Crispinus e Crispinianus, segundo a hagiografia cristã, seriam dois irmãos, provavelmente gêmeos, provenientes de uma ilustre família da nobreza romana, que se converteram ao Cristianismo, na segunda metade do século III D.C. Após sua conversão, os dois irmãos foram morar na província romana da Gália Bélgica, na cidade de Augusta Suessionum (atual Soissons), com o objetivo de converter os habitantes locais. Ali, eles exerceram com sucesso a profissão de sapateiro, para se manter e também ajudarem os pobres da região.
No reinado do imperador Diocleciano, antes mesmo que fosse iniciada a chamada Grande Perseguição, Crispinus e Crispinianus foram trazidos à presença do colega dele, o Imperador do Ocidente Maximiano, que lhes exortou a renunciar à fé cristã, mediante ameaças e promessas de vantagens.
Ante a negativa veemente dos dois irmãos, Maximiniano enviou-os para o governador da província, um certo Rictiovarus, que os fez torturar e, após, ordenou que ambos fossem jogados ao rio Aisne com pedras de moinho amarradas ao pescoço. Não obstante, Crispinus e Crispinianus conseguiram nadar até a margem do rio, apenas para serem novamente capturados e decapitados por ordem do imperador, em 25 de outubro de 286 D.C.

A estória de Crispinus e Crispinianus basicamente repete a de muitos outros mártires cristãos do período: soldados ou romanos nobres que se convertem à religião cristã, são perseguidos, resistem à renegar Cristo e são executados, não sem antes resistir milagrosamente aos castigos ou formas de execução inicialmente aplicados. Que houve uma grande perseguição no reinado de Diocleciano e Maximiano é um fato inconteste, e não há porque duvidar que houve muitas execuções de cristãos que se recusaram a cumprir a exigência de que fizessem sacrifícios ao culto imperial. Presumivelmente, a crença inabalável de tantos mártires parece ter tido efeito contrário ao desejado pelos imperadores, inspirando a conversão de muitos pagãos. Já os relatos de ocorrências milagrosas consistem mais em uma questão de fé e não há como comprová-los.
Uma grande basílica foi erguida em Soissons em homenagem a São Crispim e São Crispiniano no século VI D.C., supostamente sobre as sepulturas dos dois mártires. Durante a Idade Média, eles tornaram-se os santos padroeiros dos sapateiros, dos curtidores e dos que trabalham com couro e selaria, que eram artesãos importantes no período pré-industrial. Com a Revolução Industrial, o culto aos dois santos perdeu um pouco a popularidade, mas a festa dos Santos Crispim e Crispiniano continua sendo comemorada em 25 de outubro.
Em 25 de outubro de 1415 foi travada a Batalha de Agincourt, entre os exércitos do rei Henrique V e do rei Carlos VI, da França, estas comandadas pelo condestável Carlos D’Albret. Embora inferiorizados numericamente, os ingleses infligiram uma terrível derrota aos franceses. O epísódio foi imortalizado por William Shakespeare, na peça Henrique V.
Em uma das peças mais célebres da literatura da língua inglesa, na véspera da Batalha de Agincourt, o rei Henrique V da Inglaterra faz o famoso discurso de motivação às suas tropas, conhecido como “‘Discurso do Dia de São Crispim (também chamado de “Discurso do Bando de Irmãos” ou “Band of Brothers Speech“). Vou transcrever aqui em inglês mesmo, porque sinceramente acho que nenhuma tradução em português consegue transmitir a força do original, mas o leitor pode utilizar qualquer ferramenta online para traduzir:
Westmoreland:
O that we now had here
But one ten thousand of those men in England
That do no work to-day!
King:
What’s he that wishes so?
My cousin, Westmoreland? No, my fair cousin;
If we are mark’d to die, we are enough
To do our country loss; and if to live,
The fewer men, the greater share of honour.
God’s will! I pray thee, wish not one man more.
By Jove, I am not covetous for gold,
Nor care I who doth feed upon my cost;
It yearns me not if men my garments wear;
Such outward things dwell not in my desires.
But if it be a sin to covet honour,
I am the most offending soul alive.
No, faith, my coz, wish not a man from England.
God’s peace! I would not lose so great an honour
As one man more methinks would share from me
For the best hope I have. O, do not wish one more!
Rather proclaim it, Westmoreland, through my host,
That he which hath no stomach to this fight,
Let him depart; his passport shall be made,
And crowns for convoy put into his purse;
We would not die in that man’s company
That fears his fellowship to die with us.
This day is call’d the feast of Crispian.
He that outlives this day, and comes safe home,
Will stand a tip-toe when this day is nam’d,
And rouse him at the name of Crispian.
He that shall live this day, and see old age,
Will yearly on the vigil feast his neighbours,
And say “To-morrow is Saint Crispian.”
Then will he strip his sleeve and show his scars,
And say “These wounds I had on Crispin’s day.”
Old men forget; yet all shall be forgot,
But he’ll remember, with advantages,
What feats he did that day. Then shall our names,
Familiar in his mouth as household words—
Harry the King, Bedford and Exeter,
Warwick and Talbot, Salisbury and Gloucester—
Be in their flowing cups freshly rememb’red.
This story shall the good man teach his son;
And Crispin Crispian shall ne’er go by,
From this day to the ending of the world,
But we in it shall be rememberèd—
We few, we happy few, we band of brothers;
For he to-day that sheds his blood with me
Shall be my brother; be he ne’er so vile,
This day shall gentle his condition;
And gentlemen in England now a-bed
Shall think themselves accurs’d they were not here,
And hold their manhoods cheap whiles any speaks
That fought with us upon Saint Crispin’s day.
A peça Henrique V e o discurso foram admiravelmente filmados por Kenneth Branagh no filme homônimo, que pode ser visto abaixo (enquanto o youtube permitir):
