OTÃO

1- Antecedentes familiares, infância e juventude

Em 28 de abril de 32 D.C, nasceu Marcus Salvius Otho (Otão), no seio de uma família da antiga nobreza etrusca, originária de Ferentium, uma cidade da Etrúria. O avô de Otão, de nome idêntico ao seu, foi alçado ao Senado Romano por influência da influente imperatriz Lívia Drusila, na casa de quem inclusive, este avô havia crescido. Já o pai de Otão, Lucius Salvius Otho, gozava da intimidade do imperador Tibério, e, segundo as fontes, era tão parecido com este, que muitos suspeitavam de que ele fosse filho ilegítimo dele.

Detalhe da cabeça de Otho de uma estátua do acervo do Louvre. Foto Fred Romero from Paris, France, CC BY 2.0 https://creativecommons.org/licenses/by/2.0, via Wikimedia Commons

Por sua vez, Alba Terentia, mãe de Otão, vinha de uma família romana ilustre.

Não obstante, dada a proximidade da família de Otão com a dinastia dos Júlios-Cláudios, não surpreende que o seu pai tenha, desde cedo, conseguido seguir uma carreira pública: ele ocupou algumas magistraturas menores em Roma, foi nomeado Procônsul da África e, no reinado do imperador Cláudio, exerceu comandos militares na Ilíria, onde ele se notabilizou pela extrema severidade com relação à disciplina dos soldados, inclusive punindo com a morte legionários que haviam matado seus comandantes, não obstante estes tenham aderido a uma revolta contra o citado imperador, em 42 D.C., motivo pelo qual acabou incorrendo no desagrado da Corte.

Posteriormente, contudo, Lucius Salvius Otho recuperou seu prestígio após descobrir uma suposta conspiração de um integrante da classe Equestre que planejava assassinar Cláudio. Em reconhecimento, o Senado Romano decretou uma rara homenagem: que uma estátua de Otão deveria ser colocada no Palácio imperial.

Quando Otão nasceu, seu pai já tinha dois outros filhos: um chamado Lucius Salvius Otho Titianus, e uma filha de nome Salvia, que foi prometida a Drusus Caesar, filho do popular Germânico, morto em 19 D.C, que por sua vez tinha sido adotado por Tibério por determinação de Augusto. Este casamento, entretanto, não aconteceu, seja porque a menina morreu antes de atingir a idade para casar, seja pelo fato da família de Germânico ter caído em desgraça após a morte dele, sendo provavelmente esta a hipótese mais provável, pois as fontes relatam que, antes de morrer, Otão escreveu uma carta de despedida para uma irmã, ainda que não nominada. Suetônio menciona, ainda, que Otão, sua irmã e seu irmão mais velho eram todos filhos de Alba Terentia, mas considerando o cognomen do primogênito e a distância de idade entre Titianus e Otão, que devia ser de cerca de 20 anos, é bem possível que aquele fosse filho de um casamento anterior do pai deles.

Durante a infância e juventude precoce, segundo Suetônio, cujo relato é a base deste artigo, Otão não tinha bom comportamento, manifestando um temperamento turbulento e extravagante, chegando a obrigar seu pai a chicoteá-lo como castigo. O historiador conta, ainda, que Otão era dado a saídas noturnas pelas ruas de Roma junto com alguma turma de rapazes, ocasiões em que costumavam agarrar qualquer transeunte que aparentasse estar bêbado ou doente, jogá-lo em um cobertor, e sacudir e arremessar o pobre coitado para cima (em um procedimento algo similar ao “manteamento” tão bem descrito por Cervantes, em Dom Quixote).

