POR QUE ASSASSINARAM CÉSAR?

Para os conspiradores que esfaquearam César no Senado, a resposta para essa pergunta seria muito simples: “Porque ele era um tirano que planejava tornar-se rei e acabar com a República”. Eles inclusive chegaram a alegar que agiram com base em uma antiga lei grega que não apenas autorizava, mas até exigia,  que qualquer um que tivesse a oportunidade deveria matar o tirano, não sendo, assim, o tiranicídio, um crime, mas, em verdade, um ato em defesa da Democracia.

O estudo da História de Roma, porém, demonstra que a morte violenta de César era uma questão muito mais complexa do que um tiranicídio…

Nosso artigo, escrito nos dias que precedem  o dia 15 de março – os Idos de março de acordo com o calendário romano – e o mais célebre de todos, o dia 15 de março de 44 A.C., quando o Ditador Caio Júlio César foi morto na Cúria do Teatro de Pompeu, em Roma, é tentar contextualizar o assassinato na História da República Romana.

ANTECEDENTES HISTÓRICOS

Desde a sua fundação, surge, em Roma, uma acirrada luta pelo poder,  opondo o restrito grupo de clãs familiares aristocráticos (gens), cujos integrantes foram inicialmente chamados de “patrícios” contra a maioria da população livre que não fazia parte daquele grupo, compreendendo pequenos proprietários de terras, comerciantes e proletários (pessoas que vendiam sua força de trabalho a empregadores), que constituíam a “Plebe”.  Os patrícios julgavam-se os responsáveis pela Fundação da Cidade, pela sua posterior libertação do domínio etrusco e pela expulsão dos reis, ou seja, eles consideravam-se os fundadores da “Respublica Romana“.

Essa distinção Patrício x Plebeu era sobretudo censitária: plebeu era todo aquele que não fora arrolado como patrício pelo Censor, o magistrado encarregado de fazer o censo, naturalmente um patrício.

E assim, a República Romana não tinha ainda 15 anos, quando, em 495 A.C, os plebeus, insatisfeitos com os privilégios dos patrícios, ameaçaram abandonar Roma e fundar outra cidade. Conflitos como esses se repetiriam várias vezes, e, ao final deles, os plebeus conseguiram expandir seus direitos e limitar as prerrogativas dos patrícios, como por exemplo, quando eles impuseram a obrigação de publicação escrita das leis,  ao obterem os direitos de elegerem magistrados com poder de veto (Tribunos da Plebe) e de serem eleitos para todas as magistraturas, e,  finalmente, isso após prolongada luta, conquistarem o reconhecimento da força legislativa das votações de suas assembleias (“Concilium Plebis“, isto é Conselho ou Concílio da Plebe), em 287 A.C.

Comitium_Kontext-601x338(O”Comitium” era o local no Fórum Romano, em frente à Cúria do Senado, onde se realizava o Concilium Plebis, a assembleia dos plebeus. Sua aparência em meados do período republicano devia ser a da reconstrução acima, que foi extraída de http://www.digitales-forum-romanum.de/gebaeude/comitium/?lang=en )

Durante o crescimento e a expansão de Roma pela Península Italiana e pelo Mediterrâneo, houve a incorporação de vários povos italianos e inúmeras cidades e a fundação de colônias, não só na Itália, mas, também no sul da França e na Espanha, assentando-se nas mesmas soldados veteranos e povoando-as com cidadãos romanos que para lá migravam em busca de oportunidades. Aumentou, também, em decorrência dessa expansão,  o influxo de produtos e riquezas para Roma, enriquecendo muitos plebeus.

Esse processo de criação de uma nova classe de plebeus ricos, levou, ao longo de dois séculos, a uma reformulação da classe dos patrícios: O influxo de plebeus “novos ricos” foi absorvido,  ou melhor poderíamos dizer, cooptado, pela antiga elite patrícia, passando todos a fazer parte de uma nova classe informal, porque não reconhecida então pela legislação romana, chamada de “Nobilitas” (nobreza),  a qual incluía os antigos patrícios e vários plebeus muito ricos.

A ascensão social do plebeu rico era possibilitada pela própria evolução democrática da República Romana, fruto da luta secular da Plebe. Com a conquista do direito de serem votados para ocupar quaisquer cargos, eles podiam percorrer integralmente e em ordem crescente todas as magistraturas (ou cargos públicos), carreira que recebia o nome de “Cursus Honorum“, até chegarem ao Senado Romano. O plebeu que conseguisse chegar ao cargo de Cônsul, automaticamente ingressava no Senado e passava a integrar a nobreza (apelidava-se, então, a esses senadores “sem pedigree”, de “Novus Homo” – um “homem novo”).

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Teoricamente, os plebeus, desde o século III A.C, haviam adquirido a proeminência política em Roma, já que somente eles poderiam eleger os Tribunos da Plebe,  os quais tinham o poder de vetar qualquer leis, inclusive as emanadas do Senado (Senatus Consultus) e qualquer ato dos demais magistrados e, também,  de intercederem em qualquer ato em favor dos plebeus (“intercessio“). Porém, os atos do Tribuno da Plebe, ao contrário, não podiam ser objeto de veto. Aos Tribunos da Plebe era conferida a sacrossantidade, significando não podendo serem presos e nem seus passos impedidos, nem seus atos obstaculizados. Para completar, eles podiam convocar um Conselho da Plebe, onde somente os plebeus tinham direito a voto, com o poder de promulgar leis (“plebiscita” ou plebiscito).

Não obstante, todo esse poder conferido aos Tribunos e Concílios da Plebe raramente era usado. Eram tempos em que Roma se achava em quase permanente estado de guerra, os magistrados no front de batalha e a administração e a política eram conduzidas, quase que exclusivamente, pelo Senado, ao qual todos reconheciam o patriotismo e a abnegação pela causa romana.Esse regime, teoricamente democrático, na prática começou a ser erodido pelo Senado Romano, dominado pela nobreza, da seguinte forma: os Senadores, uma vez ingressados naquele Corpo, eram vitalícios e invioláveis. Os demais magistrados, porém, exerciam um mandato temporário, normalmente de um ano. Assim, ao deixarem o cargo,  eles podiam ser processados. Essa vulnerabilidade, ao longo do tempo, acarretou que todos os magistrados evitassem agir em desacordo com o Senado, procurando sempre consultá-lo antes de qualquer ato importante, para se garantir contra eventuais questionamentos futuros.

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(A Cúria Júlia, onde se reunia o Senado Romano, foi erguida por Júlio César e reconstruída diversas vezes durante o Império Romano. O prédio atual data do reinado do imperador Diocleciano)

Considerando que as eleições para as magistraturas exigiam campanhas que eram  bem custosas para a esmagadora maioria dos plebeus, frequentemente os candidatos, inclusive para o cargo de Tribuno da Plebe, endividavam-se, ou, quando exerciam outros cargos públicos, desviavam recursos públicos para as suas campanhas, ficando passíveis de serem processados pelos inimigos ao término de seus mandatos.

O que acontecia, então, era que majoritariamente apenas plebeus ricos ou aristocratas supostamente simpáticos à causa da Plebe concorriam ao cargo de Tribuno da Plebe. As poderosas prerrogativas do cargo eram disputadas em concorridas eleições, onde homens ambiciosos despejavam dinheiro para comprar votos dos eleitores plebeus. Os candidatos também frequentemente recorriam a bandos armados, com o objetivo de intimidar os adversários pela violência.

Logo, o Senado percebeu que poderia controlar os comícios da plebe se controlasse os Tribunos, já que eram eles que convocavam e presidiam essa assembleia popular.  E, não poucas vezes, na História de Roma constata-se que houve Tribunos que,  na realidade, atuavam em favor dos interesses da elite, como se fossem verdadeiros “pelegos“.

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A aparente constituição democrática de Roma, assim, na prática, degenerara em uma disputa parecida com as que hoje vemos em nações do chamado “3º Mundo”, temperada por aspectos de uma guerra entre “famiglias” da Máfia Italiana,  cenário aliás muito bem retratado nos primeiros episódios da minissérie “Roma”.

Enquanto isso, a expansão de Roma exasperava as contradições políticas, econômicas e sociais internas. Era necessário dar participação política às elites das inúmeras cidades incorporadas ou fundadas não só na Itália, mas também no Sul da França, Espanha, Norte da África e na Grécia.

Mais importante, havia a questão da grande extensão de terras agriculturáveis anexadas ao “Ager publicus” e que eram cedidas para um grupo seleto de nobres senadores ou para ricos integrantes da classe equestre. Essas terras eram exploradas em sistema de latifúndios, cultivados em larga escala com o emprego da grande massa de escravos que resultava das vitórias militares. Tal fenômeno expulsava do campo o pequeno agricultor livre, outrora o esteio do poder militar romano, incapaz de competir com os latifúndios operados em grande escala comercial. Esses pequenos agricultores falidos migravam para a Cidade, à procura de trabalho, engrossando as fileiras do Proletariado. Assim, a fenda entre os aristocratas ricos e o resto não parava de aumentar…

Ademais, essa massa de proletários para sobreviver procurava a proteção de nobres poderosos, que assumiam o seu patrocínio, aumentando a sua clientela (sendo o Clientelismo uma instituição particularmente romana,  na qual se instituíam deveres entre Patrão e Cliente). Não demorou para que a aumentada clientela corrompesse o sistema eleitoral, sob a fórmula “distribua uma esmola e reclame um voto“.

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(Na imagem, clientes comparecem ao ritual conhecido como “salutatio”, o comparecimento matinal da clientela à residência do patrono para demonstrar consideração, aproveitando para pedir algum benefício ou oferecer seus préstimos)

O problema atingiu tal dimensão que provocou o surgimento, dentro da própria nobreza senatorial, de um grupo que defendia uma profunda reforma no sistema político e na estrutura socioeconômica romanos. O estreito contato com a cultura grega propiciado pela anexação das cidades fundadas pelos gregos no sul da Itália e, posteriormente, com a anexação da própria Grécia, permitiu a difusão das mais avançadas teorias políticas e filosóficas gregas no seio da elite romana.

Surgiu, consequentemente, na elite romana, uma corrente que percebia que o sistema político de Roma apodrecia, exemplificando o famoso conceito grego sobre os ciclos de degeneração das formas de organização política dos Estados: monarquia/tirania-aristocracia/oligarquia-democracia/demagogia.

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(O denário de prata mostra um eleitor romano depositando o voto na urna)

O primeiro político romano a seriamente propor e executar uma ação visando a reformar esse Sistema foi Tibério Semprônio Graco

Tibério Graco era um jovem político que trilhava a tradicional carreira das magistraturas mas que havia se decepcionado bastante com o Senado, pois este repudiara um tratado que ele havia negociado como Questor na Espanha.

Consta que no trajeto de volta da Espanha, Tibério Graco teria constatado o abandono das pequenas propriedades rurais na Etrúria, substituídas por grandes fazendas escravistas. Ele resolveu concorrer ao cargo de Tribuno da Plebe e ganhou a eleição, em 133 A.C.

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Para lidar com o problema, Tibério Graco propôs a “Lex Sempronia Agraria” – que pode ser considerada  a primeira lei de reforma agrária – prevendo a distribuição das terras devolutas, inicialmente aos soldados veteranos e, depois, ao proletariado romano. As terras que tivessem sido ilegalmente distribuídas aos ricos, em contrariedade à antiga Lex Licínia, que previa uma quantidade máxima de terra pública passível de ser cedida a particulares (mas que era largamente ignorada), deveriam também, segundo a Lex Sempronia, serem redistribuídas para os pobres, mediante o pagamento de uma indenização aos seus atuais possuidores, que, no entanto, ainda poderiam ficar com uma determinada fração delas.

A maioria conservadora do Senado se aglutinou e se opôs à Lex Sempronia, alegando que a medida abalava os fundamentos da República e fomentava a revolução social. Essa oposição cresceu,  sobretudo depois que  Tibério Graco, passando por cima do Senado, apelou ao Conselho da Plebe para aprovar a nova lei,  uma medida que,  apesar de estar de acordo com o Direito Romano, era incomum.

O Senado conseguiu convencer o outro Tribuno da Plebe, Otávio, a vetar a Lex Sempronia. Tibério Graco, entendendo que o veto de Otávio contrariava a própria finalidade do cargo de Tribuno – a de defender a Plebe contra a opressão dos nobres – submeteu  à questão ao Conselho da Plebe, pedindo que votasse pela deposição do colega. Após a votação ter começado, Otávio vetou o próprio ato que determinara a votação de seu afastamento. Graco, então, teria mandado retirar Otávio à força da assembléia e a votação prosseguiu, decidindo pelo seu afastamento.

Segundo outra versão, do historiador Apiano, quando a 18ª Tribo de Plebeus, de um total de 35, votou pela deposição do seu colega, Tibério Graco apenas cumpriu a decisão, removendo Otávio porque ele não era mais Tribuno. A diferença entre as versões é relevante, pois, como vimos, um Tribuno da Plebe era sacrossanto, e, portanto, a ação de Graco teria sido formalmente ilegal, caso a primeira delas seja a verdadeira.

O povo saudou Tibério Graco como um verdadeiro herói e, pressionado, o Senado autorizou a formação de uma comissão agrária para implementar a Lex Sempronia. Porém, desde o início, os senadores conservadores tentaram sabotar a execução da lei, liberando apenas uma pequena verba para a instalação dos trabalhos da comissão, alegando a insuficiência de fundos no Tesouro.

Entretanto, naquele mesmo ano de 133 A.C, o Rei Átalo III, de Pérgamo, aliado romano, morreu sem herdeiros, legando toda a sua vasta fortuna (e o próprio reino) à Roma.Tibério Graco viu nisso uma chance de executar seus planos e, invadindo a competência que o costume conferira ao Senado de deliberar sobre o orçamento e os assuntos estrangeiros, determinou que parte da herança de Átalo fosse usada para financiar a implementação de sua lei agrária, valendo-se dos seus poderes tribunícios.

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(Átalo III admirava os romanos e deixou o Reino de Pérgamo como herança para Roma)

O acirramento do confronto entre a maioria conservadora do Senado e Tibério Graco atingiu uma proporção incontornável. Ele foi acusado por Quinto Pompeu, um senador que era seu vizinho, o qual alegava que, nesta condição, soube que Graco havia recebido de presente de um certo Eudemus, de Pérgamo, um manto púrpura e uma coroa de ouro, devido ao fato de este pensar que Graco iria se tornar o Rei de Roma.

Aproximando-se o fim do seu mandato, aumentavam as evidências de que Tibério Graco seria processado pelo crime de violar a sacrossantidade de seu colega Otávio. Assim, Graco decidiu concorrer à reeleição, defendendo a popular plataforma de redução do tempo de serviço militar e de concessão da cidadania romana a povos aliados. Havia rumores de que um amigo seu havia sido envenenado e, por isso, temendo pela sua vida e de sua família, Graco apelou ao povo reunido em assembleia por proteção, e, de fato,  uma multidão passou a acampar em frente a sua casa com o objetivo de protegê-lo, o que lhe granjeou ainda mais simpatia popular.

Tibério Graco foi reeleito. Pouco antes do seu mandato encerrar, ele foi a um comício, apesar de advertido da existência de vários presságios desfavoráveis, estando o povo reunido no Capitólio. Lá ele recebeu a notícia de que os senadores planejavam mata-lo. Seus partidários armaram-se de porretes. Os senadores, já mal dispostos contra Tibério, interpretaram esse gesto como uma insurreição na qual seus partidários pretendiam coroá-lo rei, e exigiram que o cônsul enviasse as tropas para reprimi-la. Com a recusa deste, os próprios senadores, acompanhados de sua clientela, armaram-se de porretes e foram atacar o grupo de Tibério.

Na confrontação que se seguiu,,Tibério Graco e 300 de seus seguidores foram mortos a porretadas e pedradas e seus corpos jogados no Rio Tibre. Consta que o primeiro golpe contra a cabeça de Tibério Graco foi dado por seu novo colega, o Tribuno Publius Satyreius. Segundo Plutarco, esta foi a primeira vez que um conflito político entre cidadãos em Roma degenerou em um banho de sangue. Em seguida, vários partidários de Graco foram exilados, presos e até executados sem julgamento.

Temendo a reação do povo indignado, o Senado informou que iria implementar a Lex Sempronia, mas na prática, ele continuou impondo várias dificuldades para a sua execução.

As tensões e contradições políticas e sociais que Tibério Graco tentou solucionar não morreram com ele. Uma década mais tarde, seu irmão, Caio Graco tentou aprovar um programa ainda mais radical do que o de Tibério. Considerado então o melhor orador de Roma,  Caio foi eleito Tribuno da Plebe em 123 A.C. Em uma trajetória parecida a do seu falecido irmão, ele também acabou sendo falsamente acusado de crimes e morto em um conflito sangrento entre facções.

Eugene_Guillaume_-_the_Gracchi(Escultura “Os Gracos”, de Eugene_Guillaume)

Com a morte de Caio Graco, em 121 A.C, torna-se explícita a divisão da política e do Senado romanos em duas facções: a maioria conservadora aglutinou-se em um grupo que foi batizado de “Optimates” (literalmente, os “Muito Bons” ou “Melhores”), que entendiam que a República deveria ser conduzida pelo Senado, mantendo-se as leis e costumes tradicionais (mos maiorum) em benefício dos cidadãos romanos tradicionais, sobretudo os Nobres; Por sua vez, aqueles que defendiam que o poder deveria emanar dos Concílios da Plebe, limitando o poder do Senado, que a cidadania deveria ser estendida aos povos aliados e que a maior parte dos recursos do Estado deveria ser empregada em benefício dos cidadãos mais pobres, foram chamados de “Populares“. Optimates e Populares não devem, entretanto, ser considerados partidos políticos no sentido moderno.

Death_of_Gaius_Gracchus(A morte de Caio Graco, pintada em 1792. Por François Topino-Lebrun )

A partir de então, a oposição entre Optimates e Populares, quase sempre degenerando em violência e guerra civil, marcaria a política romana até o fim da Guerra Civil do 2º Triunvirato e a ascensão de Augusto como primeiro imperador, em 27 A.C.

Quinze anos depois da morte de Caio Graco, a questão social, segundo Plutarco, havia piorado ainda mais e as reformas dos Gracos tinham sido abandonadas pelo Senado. Aumentava sem parar a massa de proletários expulsos de suas terras e cada vez mais o número de cidades e territórios controlados pelo Estado Romano, sem que os aliados tivessem qualquer participação política e gozassem dos inúmeros direitos conferidos aos cidadãos romanos.

Esse período é marcado pela ascensão de Gaius Marius (Caio Mário), um brilhante general sem estirpe que conseguiu ser eleito Cônsul, tornando-se um “Homem Novo” (Novus Homo). Mário era hostil ao Senado e  também é considerado um integrante da facção dos Populares.

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A principal reforma de Mário, fundamental na História de Roma, foi reorganização do Exército Romano. Até então, somente cidadãos livres que fossem proprietários de terras podiam ser recrutados como soldados, já que eles deveriam pagar o seu próprio uniforme e equipamento. Porém, o aumento demasiado dos latifúndios cultivados por escravos levou a uma grande diminuição do número de pequenos proprietários rurais (proletarização), prejudicando o recrutamento militar. Mário instituiu que o Estado deveria pagar um salário e fornecer armas e vestuário para os soldados, criando um exército permanente que recrutaria, basicamente, os proletários urbanos de Roma e das cidades italianas. Terminava, assim, a era da milícia de cidadãos e inaugurava-se a era do primeiro exército profissional moderno da História.

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( Um típico legionário romano após as Reformas de Mário. Os soldados ficariam conhecidos como “Mulas de Mário” por terem que carregar todo o seu equipamento)

Mário era casado com Júlia, irmã do pai de Caio Júlio César, e portanto, era tio deste. Ele seria cônsul por 7 vezes, entre 107 A.C. e 86 A.C., frequentemente entrando em atrito com a maioria conservadora do Senado Romano. Mário seguiu uma linha de atuação política que pode ser descrita como “populista”.

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(Denário de Mário. Difícil não associar a imagem do agricultor lavrando o solco com as políticas defendidas pelos Populares)

Os Optimates encontraram seu campeão na pessoa do ultraconservador e tradicionalista Lucius Cornelius Sulla (Lúcio Cornélio Sila), membro de uma antiga família patrícia, ele também um prestigiado general.

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O conflito entre Mário e Sila ecoava a disputa entre os Populares e os Optimates. No momento em que ambos disputaram importantes comandos militares, Mário, ilegalmente, ignorou a designação de Sila pelo Senado, levando este a se insurgir militarmente.

