado, vestida apenas com a sua túnica, mas saltou da cama quando ele entrou e se jogou aos pés dele; o cabelo e o rosto dela estavam terrivelmente desarrumados, sua voz tremia, e os seus olhos tinham olheiras. Havia também muitas marcas visíveis das cruéis pancadas no peito dela: em uma palavra, o corpo dela parecia não estar em melhor estado do que o seu espírito. Apesar disso, o charme pelo qual ela era famosa, e o impacto da sua beleza, não estavam de todo extintos, ao contrário, apesar dela estar naquela situação lamentável, eles resplandeciam e se manifestavam nas expressões dela. Após César (Otaviano) ter rogado para que ela se deitasse e ele próprio ter se sentado próximo a ela, ela começou a fazer uma espécie de justificativa das suas ações, atribuindo-as à necessidade e ao medo que sentia de Antônio; Contudo, enquanto César (Otaviano) discordava dela e a refutava em cada ponto, ela rapidamente mudou de tom e buscou sensibilizá-lo com as suas preces, como se ela fosse alguém que, acima de todas as coisas, agarrava-se à vida. E, finalmente, ela lhe deu uma lista de todos os tesouros que ela possuía; Nesse momento, quando Seleucus, um dos camareiros dela, demonstrou, conclusivamente, que ela estava escamoteando e escondendo alguns deles, ela saltou da cama, agarrou-o pelos cabelos e despejou uma saraivada de golpes no rosto dele. E quando César (Otaviano), com um sorriso, fez com que ela parasse, ela disse: “Mas não é uma coisa horrível, Oh, César, que quando tu te dignaste a vir e falar comigo, embora eu esteja nesta situação miserável, os meus escravos me denunciem por separar alguns adornos femininos – não para mim mesma, é claro, mulher infeliz que sou – mas para que eu possa dar alguns presentes insignificantes para Otávia e para tua Lívia, e, mediante a intercessão delas, te fazer mais piedoso e gentil?” Então César (Otaviano) ficou satisfeito com este discurso dela, restando totalmente convencido de que ela queria continuar viva. Consequentemente, ele disse que ele deixaria esses assuntos por conta dela, e que, em todos os outros aspectos, ele lhe daria o tratamento mais esplêndido que ela poderia esperar. Ele, então, saiu do quarto, supondo que a tinha enganado, mas ele é quem seria enganado por ela”.
Uma vitória na morte
Plutarco narra, ainda, que um dos companheiros de Otaviano, chamado Cornelius Dolabella, que tinha uma certa queda por Cleópatra, conseguiu avisá-la de que Otaviano havia mandado as legiões se aprontarem para marchar pela Síria, e que, dentro de três dias, ele iria envia-la para Roma junto com os filhos. Cleópatra agora tinha certeza de que a intenção de Otaviano era exibi-la acorrentada em carro aberto em seu triunfo pelas ruas de Roma, perante o populacho da cidade.
Então, no dia 12 de agosto de 30 A.C. (alguns defendem que foi no dia 10), Cleópatra pediu aos seus captores para que lhe fosse permitido entrar no mausoléu para proceder alguns ritos religiosos em honra de Antônio. Obtida a permissão dos romanos, Cleópatra tomou banho, fez uma suntuosa refeição e mandou as suas duas servas de maior confiança, que se chamavam Charmion e Iras, vestirem-na com os trajes de gala da realeza ptolomaica.
Enquanto isso, chegou na antessala dos aposentos de Cleópatra, um camponês trazendo um cesto. Os guardas perguntaram o que havia dentro dele e o camponês respondeu que eram figos para a rainha, abrindo a tampa. Os guardas olharam e o camponês, sorrindo, disse que eles poderiam ficar com alguns. Acreditando que não havia motivo para desconfiarem, os guardas deixaram o homem entrar e deixar o cesto no quarto.
Após o banho, Cleópatra chamou um mensageiro e entregou uma mensagem em uma tabuleta selada para que fosse entregue a Otaviano. Depois que o mensageiro saiu, Iras e Charmion trancaram as portas do aposento.
Quando Otaviano abriu a carta e leu o seu conteúdo, o seu rosto deve ter ficado lívido: entre várias lamentações e pedidos, Cleópatra implorava para que ele a enterrasse junto com Antônio. O futuro imperador percebeu imediatamente do que se tratava e mandou que alguns dos seus auxiliares fossem o mais rápido possível até os aposentos de Cleópatra. Todavia, quando os guardas romanos, que ainda não sabiam de nada, abriram as portas, encontraram Cleópatra já sem vida, deitada sobre uma colcha de ouro, vestida com os trajes reais. Eles ainda puderam ver que Iras agonizava, já sem sentidos, aos pés da sua rainha, e, por sua vez, Charmion, também já quase desfalecendo, arrumava o diadema sobre a testa de Cleópatra. Plutarco conta que alguém, indignado, chegou a dizer, em tom de repreensão: “Bela ação, Charmion!“, tendo a serva respondido, antes de também cair morta:
“Sem dúvida, é a mais bela, e condizente com a descendente de tantos reis”
Uma das muitas representações artísticas da morte de Cleópatra está no Museu dde Belas Artes de Toulouse, por Jean-André Rixens (1874), Public domain, via Wikimedia Commons
Tanto Plutarco quanto Dião Cássio afirmam que ninguém soube a causa exata da morte de Cleópatra, mas que havia duas picadas no braço. O primeiro menciona os comentários de que ela foi mordida por uma áspide (serpente) a qual estaria escondida no cesto de figos, e o segundo, que o réptil estaria dentro de um jarro d’água. Mas os dois historiadores também citam que havia quem afirmasse que Cleópatra teria usado um palito ou prendedor de cabelo oco, contendo veneno, para se espetar. Provavelmente, segundo Plutarco, a versão da picada da cobra também era a que Otaviano acreditava, pois, no triunfo que ele celebrou pela vitória sobre Cleópatra, uma imagem da rainha egípcia com uma serpente agarrada nela foi carregada junto com a procissão. (Nota: tratamos desta imagem, e da aparência de Cleópatra, em nosso artigo: “O Retrato Perdido de Cleópatra“.
Ao receber a notícia da morte de Cleópatra, Otaviano ficou consternado, tanto pela grandeza de espírito que ela demonstrara, quanto pelo fato de ele ter sentido que ela lhe roubara a glória do seu tão desejado triunfo. Se verdadeiro o relato de Dião Cássio, Otaviano chegou a mandar que fossem administradas drogas e sugado o sangue de Cleópatra por um membro da tribo dos Psylli, especialistas em serpentes, em uma vã tentativa de ressuscitá-la.. Seja como for, ele deu ordens para que o corpo dela fosse sepultado ao lado do de Marco Antônio, com a pompa da realeza. E até Charmion e Irastambém tiveram direito a um enterro solene.
Epílogo – Vitória na “Batalha dos Genes”
Quando morreu, Cleópatra tinha 39 anos de idade. Com a morte dela, o Egito foi incorporado como uma província de Roma (o Império Romano começaria oficialmente em 27 A.C., com Otaviano recebendo o título de “Princeps” e o cognome de Augusto, tornando-se o primeiro imperador).
Os três filhos que Cleópatra teve com Marco Antônioforam poupados por Otaviano e, depois deles serem exibidos na procissão triunfal pelas ruas de Roma, foram entregues para serem criados pela irmã dele, Otávia.
Os meninos não atingiriam a idade adulta e não se sabe ao certo o que aconteceu com eles.
Contudo, a menina, Cleópatra Selene, casou-se com o rei Juba II, da Numídia, tornando-se rainha da Mauritânia, e boa parte dos estudiosos acredita que o filho dela, Ptolomeu da Mauritânia, através do casamento com Júlia Urania, teve como filha Drusilla da Mauritânia, que, por sua vez, casou-se, em segundas núpcias, com Gaius Julius Sohaemus Philocaesar Philorhomaeus, membro da família real da cidade síria de Emesa (os Sempseramidas, que também eram sumo-sacerdotes do deus El-Gabal), o qual reinou, como rei-sacerdote, entre 54 e 73 D.C..