Quanto à sua aparência e modos, assim Otão foi descrito por Suetônio:

Suetônio, “Vida dos Césares”; “Vida de Otão”, 12, 1

Esses obsessivos cuidados com a aparência e excessiva vaidade levaram o poeta romano Juvenal a mencionar expressamente Otão na sua Sátira de número 2, cujo título é “Moralistas sem Moral”, onde o poeta critica a decadência da elite romana e ridiculariza a efeminação de homens públicos:

Juvenal, “Sátiras”, Sátira 2

2- Ingresso no círculo imperial e carreira pública

O fato é que a personalidade e os modos de Otão acabariam aproximando-o do imperador Nero. Após cortejar uma liberta influente na corte imperial, apesar dela ser, nas palavras de Suetônio, “velha e quase decrépita“, ele conseguiu ingressar no círculo mais íntimo do imperador e, em pouco tempo, tornou-se o amigo mais próximo de Nero. De acordo com Suetônio, circularam relatos de que a amizade entre os dois pode ter ido além e envolvido “relações imorais“…

Provavelmente o boato nasceu do fato de que Nero e Otão tornaram-se tão íntimos a ponto de terem partilhado a mesma mulher, a rica Popeia Sabina, neta de um Cônsul, segundo os relatos de Suetônio, Tácito e Cássio Dião.

Cassius Dio, “Epitome of Book LXII”, 11,2

Os relatos dos três historiadores romanos acima citados acerca desse “affair” divergem apenas em poucos pontos: Segundo Suetônio e Cássio Dião, foi Nero, de quem Popeia já seria amante, que a ofereceu a Otão para que os dois celebrassem um casamento forjado, com a finalidade que Nero pudesse desfrutar dela com mais facilidade. Já de acordo com Tácito, o que ocorreu foi o contrário: Otão seduziu Popéia, casou-se com ela e, de tanto ele exaltar as qualidades da esposa para o imperador, Nero acabou interessando-se por Popeia. Mas todos convergem para o fato de que tudo se passou de acordo com a vontade da ambiciosa Popeia, que voluntariamente instigou a paixão do imperador por ela, não se afastando a hipótese de que ela tenha se casado com Otão já com este objetivo em mente.

Cabeça de Popeia

Nota: Popeia Sabina, com base em consideráveis evidências arqueológicas e epigráficas, pode ter nascido na cidade de Pompéia (não por causa do seu prenome), e certamente ela e sua família eram muito ligados à cidade e sua região, onde tinham propriedades, incluindo a fabulosa “Villa de Popeia”, na cidade vizinha de Oplontis, cujas ruínas foram admiravelmente preservadas pela erupção do Vesúvio, em 79 D.C.

Vista da Villa Poppea, em Oplontis

Essas fontes relatam que Popeia, após conseguir se fazer desejada por Nero, teria fingido relutância em trair Otão, ou, de outro modo, este, não suportando mais ter o imperador como rival, começou a dificultar o encontro entre este e a esposa.

Seja como for, o resultado foi que Nero, agora contrariado com as dificuldades que Otão, ou Popeia, ou estes dois juntos, estavam colocando em sua paixão pela última, decidiu, entre 58 e 59 D.C, nomear Otão para ser o governador da longínqua província da Lusitânia, uma designação que, na verdade, visaria acobertar do público o virtual exílio do antigo amigo e agora rival amoroso.

Para surpresa de muitos, Otão fez uma boa administração na Lusitânia, ficando lá por longos e incomuns dez anos. Nesse meio tempo, em 65 D.C, Popeia faleceu, provavelmente de complicações decorrentes de um parto ou aborto. Segundo boatos que circularam, registrados por Suetônio, Tácito e Cássio Dião, essas complicações teriam ocorrido por causa de um chute que Popeia teria levado de Nero no abdômen, segundo os dois primeiros historiadores, ou porque o imperador teria pulado sobre a barriga dela.

3- Atuação durante a aclamação e reinado de Galba

Quando a rebelião de Gaius Julius Vindex na Gália, no início de 68 D.C, pôs em marcha os eventos que resultaram na aclamação de Sérvio Sulpício Galba, governador da Hispânia, inicialmente por Vindex e, em seguida, por várias legiões, Otão imediatamente apoiou o governador da província vizinha a sua, tendo sido ele um dos primeiros a fazê-lo.