Após derrotar as forças de Mário em combate, Sila marchou contra a própria Roma e entrou, à testa de suas forças, no “Pomerium” (fronteiras sagradas da cidade de Roma), o que era expressamente proibido pela lei romana. Ele foi o primeiro general romano a ousar praticar esse fato, considerado como um grande sacrilégio. Sila perseguiu os partidários de Mário e revogou a maior parte dos seus atos. Mas Mário conseguiu escapar e se exilou na África.

Entretanto, Sila foi obrigado a deixar Roma e ir combater Mitridates, poderoso Rei do Ponto, na atual Turquia, que havia ordenado o massacre de milhares de civis romanos naquela região (as fontes relatam que 80 mil romanos foram mortos).

Aproveitando a situação, Mário voltou da África e conseguiu assumir de novo o governo, sendo eleito para o seu sétimo consulado. Mas,  sendo ele já velho e estando muito doente, Mário acabou morrendo no meio do primeiro mês de seu mandato, em 86 A.C., aos 70 anos de idade, deixando no poder seu colega de consulado, Cina, um correligionário político que apoiava a facção dos Populares. Deve-se observar que esta última volta ao poder de Mário também foi marcada pela perseguição sangrenta aos seus inimigos políticos.

Com a morte de Mário, Cina ficou no poder, ocupando sucessivos consulados até 84 A.C,. Nesse período, ele adotou medidas que faziam parte do ideário dos Populares, como por exemplo, a concessão de cidadania aos italianos, até ele ser morto pelas suas próprias tropas quando elas se preparavam para ir lutar contra Sila.

Neste mesmo ano de 84 A.C., Caio Júlio César casou-se com Cornélia, filha de Cina, o que demonstra a plena inserção do jovem sobrinho de Mário na facção dos Populares.

Quando Sila retornou à Itália e assumiu o governo, sendo nomeado Ditador, ele desencadeou uma grande perseguição aos simpatizantes de Mário e da facção dos Populares, chegando a executar 1.500 nobres e 9 mil pessoas no total, além de exilar outros tantos. E um dos que tiveram que fugir para preservar a vida foi o jovem Júlio César. Logo, familiares e conhecidos do rapaz apelaram a Sila para que ele fosse poupado. Porém, quando o Ditador exigiu que César se divorciasse de Cornélia,  aquele galantemente recusou-se. Sila, mesmo assim, vencido pela insistência dos pedidos, concordou em poupar o rapaz, não sem antes advertir aos senadores:

Há vários Mários em César“…

Como Ditador, as leis e decretos instituídos por Sila ordenaram a restauração dos privilégios do Senado e a restrição do poder legislativo dos Concílios e dos Tribunos da Plebe, que foram transformados praticamente em meros defensores públicos de indivíduos de condição humilde. Ele também regulamentou o Cursus Honorum e o número das magistraturas, aumentando em consequência o número de senadores de 300 para 600 membros, com a finalidade de cimentar a coesão da elite e proporcionar que o Senado pudesse executar mais funções administrativas. Por fim, ele também declarou MárioInimigo do Estado“, mandando banir quaisquer referências à sua memória (damnatio memoriae).

Surpreendentemente, acreditando ter restaurado o poder do Senado, Sila decidiu voluntariamente se retirar da vida pública e voltar para suas propriedades, em 81 A.C, falecendo, provavelmente de cirrose ou úlcera gástrica, em 78 A.C.

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Mesmo que essa não fosse a intenção deles, na prática, Mário e Sila implodiram as fundações da República Romana, pois as ações de ambos demonstraram que as assembleias políticas, tanto a dos plebeus (Concílios), quanto a dos nobres (Senado), não tinham mais o poder de solucionar e arbitrar os conflitos de interesses entre os grupos políticos e as classes sociais.

Agora, o palco estava montado para um tipo diferente de espetáculo e para  que os atores pudessem atuar nos papéis principais,  não bastava que eles tivessem talento político, mas, além disso,  deveriam também ser bons generais…

De fato, após Mário e Sila,  seria aos generais ambiciosos que as duas facções políticas do Senado iriam recorrer, e as disputas políticas  agora seriam resolvidas no campo de batalha.

Mário de fato criara as condições para isso, ao conceber um exército de soldados profissionais recrutado entre proletários desempregados que deviam seu emprego e sua lealdade ao Cônsul que os recrutara. E fora Sila o primeiro a se valer de um exército como esse para entrar em Roma à força com o objetivo de derrubar o governo, realmente criando o precedente, e também inaugurando o costume de recompensar regiamente os seus veteranos com as terras confiscadas dos adversários políticos proscritos.

Um desses generais ambiciosos foi Gnaeus Pompeius (Cneu Pompeu). O Senado, sem dispor de meios militares, já tinha se valido do jovem e talentoso general para derrotar as forças contrárias a Sila , na Sicília e na África, e depois as de Lépido, que pretendia restaurar o poder dos Tribunos e realizar outras reformas de interesse dos Populares.

Pompey the Great. Marble. Beginning of the 1st century A.D. Inv. No. 733. Copenhagen, New Carlsberg Glyptotek.(Cabeça de mármore de Pompeu, o Grande)

Em um indício de que a ordem tradicional estava com os dias contados, o Senado, quebrando todos os precedentes, concedeu a Pompeu a honra de celebrar dois triunfos, apesar de ele  sequer ser um magistrado e, em 70 A.C, ignorando todas as normas, ele foi nomeado Cônsul, embora não fosse um senador.

Ironicamente, Pompeu conseguiu compelir o Senado a fazer isso aliando-se com ninguém menos do que os Populares, os quais, até então, ele havia perseguido. Para obter o apoio deles, Pompeu comprometeu-se a revogar os decretos de Sila que retiraram os poderes dos Tribunos da Plebe e dos Concílios.

Foi nessa época que Caio Júlio César entrou oficialmente na política, e a sua adesão à causa dos Populares ficou explícita quando, em 69 A.C, ele, no funeral de sua tia Júlia, a viúva de Mário, pronunciou um discurso fúnebre, onde exaltou a memória de seu tio Mário, discursando a frente de uma imagem do grande general falecido, coisa que não era vista em Roma desde o governo de Sila,  por força da damnatio memoriae.

E foi, de fato, como integrante da facção dos Populares que César seguiu a carreira política, em um período de acirramento da oposição entre eles e os Optimates. O astuto César, contudo, também procurou mostrar-se palatável para os conservadores, como ilustra o fato dele, tendo recém ficado viúvo de Cornélia, ter se casado com Pompéia, que era neta de ninguém menos do que Sila, o inimigo figadal dos Populares, sendo que o casamento ocorreu em 67 A.C.

Contudo, para ganhar eleições e atingir os cargos mais altos, César, como todos os demais políticos romanos, precisava de muito dinheiro, e ele já tinha se endividado bastante para se eleger para o cargo de Questor. Portanto, de muita utilidade tornou-se a sua recente amizade com o aristocrata Marco Licínio Crasso, um dos homens mais ricos de Roma, que disputava a primazia política com Pompeu (eles tinham sido colegas de consulado, em 70 A.C.). Note-se que Crasso também apoiara, como Cônsul, a restauração dos poderes dos Tribunos da Plebe, apoio este que o afastou da facção dos Optimates, aproximando-o dos Populares.

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(Cabeça de mármore de Crasso, foto de Gautier Poupeau )

Com o apoio financeiro de Crasso, César conseguiu se eleger para o cargo de Edil, em 65 A.C. Os Edis eram magistrados encarregados de vários serviços urbanos em Roma, incluindo a promoção de jogos públicos, e César aproveitou este cargo para agradar a Plebe promovendo espetáculos suntuosos, o que obviamente tornou-o muito popular. Começava, assim, a nascer a política do “Pão e Circo” (“Panem et Circensis“)…

Depois de exercer a edilidade, César gastou rios de dinheiro na eleição para o prestigioso posto de “Pontifex Maximus“, o chefe dos cultos oficiais do Estado e, apesar dele não ser o favorito, César venceu o certame, em 63 A.C.

Então, a política em Roma tinha-se tornado altamente violenta e corrupta, e a República em frangalhos convidava os homens ambiciosos a tentarem a sorte na disputa pelo poder supremo, o que, obviamente, encontrava obstáculo no tradicionalismo da elite senatorial. Para ocupar os cargos mais importantes, contudo, os sequiosos de poder ainda precisavam de votos.

O aristocrata Lúcio Sérgio Catilina foi um desses políticos que, através da demagogia e dos subornos, atraía uma grande clientela e seguidores. Como ele não conseguira ser Cônsul, por ter sido barrado por Marco Túlio Cícero (ele também um “Novus Homo“), Catilina uniu-se à facção dos Populares e passou a defender uma nova lei agrária ampliando a Lex Sempronia .

Cicero_(1st-cent._BC)_-_Palazzo_Nuovo_-_Musei_Capitolini_-_Rome_2016(Busto de Cícero, nos Museus Capitolinos, foto de José Luiz Bernardes Ribeiro)

Contudo, não obtendo sucesso nas eleições de 63 A.C, apesar de apoiado por Crasso e César, Catilina arquitetou uma conspiração visando suprimir o próprio Senado Romano, em uma trama que foi descoberta e denunciada publicamente por Cícero em sessão do Senado, em suas famosas “Catilinárias“. Desse modo, Catilina foi facilmente derrotado e morto pelas tropas legalistas.

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César, embora fosse aliado de Catilina, não teve participação na conspiração, chegando até a informar Cícero da trama, Não obstante,  César defendeu, nos debates no Senado, que os conspiradores presos não deviam ser executados, como queriam Cícero e o senador ultraconservador Catão, uma vez que a lei não previa nem a pena de morte, nem que a competência para o julgamento fosse do Senado, para aquele tipo de caso. Mesmo assim, os conspiradores foram executados, por ordem ou instigação de Cícero, alegando-se motivos de “Segurança do Estado“.

Apesar da conspiração de Catilina ter colocado em risco a sua carreira política, César conseguiu se eleger para o cargo de Pretor, em 62 A.C. E, segundo a lei romana, após cumprir este mandato, ele fazia jus a ser indicado para governar uma das províncias romanas, no seu caso, a Hispânia, como Propretor. Os costumes romanos admitiam que o governador ficasse com uma parte dos tributos arrecadados dos súditos provinciais, sem falar do produto do que fosse saqueado das tribos ainda rebeldes, desde que não houvesse muitos exageros no processo. Assim, após assumir o governo da província, César, após derrotar várias tribos celtiberas, aproveitou esta oportunidade para conseguir o dinheiro necessário para pagar a sua legião de credores em Roma.

Entrementes, naquele ano, após uma prolongada e vitoriosa campanha militar no Oriente, Pompeu voltou à Roma, e, para a surpresa geral de todos, ele entrou na Cidade como um simples cidadão e sem exército. Provavelmente, foi um gesto politicamente calculado para obter o apoio do Senado e do povo, demonstrando ser ele, Pompeu, um cidadão cumpridor da lei e dos costumes tradicionais.

Contudo, Pompeu não gozava nem da simpatia dos conservadores, devido à revogação das leis de Sila que restringiam o poder tribunício, nem dos Populares, dado o seu histórico de lutas contra os mesmos. Assim,  o Senado decidiu não recompensar os soldados veteranos de Pompeu com terras, deixando-o muito contrariado.

Assim, quando César voltou à Roma, no ano 60 A.C, ele viu a oportunidade de conjugar sua ambição com as dos dois homens mais poderosos de Roma: Pompeu e Crasso, pois ambos estavam insatisfeitos com os Optimates que controlavam o Senado. Eles, então, formaram a aliança política que ficou conhecida como o “Primeiro Triunvirato”.

A aliança política foi cimentada pelo casamento de Pompeu com Júlia, filha única de César. Vale ressaltar que, mesmo se tratando de um casamento arranjado, e apesar da diferença de idade entre os noivos (ele tinha 47 anos e ela, 24), os esposos acabariam se apaixonando, e,  anos mais tarde, Pompeu sofreria muito com a morte prematura de Júlia, no parto de uma menina que também não sobreviveu).

Com a eleição de César para Cônsul, em 59 A.C. o Triunvirato assumiu o poder de fato em Roma. Apesar da violenta oposição dos Optimates, liderados por Catão, o Jovem, e do seu colega de consulado, Bíbulo, também integrante da facção, César conseguiu aprovar uma legislação dando terras na Campânia para os veteranos de Pompeu. Ele também conseguiu perdoar um terço das dívidas de impostos dos agricultores. Por sua vez, o seu correligionário Clódio conseguiu aprovar uma lei especial determinando o exílio de Cícero, como punição pela execução dos conspiradores de Catilina sem julgamento. Essa mesma lei também designou o adversário Catão para governar a distante Chipre, o que equivalia, na prática, a um exílio, afastando-o do Senado. Contudo, muitas dessas iniciativas de César foram executadas em desacordo com a lei romana, algo que o deixaria vulnerável à retaliação dos adversários, em tempos futuros.

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(O chamado “Busto de Tusculum” é considerado pelos especialistas o único busto existente que foi produzido durante a vida de César)

Os Triúnviros também decidiram dividir o governo das províncias romanas entre si e, então, César escolheu controlar as Gálias Cisalpina e Narbonense, além da Ilíria, autonomeando-se Procônsul, com mandato de 5 anos, a partir de 58 A.C.

A escolha da Gália tinha um motivo: César constatara que lhe faltavam as glórias militares de Pompeu , que já havia derrotado Sertório, na Espanha, a rebelião do gladiador Espártaco (junto com Crasso), na Itália, os piratas do Mediterrâneo e o rei Mitridates, anexando o Reino do Ponto à Roma, entre outras vitórias, as quais lhe valeram o apelido de Magno, ou “o Grande” e, ainda, em menor escala, os louros de Crasso.

Assumir o governo da Gália permitiu a César arquitetar o plano que lhe colocaria no mesmo plano dos seus colegas: A anexação da Gália Transalpina, povoada pelos temidos gauleses, que, séculos atrás, em 390 A.C, tinham até saqueado e incendiado Roma. O pretexto foi a necessidade de fazer um ataque preventivo, devido ao fato de tribos aliadas dos romanos terem sido atacadas por gauleses e germânicos que, supostamente, pretendiam migrar para a Gália Cisalpina, ou seja, a parte da Itália que fica ao sul dos Alpes.

Em nove anos de guerra, César derrotou completamente os gauleses e anexou toda a Gália. Para alguns, essa teria sido a maior contribuição de César à História, pois, sem isso, não existiria a França e, consequentemente, a Europa e sua civilização seriam completamente diferentes.

A vitória na Gália deu a César não somente uma aura de herói nacional e de general brilhante, mas também o exército mais disciplinado e bem treinado de Roma, além de muito dinheiro proveniente dos saques, afinal os gauleses eram um povo muito próspero.

Mas, enquanto César lutava na Gália, ele certamente mantinha um olho nos assuntos domésticos…

Com efeito, em Roma, o cimento que mantinha unido o Triunvirato começava a amolecer…Pompeu, aparentemente se ressentia do brilho das conquistas militares de César, as quais ameaçavam ofuscar as suas próprias. Talvez por isso, ele manobrou para trazer Cícero de volta à Roma e os dois acabaram se aproximando.

Em 57 A.C., Pompeu recebeu poderes extraordinários do Senado para cuidar do abastecimento de cereais de Roma, o que o colocava em uma excepcional posição em relação aos outros dois colegas, no que tange a capacidade de angariar as simpatias da Plebe. Já as relações entre Crasso e Pompeu, que nunca tinham sido boas, também iam de mal a pior.

Os nobres conservadores aproveitaram as dissensões entre os Triúnviros e conseguiram eleger um dos seus integrantes como Cônsul para o ano de 56 A.C. Por sua vez, Cícero questionou a legalidade da nomeação de César para o governo da Gália.

Percebendo o risco ao Triunvirato e a si mesmo, César deixou o comando da campanha da Gália com seus lugares-tenentes e convocou Pompeu e Crasso para uma reunião em Lucca, cidade romana na fronteira da Itália com a Gália Cisalpina, em abril de 56 A.C.

Nesse encontro, que passaria à História como a “Conferência de Lucca“, César, Pompeu e Crasso resolveram as suas diferenças, estabelecendo que os dois últimos seriam candidatos a Cônsul no ano seguinte, com o apoio de César. Assegurada a eleição, os novos cônsules promulgariam uma lei prorrogando o mandato do proconsulado de César na Gália por mais 5 anos, sendo que, após o término do consulado de Pompeu e Crasso, eles seriam designados procônsules, respectivamente da Hispânia e da Síria, também pelo prazo de 5 anos.

O adversário de Crasso e Pompeu na eleição para o consulado de 55 A.C, era Lúcio Domício Enobarbo, um fervoroso membro da facção dos Optimates, casado com a irmã do líder Catão, o Jovem. Ele prometeu proibir a prática de compra de votos dos eleitores e revogar o comando de César na Gália. Porém, no dia da eleição, ele foi expulso à força do Campo de Marte pelos partidários dos Triúnviros, com o reforço de mil soldados enviados por César, uma ação que garantiu a vitória de Crasso e Pompeu.

Os novos cônsules executaram os termos do acordo da Conferência de Lucca, através da “Lex Pompeia Licinia“, garantindo a recondução de César para a Gália e o proconsulado da Síria e da Hispânia para Crasso e Pompeu, respectivamente.

O destino, porém, abalaria a recém obtida estabilidade do 1º Triunvirato: no ano de 54 A.C, Júlia, a filha de César e esposa de Pompeu, morreria no parto e, em 53 A.C, Crasso, também ele sedento de obter a glória militar contra os Partos, seria capturado e morto por estes, após a desastrosa Batalha de Carras, no que foi a pior derrota militar sofrida pelos romanos desde a 2ª Guerra Púnica, 150 anos antes…

O Triunvirato estava, assim acabado, antes de tudo, matematicamente, pela simples eliminação de Crasso. Agora, só restavam César e Pompeu. E não havia também mais a doce Júlia, a quem  o seu pai e o seu esposo eram muito devotados e a quem eles deviam muito a existência de uma relação cordial entre ambos.

Enquanto isso, desde 55 A.C, em campanha na Gália, César realizava algumas das maiores façanhas militares que Roma já vira. Ele havia derrotado um enorme horda de tribos germânicas, os Usipetes e Tencteris, e, na fuga, os sobreviventes derrotados, inclusive mulheres e crianças, totalizando cerca de meio milhão de bárbaros, foram aniquilados, a maioria, acredita-se, afogados, após tentarem cruzar a confluência entre os rios Reno e Mosela. Depois, César mandou construir uma espetacular ponte de madeira sobre o largo Reno e cruzou, pela primeira vez na História de Roma, aquele largo rio, marchando, também de forma inédita, por dezoito dias na margem oriental. Ainda naquele ano, César cruzou o Canal da Mancha e invadiu, também pela primeira vez na História, a Britânia, ficando lá também por  18 dias. E ele ainda voltaria àquela Ilha no ano seguinte.

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Pompeu, apesar de ser governador da Hispânia, permanecera todo esse tempo em Roma, recebendo as notícias das façanhas de César e sendo assediado pelos partidários da nobreza conservadora no Senado, sobretudo após a morte de Crasso, em 53 A.C. Ele certamente não se opôs que o ferrenho opositor de César, Lúcio Domício Enobarbo conseguisse se eleger Cônsul no ano anterior.

Mais sintomaticamente ainda, Pompeu recusou a proposta de César para que ambos celebrassem uma nova aliança matrimonial, na qual Otávia, sobrinha-neta de César (e irmã do futuro imperador Otávio Augusto) lhe foi oferecida em casamento. Para reforçar ainda mais o distanciamento, Pompeu, expressando sua evidente oposição à proposta de renovação da aliança política com o seu colega, casou-se, em 52 A.C., com Cornélia Metela, filha de Quinto Cecílio Metelo Cipião, que era um dos mais empedernidos membros da facção dos Optimates e, portanto, um inimigo figadal de César.

Em 52 A.C, as lutas políticas na cidade de Roma degeneraram em anarquia, com repetidos motins nas ruas, culminando no assassinato do ex-Tribuno da Plebe e membro dos Populares, Clódio, violências que resultaram inclusive no incêndio do edifício da Cúria do Senado e impediram a eleição dos cônsules naquele ano (Clódio, a bem da verdade, era um dos políticos que mais se valeram do uso político da violência das verdadeiras gangues de rua em que os “collegia”- corporações de ofício de Roma, haviam se tornado).

A situação caótica em Roma obrigou o Senado à medida extrema de nomear Pompeu como único Cônsul para aquele ano. Imediatamente, Pompeu convocou seus soldados e restaurou a ordem na Cidade. Evidenciando ainda mais a sua aproximação com os Optimates, Pompeu nomeou seu sogro Metelo Cipião como seu colega para o Consulado de 52 A.C.