Busto de Ptolomdu da Mauritânia, Museu do Louvre, foto de Marie-Lan Nguyen
Sohaemus e Drusilla tiveram um filho, de nome Gaius Julius Alexion, que também reinou em Emesa, entre 73 e 78 D.C (após o que o reino foi incorporado à Província Romana da Síria) e é mencionado em uma inscrição tumular em Emesa como sendo pai de Gaius Julius Sampsiceramus, que, por sua vez, é considerado por alguns prosopografistas como antepassado de Gaius Julius Bassianus, sumo-sacerdote de El-Gabal.
O motivo pelo qual estamos traçando para o leitor esta talvez tediosa genealogia é porque Gaius Julius Bassianus foi o pai de Júlia Domna, uma integrante da família real de Emesa que casou com o futuro imperador romano Septímio Severo (193-211 D.C.), e foi mãe dos imperadores Geta (209-211 D.C) e Caracala (198-217 D.C). Por sua vez, Júlia Maesa, a outra filha de Bassianus, teve duas filhas, Julia Soemias Bassiana, que foi a mãe do imperador romano Elagábalo (Heliogabalus – 218-222 D.C). e Julia Avita Mamea, mãe do imperador romano Severo Alexandre (222-235 D.C).
Portanto, temos como uma grande ironia do destino o fato de que é altamente provável que Cleópatra seja antepassada direta de quatro imperadores romanos, enquanto que Augusto, o seu algoz, somente teve dois descendentes diretos como imperadores: Calígula e Nero
Vale também citar que, entre os presumidos descendentes de Cleópatra está a célebre rainha Zenóbia, de Palmira, que alegava ser descendente da rainha egípcia, e que, no final do século III D.C chegou a conquistar a Síria e o Egito, ameaçando a própria sobrevivência do Império Romano. Segundo relata a História Augusta, depois de derrotada e levada para Roma, em triunfo, Zenóbia teria se casado com um senador romano e com ele teve filhos. De fato, a efígie da rainha até mostra alguns traços de semelhança com as imagens convencionais de Cleópatra, notadamente o penteado ao estilo “melão. Porém, essa ascendência de Zenóbia é considerada por muitos estudiosos como bem menos provável.
A rainha Zenóbia, de Palmira, uma possível descendente de Cleópatra, foto Classical Numismatic Group, Inc
CONCLUSÃO
Foi somente graças à Cleópatra que o Egito conseguiu ficar independente por mais 20 anos, depois da grande guerra civil de Roma. Valendo-se apenas de sua inteligência, ela influenciou os dois homens mais poderosos do Império mais poderoso que o Mundo Clássico até então havia conhecido, e, mais do que isso, manobrou-os para conseguir os seus objetivos políticos. E, por pouco, ela não conseguiu, ainda que isso pudesse ter durado apenas alguns anos, tornar Alexandria a capital do mundo romano e governá-lo junto com Marco Antônio, chegando próxima de criar uma dinastia “Júlio-ptolomaica”. Enfim, Cleópatra mostrou ao mundo que uma grande mulher não era inferior aos grandes homens do seu tempo.
Dificilmente um escritor ou roteirista conseguiria imaginar eventos de tamanha dramaticidade como a história de Cleópatra. Episódios como a entrada no palácio enrolada no tapete, o cruzeiro junto com César pelo Nilo, a morte trágica de Antônio e o próprio suicídio dela, caso fossem escritos como ficção, certamente seriam tachados de mirabolantes e até poderiam causar rubor ao seu autor. E, no entanto, tudo isso aconteceu de verdade!
Em 30 de janeiro de 58 A.C., nasceu, em Roma, Livia Drusilla (Lívia), filha do senador romano Marco Lívio Druso Claudiano e de sua esposa Aufídia.
O nome de nascença do pai de Lívia era Ápio Cláudio Pulcher, mas, por circunstâncias cujo conhecimento se perdeu, ele foi adotado pelo Tribuno da Plebe Marco Lívio Druso, recebendo, assim, o nome do pai adotivo, adicionado do cognome “Claudiano“, para indicar sua ascendência sanguínea. Lívia e seu pai, portanto, eram, segundo o historiador romano Suetônio, descendentes diretos do célebre Cônsul, Censor e Ditador da República Romana, Ápio Cláudio Ceco, que, entre outros feitos, construiu a Via Ápia, em 312 A.C. sendo, assim, integrantes de uma das mais ilustres famílias da aristocracia romana.
Já a mãe de Lívia, Aufidia, era filha de Aufídio Lurco, originário de uma família plebéia da cidade latina de Fundi e que conseguiu ser eleito Tribuno da Plebe em 61 A.C. Como curiosidade, consta que Aufídio foi o primeiro a criar e vender pavões para abate em Roma, enriquecendo em função disso (a carne de pavão, sobretudo as línguas dessa ave, tinham se tornado uma iguaria da alta gastronomia romana).
Aproximadamente entre 43 A.C e 42A.C, Lívia casou-se com seu primo Tibério Cláudio Nero, que havia servido como questor e lutado ao lado deJúlio César.Os recém-casados, já em 42 A.C, tiveram um filho, que recebeu o mesmo nome do pai e que futuramente se tornaria o segundo imperador romano,Tibério.
Contudo, durante a Guerra Civil que se seguiu ao assassinato de Júlio César, tanto Marco Lívio Druso quanto Tibério (pai) escolheram o lado de Bruto e Cássio, os líderes da conspiração senatorial para assassinar o Ditador. O pai de Lívia, inclusive, chegou a lutar na Batalha de Fílipos e, assim como os dois conspiradores, também cometeu suicídio quanto as tropas dos “Libertadores” foram derrotadas pelas forças de Marco Antônio e Otaviano, que se tornaria mais tarde o futuro imperador Augusto.
Quando começaram as perseguições políticas, proscrições e confiscos movidos pelos Triúnviros Antônio, Otaviano e Lépido contra os inimigos políticos do Segundo Triunvirato, o aflito Tibério Cláudio Nero e Lìvia, tiveram que fugir de Roma, em 40A.C., levando com eles o bebê Tibério, de apenas 2 anos indo juntar-se a Sexto Pompeu, na Sicília, o filho do falecido Pompeu Magno que prosseguia a guerra movida pelos partidários da supremacia nobreza senatorial contra o Triunvirato. Após assinarem uma trégua com Sexto Pompeu, os Triúnviros resolveram anistiar os opositores, e Lívia e seu marido puderam voltar para a Roma, em 39 A.C.
E foi naquele ano de 39 A.C, já em Roma, que a jovem matrona Lívia, em certo evento social, foi apresentada a Otaviano, o Triúnviro e herdeiro de César. Ela tinha apenas 19 anos de idade, mas já estava grávida do segundo filho, que se chamaria Druso. Por sua vez, o jovem Otaviano, que tinha somente 24 anos, já estava no segundo casamento, com Escribônia, cinco anos mais velha do que ele e também grávida da única descendente que ele teria durante toda a sua vida, a sua filha Júlia, “a Velha” (assim chamada para distingui-la de outras homônimas posteriores. Cuidado para não confundi-la, com outra Júlia, filha de César).
Vale observar que o casamento de Otaviano e Escribônia decorreu de um arranjo político entre o Segundo Triunvirato e Sexto Pompeu, pois Escribônia era irmã da esposa do segundo.
O fato é que no citado encontro,segundo as fontes, Otaviano apaixonou-se à primeira vista por Lívia, certamente atraído por uma jovem cujos retratos existentes de fato denotam uma beleza suave e serena, além de porte aristocrático.
Pouco tempo depois, ainda em 39A.C, Otaviano se divorciaria de Escribônia. Apesar do público certamente saber que a união entre ambos fora um casamento arranjado, não deve ter deixado de causar algum rebuliço na sociedade romana o fato de o divórcio ter sido oficializado no mesmo dia em que Escribônia deu a luz à Júlia(30 de outubro de 39 A.C.)!
(Busto de Júlia, “a Velha”, filha de Otaviano (Augusto) e Escribônia, foto de Miguel Hermoso Cuesta)
Concomitantemente, Tibério Cláudio Nero foi “convencido” a se divorciar de Lívia, mas de qualquer modo não deve ter havido qualquer contrariedade da parte de ambos.
Com efeito, constatou-se que Tibério aceitou o divórcio com resignação e até deve ter vislumbrado a possibilidade de obter alguma vantagem. Por sua vez, também tudo indica que Lívia tenha se sentido também atraída por Otaviano, afinal, ele tinha quase a metade da idade de Tibério (46 anos), uma boa aparência e, naquele momento, já era, juntamente com seu colega de Triunvirato, Marco Antônio, o homem mais poderoso de Roma.