Abandonado pelo Prefeito Pretoriano, Ninfídio Sabino, que aderiu a Galba, e declarado inimigo público pelo Senado, que reconheceu a aclamação de Galba, Nero cometeu suicídio, em 09 de junho de 68 D.C.

Durante a marcha de Galba em direção à Roma, sabe-se que Otão teve participação ativa no avanço.

Em outubro de 68 D.C, Galba entrou na capital do Império e assumiu de fato as rédeas do governo. Porém, embora sua aclamação tenha sido recebida com algum entusiasmo, logo o novo reinado mostrou-se falho em manter a popularidade.

De fato, Galba, ao longo de sua carreira, sempre mostrou ser um chefe extremamente severo e, especialmente, um homem sovina. Os súditos e, especialmente, os militares, haviam se acostumado aos excessos de Nero quanto às benemerências e gratificações, e à condescendência quanto à disciplina. Também não ajudou o fato de Galba ser um homem já idoso e sem o “glamour” que envolvia os Júlio-Cláudios. Além disso, os cortesãos e os grupos que giravam em torno de Nero temiam as punições que já estavam ocorrendo. E os soldados esperavam recompensas.

Busto de Galba, foto: Gfawkes05, CC BY-SA 4.0 https://creativecommons.org/licenses/by-sa/4.0, via Wikimedia Commons

As fontes relatam que Galba, velho e atacado pela gota, deixava boa parte das questões de governo por conta de dois apoiadores de primeira hora: Titus Vinius, general que fazia parte do seu staff militar na Hispânia, um homem alegadamente corrupto, e que foi nomeado por Galba para servir como seu colega no primeiro consulado como imperador; e Cornelius Laco, o novo Prefeito Pretoriano, além de seu liberto, Icelus Martianus.

Com o objetivo de acalmar as legiões da Germânia e, talvez, de afastar um possível concorrente para o trono ou para a sua sucessão, Galba enviou o dissoluto e, aparentemente inofensivo, Aulo Vitélio, um notório glutão, para ser o governador da província, no final de 68 D.C. É bem possível que essa indicação tenha tido a influência de Vinius, que era amigo de Vitélio pelo fato de ambos apoiarem a facção dos Azuis nas corridas do Circo Máximo.

Entretanto, no dia em que Galba e Vinius assumiram o Consulado, em 1º de janeiro de 69 D.C, as legiões da Germânia se revoltaram e aclamaram Vitélio como novo imperador. As legiões estavam insatisfeitas com Galba porque esperavam recompensas pelo fato de terem debelado a rebelião de Julius Vindex. Segundo Tácito, as tropas também temiam alguma punição pelo fato de terem apoiado Nero contra Vindex e não terem declarado apoio a Galba na ocasião em que ele foi aclamado. Um emissário foi despachado imediatamente por Pompeius Propinquus, um agente imperial na vizinha província da Gália Bélgica levando a mensagem para Roma (Tácito).

Certamente percebendo a fragilidade de seu estado de saúde e, especialmente, a nova rebelião na Germânia, que sucedia alguns episódios prévios de indisciplina militar em seu reinado, fortaleceu-se em Galba, que não tinha filhos, a percepção de que era necessário nomear um sucessor, na esperança de que o estabelecimento de uma linha dinástica fortaleceria a sua posição e traria mais estabilidade ao governo.

Titus Vinius apoiava o nome de Otão para ser ungido como o herdeiro de Galba. Vale observar que Otão, segundo consta, estimulado por profecias de astrólogos, já vinha aproveitando, desde o início do reinado, toda oportunidade para se tornar o escolhido por Galba, alternando entre a descarada adulação ao imperador e a prestação de favores a qualquer pessoa que pudesse ter alguma influência, incluindo os militares da Guarda Pretoriana.