Embora Pompeu ainda resistisse a tomar a iniciativa do rompimento com César, qualquer um que tivesse o mínimo discernimento político perceberia que isso era apenas uma questão de tempo. Na verdade, o motivo pelo qual Pompeu e o Senado somente ainda não haviam tomado nenhuma medida mais efetiva contra César era porque, ainda naquele ano de 52 A.C, estourara uma rebelião geral das tribos gaulesas, recém conquistadas. Unidos e liderados por Vercingetórix, os gauleses preparavam-se para um confronto definitivo contra as legiões romanas na cidade fortificada de Alésia.

Alesia_8.jpg(Reconstrução das fortificações construídas por César em torno de Alésia, foto de Christophe.Finot )

Contudo, em um mês, César não apenas sitiou Alésia, defendida por 80 mil guerreiros, como ainda derrotou a força gaulesa de 100 mil homens que tentava furar a praça sitiada, que, por sua vez,  tinham cercado os romanos. Foi indubitavelmente uma vitória espetacular que levou o prestígio de César às alturas. Apesar da fonte original sobre a campanha ser os próprios “Comentários” de César, estes são geralmente aceitos como verídicos e acurados, sendo respaldados pelas escavações arqueológicas.

Finalmente, portanto, no final de 51 A.C, após quase 10 anos de luta, César havia submetido a Gália até o Reno, equivalendo à maior parte do território da atual França.

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Terminada a luta na Gália, a facção dos Optimates no Senado imediatamente tratou de tentar decretar o o fim do comando de César para aquela campanha. E tanto os senadores conservadores quanto o próprio César sabiam que, despido ele da condição de governador e sem cargo público, César perderia a sua imunidade, sendo muitos os pretextos para processá-lo e condená-lo, na mais suave das hipóteses, ao exílio.

map 1280px-Europe_-50.png(Terminada a conquista da Gália, o mapa mostra o território da República Romana, em amarelo. Mapa de Cristiano64 / Coldeel)

Com efeito, a iminente perda da imunidade tornava-se aflitiva para César. Assim, em 50 A.C, enquanto ainda na Gália, ele tentou, sem sucesso, concorrer ao cargo de Cônsul, mas sem, contudo, abandonar o Proconsulado da Gália e continuando a comandar seus exércitos na Província, o que era proibido por lei.

César, não obstante as manobras dos Optimates, contava com o apoio do Tribuno da Plebe Caio Escribônio Curião, que, segundo alegava-se, teria sido subornado  por ele mediante o pagamento de suas dívidas por César e, de fato, Curião vetava todos os projetos de lei que pretendiam substituir César na Gália ou terminar o seu mandato.

Curião inclusive propôs uma solução conciliatória entre os partidários de César e a facção dos Optimates: César renunciaria ao comando da Gália, desde que ele recebesse permissão para concorrer às eleições para o Consulado de 49 A.C., com a condição de que Pompeu também renunciasse ao seu comando militar. Essa proposta até encontrou alguma simpatia no grupo de senadores moderados, mas o núcleo conservador do Senado, liderado pelo Cônsul Caio Cláudio Marcelo, se opôs ferozmente a ela e obstruiu a votação de qualquer proposta no mesmo sentido.

Com certeza, os senadores mais sensatos perceberam o risco iminente de uma guerra civil e apoiavam uma solução de compromisso. Assim, quando, na Sessão do Senado do dia 1º de dezembro de 50 A.C., o Cônsul Cláudio Marcelo reapresentou a proposta de substituição de César na Gália, eles, que inicialmente haviam aprovado a remoção, acabaram aprovando, por 370 votos a favor e apenas 22 contra, a emenda substitutiva apresentada por Curião, a qual estabelecia que também o comando de Pompeu deveria ser encerrado.

Marcelo, porém, recusou-se a aceitar o resultado da votação da emenda de Curião e, alegando falsamente que César havia cruzado os Alpes com 10 legiões para invadir a Itália, declarou dissolvida a Sessão, antes da aprovação do texto. Em seguida, rompendo com a ordem institucional, Marcelo e alguns integrantes da facção conservadora partiram para a residência de Pompeu para tentar convencê-lo a assumir o comando de todas as tropas na Itália, implorando que o velho general fizesse o que fosse necessário para “salvar a República”. Pompeu concordou, mas ressalvando que ele faria isso, “a não ser que fosse encontrado um caminho melhor”.

Curião, cujo mandato de Tribuno e consequente inviolabilidade terminariam em poucos dias, prudentemente decidiu fugir de Roma e ir ao encontro de César, que se encontrava em Ravena, fora dos limites da Itália Romana, acompanhado apenas da XIII Legião. Apesar de instado por Curião a marchar sobre Roma, César decidiu fazer uma nova proposta de acordo: Ele seria nomeado governador da Ilíria e manteria sob seu comando apenas uma legião, até a eleição para o consulado de 49 A.C. No entanto, essa proposta foi terminantemente recusada pelos Cônsules.

No dia 1º de janeiro de 49 A.C., César tentou sua última cartada no Senado para manter a sua carreira política: Valendo-se do novo Tribuno da Plebe, Marco Antônio, que, da mesma forma que o seu colega, Longino, eram fiéis colaboradores de César, ele enviou, por Curião, uma carta ao Senado para ser lida em sessão por Antônio. Todavia, quando Antônio começou a ler a carta, após o trecho em que César reiterava a disposição de somente deixar a Gália e desmobilizar o seu exército caso Pompeu fizesse o mesmo, ele foi interrompido aos gritos pelos senadores conservadores, e não conseguiu continuar.

Roman male portrait bust, so-called Marcus Antonius. Fine-grained yellowish marble. Flavian age (69—96 A.D.). Rome, Vatican Museums, Chiaramonti Museum.(Busto de Marco Antônio)

Metelo Cipião, o sogro de Pompeu, propôs que fosse fixada uma data para que César fosse demitido do comando na Gália e dispensasse suas tropas, após o que ele seria considerado “Inimigo Público“. A moção foi aprovada, e os únicos votos contrários foram de Curião e do senador Célio. Muito provavelmente, a explicação para a diferença entre esta votação e aquela ocorrida um mês antes foi a maciça presença de tropas de Pompeu nas cercanias de Roma…

Mas o Tribuno Marco Antônio vetou a moção e apresentou nova proposta para que fosse incluído na lei que o comando de Pompeu também se encerraria na mesma data, sendo essa idéia novamente bem recebida. Porém, novamente, o cônsul Lúcio Cornélio Lêntulo, apoiado por Metelo, dissolveu a Sessão antes que a lei com as modificações propostas  por Antônio fosse aprovada.

Em 7 de janeiro de 49 A.C, o Senado Romano aprovou o “Senatus Consultum Ultimus” declarando Lei Marcial e nomeando Pompeu como “Protetor de Roma“, isto é, na prática, um Ditador. Como era esperado, essa lei também declarou o término do mandato de César na Gália, ordenando que o mesmo entregasse o comando das suas tropas.

Em seguida, os soldados de Pompeu ocuparam Roma e Pompeu expediu uma nota dizendo que “não poderia garantir a segurança dos Tribunos“…

Marco Antônio e Cássio entenderam bem o recado e fugiram de Roma, indo ao encontro de César. Quando lá chegaram, César percebeu que não havia mais espaço para manobras políticas ou negociações. Ele teria que optar entre obedecer o Senatus Consultum Ultimus, e arriscar a sorte como um cidadão comum exposto à sede de vingança dos inimigos, ou tornar-se um rebelde e um fora-da-lei.

Na verdade, como frequentemente acontece nas guerras, revoluções ou golpes de Estado, as partes rivais sempre alegam um bom pretexto para legitimar a sua ação. O fato é que a fuga dos Tribunos da Plebe, ou, como é mais correto, a expulsão deles de Roma, violando a sua sacrossantidade legal, deu a César um bom pretexto para ele para começar a Guerra Civil.

Rimini088(Coluna de César, em Rimini, erigida para marcar o local onde César discursou para as suas tropas exortando-as a entrarem com ele na Itália. Foto de Georges Jansoone (JoJan)

No dia 10 de janeiro de 49 A.C. (data estimada), César, comandando apenas a XIII Legião, cruzou um riacho chamado Rubicão, que marcava a fronteira da Itália com a Gália Cisalpina. Ao entrar na Itália, ele violou a lei romana e era, tecnicamente, autor de um crime de alta traição. Em suas próprias palavras:

A sorte está lançada!” (alea iacta est).

Começava a Guerra Civil!

Menander_and_New_Comedy_Masks_-_Princeton_Art_Museum.jpg(Relevo do autor grego Menandro, com máscaras de teatro de Comédia. César era grande apreciador da obra de Menandro e a frase “A sorte está lançada”, ou, mais precisametne, “os dados estão lançados’, foi uma citação de uma das peças dele  – Deipnosophistes, livro XIII)

GUERRA CIVIL

Durante a confrontação política que antecedeu a travessia do Rubicão por César, os Optimates cometeram alguns graves erros de avaliação:

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Por exemplo, eles superestimaram a capacidade militar de Pompeu na Itália: Embora Pompeu tenha retido sob seu controle, irregularmente, duas legiões recrutadas por César no sul da Península, elas não eram páreo para a experimentada XIII Legião que lutara com ele na Gália.

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Da mesma forma, os Optimates também levaram em conta a seu favor o fato de que  Pompeu comandaria, teoricamente, todas as forças romanas na Hispânia, África, Egito, Grécia e Oriente, em número bem superior às 8 legiões que César tinha na Gália,

E os Optimates também confiavam  no histórico dos muitos sucessos militares de Pompeu.

Por último, os Optimates acreditavam que, pelo fato de César ter violado a proibição da lei romana de entrar na Itália com um exército,  a maior parte da população da Itália ficaria contra ele, que, ao menos formalmente, tinha se tornado um criminoso.

Mas eles não poderiam estar mais errados….

As legiões da Gália, calejadas por dez anos de guerra cruenta contra os gauleses, naquele momento eram, provavelmente, os melhores soldados do Mundo Antigo; Pompeu era um renomado general, mas estava ficando velho e não comandava uma legião, quanto mais uma campanha, havia vários anos; Ademais, ao contrário do que os Optimates esperavam, no trajeto do norte da Itália em direção a Roma, César foi aclamado triunfalmente em diversas cidades, cujas  respectivas guarnições acabavam por juntar-se ao seu exército.

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Entretanto, nem tudo ia bem para César, pois, durante o avanço sobre Roma, o seu ajudante em mais de 10 anos de luta, o hábil general Labieno, desertou e uniu-se às forças de Pompeu. Não se sabe o motivo exato da defecção de Labieno, sendo que as explicações mais plausíveis são que ele seria um legalista que via a insurreição de César como criminosa ante as leis da República ou, então, o fato de ele estar decepcionado por não ter recebido maiores recompensas por seus serviços, como por exemplo, um consulado, ficando, ainda,  talvez enciumado pela predileção que César demonstrava em relação a Marco Antônio.

Pompeu, mesmo assim, concluiu que a sua melhor estratégia era fugir para a Grécia, onde ele poderia reunir um grande exército e, já que controlava a frota romana, interceptar os carregamentos de cereais para Roma, causando ali uma fome cuja responsabilidade seria atribuída a César, enfraquecendo-o perante a Plebe.

Embora esse não fosse um plano ruim, o simples fato de ele ter que abandonar a Itália, demostra o despreparo com que Pompeu foi pego pela rápida ação de César. E isto apesar de terem sido Pompeu e os Optimates que deram o ultimato ao adversário, motivo pelo qual seria de se esperar que eles, ao menos deveriam estar de antemão preparados.

A maior parte da facção dos Optimates acompanhou Pompeu em sua retirada estratégica da Itália . Portanto, ao contrário de César, que era o indiscutível comandante supremo de suas forças, Pompeu, por diversas vezes, tinha que escutar e levar em consideração os palpites militares dos senadores mais proeminentes, muitos deles sem qualquer experiência bélica…

Não é nosso propósito, todavia, aqui narrar pormenorizadamente os eventos da Guerra Civil, mas apenas traçar um quadro explicativo dos eventos que degeneraram no desfecho sangrento dos Idos de março de 44 A.C.

Senhor da Itália, César, ainda desejoso de respeitar as formalidades legais, convocou os senadores que tinham permanecido em Roma para um encontro, realizado em 1º de abril de 49 A.C, mas muito poucos apareceram. Consta que, ofendido com as ausências dos senadores, César teria dito:

Convidei-os para se reunirem a mim na tarefa de governar Roma. Porém, se a timidez faz com que recuem diante da tarefa, não os incomodarei mais. Governarei sozinho“.

Logo depois, porém, César conseguiu convencer (ou compelir) o Senado a autorizar o uso de um fundo de reserva para construir uma frota. Todavia, em uma demonstração de que seus oponentes ainda tinham poder na Cidade, a medida foi vetada pelo Tribuno Lúcio Cecílio Metelo. Não obstante, César ignorou o veto, entrou em Roma e, ameaçando executar Metelo, lançou mão dos recursos, manu militari.

César, então, partiu para enfrentar o exército de Pompeu na Hispânia.  Este, porém, naquele momento encontrava-se na Grécia, reunindo outro exército. Por isso, César assinalou:

Parto para a Espanha para enfrentar um exército sem general e logo seguirei para enfrentar um general sem exército.”

Em Ilerda, na Espanha, César cercou o exército de Pompeu, que se rendeu em 02 de julho de 49 A.C. A partir desta vitória, César principiou um comportamento em relação aos inimigos vencidos que ele repetiria muitas outras vezes durante a Guerra Civil e que se tornaria uma de suas marcas registradas causando admiração em muitos escritores antigos: a “Clementia” de César (clemência), poupando e anistiando os adversários. Com efeito, em Ilerda,  César concedeu aos inimigos derrotados que não quiseram se juntar ao seu exército, a opção de retornarem para casa como civis.

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Esse era um comportamento tão incomum na antiguidade que o próprio exército de César, pela primeira vez desde que ele se tornara um general, amotinou-se. O motivo da revolta era que os seus soldados esperavam saquear os pertences dos vencidos. O motim, contudo, foi reprimido sem muito custo.

Voltando a Roma, César, em apenas 11 dias de estadia na capital, foi nomeado Ditador por um curto período, o que lhe permitiu convocar a eleição para o consulado de 48 A.C, para o qual ele, naturalmente, se candidatou. Ele aproveitou também para colocar seus correligionários em todos os cargos importantes e, além disso, promulgou várias leis, entre elas uma dispondo sobre o pagamento de dívidas, permitindo que fossem dados bens em pagamento, dado o grande número de romanos endividados em função das turbulências políticas. Finalmente, César também restituiu os direitos civis aos cassados durante o governo de Sila e conseguiu que Pompeu fosse declarado fora-da-lei.

De volta à campanha de César na Guerra Civil, seguiram-se o quase-desastre em Dirráquio e a surpreendente vitória em Farsália, em 09 de agosto de 48 A.C., na qual César lutou em desvantagem numérica de 1 x 3 e onde muitos Optimates foram capturados, apesar de Pompeu ter conseguido fugir para o Egito, onde acreditava que iria ser acolhido pelo faraó Ptolomeu XIII, supostamente seu aliado.

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Porém, o jovem faraó, aconselhado a cair nas boas graças do vencedor, mandou prender Pompeu e decapitá-lo, enviando a cabeça dele para César. Quando ele, perseguindo o adversário, chegou em Alexandria, a História registra que César, ao receber, chocado, a cabeça de Pompeu, chegou a chorar, penalizado com o destino do seu ex-genro. E, em verdade, parece mesmo que nunca chegara a haver inimizade pessoal entre os dois grandes homens de Roma.

Julius Caesar Aghast at Soldier Holding Pompey's Head

Em Farsália, César pode exercer novamente a política de clemência para os adversários. Antes da luta, ele distribuiu aos seus oficiais uma lista dos partidários de Pompeu que deveriam ser poupados. Entre os nomes, estava o de Marco Júnio Bruto, um senador da facção dos Optimates e filho da amante de César, Servília Caepionis, que era irmã de Catão, o Jovem, o senador que pode ser considerado o verdadeiro ideólogo dos Optimates no Senado.

Seguiu-se o envolvimento de César na disputa pelo trono do Egito e o romance com Cleópatra VII, que resultaria no nascimento de seu único filho homem, chamado de Ptolomeu XV Filópator Filómetor César e que foi apelidado de “Cesarion“.

TRIUNFO E PODER ABSOLUTO

#César #Caesar #idosdemarço

Morto Pompeu, o seu único rival pelo poder supremo, César celebrou os seus Triunfos com uma magnificência jamais vista em Roma. Nos festejos pela vitória na Gália, que tinham sido adiados pela Guerra Civil, vinha, no final da procissão triunfal, Vercingetórix acorrentado (o altivo chefe gaulês seria executado após a cerimônia, como era o costume romano). Houve, ainda, uma batalha naval simulada em um lago artificial e 400 leões foram soltos em um Circo, para serem mortos por quem se dispusesse a pagar uma taxa. E em seu novo Fórum construído perto do antigo, César, presença de Cleópatra e Cesarion, desvendou uma bela estátua de ouro de sua amante e rainha do Egito, ao lado do Templo de Vênus Genitrix,  a deusa que a gens Júlia reivindicava como sendo sua ancestral.

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(Denário de prata de 48 A.C.,  com a imagem de Vercingetórix acorrentado, é a única imagem do líder gaulês capturado e executado após o Triunfo de César, em Roma)

Provavelmente esses festejos foram a maior exibição de propaganda política em toda a História de Roma. Mas os Optimates ainda não tinham sido completamente derrotados… Na África, um exército de 40 mil soldados liderado pelos velhos inimigos Catão, o Jovem e Metelo Cipião, e pelo inimigo recente, Labieno, aos quais se juntaram os filhos de Pompeu, contando com a ajuda do rei Juba, da Numídia, ainda constituía uma ameaça respeitável.

César, após as celebrações de seu triunfo, partiu de Roma e sitiou a cidade de Tapsos, na atual Tunísia. Os Optimates foram forçados a aceitar a batalha campal e o exército de César mais uma vez venceu, em 06 de abril de 46 A.C. Os Númidas fugiram e os 10 mil soldados inimigos que quiseram se render foram mortos pelos soldados de César. Esse massacre não era compatível com a política de clemência que ele vinha adotando desde o início da Guerra Civil. A explicação, segundo Plutarco, é que César, durante a Batalha de Tapsos, perdeu os sentidos devido a um ataque, supostamente epilético, e o desfecho sangrento teria acontecido à sua revelia.

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Catão, o Jovem e Metelo Cipião conseguiram fugir de Tapsos. O primeiro, que não era militar e não participara da batalha, se refugiou em Útica, mas acabou cometendo suicídio ao saber do resultado da luta. Consta que César, ao ser informado da morte de Catão, disse:

“Eu lamento a sua morte, Catão, assim como você teria lamentado se eu tivesse poupado a sua vida”.

Cipião também cometeu suicídio, após ser interceptado pela frota de César, quando tentava chegar com um navio até a Espanha, onde esperavam obter auxílio dos numerosos veteranos de Pompeu que viviam naquela Província.

Vale observar que, especialmente Catão, o Jovem, ao tirar a própria vida, tornou-se um símbolo para os Optimates de uma vida virtuosa e de sacrifício em prol da República. Posteriormente, já durante o Império, o nome dele seria sempre evocado como exemplo pelos senadores insatisfeitos como o Principado e por aqueles que , no futuro, conspirariam contra o despotismo dos imperadores.

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(Busto de bronze de Catão, o Jovem, achado na cidade romana de Volubilis, no Marrocos)

Após essa vitória, César foi nomeado Ditador da República Romana por 10 anos, algo inédito. Ele também foi eleito Cônsul para o ano de 46 A.C. (o que se repetiria nos dois anos seguintes).

O último bastião da resistência dos Optimates era agora a Espanha, onde os filhos de Pompeu, Cneu Pompeu e Sexto  Pompeu, valendo-se do grande número de soldados veteranos do falecido general assentados naquela província, conseguiram reunir um grande exército (incluindo duas legiões que tinham desertado do exército de César). Com isso, eles tomaram toda a Espanha, forçando as legiões leais a César a se refugiarem na cidade de Oculbo. De lá, os sitiados pediram ajuda a César.

César, cuja qualidade mais impressionante como general talvez fosse a velocidade com que conseguia que suas tropas se deslocassem, marchou os 2.400 km que separavam Roma de Oculbo em menos de 1 mês, e, com essa aparição súbita, conseguiu levantar o sítio.

Em 17 de março de 45 A.C, na planície de Munda, após uma feroz batalha que durou 8 horas, o exército de César saiu vencedor. Ele assim definiria a Batalha de Munda, segundo suas próprias palavras:

Inúmeras vezes, eu lutei pela vitória; em Munda, eu lutei pela minha vida !