Lívia, quando se divorciou, estava grávida de seis meses de seu segundo filho, Druso.
Mas, certamente, além da paixão que Otaviano sentia por Lívia, a escolha dele também deve ter levado em consideração o prestígio da gens Cláudia, uma das famílias patrícias mais tradicionais de Roma.
Há uma tese, inclusive baseada em indícios de alguns problemas de saúde aparentemente hereditários que Druso sofria, que ele na verdade poderia ser filho de Otaviano, um fato que teria sido convenientemente ocultado pelos seus biógrafos para não comprometer a reputação de homem de conduta moral ilibada que o futuro Augusto sempre procurou cultivar em público, passível de ser manchada pelo adultério de Lívia (muito embora ele notoriamente tenha tido casos com várias matronas romanas).
Em 17 de janeiro de 38 A.C, três dias após o nascimento de Druso, Otaviano e Lívia se casaram.
O casamento de Otaviano e Lívia duraria 51 anos, até a morte de Otaviano, então já chamado de Augusto, em 14 D.C. Contudo, Lívia somente engravidou uma vez de Augusto, mas, infelizmente, o bebê nasceu prematuro e não resistiu ao parto. Os dois nunca mais tiveram outros filhos.
Em uma sociedade extremamente patriarcal como Roma, Lívia conseguiu ser influente e ter voz nos assuntos de Estado, servindo virtualmente como conselheira privada de Augusto. Em 35 A.C, ela recebeu o incomum direito de administrar o próprio vasto patrimônio sem necessidade de um tutor ou da concordância do marido (outorga uxória).
Lívia também teve estátuas erguidas e moedas cunhadas em sua homenagem, uma honra que até então era exclusiva de pessoas do sexo masculino.
(Dupondius (moeda romana), de Lívia)
No plano político, Lívia representava a síntese das virtudes matronais que Augusto pretendeu fomentar na sociedade romana, já que ela era, reconhecidamente, uma mulher de dignidade e castidade quase lendárias (vale dizer que os historiadores do reinado de Augusto, como Suetônio, pródigos em relatos da vida sexual do círculo imperial, nada relataram, nesse sentido, quanto à Lívia).
Da mesma forma, Lívia sabia a importância que seu papel de esposa-modelo tinha no Principado inaugurado por Augusto: Consta que, certa vez, perguntada sobre o que tinha feito para ter tamanha e decisiva influência sobre o Imperador, ela teria respondido, com perspicácia e até um certo sarcasmo:
“Que isso era devido ao fato de ser ela mesmo escrupulosamente casta, fazendo tudo que fosse motivo de agrado para ele; não se metendo em seus assuntos; e, em particular, por não ouvir e não notar nada acerca das favoritas que foram objeto das paixões dele”.
Com efeito, apesar de interpretar publicamente o seu papel de boa esposa com maestria, é evidente que Lívia tinha muita influência no governo do marido e também manobrou, com sucesso, para tornar seu filho Tibério o herdeiro e sucessor de Augusto. Nesse ponto, a biografia de Otaviano e Lívia torna-se um tanto sombria, quase como uma espécie de “Madastra Má”.
Assim, muitos historiadores atribuem a Lívia o exílio do neto de Augusto, Agripa Póstumo, e as mortes do sobrinho e de outros dois netos dele e potenciais herdeiros: Marcelo, Caio César e Lúcio César, que estavam no caminho de Tibério para o Trono e morreram todos jovens.
Quando Augusto morreu e seu filho adotivo Tibério sucedeu-o, houve rumores de que Lívia teria envenenado o velho imperador, mas é muito mais provável que Augusto tenha morrido de velhice.
Lívia, que passou a ser oficialmente chamada de “Júlia Augusta”, durante um bom tempo foi tratada pela opinião pública como co-governante e igual a Tibério (ela até recebia embaixadores de nações estrangeiras), algo que muito desagradou o novo imperador, que, incomodado, retirou algumas das prerrogativas que o Senado quis conceder a ela. Devido a esses fatos e às seguidas interferências de Lívia no governo que se iniciava, Tibério, progressivamente, afastou-se da mãe, que agia como uma poderosa “dowager” (expressão inglesa que significa a rainha-mãe ou imperatriz viúva que permanece com influência no reino).
Como se não bastasse tudo isso, pendeu sobre Lívia a suspeita dela ter sido a mentora da morte por suposto envenenamento do adorado generalGermânico, o sobrinho de Tibério que Augusto exigira que fosse adotado pelo tio como sucessor.
Germânico morreu no ano de 19 D.C e houve um inquérito que resultou na prisão do governador da Síria, Pisão, como principal suspeito, tendo como comparsa sua esposa Munatia Plancina, grande amiga de Lívia. O historiador romano Tácito inclina-se pela tese de que a morte de Pisão, que alegadamente teria se suicidado no cárcere, enquanto aguardava o seu julgamento, teria sido uma conveniente queima de arquivo, e o historiador parece dar crédito à versão de que a morte de Germânico foi tramada por Lívia, que inclusive teria intervindo para absolver Plancina.
Em 28 de setembro de 29 D.C, Lívia Drusila morreu com a avançada idade de 86 anos. Consta que Tibério, que então vivia afastado da Corte em sua fabulosa Villa Jovis, em Capri, não foi ao velório da mãe, embora a cremação tenha sido retardada vários dias pelos cortesãos que esperavam a sua chegada, até que a decomposição natural do cadáver obrigou aos responsáveis pelo funeral a acender a pira.
Além disso, Tibério não permitiu que diversas honras públicas e homenagens fossem conferidas à mãe. Foi somente no reinado do imperadorCláudio, neto de Lívia, que as honras dela foram restauradas, e realizada a sua deificação, em 42 D.C.
(Estátua de Lívia, trazendo a cornucópia da abundância, provavelmente ligada ao seu culto)
CONCLUSÃO
Ilustra a impressionante trajetória de Lívia, o fato de que, quando ela nasceu, Júlio César ainda não tinha conquistado a Gália e a República Romana ainda era de direito um regime comandado pelo Senado e pelos magistrados eleitos.
Assim, Lívia foi: esposa do primeiro imperador, mãe do segundo, bisavó do terceiro, avó do quarto (Cláudio, que a deificou) e tataravó do quinto e último imperador da dinastia dos Júlio-Cláudios(Nero), uma dinastia que, portanto, poderia muito bem ser chamada de “Liviana“…
O imperadorCalígula, bisneto de Lívia, referia-se à bisavó como “Odisseu de saias“, comparando-a ao mitológico herói Ulisses, em termos de astúcia e dissimulação.
Em 28 de junho de 548 D.C., morreu, em Constantinopla, a imperatriz Teodora Augusta, esposa do imperador romano do Oriente Justiniano I (Segundo uma fonte, ela tinha 48 anos, enquanto que outra fonte menciona que ela faleceu com 51 anos de idade). A causa da morte foi uma enfermidade que os especialistas modernos identificam como câncer de mama, com base nos relatos antigos).
Nascimento, infância e juventude
Nascida por volta do ano 500 D.C., provavelmente na ilha de Chipre (embora outras fontes mencionem a Síria e a Paflagônia como o local de nascimento), Teodora, era a segunda das três filhas de Acacius, um adestrador de ursos que trabalhava para a facção dos Verdes no Hipódromo de Constantinopla, onde os animais participavam dos espetáculos encenados nos intervalos entre as corridas de quadrigas, para distrair o público.
(Reconstituição do Hipódromo de Constantinopla)
Nota:As chamadas “facções” do Hipódromo: os Verdes, os Azuis, os Vermelhos e os Brancos, haviam surgido no Circo Máximo em Roma e, inicialmente, elas constituíam, ao mesmo tempo, uma espécie de equipe e torcida organizada nas corridas de quadrigas de cavalos que ali eram disputadas. Com o passar do tempo, essas facções passaram a adquirir também caráter político e, até mesmo, a participar de disputas teológicas e, por fim, acabaram sendo transplantadas de Roma para Constantinopla, onde os Verdes e os Azuis absorveram as outras duas facções).
Porém, quando Teodora tinha apenas quatro anos, o seu pai, Acacius, faleceu, e a mãe dela, que era atriz e dançarina (o nome dela não é mencionado), precisou casar-se com outro homem, esperando que este herdasse o posto do seu falecido marido junto aos Verdes.