Todavia, para o grande desapontamento de Otão, prevaleceu a opinião de Cornelius Laco e de Icelus, que apoiavam Lucius Calpurnius Piso Frugi Licinianus. Sem dúvida, Piso Licinianus possuía um nome muito mais ilustre do que o do Otão. A gens Licínia era uma das famílias mais ilustres de Roma, embora inicialmente de origem plebeia, tendo gerado vários cônsules e um triúnviro. Além disso, por parte de mãe, Licinianus era descendente direto do triúnviro Pompeu, o Grande, e seu irmão foi marido de Cláudia Antônia, filha do imperador Cláudio. Não obstante, para Galba, o que teria pesado mesmo contra Otão era a associação dele com o reinado de Nero

Assim, em 10 de janeiro de 69 D.C, Lucius Calpurnius Piso Frugi Licinianus foi oficialmente adotado por Galba, em uma cerimônia realizada no Quartel da Guarda Pretoriana, em Roma, passando o herdeiro a adotar o nome de Servius Sulpicius Galba Caesar.

Vestígios do muro do Quartel da Guarda Pretoriana (Castra Pretoria), em Roma. Foto; Gustavo La Pizza, CC BY-SA 4.0 https://creativecommons.org/licenses/by-sa/4.0, via Wikimedia Commons

4- Ascensão ao trono

Ao receber a notícia da adoção de Lúcio Calpúrnio Pisão Licianiano por Galba, o ambicioso Otão não perdeu tempo de passar da decepção para a ação. Valendo-se de uma propina que obteve ao extorquir um liberto do imperador, no montante de um milhão de sestércios, Otão começou a subornar alguns guarda-costas do imperador. Vale observar que alguns desses pretorianos eram ligados a Tigellinus, o infame Prefeito Pretoriano de Nero, e eles sentiam-se ainda ligados a esse finado imperador, de cujo círculo íntimo Otão chegara a fazer parte. Tudo isso deu-se em um contexto de insatisfação geral da Guarda com a intensificação da disciplina e a falta de pagamento do donativo verificados no reinado de Galba.

Então, no dia 15 de janeiro de 69 D.C, enquanto Galba realizava um sacrifício ritual em frente ao Templo de Apolo, no Fórum Romano, acompanhado de Otão e vários senadores, os fatos foram precipitados pela predição de um advinho ao interpretar os presságios como indicando a existência de um plano para matar Galba. Premido pela revelação do plano, ou acreditando, por sua vez, que se tratava de um presságio favorável à conspiração, Otão deu uma desculpa para deixar a cerimônia e foi ao encontro dos guarda-costas que apoiavam o seu plano, que eram em número de vinte e três, próximo ao Marco Miliário de Ouro e ao Templo de Saturno, também no Fórum Romano.

Localização do Marco Miliário de Outro e do Templo de Saturno no Fórum Romano. Foto: Public Domain Book: Christian Hülsen, Bretschneider und Regenberg, 1904. Author Christian Hülsen died in 1935., Public domain, via Wikimedia Commons

Os 23 guarda-costas saudaram Otão como imperador e logo um número semelhante de Pretorianos se juntou ao grupo, que ergueu Otão em uma cadeira e dirigiram-se ao Quartel da Guarda Pretoriana, onde os oficiais e o resto dos soldados, confusos e cautelosos em tomar partido, não tomaram nenhuma atitude contra os revoltosos, no que provavelmente também contribuiu a antipatia geral que a tropa nutria contra Galba.

Entretanto, Galba prosseguia na realização da cerimônia religiosa, momento em que chegaram os rumores de que Otão estava sendo aclamado pela Guarda Pretoriana.

Galba e seu círculo íntimo resolveram que o mais adequado à situação era verificar se os guardas do palácio no Palatino continuavam leais. Assim, o seu herdeiro, Lúcio Calpúrnio Pisão Licianiano, foi até lá e fez um discurso conclamando-os a defenderem o seu imperador.

Assim que foi terminado o discurso, os integrantes do corpo de guarda-costas pessoais do imperador desapareceram, mas parte do corpo de pretorianos que estava no Palácio permaneceu em formação, atrás dos seus estandartes. Dois oficiais foram enviados ao Quartel da Guarda Pretoriana para se inteirar do ânimo da tropa, e lá chegando foram hostilizados e detidos pelos soldados. Para piorar, o destacamento de soldados-marinheiros da Frota Imperial, que ficava aquartelado em Roma aderiu aos revoltosos (eles haviam sido alvo de um banho de sangue perpetrado pelas tropas leais à Galba, quando estas entraram em Roma nos primeiros dias do reinado dele).