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Trinta mil soldados inimigos foram mortos na batalha, incluindo o general Labieno. Um dos filhos de Pompeu, Cneu, foi capturado um mês após e morto. Já Sexto, sem exército, somente seria morto por Marco Antônio dez anos mais tarde.

César agora era o senhor absoluto de Roma, para onde voltou para implementar seus projetos de governo, que tinham sido interrompidos pela necessidade de combater os últimos focos de resistência senatorial em Tapsos e Munda.

Inicialmente, derrotados os inimigos, é preciso reconhecer que César, ao contrário de Mário e Sila – que tinham sido os únicos que haviam chegado perto de deter tamanha parcela de poder na República e que se aproveitaram disso para eliminar os desafetos – perdoou seus inimigos e permitiu que eles participassem da administração pública e retornassem ao Senado, sendo os exemplos mais ressonantes, os adversários Cícero, Cássio, Marco e Décimo Bruto.

E o que César tencionava fazer com tanto poder?

César nunca escreveu, ou foi registrado para a posteridade, quais eram os seus planos para a República: se pretendia aboli-la ou meramente reformá-la. Ele também não teve tempo, se é que esse era mesmo o seu propósito, de estabelecer para si uma nova posição como monarca de Roma. Somente podemos inferir, das medidas que tomou após alcançar o poder absoluto, algumas linhas gerais:

Uma diretiva inequívoca de seus planos é dada pelo aumento do número de Senadores e renovação da composição do Senado Romano (que havia sido muito desfalcado pelos anos de guerra civil). César aumentou o número de senadores para 900 e nomeou senadores oriundos de províncias fora da Itália, especialmente gauleses. Esse propósito é corroborado pela permissão de que legionários fossem recrutados nas províncias. De fato, César criou legiões compostas por gauleses, espanhóis e súditos do Oriente. Para isso, a cidadania romana e latina foi concedida amplamente na Sicília, na Gália, na Hispânia e até na Criméia.

Tudo isso constitui um indício de que o plano de César era criar um Império Romano universal e mais inclusivo, e não apenas manter uma dominação de Roma e das cidades italianas sobre colônias ao longo do Mediterrânea, em uma dominação etnicamente latina sobre súditos de outras raças. Nisso, talvez César até evocasse os desígnios de Alexandre, o Grande, um herói por ele admirado desde a juventude,  e cujos atos, inclusive os seus casamentos, manifestavam o propósito do rei macedônio de criar um império mundial que unisse  os gregos e outros povos orientais, como os persas e os hindus.

Podemos cogitar que César não tencionava restaurar a velha ordem republicana. Provavelmente, o Senado não seria mais a instância máxima de poder, funcionando como um conselho consultivo e, em seu governo, não apenas os Optimates, mas também os Populares, não encontrariam lugar, pois, já no início de sua Ditadura, os Concílios da Plebe atuavam apenas para referendar as leis promulgadas pelo Ditador, sem maior debate ou discussão. Nessa linha, César havia abolido os “collegia“, as associações corporativas que participavam politicamente das eleições, e que tinham se transformado em milícias violentas utilizadas para influir nos pleitos.

Vale citar como exemplo o fato de César ter sido o primeiro romano a exercer, concomitantemente, diversas magistraturas republicanas, que podem ter sido formalmente mantidas, mas cuja concentração nas mãos de um único homem era um fato inédito e que constitui mais um indício de que se tratava de uma nova ordem.

Assim, César, além de Ditador pelo longo prazo de dez anos (e em 44 A.C, ele seria nomeado “Ditador Perpétuo“) era, respectivamente: Cônsul e Pontífice Máximo (Chefe da religião) e, além disso, em mais uma inovação, mesmo sem ser Tribuno da Plebe, ele recebia, anualmente, o “Poder Tribunício“, ou seja, detinha todos os poderes inerentes a essa magistratura, inclusive o poder de votar todos os atos administrativos ou legislativos, bem como a “sacrossantidade” daqueles magistrados. Essa fórmula, diga-se de passagem,  seria mantida por Augusto e todos os imperadores que o sucederam. Devemos, contudo, observar que, de certa maneira, a menção expressa ao Poder Tribunício não deixava de ser um reconhecimento de que o Poder emanava do Povo.

O virtual fim da República também foi evidenciado pelas leis que deram a César:

a) o novo cargo de “Prefectus Morum“, encampando as atribuições dos Censores. Com esse poder, César podia nomear ou expulsar do Senado quem ele julgasse que obedecesse, ou não, os costumes morais romanos;

b) o direito de nomear os governadores das províncias para um mandato com prazo fixo, e de recomendar ao povo, para referendo, a metade dos magistrados em Roma;

c) o direito de declarar guerra e de celebrar a paz;

d) o direito de votar em primeiro lugar no Senado (assumindo, na prática, o lugar do “Princeps Senatus“, distinção conferida ao Senador mais antigo ou eminente e que seria a inspiração para Augusto batizar a posição ocupada pelo Imperador, dando o nome pelo qual o novo regime por ele inaugurado seria conhecido: “Principado“);

e) o direito perpétuo de comandar o Exército (“Imperium“, atributo do “Imperator“, ou comandante,  e que, futuramente, também acabaria batizando o governante do novo regime que seria inaugurado por Augusto);

f) o direito de dispor dos fundos públicos; e

g) o direito de promulgar Éditos,  que deveriam ser confirmados sem discussão pelo Senado.

Entretanto, devemos anotar que alguns historiadores não têm certeza de que César pretendesse que as reformas supracitadas fossem permanentes, considerando o fato de que ele, antes de morrer, planejava uma grande campanha militar contra a Pártia. Assim,  talvez essas reformas se destinassem apenas a assegurar a estabilidade do governo, enquanto ele estivesse ausente na planejada guerra.

César também reorganizou a estrutura dos governos municipais das cidades italianas e parece que ele tencionava uniformizar os diferentes sistemas de governo por elas adotados. Considerando que ele fundou diversas cidades, inclusive refundando as destruídas Cartago e Corinto, é possível supor que César compreendia que a força do Estado Romano repousava nas cidades e talvez ele até imaginasse o futuro império como uma confederação de cidades autônomas unidas sobre a autoridade de um governo central. Notavelmente, nas renascidas Cartago e Corinto, César determinou que fossem prestigiadas as populações nativas.

O Ditador César promoveu a reforma de várias leis penais, aumentando a punição para crimes violentos. Ele também instituiu um sistema uniforme de taxas alfandegárias e promulgou uma lei proibindo a exibição de luxo excessivo em público, uma preocupação recorrente dos governos desde quando o enriquecimento da aristocracia romana após as Guerras Púnicas atingiu níveis astronômicos. César também iniciou um vasto programa de obras públicas, visando aproveitar a numerosa mão de obra ociosa do proletariado romano, que aumentou muito após a desmobilização das legiões que se verificou com o fim da Guerra Civil.

O poder absoluto de César e a aura de semi-divindade que ele assumira perante boa parte dos olhos da opinião pública acarretaram que lhe fossem concedido um sem número de honrarias inauditas, como por exemplo: O 5º mês do calendário romano, “Quintilis“, foi rebatizado de “Julius” (Julho), em sua homenagem. Aliás, a reforma do antiquado e astronomicamente impreciso calendário romano, pelo muito mais acurado “Calendário Juliano“, foi uma das grandes contribuições de César para a Civilização Ocidental. E, pela primeira vez na História de Roma, a efígie de um governante foi cunhada nas moedas, a dele. Finalmente, muitos templos e estátuas foram erguidos em sua homenagem.

Surpreendentemente, César, apesar do pouco tempo decorrido desde a derrota militar da facção aristocrática do Senado, em Munda. mantinha seus exércitos fora da Itália e, na cidade de Roma,  ele era protegido apenas por uma pequena guarda pessoal. E mesmo este destacamento foi afastado pouco antes de março de 44 A.C.

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(Busto de César, retratado em seus últimos anos)

OS IDOS DE MARÇO – O ASSASSINATO DE CÉSAR

Nos meses anteriores ao assassinato de César, as fontes antigas narram um certo descontentamento com o seu comportamento soberbo e arrogante, ao menos por parte da elite governante. Suetônio narra que surgiram rumores acerca de conspirações para derrubá-lo e que tais informações tinham chegado anteriormente aos ouvidos de César, que se limitou apenas a advertir publicamente que ele  tinha ciência das mesmas.

A conspiração que resultou no assassinato de César, como não é de surpreender, em vista de tudo que narramos desde a primeira parte de nosso artigo, nasceu no seio dos remanescentes da facção dos Optimates no Senado Romano. O número de conspiradores, nas fontes antigas, varia entre 60 e 90 senadores. Os líderes da conspiração eram Caio Cássio Longino, Marco Júnio Bruto e Décimo Bruto.

Marco Júnio Bruto era filho do pai do mesmo nome e, supostamente, ele era descendente direto do fundador da República Romana, Lúcio Júnio Bruto, que expulsara o último rei de Roma e se tornaria o 1º Cônsul da República. Bruto era filho de Servília Caepionis, que também era meia-irmã de Caio Cássio Longino e que , desde longa época, era notória amante de ninguém menos do que  Júlio César. Alguns suspeitavam até que Bruto pudesse ser filho ilegítimo de César, mas isto é altamente improvável, pois ele tinha apenas 15 anos quando Bruto nasceu. Além disso, Bruto era genro do finado Catão, o Jovem, que se suicidara em Útica após uma vida de lutas contra César. A presença de Bruto entre os líderes da conspiração conferia legitimidade ideológica e histórica ao movimento.

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Bruto sempre foi um integrante da facção dos Optimates no Senado Romano e acompanhou Pompeu na Guerra Civil. Poupado por ordens expressas de César na Batalha de Farsália, Bruto, em seguida, foi admitido no círculo mais íntimo do Ditador e nomeado por ele Governador da Gália, em 46 A.C.

O historiador Nicolau de Damasco, uma das fontes antigas que escreveu em época mais próxima aos Idos de Março de 44 A.C, narra que o círculo de conspiradores foi crescendo, atraindo pessoas que tinham sido prejudicadas pela guerra civil com a perda de seu patrimônio ou de sua posição social, bem como antigos aliados de César que se sentiam preteridos em favor de inimigos perdoados, e, não menos importante, aqueles idealistas que achavam que César estava destruindo a República ou, ainda,  pessoas incomodadas com a idolatria a César.

Não há dúvida de que a Guerra Civil havia deixado feridas abertas na aristocracia romana. Temos um exemplo parecido com o que ocorreu após a Guerra Civil Americana (1861-1865). Aliás, o assassino de Abraham Lincoln, John Wilkes Booth, assumidamente reivindicou ter se inspirado em Bruto e, de fato, após atirar em Lincoln, ele repetiu a frase célebre atribuída a Bruto na cena do assassinato de César, em meio às punhaladas:

Sic semper tiranus!” (Sempre assim com os tiranos!).

A aristocracia senatorial romana era um clube fechado de umas centenas de famílias que se consideravam fundadoras da República, as únicas com direito a exercer o governo, em benefício não só da nação, mas também em seu próprio proveito e, não menos importante, julgavam-se merecedoras de especiais deferência e privilégios. Não é a toa que a carreira política do homem de Estado romano era chamada de “Cursus Honorum“… O direito a essas “honras” era inerente ao papel do aristocrata na sociedade romana. Em muitos aspectos, e não apenas o semântico, em Roma, “Respublica“, na prática, assumia um significado mais parecido com “Cosa Nostra“…

Como vimos no início de nosso estudo, essa aristocracia já havia reagido com violência à perspectiva de perda de seus poderes e privilégios,  inclusive assassinando os líderes da facção dos Populares que ameaçaram a sua posição privilegiada, como ocorreu com Tibério e Caio Graco.

Indiscutivelmente, a nomeação de César como Ditador Perpétuo, em 15 de fevereiro de 44 A.C deve ter desencadeado a conspiração para assassinar César.  E, neste mesmo mês, ocorreu o episódio que muitos historiadores consideram que forneceu o pretexto para o assassinato do Ditador – a acusação de que César pretendia ser coroado Rei.

Com efeito, foi na festa religiosa da Lupercalia que Marco Antônio, um dos celebrantes, completamente nu, colocou, por três vezes, um diadema de ouro sobre a cabeça de César, e sendo, por três vezes, repelido pelo Ditador. É bem possível que esse ato de Marco Antônio tenha sido encenado de comum acordo para demonstrar que César não tencionava ser coroado rei. Há quem acredite, por outro lado,  que aquela encenação foi um ardil para sondar o sentimento popular,  um teste para verificar se a massa reprovaria o gesto. O  fato é que alguns na multidão realmente aclamaram César como rei, o que deve ter aterrorizado os Optimates.

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Diante disso, a decisão de executar a conspiração de matar César dependia apenas de se decidir sobre o dia, o local e o modo. Os conspiradores logo concordaram que, considerando que César comparecia ao Senado sem escolta, lá seria o local mais fácil de executar o Ditador, além de  poderem  facilmente ocultar os punhais sob suas togas, traje obrigatório para o comparecimento às sessões.

No dia 15 de março de 44 A.C, César acordou e ficou em dúvida se deveria ir ao Senado. Sua esposa Calpúrnia tinha tido um pesadelo em que aparecia uma poça de sangue e implorou para que César ficasse em casa. César. que não era nada supersticioso, decidiu ir. O adivinho Surinna também teria lhe advertido para ter cuidado com os Idos de  Março, mas César fez pouco caso. E, já na rua, em direção ao Senado, ele chegou a receber um rolo de papiro em que alguém delatava a conspiração, porém, guardou o manuscrito sem ler.

A reunião do Senado ocorreria em um recinto existente no Odeon do magnífico teatro construído por Pompeu, chamado de “Cúria de Pompeu”, já que a Cúria tradicional do Senao tinha sido danificada nos tumultos da guerra civil e estava em reparos.

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 (A Cúria de Pompeu, local onde César foi assassinado, é o edifício em forma de templo no meio do semicírculo do Teatro.Computer generated image of the Theatre of Pompey by the model maker, Lasha Tskhondia – L.VII.C)

No caminho para a Cúria de Pompeu, César estava acompanhado de Marco Antônio, mas os conspiradores, sabendo que ele era um sujeito parrudo e com experiência militar, acharam que ele poderia dificultar o assalto a César, e, assim, conseguiram distraí-lo a pretexto de um assunto e separá-lo do Ditador. César entrou sozinho na Cúria.

Os conspiradores esperaram César se sentar e se aproximaram, fingindo apresentar alguns requerimentos, até que o senador Cimber, em um sinal previamente combinado, arrancou a túnica do pescoço do Ditador, que, chocado, reclamou:

“Por quê? Isto é uma violência!”

Então o Senador Casca desferiu o primeiro golpe, mas, devido ao seu nervosismo, este apenas pegou de raspão no pescoço de César, que se virou e segurou a mão de Casca, dizendo:

Casca, seu vilão, o que estás fazendo?

Aterrorizado, Casca gritou, em grego :

Adelphi, boethei !” (“Irmãos, ajuda!”)

Nesse momento, vários conspiradores atenderam ao apelo de Casca, desferindo sucessivos golpes de adaga em César. Segundo Suetônio, quando César percebeu que Bruto estava entre os que o atacavam, ele falou, em grego:

Kai su, teknon?” (“Tu também, criança?”)

Segundo os relatos, César tentou se evadir dos seus atacantes como um leão ferido, mas, quando percebeu que estava perdendo forças, ele deixou-se cair e apenas cobriu a sua cabeça, tentando morrer com alguma aparência de dignidade (durante toda a sua vida, César sempre fora preocupado com sua imagem).

Bruto, em seguida, tentou fazer a sua proclamação, mas todos os senadores, aterrorizados, fugiram da Cúria.

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Foram contadas 23 feridas de punhaladas em César. De acordo com Suetônio, na opinião de um médico, que, pode-se dizer, autopsiou César, apenas uma delas, no peito, tinha sido fatal.

O corpo de César, ironicamente, ficou caído aos pés da estátua de seu maior rival, Pompeu, e jazeu ensanguentado por três horas no chão frio da Cúria, até ser recolhido por seus escravos.

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Bruto e os demais conspiradores se auto-intitulariam “Os Libertadores“. Eles tentaram imediatamente alguma conciliação com os Populares, oferecendo a preservação de todos os atos de César como Ditador e o direito a um funeral público.

Porém, na cerimônia pública de cremação, no Fórum Romano, um discurso de Antônio inflamou a massa e uma turba saiu à caça de qualquer um que fosse suspeito de participação na conspiração contra César.

Os “Libertadores” tencionavam restaurar a República, mas em três anos, todos eles seriam mortos, e o resultado da ação deles foi apenas causar outra Guerra Civil, primeiro para vingar César e depois para decidir quem seria o seu sucessor. É mais ou menos como se alguém tivesse tentado fazer recuar os ponteiros do relógio da História, mas apenas conseguisse segurá-los por 14 anos (até a vitória de Otaviano, o futuro Augusto, em Actium, em 31 A.C.)

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(Denário cunhado pelos “Libertadores” ostentando os punhais usados para assassinar César, o tradicional capacete associado no Mundo Antigo aos que lutam pela Liberdade e a inscrição abreviada “Idos de Março)

A República já havia morrido antes de César lutar e vencer a Guerra Civil e obter o poder supremo, porém seu sucessor Augusto, seria mais astuto em preservar algumas aparências republicanas e conceder algumas deferências à classe senatorial.

(Templo do Divino Júlio, construído no exato local onde o corpo de César foi cremado, no Fórum Romano. A 2ª foto mostra o estado atual da ruína, com os restos do altar. Normalmente, mesmo nos dias atuais,  sempre há flores colocadas  nas ruínas do altar).

Como brilhantemente constatou Cícero, nos meses que se seguiram ao assassinato:

Matamos o Rei, mas o Reino continua entre nós“.

FIM

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A CÉSAR O QUE É DE CÉSAR!

UM ARTIGO SOBRE A TRIBUTAÇÃO NO IMPÉRIO ROMANO

Eduardo André

Milhões de brasileiros anualmente ocupam-se com a tarefa de fazer suas declarações anuais de imposto de renda.

A Associação Comercial de São Paulo mantém, na sua sede, na Rua Boa Vista, centro antigo da cidade de São Paulo, um “Impostômetro“, calculando em tempo real, o valor total pago em impostos no Brasil. A carga tributária brasileira alcança quase 40 % do PIB, isto é, tudo que é produzido em bens e serviços no Brasil ao longo de um ano.

Impostõmetro da FIESP, foto MARIO SERGIO ARAUJO DOS PASSOS or my username: Msadp77, CC0, via Wikimedia Commons

A taxação também era uma questão central na vida dos cidadãos romanos e vital para a existência do Império. Há até quem defenda que o excesso de tributação foi uma das causas principais da Queda do Império Romano e uma situação que explicaria a relativa falta de resistência civil às invasões bárbaras, ao menos no Ocidente.

Mas qual era exatamente a carga fiscal no período do Baixo Império Romano?

Certamente a obra de referência em tudo o que se refere ao período a partir do imperador Diocleciano é “The Later Roman Empire“, do historiador norte-americano Arnold Hugh Martin Jones, mais conhecido como A.H.M. Jones, da Universidade de Cambridge. É deste livro que extraímos todas as informações abaixo.

Segundo Jones, não temos dados sobre as receitas ou despesas do Império. Com relação aos gastos, temos dados sobre o século VI D.C, ou seja, relativos ao Império Romano do Oriente, que sobreviveu à Queda do Ocidente, ocorrida em 476 D.C. Conhece-se, por exemplo, os gastos com funcionários públicos do Prefeito Pretoriano da África. Já com relação às receitas, sabe-se quanto arrecadavam a província da Numídia e da Mauritânia. Há, ainda, dados incompletos sobre o Egito Romano, no reinado do Imperador Justiniano. Estes últimos permitem calcular como o Egito, devido à grande produtividade agrícola, era mais rico que as demais províncias africanas.

A maior parte dos impostos era paga em gêneros (indictiones) ou em trabalho forçado (operae). Foi o imperador Diocleciano (284/305 D.C) quem sistematizou esses pagamentos, que passaram a recair anualmente sobre a terra e a população rural. As necessidades do Estado para cada ano eram estimadas pelos Prefeitos Pretorianos e, assim, o Estado Romano começou a ter um esboço de Orçamento. Por outro lado, como a demanda estatal era variável de ano para ano, a taxação também variava.

Foi Diocleciano também que conseguiu estabilizar a moeda romana, desvalorizada por um longo período de inflação, assim abrindo caminho para adoção do solidus por Constantino como a moeda de ouro padrão do Império. Esta estabilidade monetária, por sua vez, permitiu ao Estado converter o pagamento de uma parte dos impostos pagos em gêneros para o pagamento em moeda corrente.