No entanto, os Verdes escolheram outra pessoa, e a mãe de Teodora, desesperada com a perspectiva da família cair na miséria, ordenou que ela e as irmãs, enfeitadas com guirlandas, fossem ao Hipódromo apresentar-se pessoalmente aos chefes das demais facções, diante dos camarotes que eles ocupavam à beira da pista. Diante dessa cena, o representante da facção dos Azuis, que também estavam precisando de um tratador de animais, ficou com pena das meninas, e resolveu contratar o padrasto de Teodora. Em gratidão, Teodora se manteria fiel e devotada aos Azuis pelo resto da vida.
Ainda assim, desde criança, Teodora teve que trabalhar, junto com a sua irmã mais velha, chamada Comito, no Hipódromo, onde ela se apresentava em números artísticos.
Já adolescente, Teodora notabilizou-se pela performance interpretando “Leda e o Cisne“, uma peça burlesca baseada no célebre mito grego, em que Zeus, transformado em um cisne, seduz e faz amor com a rainha Leda, de Esparta. Em uma das cenas da peça, Teodora apresentava-se praticamente nua e deitada, com grãos de cevada espalhados nas suas virilhas, os quais eram apanhados com o bico por um cisne, em evidente alusão erótica a um objeto fálico.
(Afresco recentemente descoberto na Região V de Pompéia, retratando o mito de Leda e o Cisne)
Aos 14 anos, Teodora deu à luz a uma menina e foi aproximadamente nessa época que ela fez amizade com Antonina, a filha de um condutor de quadrigas de corrida que competia no Hipódromo e de uma dançarina dos espetáculos teatrais. Essa amizade perduraria por toda a vida das duas, e Antonina, mais tarde, casaria-se com Belisário, o célebre general de Justiniano I.
A maior parte dessas estórias é contada pelo historiador Procópio, em sua obra “A História Secreta”, onde ele afirma que, em adição às performances artísticas no Hipódromo, Teodora também exerceria a prostituição em um bordel.
Procópio chegou, ainda, a escrever, sobre a suposta luxúria desenfreada de Teodora, que certa vez ela teria reclamado que Deus deveria ter feito mais orifícios em seu corpo, “porque somente três não seriam suficientes para satisfazê-la“…
Sabe-se que, de fato, durante o Império Romano, mesmo que no período tardio, não era incomum que a profissão de atriz estivesse ligada á prostituição. Mas os relatos mais exagerados de Procópio sobre Teodora são vistos como suspeitos pelos historiadores: Eles contradizem o que ele próprio escrevera em livros anteriores e, em uma passagem da “História Secreta“, o historiador chega a afirmar que Teodora e Justiniano seriam demônios de verdade.
Enquanto ela ainda trabalhava como atriz e/ou prostituta, Teodora conheceu, em Constantinopla, um certo Hecebolus, que tinha sido nomeado governador do distrito de Pentapolis, supostamente na Líbia, tornando-se amante dele.
Então, com apenas 16 anos de idade, Teodora teria partido, acompanhando Hecebolus, para a África (eu acredito que há uma incorreção aí, pois a reconquista de Justiniano da África para o Império Romano somente ocorreu em 533 D.C., quando Teodora já era imperatriz. Por isso, talvez a Pentapolis mencionada não seja na Líbia, já que vários outros agrupamentos de cinco cidades do mundo helenístico recebiam esse nome). Vale notar que havia, desde 409 D.C., uma lei romana em vigor que previa que os atores e atrizes não poderiam mudar-se da cidade onde trabalhavam. Portanto, é provável que Hecebolus deva ter “mexido alguns pauzinhos” para que Teodora pudesse lhe acompanhar…
Entretanto, Procópio narra que Hecebolus logo desinteressou-se de Teodora, chegando até a maltratá-la. Por esse motivo, Teodora deixou-o e foi viver em uma comunidade de religiosos ascetas no deserto próximo à Alexandria, onde ela converteu-se ao credo Monofisita (o Monofisismo é uma doutrina que prega que Jesus Cristo tem apenas uma natureza: a divina), talvez provavelmente por influência do Patriarca de Alexandria, Timóteo III.
Posteriormente, Teodora foi viver em Antioquia, na Síria, onde ela ficou muito amiga de uma certa Macedonia, que também era atriz e dançarina na facção dos Azuis. Conta-se que Macedonia também atuava como informante de FlaviusPetrus SabbatiusIustinianus(o futuro imperador Justiniano), sobrinho e filho adotivo do comandante da tropa militar de elite dosExcubitores, Justino, que procurava saber tudo acerca da posição dos nobres e militares que poderiam apoiar a ascensão de seu pai adotivo ao trono, uma vez que o imperador Anastácio I Dicoro, que já era octogenário, não tinha filhos.
Encontro com Justiniano e casamento
Aparentemente, foi Macedonia quem apresentou Teodora a Justiniano, talvez como uma pessoa que lhe pudesse ser útil. Um traço comum entre os dois era que Justiniano, como Teodora, era partidário da facção dos Azuis. O fato é que, em 522 D.C., aos 21 anos, Teodora retornou à Constantinopla, onde, renegando o passado de atriz, passou a trabalhar como fiadeira de lã, em uma casa próxima ao Palácio Imperial. Nessa época, Justino I já tinha sucedido Anastácio e se tornado imperador, e Justiniano era seu herdeiro e braço-direito.
Não temos muitos detalhes de quando e como o romance entre Teodora e Justiniano começou, mas o certo é que Justiniano tinha encontrado a mulher de sua vida. Todavia, haviadois obstáculos para que os dois contraíssem matrimônio legalmente: a lei que proibia que os integrantes da classe senatorial – a nobreza do império romano – casassem com atrizes, e a oposição da imperatriz Eufêmia, tia de Justiniano, ao casamento do sobrinho com uma mulher de baixa condição social como Teodora (não obstante, ela mesmo, Eufêmia, tivesse nascido bárbara e escrava, e dormido com o seu amo, antes dela casar -se com Justino).
Ocorre que, por volta de 524 D.C, a imperatriz Eufêmia morreu. Pouco tempo depois, o imperador Justino I revogou a lei proibindo o casamento de nobres com atrizes. Assim, cerca de 525 D.C.,Justiniano e Teodora puderam casar-se perante o Patriarca Epifânio, em Constantinopla, na primitiva igreja da Santa Sofia.
Teodora imperatriz
Em 1º de agosto de 527 D.C., Justino I morreu e Justiniano I foi coroado imperador ao lado de Teodora, que recebeu o título de “Augusta” (imperatriz).
(Reconstituição das feições de Justiniano I, com base em mosaicos e efígies)
Os primeiros anos do reinado de Justiniano foram ocupados por duas questões principais:
No plano externo, o conflito com o Império Persa foi marcado por sucessos e reveses. Após a morte do Xá Kavadh, Justiniano assinou, em 532 D.C., o chamado “Tratado da Eterna Paz” com a Pérsia o que lhe asseguraria as condições para as suas campanhas no Ocidente.
E, em casa, Justiniano iniciou seu reinado colocando em prática o seu imenso projeto de reforma e codificação do Direito romano, que seria coroado pela edição do Corpus Juris Civilis, nomeando uma comissão composta pelos mais notáveis juristas do Império.
O Corpus Juris Civilis e a provável influência de Teodora em favor dos direitos das mulheres
Os estudiosos acreditam que Teodora teve considerável influência em alguns dispositivos do Corpus Juris Civilis que ampliavam os direitos das mulheres, notadamente nos artigos que protegiam as prostitutas, bem como nos que puniam aqueles que forçassem as mulheres a se prostituírem contra a vontade. Foram, ainda, aumentadas as penas para os estupradores e, finalmente, também previu-se que as mulheres presas, caso não houvesse guardas do sexo feminino, deveriam ficar custodiadas em um convento de freiras.
Em outros artigos, o Código de Justiniano também previu que as mulheres viúvas poderiam ficar com a guarda de seus filhos ou netos. Por sua vez, a prática de exposição de recém-nascidos, fruto de gravidez não desejada os quais, costumeiramente eram abandonados nas cidades romanas e frequentemente eram do sexo feminino, foi proibida.