Uma turba invadiu as ruas do Fórum Romano, inicialmente clamando pela punição dos revoltosos.

Dois cursos de ação foram recomendados à Galba: a) Titus Vinius aconselhou que o imperador se entrincheirasse no Palácio e resistisse até que forças leais mais numerosas pudessem alcançar Roma e combater a Revolta; b) Cornelius Laco e Icelus defendiam que Galba fosse imediatamente ao encontro dos revoltosos com os poucos guardas que lhe eram leais enquanto a rebelião ainda estava incipiente e retomasse o controle das tropas.

Galba preferiu seguir o conselho de Laco e Icelus, talvez reforçado pelo falso boato de que Otão teria sido executado no Quartel da Guarda Pretoriana. O idoso imperador, então, vestiu uma couraça e, enquanto deixava o Palácio sendo carregado em uma cadeirinha, foi abordado por um pretoriano, que lhe disse que ele mesmo havia matado Otão, chegando a mostrar a espada ensanguentada. A resposta do severo e inflexível imperador foi:

Tácito, “Histórias”, Livro I, 35

Enquanto isso, o movimento no Quartel da Guarda Pretoriana transformou-se em rebelião generalizada, com os soldados aclamando Otão, vestindo suas armaduras e brandindo suas espadas, lanças e escudos com intenção de defendê-lo pela força das armas.

Logo os sons da rebelião e, em seguida, os primeiros destacamentos de revoltosos começaram a se aproximar do Fórum Romano, por onde trafegava a pequena comitiva de Galba, observada pela multidão espalhada pelas ruas, nos templos e nos edifícios públicos.

Todos puderam ter um prenúncio do que iria ocorrer quando o porta-estandarte do pelotão que escoltava Galba, ao perceber a chegada dos primeiros pretorianos amotinados, arrancou a efígie de Galba do estandarte. A multidão, ameaçada pelos soldados, e ciente do iminente desfecho, tentou fugir por onde fosse possível.

Alguns soldados de infantaria e cavalaria rebeldes aproximaram-se mais do cortejo imperial e um deles lançou um dardo, que acertou Galba sentado na cadeirinha em que era carregado. O imperador, ferido, caiu e rolou pelo chão, ocasião em que alguns relataram ter ouvido ele dizer:

Cássio Dião, “Epítome do Livro LXIV”, 5

Os soldados impiedosamente feriram várias partes do corpo de Galba, terminando por decapitá-lo. Durante todo o selvagem episódio, apenas um Guarda Pretoriano, um centurião de nome Semprônio Denso, tentou defender o imperador, conseguindo evitar a morte dele durante alguns momentos, lutando contra vários atacantes. A história pode ser consultada no artigo que escrevemos sobre Galba. Graças à ação de Semprônio, momentaneamente, Lúcio Calpúrnio Pisão Licianiano conseguiu escapar e se refugiar no Templo de Vesta, apenas para, um pouco mais tarde, ser capturado por ordens de Otão e terminar executado na frente do santuário. Já Titus Vinius, que acompanhava Galba, vendo a morte do imperador, tentou escapar, mas foi atingido por uma lança, e, em seguida, também foi executado no ato.

Reencenação de um centurião romano. Foto: I, Luc Viatour, CC BY-SA 3.0 http://creativecommons.org/licenses/by-sa/3.0/, via Wikimedia Commons

5- Reinado de Otão

No fim daquele dia de 15 de janeiro de 69 D.C, após ser aclamado pelos Pretorianos e pelos soldados-marinheiros da Frota Imperial no Quartel, que, naquele momento, eram os verdadeiros senhores da situação, Otão foi até o Senado Romano, onde os senadores imediatamente confirmaram a sua elevação, votando pela concessão de todos os poderes inerentes ao Principado.