Solidus, de Constantino I, foto Classical Numismatic Group, Inc. http://www.cngcoins.com, CC BY-SA 2.5 https://creativecommons.org/licenses/by-sa/2.5, via Wikimedia Commons

No sistema idealizado por Diocleciano, “tudo deveria ser objeto de impostos: os campos, os vinhedos, as árvores, os animais, pessoas, filhos, escravos, incapacitados, somente os mendigos se livraram”, queixa-se o autor cristão Lactâncio. Os impostos incidentes sobre as terras passaram a ter como base de cálculo unidades fiscais ideais (chamados de “iuga”), correspondente a uma determinada área de superfície, como um módulo rural. Não obstante, também foi estabelecido, adicionalmente, como base de cálculo, um número determinado de camponeses (“caput” =cabeça). Havia, portanto, duas bases de cálculo, o “iugatio” e o “capitatio”, que determinavam o imposto a ser pago pelos agricultores, tanto em função da área da propriedade como do número de pessoas, ou cabeças, que nela trabalhavam, constituindo uma unidade fiscal, que, no entanto, variava de acordo com a província.

Observe-se que, para que esse sistema funcionasse bem, era fundamental que a quantidade de que o número dos sujeitos passivos dos tributos e sua capacidade contributiva fosse avaliada periodicamente por censos.

Os registros mostram, que, sem que isso nos cause qualquer surpresa, os tributos recaíam, em enorme proporção, sobre as terras e produção agrícolas. E eram cobradas taxas também sobre produção pecuária. Já os cidadãos que viviam dentro das cidades, normalmente, não pagavam tributo algum. Sendo assim, não é exagerada a constatação do historiador Peter Brown:

“A História do Império Romano é a história das maneiras pelas quais 10% da população que vivia nas cidades, que foram aqueles que deixaram a sua marca no curso da civilização europeia, usufruíam do trabalho dos 90% remanescentes, que trabalhavam nos campos”.

Muito raramente, e em caráter emergencial e temporário, foram instituídos tributos sobre a propriedade imobiliária urbana, como por exemplo, em 405 D.C, pelo Imperador Honório, que tributou celeiros, banhos, oficinas, lojas, casas e até aposentos.

Mas o fato é que, desde o seu início, no Império Romano, qualquer coisa que oferecesse a possibilidade do Estado auferir recursos era considerada, mesmo nas cidades. Vale lembrar a célebre passagem relatada pelo historiador romano Suetônio, envolvendo o imperador Vespasiano e seu filho, Tito:

Quando Tito censurou Vespasiano por instituir um tributo sobre as latrinas públicas, o imperador segurou uma moeda proveniente do primeiro pagamento sob o nariz do seu filho, perguntando se o cheiro o incomodava. Quando Tito disse: “Não”, ele retrucou: “Ainda assim, veio da urina”.

Suetônio, Vida de Vespasiano, 23,3

Inclusive, o episódio supracitado é a origem do princípio atualmente vigente do Direito Tribuário (vide artigo 118, do Código Tributário Nacional), denominado por isso mesmo de “non olet” (que quer dizer :”não tem cheiro”, em latim), em que mesmo as atividades ilícitas, quando constituírem fatos geradores de tributos, podem ser tributadas pelo Estado, como por exemplo a renda e patrimônio de traficantes, contrabandistas ou corruptos.

Mas havia também tributos sobre a produção ou venda de certos produtos, como tecidos. Aliás, eram esses, e as taxas alfandegárias de importação ou exportação, que eram cobradas “ad valorem”, na base de 12,5% do valor da mercadoria, os únicos tributos que recaiam sobre todos, indistintamente, como hoje ocorre com os impostos indiretos, tais como o ICMS e o IPI.

Fora os impostos acima citados, o único tributo que não incidia sobre os agricultores era a “collatio lustralis”, um imposto inicialmente quinquenal e, depois, quatrienal, sobre os ganhos dos comerciantes, cambistas, artesãos, cambistas e, em geral, sobre todos os prestadores de serviços, inclusive as prostitutas. Já os professores e médicos eram expressamente isentos da cobrança deste tributo.

Tesouro de denários de prata romanos, foto de Gabinet Numizmatyczny D. Marciniak, CC BY 3.0 https://creativecommons.org/licenses/by/3.0, via Wikimedia Commons

Para se ter uma ideia dessa desproporção entre a tributação romana sobre a produção agrícola e a de outras atividades, Edessa, uma cidade que vivia basicamente do comércio entre Roma e a Pérsia recolhia, sob a rubrica de “collatio lustralis”, a cada quatro anos, 140 libras de ouro., totalizando, em média, 2.520 solidi. Já Heracleopolis, no Egito, uma cidade que tinha um vasto território agrícola sob sua jurisdição, em certo ano pagou 57.500 solidi, mais de vinte vezes o valor pago por Edessa.

E a tributação em Roma não era progressiva em função da renda ou do tamanho da propriedade: um camponês proprietário de uma pequena fazenda pagava a mesma alíquota que um senador proprietário de um imenso latifúndio.

É verdade que a rica classe senatorial era chamada a contribuir com a oferta de espetáculos públicos, decorrente do exercício das altas magistraturas (cônsul, pretor), mas dada a gigantesca concentração de renda nas mãos dos senadores, tais despesas eram, normalmente, suportáveis. Os ricos também eram obrigados a contribuir a cada cinco anos com o Estado entregando cavalos e recrutas (nessa época, a estrutura agrária romana já estava começando a se assemelhar ao feudalismo e os trabalhadores rurais encontravam-se ligados aos latifúndios onde trabalhavam, sob o regime do colonato, daí a obrigação do senhor de fornecer os recrutas, obrigação que podia ser substituída pelo equivalente em ouro).

O Cônsul Aerobindus presidindo os Jogos que ele financiou (na mão direita, a bolsa com dinheiro). Imagem comum no Baixo Império Romano e no Império Romano do Oriente. Foto © Marie-Lan Nguyen / Wikimedia Commons

Outro pagamento imposto à classe senatorial era o “aurum oblaticium”, um donativo compulsório exigido em ocasiões especiais, como aniversários do imperador, em intervalos de cinco ou dez anos, e a “gleba”, na verdade uma diminuta sobretaxa que incidia sobre os impostos cobrados sobre as terras de propriedade dos senadores.

Porém, as classes altas gozavam de inúmeros privilégios fiscais e normalmente obtinham anistias, isenções ou descontos sobre os tributos atrasados.

Os recursos públicos provenientes dos tributos compunham as “riquezas sagradas” (sacrae largitiones), cuja administração ficava a cargo de um dos mais importantes ministros da corte imperial: o “Comes Sacrarum Largitionum”, ou Conde das Riquezas Sagradas.

Mas o imperador também controlava, através do “Comes Rei Privatae”, a sua “res privata”, que em sua maioria era constituída dos recursos advindos das vastíssimas propriedades que compunham o seu próprio patrimônio (apesar do Imperador ter seu próprio “tesouro”, esses bens não podiam ser herdados por seus parentes, e eram transferidos ao novo imperador, quando ele sucedia o anterior. Vale observar que muitos definem o regime de Roma, desde a República, como sendo uma Plutocracia (governo dos ricos), e o fato é que ao apossar-se da “res privata”, o imperador automaticamente tornava-se o homem mais rico do Império.

Salviano, um escritor cristão que viveu na província da Gália, escreveu, por volta do ano 440 D.C, o seguinte lamento:

“Os romanos oprimem-se uns aos outros com taxações e proscrições, mas eu erro quando digo “uns aos outros”, caso fosse assim, seria tolerável, se cada um sofresse exatamente o que ele inflige ao outro. Mas é bem pior que do que isso, porque muitos são oprimidos por poucos, que consideram as exações públicas como seu direito peculiar e que delas se apropriam sob o disfarce de coletar impostos. E isso é feito não apenas pelos nobres, mas por homens da mais baixa extração; não apenas pelos juízes, mas pelos seus subordinados. Pois, que Município, vila ou mesmo aldeia que não têm tantos tiranos quanto têm magistrados? Em que lugar, por conseguinte, como eu disse, até as próprias entranhas das viúvas, órfãos, e até mesmo dos santos, não são devoradas pelos governantes das cidades?

Ninguém, a não ser o poderoso, está seguro das devastações desses bandidos saqueadores, exceto aqueles que não sejam eles mesmos ladrões.

Não, o Estado atravessa dias tão tenebrosos que um homem não pode estar seguro a menos que seja mau. Mesmo aqueles que estão em posição de protestar contra a iniquidade que eles veem, atrevem-se a falar, a fim de não fazer as coisas piores. Assim, o pobre é despojado, as viúvas suspiram, os órfãos são oprimidos, até que muitos deles, nascidos de famílias não obscuras e que foram educados nas artes liberais, fogem em direção a nossos inimigos porque não podem suportar mais a opressão da persecução do Estado. Eles indubitavelmente buscam a humanidade romana entre os bárbaros, porque eles não podem suportar a bárbara desumanidade entre os romanos. E embora eles sejam diferentes em língua e costumes das pessoas para onde eles fogem, embora eles não tenham o fétido odor dos corpos e trajes bárbaros, ainda assim, eles preferem aguentar uma civilização estrangeira no meio dos bárbaros, do que a cruel injustiça no meio dos romanos.

Assim, eles migram para os Godos, ou para os Bagaudas, ou para alguma outra tribo bárbara que controla todo lugar, e não lamentam o seu exílio. Pois eles preferem viver livres sob uma aparente escravidão, do que como cativos sob uma aparente liberdade. O nome de cidadão romano, que certa vez foi tão estimado e tão ardentemente buscado, agora é algo que os homens repudiam e do qual fogem”.

O texto de Salviano é uma advertência atemporal sobre os efeitos destruidores que uma tributação excessiva pode causar…

Fontes:

1- The Later Roman Empire, Vol. I, páginas 411/469, A.H.M. Jones, The Jonh Hopkins University Press, 1986.

2-The World of Late Antiquity, Peter Brown, Norton, 1989.

3- De Gubernatione, Livro V, páginas 136 a 138, Salviano de Marselha, em A treatise of God’s government and of the justice of his present dispensations in this world by the pious, learned and most eloquent Salvian … ; translated from the Latin by R.T. … ; with a preface by the Reverend Mr. Wagstaffe. (umich.edu)

4- The Life of the Caesars, Life of Vespasian, Suetonius, disponível em https://penelope.uchicago.edu/Thayer/E/Roman/Texts/Suetonius/12Caesars/Vespasian*.html

O ESPORTE NA ROMA ANTIGA

 

O ESPORTE NA ROMA ANTIGA

Durante os próximos 30 dias, a bola será o centro do mundo e muitos discutem a paternidade do futebol, havendo até uma tese de o jogo teria suas raízes em um antigo esporte romano.

 

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Mens Sana in Corpore Sano”.

Quase todo mundo conhece a expressão acima, de origem romana, que significa “Uma mente sã em um corpo sadio” e imediatamente a identifica como uma exortação à necessidade de se cultivar, ao mesmo tempo, o intelecto e o físico. Trata-se, na verdade, de um verso do grande poeta romano Juvenal, que inclui a boa saúde física e mental como uma das bençãos que se deve pedir aos deuses, preferivelmente a uma vida longa, mas sem virtude.

Ao longo dos séculos, porém, a frase de Juvenal acabou adquirindo o caráter de lema romano pela prática de esportes. É com ela, portanto, que iniciamos nosso texto sobre a atividade esportiva em Roma.

Inicialmente, enquanto era apenas uma Cidade-Estado que se expandia pela Itália e pelo Mediterrâneo Ocidental, no período republicano, a prática de esporte em Roma era valorizada apenas como forma de treinamento militar para os jovens cidadãos. Havia um espaço na cidade, o Campo de Marte, onde eram feitas as manobras das legiões e onde os jovens podiam se exercitar no arco, na equitação e na esgrima, entre outras atividades. Porém, naquele tempo, o esporte por esporte não fazia parte da formação da criança e do jovem romano, ao contrário do que ocorria nas cidades-estado gregas.

O fato é que a elite romana, durante muito tempo e ainda no limiar do Império, julgava que exibir-se em público praticando qualquer atividade esportiva que não fosse ligada às artes militares era algo degradante e indigno de um patrício. Por outro lado, o grosso do exército era formado por pequenos agricultores livres, que, certamente, já praticavam bastante exercício físico na dura lida cotidiana do semeio, cultivo e colheita.

Assim, somente quando aumenta o contato direto dos romanos com a civilização grega, no sul da Itália e, sobretudo após a conquista de territórios na Grécia, no século II A.C, é que o esporte, em conjunto com outras manifestações culturais gregas, como o teatro, a filosofia, as artes,e a própria língua grega, passam a ter grande influência na elite romana (“a Grécia cativa cativou Roma”).

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A partir de então, os nobres, em suas villas (propriedades rurais de luxo), construíram espaços privados para a prática de ginástica e atletismo (gymnasia e palestrae). Note-se, porém, que, no início, os romanos viram com maus olhos o atletismo à moda grega, sobretudo porque os atletas se exercitavam e competiam completamente nus. Por isso, algumas leis tentaram proibir membros da aristocracia romana de competirem em público.

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Em 186 A.C., pela primeira vez, jogos públicos incluindo exibição de atletas são organizados pelo cônsul Marcus Fulvius Nobilior, em comemoração à sua vitória contra a Liga Etólia, na Grécia. Nobilior era um grande entusiasta da cultura grega, uma civilização em que os atletas profissionais eram admirados e, por isso, ele resolveu trazer a novidade para Roma.

As competições de atletismo compreendiam as seguintes modalidades: corrida, luta-livre (wrestling – hoje conhecida como luta greco-romana), pugilismo (boxe), pentatlo (que abrangia as modalidades de salto em distância, corrida, lançamento de disco, lançamento de dardo e luta-livre) e pancration (uma luta que pode ser comparada ao nosso “vale-tudo”, agora internacionalizada como MMA).

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Já no fim da República, as termas, ou banhos públicos, começam a proporcionar, além das piscinas e saunas, espaços adjacentes com palestras, ou seja, espaços abertos cercados por colunatas, destinados à prática de exercícios físicos. Nas termas, também havia piscinas específicas para a prática de natação (chamadas de natatio). Em seguida, muitas termas também passaram a dispor de espaços para jogos com bola, chamados de sphaerista, pois, além do atletismo e das lutas, os romanos importaram da Grécia uma série de jogos com bola (pila, em latim).

Entre os jogos com bola mais populares estava o Harpastum, cujo nome derivava do grego harpaston, que significa “capturar” ou “tomar”. Esse jogo também era chamado pelos romanos de “jogo com a bola pequena”. Essa bola pequena e dura, que não quicava, era chamada de harpasta (havia outros jogos com bolas maiores, parecidas com a do nosso futebol, que eram infladas e quicavam (ex: follis).

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O Harpastum, segundo o retórico e gramático Athenaeus, que escreveu sobre muitos costumes do mundo greco-romano no século II D.C, era o nome que os romanos davam ao jogo que os gregos também chamavam de Phaininda.

Não se sabe com precisão quais eram as regras do Harpastum, mas todos os textos que foram preservados mencionando o jogo levam a crer que era muito parecido com o rúgbi. Era, com certeza, um jogo jogado com as mãos, em um campo grande, provavelmente de terra ou às vezes areia e de formato retangular, não muito menor do que um campo de futebol moderno e dividido ao meio por uma linha. Talvez houvesse versões do jogo, variando o número de jogadores de 5 a 12 em cada um dos dois times oponentes. As descrições mencionam um jogador recebendo a bola e fazendo passes para os companheiros de time, com os adversários tentando interceptar. A marcação era dura e os adversários eram jogados no chão. Porém, o objetivo era penetrar no campo adversário e capturar a bola, daí resultando, talvez, o nome que foi dado à pelota.

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Fizemos questão de escrever sobre o Harpastum , nesta semana da abertura da Copa do Mundo, porque há um teoria de que este jogo seria o ancestral do nosso futebol. Sabe-se que os soldados romanos praticavam muito o Harpastum, porque, além de envolver muito esforço físico, o jogo servia também como treinamento estratégico e tático. E as legiões romanas teriam levado o jogo para todos os cantos do império, inclusive a Britânia. Após a Queda do Império Romano, o Harpastum teria evoluído em diversas regiões que se tornariam os futuros países da Europa, e seria o provável ancestral do La Soule, um jogo com bola que surgiu na Normandia, França, e também do ancestral inglês do rugby. E foi a partir de uma cisão ocorrida entre os praticantes deste último que, surgiu na Grã-Bretanha, o football association, o nosso futebol.

Não obstante, os romanos certamente jogavam algum jogo que envolvia chutar uma bola, pois Cícero nos conta acerca de um curioso caso forense envolvendo a morte de um cliente que tinha ido cortar o cabelo em uma barbearia e ali foi morto por causa de uma bola chutada por crianças que jogavam na rua, sendo que a bola bateu na mão do barbeiro no exato momento em que este usava a navalha no pescoço da infeliz vítima!

Se os romanos não foram muito criativos na invenção de esportes, adotando quase todos os que conheciam de outros povos, no entanto, ninguém pode tirar-lhes os louros de terem inventado a indústria do esporte como entretenimento.

Desde os primórdios, havia em Roma jogos públicos para o entretenimento do povo romano (ludi). Esses jogos tinham um nítido propósito religioso, pois integravam festividades em homenagens às diversas divindades adoradas pelos romanos. Não se tratavam, assim,  propriamente, portanto, de competições esportivas, mas sim de exibições que buscavam o espetáculo e a diversão. Com efeito, pelo menos desde 366 A.C., o calendário romano incluía dias feriados chamados de ludi romani (jogos romanos), patrocinados pelo Estado.

Em Roma, o principal espaço para a realização dos ludi era o Circo Máximo, cuja pista existe até hoje. A principal modalidade esportiva praticada ali eram as corridas de bigas e quadrigas (carruagens puxadas por dois ou quatro cavalos), chamadas de Ludi Circensis. Se o leitor quiser ter uma ideia de como elas deviam ser, é só assistir ao filme “Ben-Hur”, em que provavelmente foi encenada a melhor reprodução cinematográfica de uma corrida de quadrigas. Júlio César reconstruiu o Circo Máximo, dotando-o de arquibancadas permanentes revestidas de mármore.

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Como o número de espectadores é o melhor termômetro para se medir qual esporte é o mais apreciado, sem dúvida esse título em Roma vai para as corridas de quadrigas, pois o Circo Máximo tinha capacidade para, pelo menos, 250 mil espectadores!

As corridas consistiam em 7 bigas ou quadrigas darem 7 voltas por toda a extensão da pista de 650 m de comprimento que circundava uma plataforma em forma de “U” bem alongado, chamada de “spina”, ganhando a que chegasse em primeiro. Havia na spina uma espécie de placar marcando o número de voltas e o número da quadriga que estava liderando, consistindo os marcadores  em esculturas de 7 ovos e de 7 golfinhos que eram giradas conforme a situação se desenvolvia.

Mosaico del circo MCGR 2285 by QuartierLatin1968 - Own work. Licensed under CC BY-SA 3.0 via Commons - httpscommons.wikimedia.orgwikiFileMosaico_del_circo_MCGR_2285.jpg#mediaFileMosaico_

Os romanos eram tão apaixonados pelas corridas de bigas que as equipes e respectivos apoiadores logo se dividiram em 4 facções: os Vermelhos, Brancos, Verdes e Azuis. Com o tempo, essas facções evoluíram para representarem não apenas as corridas, mas cultos religiosos, bairros da cidade e, finalmente, agrupamentos políticos. E essas facções perduraram não somente em Roma,  mas permaneceram em existência durante o Império Romano do Oriente, em Constantinopla, também chamado de Império Bizantino. A famosa revolta “Nika”, em 532 D.C, que tentou destronar o Imperador Justiniano, começou com um conflito urbano promovido pelas facções rivais dos Azuis e dos Verdes. Constantinopla, como muitas cidades romanas, também tinha o seu hipódromo, cujas ruínas podem ser vistas ainda hoje. Estima-se que a sua capacidade era de 80 mil lugares.

A história registra vários episódios de devoção ou fanatismo esportivo pelas corridas de bigas. Os escritores faziam questão de registrar as estatísticas esportivas. Consta que o auriga (condutor de carruagens) mais bem sucedido foi Gaius Appuleius Diocles que venceu 1.462 corridas de um total de 4.257 disputadas, ganhando um total de 35.863.120 sestércios, soma que, estima-se, equivaleria hoje a 15 bilhões de dólares, o que o tornaria o esportista mais bem pago de todos os tempos! Diocles aposentou-se com 42 anos, após 24 anos de carreira (conforme matéria publicada no jornal Daily Telegraph (vide https://www.telegraph.co.uk/news/newstopics/howaboutthat/7942699/Wealth-of-todays-sports-stars-is-no-match-for-the-fortunes-of-Romes-chariot-racers.html).