Por fim, outra normas instituíram que o costumeiro dote que a família da noiva tinha que dar ao noivo deveria ser restituído à viúva, após a morte do marido, e que o marido necessitava do consentimento da esposa para contrair dívidas de grande valor ( o que pode estar na origem de várias leis semelhantes, tratando do consentimento da esposa para compra e venda de imóveis, que sobreviveram até os nossos dias).
Teodora também apresentava-se como protetora dos desvalidos e há uma grande inscrição na Igreja de São Sérgio e São Baco, em Constantinopla com o seguinte trecho:
“Teodora coroada por Deus cuja mente está adornada com piedade e cujo trabalho incessante repousa em incansáveis esforços para cuidar dos despossuídos”
(Igreja de São Sérgio e São Baco, construída pelo imperador Justiniano I)
Entre outras ações de Teodora em proteção das mulheres figuram o fechamento de bordéis na capital e o envio das prostitutas para morarem em um convento chamado de Metanoia (Arrependimento).
Por tudo isso, é muito difícil não relacionar essas ações com a própria vida pregressa de Teodora, que deve ter presenciado, senão experimentado na própria carne, as vicissitudes a que estavam sujeitas as prostitutas em Constantinopla, bem como a aflição que a sua própria mãe passou quando perdeu o marido.
Iniciativas religiosas
Um exemplo da independência com que Teodora agia foi na questão religiosa: Embora Justiniano fosse adepto do credo do Concílio de Calcedônia, Teodora fundou um monastério Miafisita (uma doutrina parecida com o Monofisismo) em Sycae, uma localidade em frente à Constantinopla e abrigou no próprio Palácio bispos Miafisitas que estavam sendo perseguidos pelos defensores da ortodoxia cristã.
A proteção que Teodora daria ao Miafisismo durante toda a sua vida lhe renderia a crítica de que ela comprometeu a unidade religiosa do Império Romano.
De qualquer forma, Justiniano foi muito influenciado por Teodora, afinal ambos eram interessados nas questões teológicas e conversavam muito sobre esse tema. Assim, no final da sua vida, Justiniano aproximou-se do Monofisismo e tentou conciliar os credos em torno de pontos comuns, visando manter a unidade, embora, como frequentemente acontece, ele tenha acabado por desagradar a todos os envolvidos. Mesmo assim, atendendo aos pedidos de Teodora, após a morte da esposa, Justiniano manteve a proteção aos bispos miafisitas.
Durante a futura campanha de Justiniano na Itália, que culminou com a reconquista da península pelo Império Romano, Teodora conseguiu, em 537 D.C., por meio do general Belisário, a deposição do Papa Silverius, em Roma, colocando em seu lugar Vigilius, que era Apokrisiarios, em Constantinopla (representante papal junto ao imperador), um prelado que ela tinha compelido a apoiar a causa dos Monofisistas. Ao sentar no trono papal, contudo, o Papa Vigilius não agiu como Teodora esperava e manteve-se fiel ao credo de Calcedônia, que era dominante entre a população italiana.
A Revolta Nika
Em 13 de janeiro de 532 D.C., estourou um grande tumulto no Hipódromo de Constantinopla. As queixas imediatas da multidão reunida no Hipódromo diziam respeito à prisão de líderes das facções dos Azuis e dos Verdes, por assassinatos cometidos em uma corrida anterior.
Justiniano já tinha comutado as sentenças de morte proferidas contra os acusados pelos assassinatos para penas de prisão, mas isso não satisfez a massa.
É de fato bem provável que houvesse motivos mais profundos para a revolta da turba, já que ambas as facções atuavam como um misto de agremiação política e torcida organizada ligadas a interesses de grupos políticos e eclesiásticos. De fato, entre as reivindicações dos manifestantes, estavam a demissão do influente Prefeito Pretoriano João, o Capadócio, responsável pela cobrança de tributos que desagradaram a plebe e também por coordenar as reformas legais compiladas no Corpus Juris Civilis. E no decorrer da rebelião, os revoltosos chegariam a aclamar o nobre Hypatius, sobrinho do falecido imperador Anastácio I Dicoro, como imperador.
Assim, naquele dia 13 de janeiro, quando Justiniano apareceu no camarote imperial (o chamado “Khatisma“, no qual o imperador podia assistir as corridas e ser visto pelo público), a multidão começou a insultar o imperador aos gritos. Então, ao começar o páreo de número 22 do programa, os costumeiros gritos de “Azuis” ou de “Brancos” foram substituídos pelo canto de “Nika!“, que quer dizer, em grego, “Vitória!”. Em seguida, a grande massa de espectadores deixou seus assentos e tentou invadir o Palácio, deixando os guardas e os burocratas imperiais estupefactos.
(O imperador (Teodósio II), no Kathisma, o camarote imperial no Hipódromo de Constantinopla)
A “Revolta Nika“, como o episódio ficou conhecido, durou cinco dias, no decorrer dos quais Justiniano e Teodora ficaram sitiados no Palácio. Certa dia, durante uma reunião, o pânico tomou conta do Imperador e de seus ministros, e eles começaram a considerar fugir nos navios que estavam ancorados no cais particular do Palácio. Nesse momento, segundo Procópio (“Guerras”, 1.24.33-37), Teodora levantou-se e fez o seguinte discurso:
“Meus senhores, a ocasião presente é muito grave para me permitir seguir a convenção de que uma mulher não deve falar em uma reunião de homens. Aqueles cujos interesses estão ameaçados pelo perigo extremo, somente devem pensar no curso de ação mais inteligente, e não em convenções. Na minha opinião, fugir não é o caminho correto, mesmo que isso nos deixe em segurança. É impossível que alguém que tenha nascido, não morra, mas, para quem quer que tenha reinado, é intolerável tornar-se um fugitivo. Que eu nunca seja despojada deste manto púrpura, e que eu nunca veja o dia em que eu não seja chamada de Imperatriz! Se tu desejas, meu Senhor, salvar-se, não há dificuldade: nós somos ricos, lá está o mar, e ali estão os navios…No entanto, reflita por um momento se, uma vez que tenhas escapado para um lugar seguro, tu não trocarias alegremente esta segurança pela morte? Quanto a mim, eu concordo como o adágio que diz que a púrpura real é a mais nobre das mortalhas!”
(Reconstituição da imagem de Teodora em trajes de imperatriz com base no mosaico de San Vitale)
O discurso inspirador de Teodora reacendeu o espírito de luta de Justiniano e ele decidiu agir. O eunuco Narses, que posteriormente se notabilizaria como general na Itália, foi enviado para subornar os líderes da facção dos Azuis, os quais abandonaram a revolta. Em seguida, Justiniano enviou a sua guarda pessoal, comandada pelo leal general Belisário contra os integrantes da facção dos Verdes, que permaneciam rebelados no Hipódromo.
A repressão foi brutal e estima-se que 30 mil pessoas tenham sido massacradas no Hipódromo e adjacências.
(O Hipódromo, colado ao complexo do Palácio Imperial, incluindo o porto particular do imperador)
A Revolta Nika provocou um grande incêndio e causou uma grande destruição em Constantinopla, e, entre os prédios afetados, estava a Igreja de Hagia Sophia, fundada por Constantino, o Grande, cuja reconstrução foi encomendada por Justiniano aos arquitetos Antêmio de Trales e Isidoro de Mileto para se tornar em breve o edifício religioso mais impressionante até então construído no Império Romano.
(A atual Catedral de Santa Sofia, em Constantinopla, erguida por Justiniano I após a Revolta Nika para substituir a anterior que foi queimada por um incêndio)
Após a Revolta Nika, o papel de Teodora como virtual co-governante do Império não podia mais ser colocado em dúvida.
Por exemplo, consta que, debelada a revolta, Justiniano chegou a cogitar em poupar Hypatius e Pompeius, os sobrinhos de Anastácio I Dicoro, mas Teodora interveio, alegando o risco que isso representaria para o governo, e demandou a punição de ambos, que foram, então, executados.
Teodora também mostrou apetite para as maquinações e intrigas típicas da corte imperial, premiando aliados e perseguindo desafetos: O eunuco Narses era seu protegido, e, com o seu apoio ele se tornaria, decorrido algum tempo, o general mais importante do exército romano. A impertatriz também apoiava o Prefeito Pretoriano Pedro Barsymes.
Já João, o Capadócio, que tinha sido o antecessor de Barsymes, e gozava de bastante prestígio junto a Justiniano, mas que mostrava pouca deferência para com Teodora, foi o principal alvo das maquinações da Imperatriz, que, valendo-se da ajuda de sua velha amiga Antonina, tramou a queda do ministro.