Todavia, naquele momento a anarquia e a indisciplina dos Pretorianos era tanta que foram eles próprios que não apenas escolheram os seus novos comandantes, o simples soldado Plotius Firmus e Licininus Proculus, ambos ligados a Otão, mas também o novo Prefeito Urbano, escolha que recaiu sobre Flávio Sabino, que anteriormente havia sido escolhido por Nero para ocupar esse cargo (relato de Tácito, em suas “Histórias”. Sabino era irmão do respeitado general Vespasiano, que na ocasião conduzia a campanha romana contra a Grande Revolta dos Judeus, na província da Judéia. Laco e Icelus, ligados ao finado Galba, foram imediatamente executados, e Tigellinus forçado a cometer suicídio.

Nesse ínterim, a rebelião dos partidários de Vitélio ganhava adesões na Gália e no norte da Itália. Otão tentou fazer um acordo com o rival, enviando emissários com promessas de dinheiro e salvo-conduto para ir viver a salvo onde quer que ele escolhesse. Vitélio, por sua vez, também enviou uma mensagem de teor semelhante. Os generais partidários de ambos também enviaram ou tentaram enviar mensageiros às legiões controladas pelo oponente imperial. Inclusive, Fábio Valente, general de Vitélio, enviou emissários à Guarda Pretoriana, em Roma, oferecendo negociações e argumentando que Vitélio tinha sido aclamado primeiro que Otão.

Mensagens mais animadoras chegaram da Dalmácia, da Panônia e da Moésia haviam jurado lealdade a Otão. Entretanto, a boa nova foi contrabalançada pela informação que as legiões da Hispânia aderiram à causa de Vitélio. O substancial contingente de legiões estacionadas na Judéia, sob o comando de Vespasiano, juraram lealdade a Otão.

O novo imperador tentou alguns gestos conciliadores em relação a pessoas ilustres. algumas inclusive punidas nos reinados anteriores. Após exercer o consulado do ano de sua elevação juntamente com seu irmão, Salvius Titianus, até o mês de março, Otão, para os meses posteriores, nomeou uma série de senadores, no número total de 15, para serem Cônsules daquele ano. Ele também concedeu direito de cidadania romana a algumas cidades.

Aureus de Otão. Foto: Antiksikkeler, CC BY-SA 4.0 https://creativecommons.org/licenses/by-sa/4.0, via Wikimedia Commons

Outras medidas, como o soerguimento de estátuas de Nero e da falecida imperatriz Popeia Sabina, parecem ter visado a agradar os partidários de Nero e o populacho da Cidade, no seio do qual o tresloucado imperador ainda gozava de bastante estima. Ele também reabilitou vários dos libertos que faziam parte do círculo íntimo do referido antecessor. Aparentemente, Otão pretendia, e assim o seu reinado estaria sendo percebido, como uma restauração do reinado de Nero. Sintomaticamente, o povo começou a chamá-lo de “Nero Otão“, um nome que, embora ele não tenha assumido oficialmente, também não consta ter proibido ou manifestado contrariedade.

Algo que contribuiu para reforçar o sentimento de continuidade em relação ao reinado de Nero, embora tenha sido considerado desabonador pelos historiadores romanos, foi o fato dele ter trazido para perto de si o escravo Sporus (Esporo), um rapaz que, devido a grande semelhança dele com a imperatriz Popeia Sabina, seguindo as ordens de Nero, foi castrado e passou a ser tratado por este imperador como se fosse a sua própria esposa.

Finalmente, de acordo com Suetônio, o imperador Otão destinou 50 milhões de sestércios para a conclusão da Domus Aurea, o suntuoso e espetacular palácio que Nero havia começado a construir em Roma, que ainda estava por ser terminado.

Alguns bárbaros, percebendo a turbulência política no seio do Império, aproveitaram para fazer incursões no território romano. Assim, os Roxolanos invadiram a província da Moésia com nove mil guerreiros montados. Porém, a Legião III, alerta e preparada para a ação, derrotou a tribo sármata com facilidade.