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Os ludi foram imediatamente utilizados pelos imperadores como forma de propaganda política e manipulação de massas. Desde o início do Principado, os espetáculos aumentavam em número e suntuosidade. As lutas de gladiadores, costume que os romanos adquiriram dos etruscos, utilizados em cerimônias fúnebres privadas, passaram a integrar os jogos públicos, oferecidos e custeados pelos cônsules e pelo próprio imperador. Não vamos tratar, aqui, dos detalhes relativos aos combates na arena, uma vez que, em nossa opinião, a prática não se enquadra como esportiva.

O uso dos jogos como ferramenta de controle das massas pelos imperadores romanos, em conjunto com a distribuição gratuita de alimentos (anonna), gerou a célebre expressão “Pão e Circo”,  também cunhada por Juvenal, por volta do ano 100 D.C. A sua análise foi tão profunda, que merece ser citada na íntegra :

Já por muito tempo, desde quando nós não vendíamos o nosso voto para apenas uma pessoa, o povo romano tem abdicado das nossas obrigações; pois ele, que, anteriormente, distribuía os comandos militares, os altos cargos públicos, as legiões, tudo, enfim; agora se auto-restringe e, ansiosamente, espera somente duas coisas: Pão e circo!” (Sátiras, X, 77-81).

Com a advertência de Juvenal, encerramos nosso artigo sobre o Esporte em Roma, esperando que tenham gostado.

ROMA E SEUS MUROS

Os muros voltaram!

Em pleno século XXI, governantes voltam a investir na construção de barreiras, sejam cercas ou muros.

Nos Estados Unidos, o polêmico e contestado Presidente Trump elegeu-se tendo com uma de suas promessas a construção de um muro na fronteira dos Estados Unidos com o México; Israel constrói muros separando o país e o território controlado pela Autoridade Palestina; e na Hungria, o governo construiu uma cerca na fronteira sul do país para impedir a entrada de refugiados  vindos do Oriente Médio…

 

 

A construção de barreiras contra inimigos, reais ou ilusórios, é uma medida recorrente na história dos povos através dos tempos, com maior ou menor sucesso.

Quase todas as cidades do Velho Mundo, e até mesmo do Novo Mundo, tiveram muralhas. Com efeito, até o século XIX, elas faziam parte da paisagem urbana européia: é verdade que Londres, a precursora, derrubou as suas por volta de 1760, mas as de Viena duraram até 1857. Paris as teve até 1860, e Madri, até 1868.

Em Roma, as primeiras muralhas teriam sido construídas pelo seu sexto rei, Sérvio Túlio, que reinou de 575 a 535 A.C. Essas muralhas provavelmente foram destruídas ou abandonadas durante o domínio etrusco, sendo que, após a invasão gaulesa e o saque de Roma, em 390 A.C, foram levantados novos muros.

Entretanto, durante a sua longa História, os soldados romanos, normalmente, estiveram muito mais acostumados a estarem do lado de fora das muralhas citadinas, na posição de atacantes, tentando ultrapassá-las para conquistar uma cidade inimiga cercada, do que guarnecendo muros.

Com efeito, uma das mais importantes condecorações militares romanas era a “corona muralis” – uma coroa de ouro com o formato de um muro que era concedida ao primeiro soldado romano que conseguisse galgar uma muralha.

Em verdade, impérios em expansão, por razões óbvias, não necessitam, de muralhas…

Assim, após a implantação da “pax romana”, quando Roma dominou todo o Mediterrâneo e não tinha inimigos à altura, as cidades romanas passaram a negligenciar o reparo e a construção de muralhas, chegando muitas a desmoronarem ou terem o seu perímetro ultrapassado pela expansão urbana, sem que novas fossem edificadas.

Somente após a derrota das legiões de Varo, na Germânia, que significou o abandono do projeto de incorporação daquele território e de expansão romana além do Reno, sentiu-se a necessidade de se estabelecer uma linha de fortificações, torres de vigilânciae paliçadas para prevenir incursões dos bárbaros germânicos, o “limes germanicus”, que, porém, nunca chegou a ser uma muralha continua de alvenaria, em sentido literal.

Da mesma forma, depois de invadirem a Grã-Bretanha, os romanos perceberam que os custos econômicos e militares de uma expansão até ao norte da ilha também não se justificavam, face a resistência das tribos dos Pictos e Escotos, antepassados dos escoceses. Então, o imperador romano Adriano, que era avesso à política expansionista de seu antecessor Trajano, construiu a primeira muralha fronteiriça contínua de Roma, a chamada “Muralha de Adriano”, no século II D.C.

 

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Porém, mais do que uma estrutura defensiva, a Muralha de Adriano era uma declaração política e uma exibição de poder. Com efeito, além de significar que a expansão romana terminava ali naquele lugar, pela vontade do imperador, ela servia também como propaganda da divisão do mundo entre civilização e barbárie: e de fato, estudos mostram que a muralha era coberta de argamassa caiada de branco, para parecer mais vistosa e impressionante para os bárbaros do outro lado.

Para muitos estudiosos militares, as muralhas, entretanto, são uma declaração de fraqueza: nações poderosas não precisam de muralhas, pois seus exércitos são poderosos e temidos o suficiente para intimidar e derrotar os seus vizinhos, invadindo o território inimigo quando for necessário.

Quando o Império Romano passou a ser alvo frequente das invasões germânicas, em meados do século III D.C, as muralhas voltaram à moda: Por todo o Império, as cidades começaram a reparar os seus muros ou a construir novas muralhas.

A própria Roma não escapou. Após a invasão dos Vândalos, que saquearam a cidade de Placência, no norte da Itália, o imperador Aureliano ordenou a construção na capotando Império das impressionantes muralhas que levam o seu nome, com 19 km de extensão, construídas entre 271 e 275 D.C.

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Reforça a tese dos especialistas antipáticos à estratégia militar baseada em muralhas, o fato de que, durante toda a existência das suas muralhas anteriores, ditas Servianas, a cidade de Roma passou 800 anos sem ser invadida por inimigos estrangeiros. Contudo, apenas 140 anos após a construção das Muralhas Aurelianas, Roma foi invadida e saqueada pelos Godos, em 410 D.C.  E, apenas 45 anos depois disso, a Cidade Eterna seria saqueada, ainda mais brutalmente, pelos Vândalos, 455 D.C.

Por outro lado, agora como um caso de sucesso de uma muralha, a nova capital do Império, Constantinopla, que, em 405 D.C recebeu as formidáveis Muralhas Teodosianas, resistiu por mais de mil anos ao cerco dos mais variados inimigos, somente vindo a cair em 1453 D.C, quando os Turcos empregaram os mais poderosos canhões da época (a cidade foi conquistada antes pelos cruzados, em 1204, mas eles tiveram auxílio de opositores internos).

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Enquanto isso, no moribundo Império do Ocidente, começava uma tendência que se acentuaria na Idade Média: a população civil circunvizinha, para se proteger, se mudou para quartéis militares fortificados (castra), para pequenos fortes militares (castellum) ou para pequenos povoados situados em colinas e morros (oppidae). Com a Queda do Império, essas posições fortificadas, agora ocupadas principalmente pelos nobres germânicos vitoriosos, passaram a ser a controlar as terras e a população rural vizinhas, dando origem aos onipresentes castelos que dominaram a paisagem européia medieval.

No século XX, entretanto, o conceito de estratégia militar baseada em muralhas recebeu dois grandes baques: a) a humilhante inutilidade da “Linha Maginot”, contornada com facilidade pelo exército alemão na 2º Guerra Mundial; e b) a queda do “Muro de Berlim”, abatido a golpes de picareta pelos próprios cidadãos da Alemanha Oriental.

Agora, em nossos próprios dias, em pleno século XXI, novamente países levantam barreiras tentando evitar a entrada de grupos de forasteiros indesejados, uma medida criticada por muitos especialistas.

E você, leitor, o que acha das muralhas?

FELIZ ANIVERSÁRIO, ROMA!

21 de abril de 753 A.C. é a data lendária da fundação de Roma por Rômulo, que, segundo o mito, traçou o sulco que delimitava o perímetro da cidade.

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Instalada entre sete colinas facilmente defensáveis, situada estrategicamente no meio da península italiana, banhada pelo rio Tibre, que permitia acesso ao mar sem estar perto demais da costa, fazendo-a vulnerável a ataques de piratas ou invasores, Roma prosperou.

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A data mítica parecia confirmada pelas escavações no Monte Palatino, inclusive com o achado das fundações de cabanas circulares, datadas do século VIII A.C. Porém, achados recentes parecem indicar que a ocupação do local recua ainda mais, para cerca de 900 A.C. Alguns estudiosos também sustentam que a toponímia indicaria que Roma foi um povoado de origem etrusca, e não uma aldeia latina que foi dominada por algum tempo pelos etruscos, o que contraria a versão mais aceita de que Roma foi uma aldeia latina que os etruscos conquistaram e dominaram por um período.

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O fato é que desde o início, como nos mostra a semilendária estória do Rapto das Sabinas, os romanos demonstraram notável capacidade de absorver e aglutinar os diversos povos itálicos e sua cultura.

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Após ser saqueada pelos gauleses em 390 A.C, Roma iniciou uma notável expansão, incialmente pela Itália, depois pela orla do Mediterrâneo e, finalmente, adentrando o norte da Europa, levando a civilização helenística a lugares até então a ela alheios, como as ilhas Britânicas, a margem oriental do rio Reno e a margem setentrional do rio Danúbio.

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Somente após 800 anos de acumulação de incomensuráveis riquezas, a Cidade Eterna foi saqueada novamente, em 410 D.C.

Começava , então, a Roma dos Césares a se reinventar como a Roma dos Papas.

Roma, então, já havia deixado de ser uma cidade para se converter no cerne da civilização ocidental, e, ainda, em um ideal de uma civilização universal, Urbi et Orbi.

FELIX DIES NATALIS!

O MENOS FAMOSO, PORÉM MAIS DEVASTADOR SAQUE DE ROMA

Em 17 de dezembro de 546 D.C., Totila, rei dos Ostrogodos, transpôs as Muralhas Aurelianas que protegiam Roma e invadiu a Cidade Eterna.

Roma era protegida por uma guarnição de soldados do Império Romano do Oriente, que muito mais tarde seria batizado pelos ocidentais de Bizantino. A maior parte da Itália tinha sido reconquistada pelo exército romano comandado pelo general Belisário, à testa de uma campanha militar idealizada pelo Imperador Justiniano I, visando restaurar a antiga glória do Império Romano (executada após a bem sucedida destruição e reconquista do reino vândalo na África), campanha essa que ficou conhecida como “A Guerra Gótica”.

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(O Imperador Justiniano I e sua corte, mosaico da Basílica de San Vitale, em Ravena)

Nota: Os Ostrogodos haviam invadido a Itália em 489 D.C., liderados pelo seu grande rei Teodorico, e eles tornaram-se senhores da península ao derrotar definitivamente o rei Odoacro, em 493 D.C. (Vale lembrar que foi o chefe bárbaro Odoacro quem depôs o último Imperador Romano do Ocidente, Rômulo Augústulo, em 476 D.C., autoproclamando-se Rei (rex) da Itália. Por isso, esta data é considerada como sendo o fim do Império Romano do Ocidente e, convencionalmente, como o início da Idade Média).

Roma foi recapturada por Belisário em 536 D.C. Porém, rei ostrogodo Wittigis (Vitiges) submeteu à Cidade a um cerco que durou 374 dias, entre idas e vindas, até que eles desistiram, após uma resistência feroz dos romanos. Nesse meio tempo, Wittigis mandou executar dezenas de senadores romanos que ele mantinha presos em Ravena.

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(Moeda ostrogoda com a efígie de Wittigis, foto de http://www.cngcoins.com)

Essa primeira fase da guerra prosseguiu até 540 D.C., até a derrota e captura de Wittigis, que foi levado cativo para Constantinopla.

Todavia, após a derrota para os bizantinos, Totila, o sucessor de Wiittigis,  reagrupou as forças godas e combateu ferozmente o exército de Belisário. Assim, após conquistar as regiões da Lucânia e do Brutium, Totila resolveu sitiar Roma.

Ao contrário do que muita gente pensa, a Queda do Império Romano do Ocidente, em 476 D.C.,  praticamente não acarretou nenhuma consequência negativa para a grande cidade de Roma, exceto o desconforto da sua elite em ter que negociar diretamente com os bárbaros. Vale lembrar que a “Cidade Eterna” já não era a capital do Ocidente fazia mais de um século, substituída por Milão e, depois, Ravena.

Na verdade, depois do Saque de 410 D.C., pelos Godos (evento que só durou 3 dias e causou poucos estragos), e de 455 D.C., pelos Vândalos (esse bem mais desastroso),  a cidade de Roma até prosperou, pois Teodorico conseguiu proporcionar mais segurança e ordem na península, além dele entrar em entendimento com a aristocracia senatorial.

O Senado Romano, que continuou funcionando sob o domínio ostrogodo, até mesmo readquiriu uma parte da antiga proeminência, passando a ter voz ativa nos assuntos urbanos. E também os antigos magistrados, como os cônsules, continuaram a ser indicados.

Estima-se que, anteriormente à Guerra Gótica, Roma deveria ter cerca de 100 mil habitantes. Assim, embora longe do 1 milhão de habitantes que a Urbs chegou a ter no auge do Império, ela ainda era, com folga, a maior cidade da Europa Ocidental.

No entanto, Totila estava mesmo decidido a reconquistar Roma, apesar de um destacamento das tropas bizantinas estar estacionado na cidade de Portus – o Porto de Roma, de onde vinham os cereais que abasteciam a cidade, e da guarnição de Roma ser composta de 3 mil soldados (um número ridículo para o tamanho da cidade e dos exércitos nos tempos antigos, mas que no período da Alta Idade Média não era assim tão desprezível).

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(Moeda com a efígie de Totila, foto de http://www.cngcoins.com)

Assim, para forçar uma rendição, Totila mandou derrubar os aquedutos que ainda estavam de pé,  e logo a sede e a fome começaram a grassar na Cidade. Os historiadores contam que os habitantes comeram as sementes, urtigas e depois os cachorros e os camundongos. Quando tudo acabou, relatou-se que eles comeram os próprios excrementos. Diante da situação insustentável, o comandante da guarnição autorizou que quem quisesse poderia deixar a cidade.

O Papa Vigilius que conseguiu fugir de Roma para Siracusa antes do cerco, convenceu o imperador Justiniano a mandar navios com suprimentos para a Cidade, mas eles foram interceptados e capturados pelos Ostrogodos quando tentaram subir o Rio Tibre.

Finalmente, no dia 17 de dezembro de 547 D.C., soldados isáurios da guarnição de Roma, subornados por Totila, ajudaram alguns godos a abrirem a Porta Asinaria das Muralhas Aurelianas, e os Ostrogodos entraram.

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(Porta Asinaria, Muralhas Aurelianas, Roma)

A maior parte da guarnição conseguiu escapar por outro portão e, a se acreditar nas fontes, da população civil somente teriam permanecido 500 habitantes! (esse número deve explicar a baixa contagem de 28 soldados e 60 civis mortos logo após a invasão).

A cidade foi devastada: trechos da muralha foram derrubados, inúmeras casas foram queimadas e tudo que podia ser carregado foi saqueado. Toda ou a maioria da população remanescente, incluindo os senadores, foram levados cativos.

Consta que a intenção inicial de Totila era transformar Roma em pastagem para gado, mas ele teria recebido uma carta de Belisário alertando que aquele propósito de destruir uma cidade mundialmente célebre pelos seus monumentos, que pertenciam à posteridade humana, comprometeria a sua reputação. Convencido ou não por esse argumento, o fato é que Totila não levou à cabo a sua intenção original, deixou a Cidade e partiu para a região da Apúlia para continuar a guerra contra os bizantinos.

Segundo a “Crônica do Conde Marcellinus”, Roma ficou inabitada por quarenta dias, ao ponto de “nenhum homem ou animal ter permanecido ali”.

Belisário, então, reocupou Roma, derrotando a pequena força de 400 homens que Totila deixara na Cidade, e restaurou as muralhas o melhor que pôde, colocando outra guarnição. Ele também instalou um mercado, agora que o transporte dos grãos da Sicília tinha sido restabelecido. Totila retornou do Sul e tentou recapturar Roma de novo, mas foi derrotado.

Contudo, a guerra prosseguia no resto da Itália e Totila se reorganizou para tentar a captura pela terceira vez, em 549 D.C. Os eventos deste cerco foram praticamente uma repetição daquele ocorrido três anos antes. Soldados isáurios da guarnição bizantina de 3.000 homens também traiçoeiramente permitiram a entrada dos Ostrogodos, agora pela Porta Ostiense.

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(Porta Ostiense, Muralhas Aurelianas, Roma, foto de Livioandronico2013)

Desta vez, porém, os soldados romanos que fugiram pelo outro portão foram,, em grande parte, mortos. A cidade foi novamente tomada e saqueada. Desta vez, Totila compreendeu que o controle de Roma poderia trazer-lhe um ganho político e estratégico. Assim, ele preferiu tomar medidas que favorecessem o repovoamento da Cidade. Ele mandou reconstruir as muralhas, bem como outros edifícios, e mandou trazer de volta para Roma os romanos que se encontravam em seu poder. Até mesmo vários senadores foram trazidos da Campânia e reinstalados em Roma.

Totila chegou, inclusive, a presidir uma corrida de cavalos no Circo Máximo. E, tentando ser simpático aos italianos, o rei ostrogodo nomeou o octogenário senador romano Liberius como comandante de suas tropas.

Contudo, em 552 D.C., os romano-bizantinos voltaram, agora liderados pelo hábil general Narses, que, auxiliado pelos Lombardos, à testa de um exército de cerca 25 mil homens derrotou e matou Totila, na Batalha de Taginae.

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(Tropas romanas durante o reinado de Justiniano)

Por sua vez, Teia, o sucessor de Totila, que comandava os Ostrogodos remanescentes, foi aniquilado na Batalha de Mons Lactarius, no ano seguinte, e o reino ostrogodo foi finalmente destruído.

A Itália, e Roma, quedavam-se arrasadas após 20 anos de cruentos combates. Os romano-bizantinos até tentariam revitalizar a Cidade, porém, sem sucesso, sobretudo porque, 15 anos mais tarde, a maior parte da Península  foi invadida pelos Lombardos, restando à Constantinopla o controle de Ravena e algumas áreas no sul.

Somente um núcleo de habitantes vivendo em torno do Papa e da Igreja Católica permaneceu residindo em Roma. A estimativa é de que a Cidade passou a ter, no máximo, entre 5 mil e 20 mil habitantes, sobrevivendo entre as monumentais ruínas de um passado glorioso. Pouco a pouco, elas passariam a ser usadas como estábulos,  fortalezas e pedreiras. Apenas um punhado de igrejas ou templos que foram convertidos para esse uso, como é o caso do Pantheon, sobreviveriam mais ou menos intactos até os nossos dias.

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O fato é que a população de Roma somente alcançaria os 50 mil habitantes no final do Renascimento, já na Idade Moderna.

CONCLUSÃO

No fim das contas, o projeto de “Reconquista” de Justiniano foi o pior que poderia ter acontecido à Itália. O fato é que as duas metades do Império Romano já tinham começado a se estranhar ainda durante o período imperial. A chegada desses romanos de fala grega vindos do Oriente, após mais de meio século de separação entre Roma e Constantinopla, foi mais percebida por muitos italianos latinos como uma nova invasão estrangeira do que como um exército de libertação do jugo germânico.

E ainda havia a questão da cada vez maior incompatibilidade entre o Catolicismo Romano, obediente ao Papa, e a Igreja Oriental, dirigida por um patriarca subordinado ao Imperador… Assim, muitos historiadores acreditam que, para os italianos, a perspectiva de uma Itália unificada sobre um rei ostrogodo moderado, como foi o caso de Teodorico I, era uma alternativa mais promissora do que viver como uma nova província de Constantinopla…

HOJE É SEXTA-FEIRA!!! VOCÊ SABE O PORQUÊ?

Todos nós que falamos português logo percebemos os dias úteis da semana em nossa língua têm um nome diferente do que em outras línguas derivadas do latim, faladas na Europa, que também se difundiram principalmente pelas Américas, África e Oceania.

Notamos também, que nas línguas germânicas, tal como o inglês, nenhum dos sete dias da semana é igual ao seu correspondente na língua portuguesa.

Não obstante, e especialmente nas línguas derivadas do latim, sábado e domingo, normalmente o 7º e o 1º dias da semana (sim, em alguns países não é assim), compartilham esse mesmo nome.