Na trama supracitada, Antonina enviou a João, o Capadócio a falsa informação de que o marido dela, o general Belisário, estava planejando derrubar o Imperador. Assim, ela conseguiu atrair João para um encontro em um palácio na cidade de Calcedônia, onde Narses e Marcellus, o comandante da guarda imperial dos Excubitores, estavam escondidos para ouvir a conversa. Os dois tinham ordem de matar o ministro assim que este falasse qualquer coisa que pudesse sugerir sua adesão a traição. Porém, João conseguiu escapar deles e abrigar-se em uma igreja.
Quando o fato chegou ao conhecimento de Justiniano, este, ao contrário do que seria de se esperar, não mandou executar João, mas ordenou que o mesmo fosse exilado para Cyzicus, uma cidade na Anatólia não muito longe de Constantinopla, por volta de 540 D.C.
Em Cyzicus, João, o Capadócio foi obrigado a se ordenar padre. Porém, quando o bispo da cidade foi assassinado, ele foi implicado na trama e, desta vez, exilado para a distante cidade de Antinoe, antiga Antinoopolis, no Egito.
Evidenciando novamente a enorme influência de Teodora sobre Justiniano é fato que, somente após a morte dela, em 548 D.C., o exílio de João, o Capadócio foi suspenso pelo imperador, que o chamou de volta à Constantinopla.
Últimos anos e morte de Teodora
Em 547 D.C., foi concluída a Basílica de San Vitale, em Ravenna, antiga capital do Império Romano do Ocidente, que foi reconquistada, juntamente com toda a península italiana, por Justiniano, nas guerras contra o Reino Ostrogodo da Itália, a partir de 535 D.C. (esta guerra teria indas e vindas, e somente acabaria em 554 D.C., com a derrota completa dos Ostrogodos).
(Basílica de San Vitale, em Ravenna, foto de Madaki)
O interior da Basílica de San Vitale (esta igreja não é uma basílica em termos arquitetônicos, pois tem uma planta octogonal) foi adornado com alguns dos mais fabulosos mosaicos produzidos pela arte romano-bizantina, os quais foram concluídos em 547 D.C.
Nas duas paredes laterais da apse da Basílica de San Vitale há dois mosaicos excepcionais, um em cada lado: O do lado direito ostenta a imagem do imperador Justiniano, vestido com seu manto púrpura e coroa, ladeado pelos seus mais importantes auxiliares, além do bispo Maximiano, que inaugurou a igreja.
E o mosaico do lado esquerdo da apse ostenta a imagem da imperatriz Teodora, igualmente vestida com seu manto púrpura, coroada e adornada de ricas jóias, ladeada por suas damas e seus eunucos mais chegados.
Caso ainda persista alguma dúvida de que Teodora dividia o status de governante do Império com Justiniano, basta a mera contemplação dos dois painéis de mosaicos da Basílica de San Vitale para se ter a certeza de que ambos reinaram em pé de igualdade.
Provavelmente, quando da conclusão da Basílica de San Vitale, Teodora já devia estar sofrendo da doença que acabaria causando a sua morte, um ano depois. As fontes usam o termo grego que é traduzido por “câncer”, mas podem também se referir a um tumor ou úlcera que supurava. A teoria mais aceita é de que se tratava de um câncer de mama.
No dia 28 de junho de 548 D.C., Teodora morreu no Palácio Imperial, em Constantinopla, aos 48 anos de idade (ou aos 51, de acordo com outras fontes). Consta que no velório dela, o imperador Justiniano chorou copiosamente em público a perda da sua esposa, companheira e sócia de uma vida inteira.
Teodora foi sepultada na Igreja dos Santos Apóstolos, que sempre foi o tradicional local de descanso da maior parte dos imperadores romano-bizantinos, desde Constantino I, o Grande, e era mais uma das igrejas que ela e Justiniano tinham reconstruído na capital. A igreja foi destruída em 1456 pelos turcos, três anos após a Queda de Constantinopla.
(Sarcófagos de pórfiro de Imperadores Romanos do Oriente, que ficavam na igreja dos Santos Apóstolos e atualmente estão no exterior do Museu Arqueológico de Istambul)
A união de Teodora e Justiniano não gerou filhos e certamente ela muito desejou dar um herdeiro ao esposo. Segundo Procópio (História Secreta), quando Sabas, o Santificado (São Sabas), um venerado eremita e arquimandrita da Palestina, que tinha fama de fazer milagres, esteve em Constantinopla, em 531 D.C., Teodora, apesar do religioso ser um tenaz oponente do Monofisismo, pediu a Sabas que ele rezasse para que ela engravidasse. Entretanto, o velho eremita se recusou, respondendo que qualquer filho que Teodora desse à luz seria uma grande calamidade para o Império.
Conclusão
Teodora certamente foi uma das mulheres mais poderosas da História Romana. E, diferentemente de outras detentoras de poder de fato, como Lívia Drusila,Agripina ou Júlia Domna, ela não foi uma eminência parda ou exercia o seu poder na alcova, mas também tinha a sua posição soberana reconhecida oficialmente: ela tinha o seu próprio selo imperial, sua própria corte e corpo de funcionários privativos. Em documentos oficiais, Justiniano chegou a referir-se a Teodora como “minha sócia nas minhas deliberações“. Contrastando, ainda, com as referidas imperatrizes, bem como outras célebres mulheres poderosas do Mundo Helenístico, Teodora não nasceu na realeza nem tinha origem nobre, tendo, ao revés, vindo dos estratos mais baixos da sociedade.
(Mosaico da Catedral Alexander Nevsky, em Sófia, Bulgária, retratando Eudócia, foto de Elena Chochkova )
Em 7 de junho de 421 D.C, o jovem ImperadorTeodósio II, casou-se com a sua belíssima noiva, Élia Eudócia. O imperador, quando ainda tinha apenas 7 anos de idade, havia sucedido a seu pai, Honório, no trono do Império Romano do Oriente, em 408 D.C.
(Cabeça de Teodósio II)
A jovem imperatriz escolheu o nome de Élia Eudócia (Aelia Eudocia), certamente para homenagear a falecida mãe do imperador de Teodósio II (que se chamava Élia Eudóxia, uma cristã muito devota), mas, não menos importante, para marcar sua conversão ao cristianismo.
Nascida em Atenas, o verdadeiro nome de Eudócia era Athenais, nome que foi escolhido pelo pai dela em honra à divindade protetora da cidade, a deusa Palas Atena. Athenais era filha de um filósofo chamado Leontius, um professor de retórica na célebre Academia, aonde vinham estudar ou ensinar, ainda no final do século V, estudantes ou intelectuais de todo o mundo mediterrâneo (Vale citar que, não obstante ela ser de Atenas, há indícios de que parte da sua linhagem, paterna ou materna era originária da grande cidade de Antióquia).
(Caminho que levava até a Academia de Atenas, foto de Tomisti )
Quando a mãe de Athenais morreu, ela, com a idade de apenas 12 anos, ficou não apenas encarregada de criar os seus irmãos, mas teve ainda que assumir também a direção dos negócios e da casa de seu rico pai, a qual ficava situada na própria Acrópole!
Leontius, agradecido, ensinou à Athenais os fundamentos da Retórica, da Filosofia e da Literatura Gregas, e a menina, que demonstrava ter memória excepcional, aprendeu a poesia completa de Homero e de Píndaro. Athenais, assim, cresceu mergulhada na cultura clássica, no centro intelectual do Helenismo, em um dos últimos redutos da tradicional religião pagã.
Porém, em 420 D.C, Leontius morreu e, para o desalento de Athenais, ele deixou todos os seus bens para Gessius e Valerius, que eram os filhos homens, recebendo a injustiçada irmã, a título de legado, apenas 100 moedas de ouro, constando do testamento, a seguinte afirmação do agora finado pai:
“O suficiente para Athenais é o seu destino, que será maior do que o de qualquer outra mulher”.
Athenais, ante a insensibilidade dos irmãos, que se recusaram a lhe dar maior quinhão na herança, foi viver com uma tia, a qual lhe aconselhou a “ir para Constantinopla, para pedir justiça ao Imperador”.
A comovente história de Athenaisjá estava circulando nas cidades da Grécia, e, quando ela chegou à Constantinopla, acabou levada à presença da imperatriz Pulquéria, a influente irmã de Teodósio II.
Sendo a irmã mais velha do impeador, Pulquéria, também ela uma cristã devota, tomou para si a tarefa de cuidar e educar o menino Teodósio II, quando ele ascendeu ao trono, motivo pelo qual ela fez até um voto de castidade.
Após o afastamento do Prefeito Pretoriano Antêmio, homem-forte no início do reinado de Teodósio II (foi ele quem mandou construir as poderosas muralhas de Constantinopla), Pulquéria tornou-se a pessoa mais influente da Corte, possuindo forte ascendência sobre o irmão.
Em um relato meio ao estilo de Cinderela, uma fonte conta que, no momento em que Athenais chegou à Constantinopla, Teodósio II estava querendo se casar. Quando, na audiência em que Athenais expunha o seu caso da herança, Pulquéria colocou os olhos na jovem, ficou impressionada com a beleza dela e, mais ainda, com o talento e eloquência com a qual a moça apresentou o seu pleito. Em vista disso, Pulquéria teria dito a Teodósio II:
“Encontrei uma jovem, uma donzela grega, muito bonita, pura e refinada, e além disso, eloquente! A filha de um filósofo!”.
Exagerado ou não o relato, o fato é que, pouco tempo depois da chegada de Athenais à Constantinopla, Teodósio II casou-se com ela, no dia 7 de junho de 421 D.C., e, como parte das celebrações, foram oferecidas ao povo da capital várias corridas de quadrigas no Hipódromo.
(Tremissis, moeda de Aelia Eudocia Augusta, foto de beastcoins.com)
Athenais adotou o nome de Élia Eudócia e se converteu ao Cristianismo.
E a jovem imperatriz logo demonstraria que sabia praticar a virtude cristã do perdão, uma vez que os seus irmãos, Géssio e Valério, foram chamados para comparecerem a Constantinopla, onde foram nomeados , respectivamente, para os importantes cargos de Prefeito da Ilíria e Magister Officiorum, equivalente ao de Ministro.
Eudócia deu à luz, em 422 D.C, a uma menina chamada Licínia Eudóxia, que, futuramente, seria esposa do Imperador Romano do Ocidente, Valentiniano III. Durante o casamento, Eudócia e Teodósio II ainda gerariam mais dois filhos, que morreram ainda crianças.
No ano seguinte, Eudócia recebeu o título de Augusta (Imperatriz), assumindo, assim, estatura igual a de Pulquéria, com quem passou, de fato, a disputar a influência sobre Teodósio II. Com o passar do tempo, as duas cunhadas cada vez mais se tornariam rivais.
Um dos campos onde a rivalidade entre as duas Augustas se desenvolveu foram as questões religiosas. Ambas mostravam-se devotas, interessadas nas disputas teológicas e patrocinavam a construção de igrejas.
Porém, enquanto Pulquéria apresentava-se mais ortodoxa, especialmente contra a heresia nestoriana e, também, demonstrava hostilidade aos judeus, Eudócia mostrava-se conciliadora em relação ao judaísmo, e tolerante em relação às religiões pagãs, inclusive tentando protegê-las das perseguições.
Entre 438 D.C e 439 D.C, Eudócia fez uma famosa peregrinação a Jerusalém e à Terra Santa, de onde trouxe as relíquias de Santo Estevão, para as quais mandou construir uma basílica.
(Basílica de Santo Estevão em Jerusalém, construída no terreno da igreja originalmente construída por Eudócia, foto de RonAlmog )
Nessa época, em momento anterior ou posterior à viagem à Terra Santa, as relações entre Eudócia e seu esposo Teodósio II começaram a se deteriorar, culminando com o exílio dela de Constantinopla, de 442 D.C. Segundo algumas fontes, a causa do exílio foi uma acusação de adultério que ela teria cometido com um amigo do imperador.
Eudócia voltou para Jerusalém, onde ela passou o resto de sua vida, vindo a falecer em 20 de outubro de 460 D.C, sendo enterrada na mesma Basílica de Santo Estevão que ela havia construído.
Durante o tempo que passou em Jerusalém, Eudócia escreveu uma uma volumosa obra poética na qual compôs versos em hexâmetros ao estilo clássico grego, combinando temas homéricos e bíblicos.
Conclusão
Eudócia foi sem dúvida uma grande e fascinante mulher tanto por ter se destacado pelos méritos literários, em uma sociedade misógina e patriarcal, como por ter sido uma das últimas representantes da civilização helenística que sucumbia face ao novo mundo cristão-ortodoxo, um mundo no qual ela também conseguiu ser uma personalidade destacada.
Copenhagen, New Carlsberg Glyptotek. Agrippina the Younger. Marble. 1st century A.D. Inv. No. 743.
Em 31 de dezembrode 36 A.C., nasceu, em Atenas, Grécia, Julia Antonia Minor (Antônia, a Jovem), a segunda filha do Triúnviro Marco Antônio e de Otávia, a Jovem, irmã mais velha de Otaviano, que mais tarde se tornaria o futuro imperador Augusto.
(Marco Antônio e Otávia, a Jovem, pais de Antônia, a Velha)
Quando Antônia, a Jovem veio ao mundo, Marco Antônio já tinha abandonado a sua mãe para ir viver com a rainha do Egito, Cleópatra, com quem ele já tinha, inclusive, tido dois filhos, em Alexandria, sendo este um dos pretextos para o rompimento com Otaviano, o que levaria ao fim do Triunvirato e começo da Guerra Civil. Assim, Antônia nunca chegou a conhecer pessoalmente o próprio pai, que cometeu suicídio no Egito, em 30 D.C., quase um ano após ele e Cleópatra serem derrotados por Otaviano, na Batalha de Actium.
Ainda em 36 A.C, Otávia, a Jovem voltou para Roma, levando Antônia e sua irmã mais velha, que também tinha o nome de Antônia ( para diferenciar as irmãs, esta era chamada de Antonia Major ou Antônia, a Velha). Lá em Roma também moravam os três filhos do casamento anterior de Otávia com Caio Cláudio Marcelo, o Jovem.
Em 16 A.C., quando tinha 20 anos, Antônia casou com Nero Claudius Drusus (Druso, o Velho), o segundo filho do primeiro casamento da Imperatriz Lívia Drusila, a influente esposa de Augusto. Assim, Antônia, que já era sobrinha de Augusto, passou a ser também cunhada de Tibério, o filho mais velho de Lívia, que, anos mais tarde, seria adotado por Augusto, tornando-se herdeiro do trono por direito.
(Nero Cláudio Druso, primeiro e único marido de Antônia, a Velha,)
Do casamento de Antônia com Druso, que morreria das sequelas de uma queda de cavalo, quando em campanha na Germânia, em 9 A.C., nasceram Germânico, que se tornaria um general de prestígio e figura muito popular entre o povo romano, e também (além de outras crianças mortas prematuramente) Livilla e o caçula Cláudio, que, durante a infância e mesmo a juventude, foi considerado incapaz, devido a uma doença que o fazia gaguejar e babar. Consta que, por esse motivo, Antônia rejeitava o menino, referindo-se a ele como “um monstro, inacabado pela Natureza“.
(Germânico, Livilla e Cláudio, os filhos de Antônia, a Jovem)
Antônia, ao tornar-se viúva, jamais quis se casar novamente, apesar da insistência do imperador Augusto, uma atitude que engrandeceu a reputação dela perante a opinião pública. Ela também herdou as vastas propriedades e as muitas conexões de seu pai Marco Antônio no Oriente. Por isso, a sua casa em Roma vivia cheia de príncipes e dignatários orientais, especialmente judeus. Inclusive o futuro tetrarca da Galileia, Herodes Agripa, foi educado em Roma junto com seu filho caçula Cláudio.
Em 1 A.C., Livilla, a filha de Antônia, casou-se com Gaius Caesar (Caio César), neto de Augusto, que, naquele momento, era, juntamente com o seu irmão, Lucius Caesar (Lúcio César), o filho adotivo e o herdeiro oficial de Augusto. Entretanto, os dois irmãos morreriam cedo: Lúcio, em 2 D.C. e Caio, em 4 D.C.