Por que somos diferentes?

Essa é uma longa história que começou muito antes dos romanos, os principais responsáveis por esse calendário que hoje usamos.

Inicialmente, a maior parte dos povos antigos não adotava uma divisão do calendário em semanas. Certamente, dentre as primeiras sociedades a fazê-lo estavam os povos do Oriente Médio, notadamente os babilônios. Esses povos usavam um calendário lunar, organizado em função das fases da lua, e eles tentavam sincronizá-las com as estações do ano, que por sua vez eram percebidas em função do movimento do sol, o que intuitivamente induz a uma divisão do ano em meses de 28 dias com quatro semanas de sete dias (eles também usavam, entretanto, calendários astronômicos mais sofisticados).

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(Sofisticado calendário astronômico babilônico)

Por sua vez, a astrologia, difundida entre os babilônios, ligava-se à observação das órbitas dos sete astros visíveis a olho nu, que são: o Sol, a Lua e os planetas Mercúrio, Vênus, Marte, Júpiter e Saturno.

Porém, os primeiros a adotarem a divisão do tempo em uma semana de sete dias (hebdomadário, de “hebdo”, isto é, “sete”) como algo inseparável da sua própria identidade foram os judeus. A narrativa bíblica da criação do mundo em sete dias, incluindo o descanso de Deus no sábado, efetivamente governava a vida dos hebreus.

Já os romanos, inicialmente, e ainda durante a República, dividiam os dias do mês em ciclos de oito dias, cada um correspondendo no calendário a uma letra de “A” a “H”, sendo estes contados de trás para frente a partir de marcos, seja do primeiro dia do mês (calendas), mas também dos Idos, que normalmente caíam no dia 15 no meio do mês, e das Nonas, que podiam cair no entre o quarto e o sétimo dia do mês, tudo dependendo do número de dias do mês, que podia ser de 30, 31 ou 28 dias.

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Reprodução del Calendario de Anzio (Fasti Antiates) del 84-55 a. C., exposto no Museo do Teatro romano de Caesaragusta. O original está en Roma, no Museu Nacional das Termas, e é anterior a la reforma de Julio César. Foto de Bauglir)

Esse ciclo era chamado de “nundinário”, nome que deriva do número 9, pois ele incluía o dia do qual a contagem do ciclo partia.

O calendário romano, como a descrição que fizemos acima torna fácil perceber, era muito complicado e impreciso astronomicamente, não acompanhava o movimento de translação da Terra e, com a passagem dos anos, ele divergia do verdadeiro início e fim das estações do ano.

Por conta disso, periodicamente, o calendário romano tinha que ser corrigido mediante a inclusão de meses “extraordinários”, o que ocorreu até Júlio César assumir o cargo de Ditador e resolver reformar o calendário, adotando um calendário-solar adaptado do egípcio, contendo doze meses e com a inclusão de um dia adicional a cada quatro anos, no mês de fevereiro.

(Calendário egípcio)

Gaius Julius Caesar
The Roman most people think of instantly – Gaius Julius Caesar. Loads more on him at http://en.wikipedia.org/wiki/Julius_Caesar For more on the Museo della Civiltà Romana, have a look at http://en.museociviltaromana.it/ or http://en.wikipedia.org/wiki/Museum_of_Roman_Civilization

Poucos anos depois da adoção daquele que acabaria sendo chamado de “Calendário Juliano”, a arqueologia e o estudo das fontes mostra que os romanos começaram a adotar também uma semana de sete dias, de onde surgiu, inclusive, pela primeira vez, em latim, com essa acepção, a palavra “septimana”, devirada de “septimus” (sete), que obviamente é a raiz da nossa palavra “semana”.

Por volta do início do século I D.C., as fontes narram que havia uma grande colônia judaica em Roma (alguns estimam que ela remontava 5% da população da cidade, o que representaria 50 mil pessoas), bem como uma grande popularidade de astrólogos caldeus (Babilônia, mas provavelmente também associados a astrólogos egípcios), o que levou até alguns imperadores a expulsarem esses estrangeiros, sob a alegação de corromperem os costumes tradicionais dos romanos (cf. Suetônio e Tácito).

Assim, tudo indica que foram mesmo os judeus que influenciaram a adoção da semana de sete dias em Roma. Da mesma forma, os romanos, influenciados pela Astrologia de origem babilônica-egípcia, adotaram o costume de batizar os dias da semana com o nome dos astros visíveis, associados às divindades do panteão greco-romano, os quais já eram adotados pelos astrólogos helenísticos do Egito Ptolemaico. A primeira evidência arqueológica da adoção de ambos os costumes é uma inscrição (graffiti) encontrada em uma parede de um imóvel em Pompéia, que foi soterrada pelo Vesúvio em 79 D.C.

Assim, seguindo premissas da Astronomia e as características atribuídas a cada divindade:

1) O primeiro dia da semana estava associado ao astro mais importante no firmamento, o Sol (o graffitti de Pompéia fala em “dies Solis” – dia do Sol).

2) O segundo dia foi associado ao segundo astro mais importante, a Lua (dies Lunae ou Lunes dies).

3) O terceiro dia foi associado a Marte, planeta vermelho que remetia a sangue e a guerra ( dies Martis ou Martis dies).

4) O quarto dia, cujo movimento celeste era o mais rápido, foi associado a Mercúrio, o deus-mensageiro do panteão romano (dies Mercuriae ou Mercuriae dies).

5) O quinto dia passou a representar Júpiter (dies Iovis ou Jovis dies),

6) O sexto dia foi associado ao planeta mais brilhante e vistoso no céu, que naturalmente representava a deusa da beleza, Vênus (dies Venus ou Venus dies),

7) O sétimo dia oi associado com Saturno (dies Saturni ou Saturni dies).

Mas os romanos eram famosos pelo conservadorismo e tradicionalismo, e, assim, durante alguns séculos, o calendário nundinário continuou convivendo com o calendário hebdomadário, e, por sua vez, a nomenclatura antiga dos dias da semana, de “A” a “H”, conviveu simultaneamente com os dias batizados com nomes de planetas (zodiacal) que parece ter sido o sistema preferido pela população.

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(Fasti Vallenses, fragmento de calendário romano no Museu Nacional de  Nápoles, © Institute for the Study of the Ancient World / Guido Petruccioli, photographer)

Uma prova arqueológica disso é um famoso fragmento de mármore de um calendário público, hoje desaparecido, que ficava afixado nas paredes das Termas de Trajano, o qual utilizava tanto o sistema nundinário, com a letra do dia dentro do mês, como o sistema zodiacal com o nome do dia de acordo com o planeta (cf. “Rome in Late Antiquity”, Bertrand Lançon).

Ver a imagem de origem
Esse calendário encontrado nas Termas de Trajano mostra já uma fusão entre o calendário romano antigo e o zodiacal. Notem os sete deuses associados aos dias da semana (dois deles estão faltando na primeira imagem, sendo que o primeiro seria Saturno, o segundo Apolo, associado ao Sol, o terceiro  seria alguma divindade associada à Lua, o quarto é obviamente Marte, o quinto seria Mercurío, o sexto, Júpiter e a última, Vênus. Nesse calendário, o primeiro dia da semana é o sábado, assim como era para os Judeus. A segunda imagem é uma reconstituição).

Contudo, após o imperador Constantino I abraçar publicamente o Cristianismo, no início do século IV D.C, a semana de sete dias, que os cristãos seguiam, adaptando-a do Judaísmo, passou a ter a definitiva precedência.

Vale notar que, pelo menos desde a metade do século II D.C., os cristãos passaram a cultuar o “dies Solis”, como primeiro dia da semana, que era o dia em que eles acreditavam que Jesus Cristo ressuscitou, como “Dia do Senhor” (dies Dominicus). Além disso, segundo a Bíblia, o domingo era o primeiro dia da criação do Mundo, já que Deus havia descansado no sétimo dia, o sábado.

Um pouco antes da ascensão de Constantino, em 270 D.C., o Imperador Aureliano, um devoto do deus Mitra, havia instituído o culto ao Sol Invicto (Solis Invictus), associado àquela divindade, como a principal religião do Império Romano. Tudo isto contribuiu para que, em 31 de março de 321 D.C, Constantino editasse uma lei estabelecendo que o “dies Solis” deveria ser devotado ao descanso de todos.

Não obstante, o famoso Calendário de Filócalo, de 354 D.C, que chegou até os nossos dias, mostra um curioso sincretismo entre o calendário romano tradicional e o cristão. No referido calendário são assinaladas tanto datas importantes para os cristãos como datas de festivais pagãos. Embora este calendário em si ainda apresente o vetusto modelo nundinário, com os dias identificados pelas letras A a H, uma das suas páginas traz uma correlação do dia da semana com o planeta correspondente, com o nome dos deuses romanos (Pode ser consultado em http://www.tertullian.org/fathers/chronography_of_354_06_calendar.htm).

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Curiosamente, no Calendário de Filócalo, o primeiro dia da semana, de acordo com a tradição judaica, ainda é o sábado (Pode-se então, inferir que a adoção do domingo como o primeiro dia somente tornou-se praxe com a primazia do Cristianismo sobre as demais religiões, a partir do reinado do imperador Teodósio, o Grande). Entre as datas importantes assinaladas no calendário, está o feriado (feriae) do Natalis Solis Invictus (“Nascimento do Sol Invicto”), no dia 8 antes das calendas de Janeiro, que, de acordo com o sistema nundinário, correspondente ao dia 25 de dezembro (Parte 6 do Calendário).

A parte 12 do Calendário de Filócalo traz um anexo relacionando as datas comemorativas do nascimento dos mártires cristãos, apontando o mesmo dia 25 de dezembro com o do nascimento de Jesus Cristo em Belém, Judéia. Aliás, este é o primeiro documento que menciona o nascimento de Jesus nesta data, considerada improvável pelos especialistas (tendo em vista a própria narrativa bíblica) e que poderia ser decorrente da intenção de aproveitar um feriado religioso dos mais importantes para os romanos (Nascimento do Sol Invicto) para comemorar o nascimento de Jesus pelos cristãos.

Importante para a resposta à pergunta que fazemos em nosso artigo é o fato de que os calendários romanos (fasti) sempre previam inúmeros dias de feriados (“feriae”), ou seja, dias consagrados a um festival em honra de alguma divindade, embora não necessariamente feriados no sentido moderno (dias em que não se precisa trabalhar).

Quando o Cristianismo se tornou a religião oficial do Império, no final do século IV D.C, durante o reinado do imperador Teodósio I, muitos bispos começaram a se incomodar com o costume de nomear os dias da semana com nomes de deuses pagãos. Afinal, em uma concepção cristã, o tempo pertence a Deus, e, portanto, todos os dias são sagrados e, portanto, podem ser considerados “feriae”, quer dizer, dias consagrados a Deus.

Portanto, sendo para os romanos, sete os dias da semana, e sendo o “Dia dos Senhor” (dies Dominicus) o primeiro e o mais importante deles, uma decorrência lógica para os ciosos prelados católicos era que o segundo dia da semana fosse rebatizado como “secunda feriae” e assim sucessivamente: “tertia feriae”, “quarta feriae”, “quinta feriae” e “sexta feriae”. Mas, com relação ao sábado, este dia já tinha um nome profundamente enraizado na tradição cristã, e mencionado expressamente na Bíblia, herdada dos judeus, o qual continuou sendo observado pelas primeiras gerações de cristãos, motivo pelo qual ele foi preservado, inclusive no latim eclesiástico, como “sabbatum”.

Apesar do propósito religioso da Igreja ao adotar oficialmente a nova nomenclatura, pode-se concluir que esta não se popularizou o suficiente a ponto de substituir o costume popular dos súditos do Império: a grande prova é que praticamente todas as línguas européias derivadas do latim continuam a batizar os dias da semana com os nomes dos deuses associados a planetas, como por exemplo o italiano, o francês e o espanhol, respectivamente, como citado abaixo:

1) 2º dia da semana (Lunes dies): lunedi, lundi e lunes.

2) 3º dia da semana (Martes dies): martedi, mardi e martes.

3) 4º dia da semana (Mercuriae dies): mercoledi, mercredi e miércoles

4) 5º dia da semana (Jovis dies): giovedi, jeudi e jueves.

5) 6º dia da semana (Venus dies): venerdi, vendredi e viernes .

O nome do 7º dia da semana (sabattum), porém, como já vimos, ecoava a influência primitiva do judaísmo na adoção da semana de sete dias e já estava suficientemente arraigado na população romana e, por isso, sobreviveu em todas as línguas latinas (ex: sabato, samedi e sábado).

Para os povos de língua germânica, que também batizavam os planetas com os nomes dos seus deuses, em uma correlação análoga aos dos romanos entre as características da divindade e as do planeta em questão e que também, pelo contato com o Império Romano, passaram a adotar a dividir o calendário em semana de sete dias, foi ainda mais difícil aceitar a nomenclatura cristã, já que eles foram convertidos ao cristianismo, em geral, bem mais tarde do que os romanos (embora os invasores godos tenham se convertido no século IV, à confissão herética chamada de Arianismo, porque pregada pelo bispo Ário).

Com efeito, no caso dos Germanos, mesmo o sábado e o domingo mantiveram os seus nomes associados aos astros. E a designação do domingo como “Dia do Sol” (“Sunday”, “Sonntag”, “Zondag”, “Sondag”, etc.) nas línguas germânicas parece ter sido independente (não se olvidando, porém, que o latim e as línguas germâncias pertencem ao mesmo tronco linguístico, o indo-europeu) e anterior ao decreto de Constantino.

Com relação ao sábado, no inglês e em algumas línguas germânicas, curiosamente, e por algum motivo que ainda não foi suficientemente explicado, este dia manteve o nome dado pelos romanos pagãos no período clássico, associado ao deus Saturno (ex: saturday). No sul da Alemanha, contudo, que foi mais influenciado pelos romanos e pela Igreja Católica, também se adota a palavra alemã “samstag”, que deriva do sabbatum eclesiástico.

Mas, voltando a pergunta do nosso título: Por que os dias da semana para os portugueses têm nomes diferentes dos utilizados pelos seus vizinhos?

Quando o Império Romano do Ocidente caiu, em 476 D.C., as províncias romanas de cada região seguiram uma dinâmica própria. A Península Ibérica foi invadida por bárbaros germânicos Visigodos, Suevos, Alanos e Vândalos, sendo que os últimos logo migraram para o norte da África. Uma parte de Portugal e da Galícia ficou submetida aos Suevos, que estabeleceram sua capital na antiga cidade romana de Bracara Augusta, a moderna Braga. Os Suevos eram cristãos, mas adotavam a doutrina do Arianismo.

Em 569 D.C., Martinho de Dume foi nomeado Bispo de Braga. Ele era um nativo da Panônia, na atual Hungria, que peregrinou pela Terra Santa e havia estudado teologia e grego no Oriente, e, após a sua morte foi canonizado.Valendo-se de seu poder de persuasão e eloquência, São Martinho de Dume (também conhecido como São Martinho de Braga) conseguiu converter o rei suevo Teodomiro (ou Theodomar) ao Catolicismo niceno-trinitariano (na foto abaixo, iluminura medieval retratando São Martinho de Dume).

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São Martinho de Dume era um fervoroso adversário do paganismo e advogou que qualquer terminologia que fosse alusiva aos deuses pagãos deveria ser suprimida. Valendo-se de sua posição privilegiada de Bispo de Braga, o religioso conseguiu suprimir nas igrejas situadas sob a jurisdição da sé bracarense, e também fora delas, a utilização dos antigos nomes pagãos dos dias da semana, que foram substituídos pela nomenclatura eclesiástica em latim, que já mencionamos anteriormente (dominus dies, secunda feriae, tertiae feriae, etc.) . A palavra da língua portuguesa “feira” deriva diretamente do latim “feriae“e a população laica passou a se referir aos dias como “segunda-feira”, “terça-feira”, “quarta-feira”, etc.)

E, assim, caros leitores, graças a São Martinho de Dume, que, em português e galego, hoje é sexta-feira!

RÔMULO AUGÚSTULO E O FIM DO IMPÉRIO ROMANO DO OCIDENTE

# RômuloAugústulo #RomulusAugustulus

Em 04 de setembro de 476 D.C., o  bárbaro Odoacro, chefe militar dos Hérulos, e comandante de um exército de mercenários a serviço de Roma, depôs o jovem Imperador do Ocidente, Rômulo Augústulo, em sua capital Ravena, enviando-o para viver em paz próximo a Nápoles, e com o direito de receber uma pensão anual.

Em seguida, Odoacro, ao invés de escolher um fantoche para ser o novo Imperador Romano do Ocidente, como vinha ocorrendo nos últimos 20 anos, devolveu as insígnias imperiais ao Imperador Romano do Oriente, Zenão I, em Constantinopla, gesto que caracterizou o  que a maioria dos historiadores considera como o fim do Império Romano do Ocidente  (27 A.C – 476 D.C.). Porém, Zenão, embora tenha aceitado as insígnias, nunca reconheceu Rômulo Augustúlo como imperador legítimo, mas sim Júlio Nepos, que, naquele momento, controlava a Dalmácia, e ali se manteve até  480 D.C., quando foi assassinado.

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Assim, a data de 04 de setembro de 476 D.C. tradicionalmente marca o fim da Antiguidade e o começo da Idade Média, muito embora discuta-se, e muito, se efetivamente ela representa o fim do Império do Ocidente, sendo que há várias opiniões respeitáveis defendendo que o que se chama de Queda do Império Romano não teria sido um evento, mas um processo, o qual  havia começado muito antes da referida data, e, igualmente, não estava terminado em 476 D.C, pensamento que também se aplica a própria Era Antiga.

Flavius Romulus (Rômulo Augústulo) era filho do general e político romano Orestes,  um cidadão romano natural da Panônia, que ascendeu no serviço público graças às suas ligações com os Hunos (ele chegou a ser notarius (secretário) de Átila, o Huno).

Orestes foi nomeado Comandante do Exército Romano do Ocidente (Magister Militum) por Júlio Nepos, que por sua vez havia sido nomeado Imperador Romano do Ocidente por Leão I, o Imperador Romano do Oriente que reinava em Constantinopla, no início de 474 D.C.,  para substituir Glicério, um governante que era considerado um usurpador pela corte oriental.

Porém, Orestes tinha outros planos e,  aproveitando-se do fato do Império Romano do Oriente estar conflagrado pela luta entre Zenão I, o sucessor de Leão I, e o usurpador Basilisco, o general,  valendo-se das tropas bárbaras que comandava,  depôs Júlio Nepos,  o qual teve que fugir para a Dalmácia.

No lugar de Júlio Nepos, Orestes, em 31 de outubro de 475 D.C., proclamou imperador o seu próprio filho, que adotou o nome de Flavius Romulus Augustus. Porém, como o rapaz somente tinha 15 anos de idade, ele logo ficaria conhecido como Romulus Augustulus, ou seja, “Rômulo, o Pequeno Augusto“, que foi reconhecido pelo Senado Romano. De fato, naquele momento, os senadores italianos pareciam mais satisfeitos em manter-se livres da influência da corte de Constantinopla do que livrar-se da ameaça dos bárbaros germânicos..

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Contudo, quando da aclamação de Rômulo Augústulo, os únicos territórios que o Império do Ocidente controlava, além da Itália, eram alguns  pequenos enclaves na Gália e na Ilíria.  Consequentemente, um dos principais problemas causados pela exiguidade desse território apresentou-se de imediato: a completa insuficiência de arrecadação…Assim, não tendo dinheiro para pagar os bandos de bárbaros que constituíam o que ainda se chamava de Exército Romano, uma revolta contra o novo imperador não tardou a acontecer.

Sem pagamento, uma coalizão de mercenários germânicos, majoritariamente Hérulos e Scirii exigiram que lhes fossem dadas terras correspondentes a um terço do território da Itália, aclamando o seu comandante, Odoacro, como “Rex Italiae” (Rei da Itália). Orestes, cujo poder e reconhecimento dependiam do apoio e do reconhecimento do Senado Romano, recusou.

Em 28 de agosto de 476 D.C. Orestes foi capturado pelas tropas comandadas por Odoacro e executado, próximo à Piacenza. Os mercenários avançaram contra Ravena, a capital do Império do Ocidente, que, apesar de uma breve resistência dos poucos soldados romanos que restavam, caiu, em 2 de setembro de 476 D.C.