(Caio César e Lúcio César)
Augusto, que tinha visto todos os seus herdeiros preferidos morrerem, foi, então, obrigado a adotar Tibério, em 4 D.C., exigindo, porém, que este, por sua vez, adotasse Germânico, o filho mais velho de Antônia.
Em seguida, naquele mesmo ano de 4 D.C., dentro do rearranjo dinástico que Augusto estava promovendo, Livillacasou-se com seu primo Drusus Julius Caesar(Druso, o Jovem), filho de Tibério.
(Druso, o Jovem)
Quando Tibério finalmente ascendeu ao trono em 14 D.C., após a morte de Augusto, parece que a imensa popularidade que o jovem general Germânico estava obtendo com suas campanhas militares na Germânia, bem como a independência com a qual ele agia, assustaram o segundo imperador.
Em 19 D.C., Germânico morreu misteriosamente em Antioquia, supostamente envenenado pelo governador da Síria, e as suspeitas recaíram sobre Tibério e Lívia, como mandantes do crime. A comoção popular foi gigantesca. Antônia não compareceu ao velório do filho, evento ao qual o imperador e sua mãe também não foram. Especula-se que Tibério e Lívia tenham proibido a presença dela, mas também é possível que ela tenha ficado abalada demais ou estivesse doente.
Não obstante, os relatos fazem presumir que Antônia continuou apoiando Tibério e não deu suporte às acusações que a viúva de Germânico, Agripina, a Velha reiteradamente fazia a ambos.
(A Morte de Germânico, de Nicolas Poussin – 1627)
Druso, o Jovem agora era o único herdeiro do trono e Antônia certamente devia dar como certo que sua filha se tornaria imperatriz. Seria o coroamento de uma presumível estratégia sua de unir mais ainda os ramos dos Júlios e dos Cláudios
Porém, aparentemente Livilla tinha outras intenções, e estas pareciam incluir o poderoso Prefeito Pretoriano Lucius Aelius Sejanus (Sejano). O ambicioso Sejano, por volta de 21 D.C. exercia considerável influência sobre Tibério, que, avesso às intrigas da Corte, em Roma, cada vez mais, delegava os assuntos da administração para o auxiliar. Encorajado pela ascendência que demonstrava ter sobre o imperador, e talvez movido pelo desejo de suceder o já velho Tibério, Sejano tramava contra todos que julgava estar em seu caminho.
A proeminência de Sejano colocou-o em rota de colisão com Druso, o Jovem. E, segundo os relatos dos historiadores antigos, Sejano conseguiu seduzir a própria esposa do rival, Livilla, de quem ele tornou-se amante.
Em 23 D.C., Druso, o Jovem, morreu, acometido de uma doença misteriosa. Devastado, Tibério largou de vez o Império nas mãos de Sejano e, em 26 D.C., o imperador exilou-se voluntariamente na Ilha de Capri, em sua magnífica Villa (vide foto das ruínas, abaixo).
Sejano aproveitou para perseguir sua desafeta, Agripina, a Velha, viúva de Germânico, e os filhos dela, especialmente Druso César e Nero César, que tinham sido adotados por Tibério após a morte do filho e passaram a ser os herdeiros oficiais do trono. Agripina e seus dois filhos foram acusados de crimes contra os costumes perante o Senado, mas somente após a morte da imperatriz Lívia, em 29 D.C., Sejano conseguiu obter o exílio deles, em 30 D.C..
(Agripina, a Velha)
Com a morte de Lívia, os filhos de Germânico, Calígula e Drusila, que moravam com ela, foram viver com Antônia, que passou a ser a grande matriarca da dinastia dos Júlio-Cláudios. Consta que, certa vez, enquanto o casal de netos já vivia com Antônia, ela teria surpreendido Calígula e sua irmã Drusila na cama (Suetônio, “Vida de Calígula“, 24, 1).
Não se sabe se o referido incesto foi uma das causas, mas pouco depois do episódio, Calígula foi morar com Tibério, em Capri.
Drusilla, sister of Caligula? Marble. Munich, Glyptotek.
(Calígula e sua irmã, Drusila)
Para grande surpresa de todos, em 31 D.C., Sejano foi acusado em uma carta de Tibério lida no Senado, e, imediatamente preso e executado.
Segundo as fontes, foi Antônia quem denunciou os crimes de Sejano a Tibério, por meio de uma carta que ela enviou ao imperador em Capri, detalhando os atos conspiratórios do subordinado. O mensageiro foi o antigo escravo e liberto de Antônia, Marcus Antonius Pallas, sendo o episódio relatado pelo historiador judeu romanizado Flávio Josefo, em sua obra “Antiguidades Judaicas” (em outra versão, foi a ex-escrava, e também liberta de Antônia, Antonia Caenis, quem portou a carta).
Após as execuções de Sejano e de seus filhos, a viúva de Sejano, Apicata, transtornada, denunciou a Tibério que o seu falecido marido, ajudado por sua amante Livilla, foi o responsável pelo envenenamento do filho do imperador, Druso, o Jovem, ocorrido oito anos antes.
Entretanto, tão grande era agora o respeito que Tibério demonstrava em relação a Antônia, que, ao invés de mandar executar Livilla, o imperador entregou-a à mãe, na casa de quem a nora deveria ficar em prisão domiciliar. Então, segundo o historiador romano Dião Cássio,Antônia teria mandado trancar a filha em um quarto, no qual a severa matrona teria deixado Livilla morrer de fome.
Após a morte de Tibério, em 37 D.C., Calígula assumiu o trono e, inicialmente, agiu com reverência para com sua avó Antônia, fazendo o Senado decretar que ela recebesse todas as homenagens que Lívia havia recebido, incluindo o título de “Augusta”, que, entretanto, teria sido recusado por Antônia.
Todavia, Suetônio relata que logo o tratamento que Calígula dispensava à Antônia amoldou-se ao padrão tirânico e tresloucado que passou a marcar o seu reinado. Certa vez, ao receber um conselho da avó, Calígula teria respondido, com rudeza: “Lembre-se de que eu tenho o direito de fazer o que quiser a qualquer um” (Suetônio, “Vida de Calígula“, 29, 1). Depois, Calígula passou a só aceitar receber Antônia na presença do Prefeito Pretoriano Macro (Suet. “Vida de Calígula”, 23, 2).
Talvez abalada por esses desaforos do neto, Antônia, a Jovem faleceu, em 1º de maio de 37 D.C., com a idade avançada de 72 anos. Segundo o relato, Calígula não compareceu ao velório público da avó, preferindo assistir à cremação do corpo dela da varanda de sua sala de jantar.
Como assassinato de Calígula, em 41 D.C., Cláudio, o filho tão rejeitado por Antônia, tornou-se imperador. Um dos primeiros atos dele foi conferir, pela segunda vez, o título de “Augusta” à falecida mãe, além de decretar a celebração de jogos em comemoração ao aniversário dela.
Postumamente, através de seus libertos Pallase Antonia Caenis, Antônia exerceu muita influência nos reinados de Cláudio e Nero, e, mesmo após o fim da dinastia dos Júlio-Cláudios, no reinado de Vespasiano.
Pallas, por exemplo, foi o poderoso Secretário do Tesouro de Cláudio e Nero, tornando-se também um dos homens mais ricos do Império. Ele apoiou Agripina, a Jovem, sobrinha de Cláudio e mãe de Nero, ajudando-a tornar-se imperatriz. Nesse particular, parece que Pallasabsorveu e deu continuidade ao já referido desígnio de sua antiga senhora, Antônia, de reforçar os laços dinásticos entre os Júlio-Claudios.
Além disso, Antonia Caenis, por exemplo, foi amante e companheira de toda a vida de Vespasiano, e tudo indica que ela persuadiu a sua senhora, Antônia, a ajudá-lo bastante em sua carreira pública, especialmente durante o reinado de Cláudio. E, quando Vespasiano tornou-se imperador, Antonia Caenis passou a ocupar a posição equivalente a de uma imperatriz de fato, embora não de direito.
CONCLUSÃO
Dentro dos estritos limites que a sociedade patriarcal romana reservava às mulheres, Antônia, a Jovem conseguiu ter um papel relevante na História de Roma. Ela foi importante para assegurar a consolidação da dinastia dos Júlio-Cláudios., que, sem ela, bem poderia ter terminado com o reinado de Tibério
(Aureus – moeda de ouro – com a efígie de Antônia Augusta, cunhada no reinado de seu filho, Cláudio)
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