Dois dias depois, Odoacro compeliu o jovem Rômulo Augustúlo a abdicar. Consta, todavia, que Odoacro, tomado de pena e também impressionado com a beleza do rapaz, decidiu poupar o imperador deposto e enviou-o para viver em uma vila romana fortificada no que hoje é a cidade de Nápoles, recebendo uma pensão de seis mil solidii de ouro. Essa villa, que havia pertencido ao riquíssimo aristocrata romano Lucius Licinius Lucullus (Lúculo), no século I A.C., hoje é o medieval Castello dell’Ovo (na foto abaixo)

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Em seguida Odoacro, marcando uma ruptura com uma prática de décadas, ao invés de colocar um fantoche seu no trono do Império Romano do Ocidente, resolveu aceitar o título de Rei da Itália, com o apoio implícito do Senado Romano.

Com efeito, Odoacro mandou devolver ao Imperador Romano do Oriente as insígnias imperiais, que acredita-se compunham-se principalmente do cetro e da coroa. Uma embaixada de senadores levou os objetos enviados por Odoacro até Constantinopla, acompanhada da mensagem do Senado Romano :

” A majestade de um monarca único é suficiente para proteger, ao mesmo tempo, o Mundo”

Ao aceitar as insígnias, consta que Zenão I respondeu aos senadores italianos, não sem um tom de reprimenda:

“Que os romanos do Ocidente tinham recebido dois homens enviados pelo Império do Oriente, expulsando um e matando o outro, Antêmio…”

Odoacro, entretanto, agiu de modo prudente e respeitoso para com o trono oriental, e continuou mantendo as aparências externas de que ele, no máximo,  se tornara um rei-cliente do Império Romano do Oriente…Ele até cunhou moedas ostentando o nome do Imperador Zenão I. Porém, Odoacro ignorou solenemente o mais importante dos pedidos do Imperador: a de que ele reconhecesse Júlio Nepos como o legítimo Imperador Romano do Ocidente. Nisso, com certeza, ele teve o apoio do Senado de Roma, que passou a cooperar intimamente com ele na administração da Itália.

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As evidências indicam que, em 507 D.C., Rômulo Augústulo ainda recebia uma pensão, que teria sido mantida pelo rei ostrogodo Teodorico, o Grande, que havia conquistado a Itália, após derrotar Odoacro, fundando o Reino Ostrogodo, que duraria até a reconquista da Itália pelo imperador Justiniano I, em 554 D.C.

Em uma grande ironia do destino, o jovem soberano, que tanto tinha o nome do lendário fundador de Roma, Rômulo, como também o do fundador do Império Romano, Augusto, terminou sendo o último soberano do Império Romano do Ocidente…

UM BANQUETE ROMANO

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O mosaico da foto acima, que hoje faz parte do acervo do museu do Chateau de Boudry (foto copiada do site “http://www.chateaudeboudry.ch”) é um dos mais extraordinários mosaicos romanos que sobreviveram. Ele data do século V D.C. e acredita-se que seja originário da Síria.

Trata-se, provavelmente, de uma das melhores representações de como era um banquete da elite romana. Nele podemos ver a disposição do triclinium, aposento equivalente à sala de jantar das grandes residências modernas. Este nome é devido aos três leitos dispostos em forma de “U”, onde os convivas comiam reclinados. O aposento tem uma porta de madeira, que deve dar para a cozinha, e uma entrada maior, com cortinas, que deve dar para um peristilo, pátio rodeado de colunas com um agradável jardim, geralmente com fontes, no centro, como era padrão em uma domus romana.

O normal é que cada sofá ou dossel do triclinium acomodasse três pessoas, perfazendo um evento para nove pessoas, mas grandes triclinia já foram encontrados em escavações, os quais, certamente, poderiam acomodar muito mais conjuntos de três leitos,  e portanto, os seus proprietários poderiam receber um número maior de convivas.

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No mosaico, os convivas são servidos de vinho pelos escravos, os quais, exceto o que está em primeiro plano, usam um corte de cabelo rapado com uma espécie de mecha ou rabo-de-cavalo comprido). A comida é servida em três banquetas trípodas, do tipo das que já foram recuperadas em Pompéia e Herculano. Alguns comensais estão bem à vontade, dando a entender que já beberam bastante…

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Também na cena retratada, os serviçais estão preparando vinho quente (vin chaud), ainda hoje consumido no inverno na Europa, o que pode ser constatado pela imagem do escravo enchendo a jarra em uma espécie de samovar, bem no canto direito do mosaico. Mas pode ser também que o líquido seja água quente, pois sabemos que também se costumava adicioná-la ao vinho (porém, os romanos no verão também apreciavam o oposto: beber vinho misturado com neve trazida dos picos das montanhas).

O primeiro prato ou prato principal acaba de ser servido: frangos inteiros assados (e provavelmente estufados com os recheios mais surpreendentes, provavelmente bem picantes) e podemos ver que o convidado de cabelo e barba grisalha já se apressou em pegar uma coxa…

A cena mais chamativa do mosaico, entretanto, é o chão salpicado de restos do que devem ter sido pratos de entrada: Folhas de verduras, peixes, camarões, lulas, conchas de moluscos, etc. E, aproveitando a fartura dos restos no piso, um gato e um camundongo aproveitam para garantir a sua parte…

Esse tema do nosso mosaico de maneira nenhuma é original. Ele faz parte de um estilo comum no Mundo Helenístico, que foi apelidado de asarotos oikos (“chão não varrido”),  e do qual sobraram vários exemplos, como o da foto abaixo. Em nossa opinião, o propósito dessas representações era retratar a fartura das recepções dadas e lembrar aos observadores que o sucesso do banquete retratado no piso estava a se repetir novamente, como os comensais perceberiam ao olharem para o chão. Ou, quem sabe, o tema fosse uma forma bem-humorada de pedir que os convivas não fizessem tanta sujeira…

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Parece que a quantidade dos restos no chão e a presença dos camundongos de maneira nenhuma chocavam os romanos. Certamente, um anfitrião próspero teria que ter um time de escravos suficiente para deixar tudo limpo ao fim do banquete. Mas é possível que alguma obra literária antiga forneça mais alguma explicação para a recorrência do tema (era também comum que os mosaicos trouxessem temas de obras literárias famosas ou do cotidiano, tais como jogos de gladiadores, corridas, caçadas, etc.).

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Os encontros onde ocorriam os banquetes recebiam o nome genérico de convivium (palavra latina que originou a palavra convívio, em português, e com o mesmo sentido).

Os banquetes públicos eram chamados de epulum e costumavam ser oferecidos pelo Estado ou por políticos, normalmente para marcar alguma festividade religiosa ou celebrar vitórias. Júlio César, por exemplo, ficou célebre pela suntuosidade e grandiosidade dos banquetes públicos que ele patrocinou. A História, inclusive, registra que César ofereceu o primeiro banquete público em Roma no qual foram servidos quatro tipos de vinhos diferentes.

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Os banquetes privados eram oferecidos nas residências, normalmente jantares (Cena) onde o anfitrião se esmerava em impressionar os convidados com pratos exóticos e o serviço de mesa mais rico que ele pudesse adquirir. Nos arredores de Pompéia, foi encontrado o magnífico “Tesouro de Boscoreale” (nome da vila onde ele foi escavado), um serviço de mesa completo com baixelas e taças de prata ricamente decoradas.

Mas, mesmo nas mais longínquas regiões do antigo Império Romano, foram descobertos também serviços de mesa tão fabulosos quanto os de Boscoreale (como por exemplo, o “Tesouro de Middenhall“, na Inglaterra), que, na época do Baixo Império Romano, foram propositalmente enterrados pelos proprietários para que não fossem saqueados pelos bárbaros .

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Não menos espetaculares que os serviços de mesa de prata são os fabulosos recipientes de vidro, produzidos com uma técnica requintada que faria inveja aos artesãos da atual Murano. Confira os exemplos abaixo:

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Muito provavelmente, todo esse aparato era guardado para ser utilizado nos banquetes, pois, para as refeições cotidianas, os romanos costumavam usar as peças feitas de cerâmica do tipo “terra sigilata“, como, por exemplo, a taça do tipo scyphus abaixo.

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Note-se que o talher mais usado eram as colheres. Facas e garfos raramente são encontrados em escavações e parece que não eram comuns. Provavelmente. os alimentos ou porções eram servidos para serem consumidos com as mãos, sendo as colheres utilizadas apenas para alguns alimentos, como papas, pastas, cremes, ovos, ostras, sopas, molhos, etc.

Note-se que as mesas trípodas encontradas nas escavações e retratadas nos afrescos e mosaicos parecem pequenas para acomodar tantas travessas com comida. Provavelmente, os escravos ficavam levando as baixelas até os convivas, que pegavam o que queriam.

Ao contrário do que acontecia nos symposia gregos, nos banquetes romanos, as mulheres também eram comensais (no symposium, elas somente podiam participar como cantoras, músicas ou dançarinas, entretendo os convivas, ou, no máximo, como hetairas, que eram cortesãs algo similares às gueixas japonesas). Já as romanas participavam dos banquetes em igualdade com os homens, reclinando-se ao lado deles e conversando animadamente).

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Durante o banquete

As refeições romanos incluíam normalmente três pratos: a entrada (gustatio),  o prato principal (mensae primae) e a sobremesa (mensae secundae), que podiam conter várias opções de cardápio. Um anfitrião abastado certamente procuraria que os três impressionassem os convidados.

As entradas mais comuns consistiam em mariscos, ostras, mexilhões, pequenos aves e peixes, assados ou fritos, acompanhados de pão, queijo, folhas, frutas e sementes, tais como  nozes e castanhas.  Em qualquer caso, e também na mensae primae, os romanos adoravam temperar os pratos com o onipresente garum, um molho feito com miúdos de peixe salgados, deixados a fermentar, cujos principais centros de produção ficavam na península ibérica, especialmente no Algarve. A popularidade do garum pode ser comparada a do atual ketchup e, de fato, sabe-se que o ketchup, originalmente, era um molho feito das entranhas de peixe.

Depois vinham as saladas e os pratos de carne, normalmente aves, peixes ou moluscos, porco ou carne de caça. Os romanos não consumiam muita carne bovina, porque, além dos bois serem valiosos para o trabalho rural e o transporte, a conservação da sua carne era mais complicada (peixes eram fáceis de serem salgados no local em que eram pescados, mas a quantidade de sal necessária para salgar a carne bovina era maior e o sal era caro e nem sempre era abundante nas zonas de pecuária, mais distantes das cidades).

Uma carne muito apreciada era a de arganaz, uma espécie de roedor europeu parecida com o esquilo.

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Anfitriões abastados gostavam de impressionar os convidados com pratos exóticos, tanto pelo tipo de animal servido, como pela apresentação do prato. Línguas de pavões, tetas de porca confeitadas recheados com ouriços-do-mar salgados (aperitivo), papagaios assados, flamingo cozido com passas, arganaz recheado com porco e pinhões, são pratos citados na literatura antiga

Como curiosidade, transcrevemos duas receitas romanas extraídas de dois famosos compêndios da Antiguidade:

1 –Salada “Columella“: Coloque no moedor menta, arruda, coentro, salsinha, alho-poró fatiado, ou, caso não tenha, cebola, folhas de alface e de rúcula, tomilho verde, ou hortelã. E também poejo e queijo feta fresco. Amasse tudo junto, despeje vinagre condimentado e agite. Coloque a mistura em um prato e despeje azeite (Columella, Re Rustica, XII, LIX)

2 – Avestruz Cozido: Ingredientes: Pimenta, menta, cominho frito, semente de aipo, passas ou tâmaras, mel, vinagre, vinho passificado, garum, azeite. Coloque tudo na panela e cozinhe. Envolva com farinha de espelta, despeje sobre as peças de avestruz (já cozidas) em uma travessa com pitadas de pimenta. Se desejar cozinhar o avestruz no molho, adicione trigo selvagem (Apicius, De Re Coquinaria, 212).

Coquetel depois do jantar

Depois da sobremesa, um banquete que se pretendesse longo evoluiria para uma fase de degustação de vinhos, em variadas formas, chamada de comissatio (valendo observar que nos banquetes romanos, ao contrário dos symposia gregos, o vinho era servido já durante a refeição).

O vinho normalmente era misturado com água ao gosto do convidado, em sua própria taça, para o qual ele se valia de uma concha, chamada de simpulum. Isso era necessário porque o processo de fermentação utilizado pelos romanos resultava em um vinho de teor alcoólico muito elevado.

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Entre os tipos de vinhos mais consumidos estava o passum, um vinho doce de uvas passificadas, o muslum, que era uma mistura de vinho e mel, de origem cartaginesa, e o conditum, que era uma mistura de vinho, mel e especiarias,  envelhecida em recipientes. Segundo as recomendações, as mulheres somente deveriam consumir o passum. Uma outra forma de adoçar o vinho, relatada pelos autores antigos mas que para nós parece inacreditável, era adicionar suco de uva concentrado, aquecido em recipientes de chumbo, que adocicavam a mistura devido ao acetato presente no referido elemento.

Havia taças de vários tipos, as mais comuns sendo o scyphus e o cantharus,  de inspiração grega, que tinham duas asas para segurar.

Entretenimento

Um banquete romano suntuoso certamente terminaria com uma apresentação de músicos, flautistas, tocadores de lira e até mesmo um órgão hidráulico, que podiam acompanhar ou ser seguidos de dança, acrobacia, teatro e, em alguns casos mais extremos, uma luta de gladiadores ou exibição de feras.

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Talvez o banquete mais célebre da literatura latina seja o do fictício liberto Trimalquião, personagem da obra Satyricon, uma sátira escrita pelo autor romano Petrônio, durante o reinado de Nero, que retratava as extravagâncias de um ex-escravo novo rico.

Mito

Ao contrário da crença popular, provocar o vômito durante as refeições não era um costume romano. Na verdade, a História conta que o imperador Vitélio, um notório glutão, costumava tomar remédios para vomitar durante as refeições para que ele pudesse comer mais, mas a prática é relatada como um traço patológico de glutonaria do monarca em questão.

Na verdade, acredita-se que esse equivocado mito moderno seja derivado da palavra latina “vomitorium“, que era o nome dado aos portões de saída dos anfiteatros e estádios.

Finalizamos nosso artigo com a citação desse belíssimo texto do historiador francês Paul Veyne:

O muro é penhor de civilidade; o banquete é cerimônia de civilidade. Assim que se vê em suas terras, em seu caro retiro, Horácio convida uma amiga para jantar, sem dúvida uma liberta, cantora ou atriz conhecida. Pois o banquete, para todos os usos, é a circunstância em que o homem privado desfruta do que ele de fato é e o mostra veridicamente a seus pares. O banquete tinha tanta importância quanto a vida dos salões no século XVIII e mesmo quanto a corte no Ancien Regime. Os imperadores não tinham corte; viviam em seu “palácio” na colina do Palatino, à maneira dos nobres de Roma em suas mansões. Cercados de escravos e libertos (tanto que o palácio abrigava os diferentes serviços ministeriais); mas, caída a noite, jantavam com seus convidados, que eram senadores ou simples cidadãos cuja companhia apreciavam. Acabavam-se as honras “públicas” e o “governo” do patrimônio: à noite o homem privado desabrochava no banquete; até os pobres (hoi penêtes) — ou seja, nove décimos da população — tinham suas noites de festim. O homem privado esquecia tudo durante o banquete, menos sua eventual “profissão”; um indivíduo que fez voto de consagrar a vida à busca da sabedoria não festejava da mesma forma que o profano vulgo, e sim como filósofo.

O banquete constituía uma arte. A etiqueta parece ter sido menos elaborada e rigorosa que a nossa. Em compensação, jantava-se com clientes e amigos de toda posição, tanto que a ordem de precedência era rigorosamente observada na distribuição dos leitos ao redor da mesa onde ficavam os pratos. Não havia verdadeiro festim sem leito, mesmo entre os pobres: só se comia sentado nas refeições comuns (nas casas simples a mãe de família, de pé, servia o pai à mesa). A comida nos pareceria ora oriental, ora medieval. Contém muitos temperos e molhos complicados. A carne é fervida antes de cozinhar ou assar — tanto que perde o sangue — e adoçada. A gama dos sabores favoritos situa-se no agridoce. Para beber, poderíamos escolher entre um vinho com gosto de marsala e um resinado, como hoje em dia na Grécia, todos cortados com água. “Reforça a dose”, ordena a um escanção um poeta erótico de coração partido. Pois a melhor parte do jantar, a mais longa, é aquela em que se bebe; durante a primeira metade do jantar nada se faz senão comer sem beber; a segunda parte, em que se bebe sem comer, constitui o banquete propriamente dito (comissatio). É mais que um festim: uma pequena festa, onde cada qual deve manter seu personagem. Em sinal de festa, os convivas portam chapéus de flores ou “coroas” e usam perfume, quer dizer, estão untados de óleo perfumado (desconhecendo-se o álcool, o óleo era o solvente dos perfumes): os banquetes eram suntuosos e brilhantes, assim como as noites de amor. 

O banquete era muito mais que um banquete, e esperavam–se considerações gerais, temas elevados, recapitulações de atos pessoais; se o dono da casa tem um filósofo doméstico ou um preceptor dos filhos, ordena-lhe que tome a palavra; os interlúdios musicais (com danças e cantos), executados por profissionais contratados para a ocasião, podem dar mais vida à festa. O banquete constitui uma manifestação social equivalente ao prazer de beber — ou até maior — e por isso inspirou um gênero literário, o do “banquete”, em que os homens de cultura, filósofos ou eruditos (grammatici), abordam temas elevados. Quando a sala de festim oferece desse modo um espetáculo mais de salão que de refeitório, o ideal do banquete se realiza e a confusão com um festejo popular já não é possível. “Beber” designava então os prazeres da mundanidade, da cultura, e às vezes os encantos da amizade; pensadores e poetas também podiam filosofar sobre o vinho.

(Paul Veyne, História da Vida Privada, do Império Romano ao Ano Mil, 1990. p. 181-184, Ed. Companhia das Letras)
FIM

A APOSENTADORIA EM ROMA

A APOSENTADORIA EM ROMA

É natural que o ser humano envelheça. E a velhice diminui a disposição física e traz consigo doenças e incapacidades variadas.

A paleontologia mostra que já nossos ancestrais costumavam cuidar dos indivíduos idosos, provendo-lhes alimento e abrigo. Com efeito, foram encontrados fósseis de nossos primos evolutivos Neanderthais nos quais se constatou que aqueles indivíduos não tinham capacidade sequer de mastigar o alimento, condição esta adquirida vários anos antes da morte do espécime considerado, o que tornou evidente para os cientistas que os parentes mastigavam a comida para ele.

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Nas sociedades atuais, essa característica ancestral certamente é a causa primordial da maior parte dos sistemas de aposentadoria modernos, normalmente deslocando para o Estado, mediante contribuições arrecadas da coletividade, o dever de assegurar não apenas a subsistência, mas o acesso a um padrão mínimo de consumo, aos seres humanos que não podem mais trabalhar ou já trabalharam tempo demasiado. Estando em voga atualmente no Brasil devido à Reforma da Previdência, trata-se, não obstante, de um problema bem antigo.

Em Roma, podemos perceber que o direito social à aposentadoria legalmente surge, ainda em caráter embrionário, no início do período imperial, reconhecido à classe militar.

Com efeito, o imperador Augusto instituiu o “Aerarium Militari”, como uma fonte permanente de proventos para os veteranos do Exército Romano, mediante o pagamento de pensões (praemia) aos militares que encerravam o seu tempo de serviço. (Durante a República, o usual era distribuir terras aos veteranos e assentá-los em colônias, onde, obviamente, eles continuariam trabalhando para obter o seu sustento).

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Assim, após 20 anos de serviço, o soldado romano recebia uma pensão de 12.000 sestércios, equivalente a doze anos de pagamento, valor que permaneceu estável até o reinado de Caracala, ou seja, por mais de 200 anos, quando foi aumentado para 20.000 sestércios.

Augusto também capitalizou, utilizando recursos de seu patrimônio privado (fiscus), um fundo de pensão militar no valor de 170 milhões de sestércios, o qual também recebia contribuições de reinos aliados e de cidades do Império. Logo, porém, o imperador percebeu que aquele montante era insuficiente, e foi necessário destinar um percentual de 5% do imposto sobre herança, e de 1% do imposto sobre os bens vendidos em leilão, para financiar as aposentadorias dos soldados. O fundo era administrado por 3 Prefeitos (Prefecti Aerarii militaris).

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Além da previdência pública, havia em Roma um sistema de fundos mútuos privados para aposentadorias, instituídos por indivíduos e também por várias corporações profissionais, para pagamento de aposentadorias anuais (annua) a seus beneficiários, administrados por corretores ou financistas. O célebre jurista romano Cneu Domício Ânio Ulpiano (Ulpiano) atuou como gestor de um desses fundos e é considerado o criador da primeira tabela de cálculo atuarial em função dos anos de vida dos beneficiários.

Podemos constatar, assim, que dois mil anos atrás os romanos já tinham percebido que a previdência social é uma questão que deve conjugar esforços públicos e privados.