Todavia, na cidade de Roma, a indisciplina dos soldados permanecia: Em certa ocasião, os Pretorianos, da qual boa parte encontrava-se embriagada no Quartel, interpretou erroneamente uma movimentação de tropas e víveres e, acreditando que se tratava de uma tentativa de destronar Otão, um bando deles, após matar um dos seus comandantes, dirigiu-se ao Palácio e invadiu um banquete que estava sendo dado pelo imperador, que mostrou-se fraco e indulgente na ocasião. Nenhum soldado foi punido pelo episódio e eles ainda receberam uma gratificação de cinco mil sestércios para comprar a sua obediência. Para finalizar, os líderes da rebelião só foram punidos porque os próprios soldados assim o demandaram.

Em seguida, em meio aos preparativos para a expedição contra Vitélio, houve uma grande cheia do rio Tibre que inundou boa parte de Roma.

Tomadas as providências para minorar os danos da inundação, Otão retomou os planos para o confronto contra o rival: Ele enviou a frota para atacar a Gália Narbonense, um dos redutos de Vitélio e reforçou as tropas aquarteladas na cidade, predominantemente componentes da Guarda Pretoriana, com alguns outros contingentes. Julgando que os preparativos eram suficientes e tomando como exemplo negativo a postura passiva de Nero ante à rebelião que lhe custou a vida e o trono, Otão, em 14 de março de 69 D.C, partiu de Roma em direção ao norte da Itália.

No meio dessas ações iniciais, dois episódios merecem nota: Tito, o filho de Vespasiano, que havia sido enviado da Judéia pelo pai para prestar homenagens a Galba, ao saber que este havia sido assassinado, e que Otão assumira o trono tendo como contestantes Vitélio e suas legiões, achou mais prudente voltar e expor a situação ao pai, a fim de ver qual curso de ação tomar. Concomitantemente, apareceu na Ásia um impostor dizendo que ele era Nero, que teria conseguido escapar da Itália, conseguindo enganar e atrair um bom número de apoiadores. Mas a farsa não perdurou muito e o farsante foi capturado e morto.

A força militar à disposição de Otão foi reforçada com a chegada de quatro legiões: a VII, XI, XIII Gemina e XIV Gemina. Nero havia conferido a esta última muitas distinções e, por causa disso, esses soldados aderiram entusiasticamente à causa de Otão, que, envergando uma couraça de metal, marchava à frente de sua tropa citadina, majoritariamente composto de Pretorianos e dos Soldados-Marinheiros, aos quais se somaram algumas tropas esparsas, incluindo uma constituída de dois mil gladiadores. A pressa se justificava, pois parte do exército de Vitélio, comandado por Aulus Caecina Alienus, já tinha atravessado os Alpes, cujas passagens haviam sido asseguradas pela adesão de um contingente de cavalaria chamado de Sílios, e chegado à Itália. Por sua vez, o envio da frota mostrou-se frutífero e assegurou o controle da costa italiana até os Alpes Marítimos (cadeia de montanhas no litoral do Mediterrâneo que separa a Itália da França).

Otão enviou um destacamento avançado de suas forças para atacar a região dos Alpes Marítimos, tendo essas tropas causado grande dano aos habitantes locais, com saques e destruição de propriedades. O governador da província tentou defendê-la mediante o recrutamento dos aguerridos povos montanheses, mas estes, devido à falta de treinamento militar, foram facilmente subjugados.

No litoral da Gália, Fábio Valente, general de Vitélio, temendo a ameaça de um desembarque da frota próximo à importante cidade de Forum Julii (atual Fréjus, na França), enviou doze esquadrões de cavalaria, acompanhado de uma coorte auxiliar (unidade com cerca de 800 soldados) de Lígures (povo que habitava o sopé e a parte mais baixa dos Alpes) e 500 auxiliares Panônios.

As tropas de Otão ocuparam posições elevadas junto à costa e contavam com a proteção da frota no litoral adjacente. A batalha seguiu-se imediatamente e, devido à ação conjunta dos pretorianos, de camponeses recrutados para atirar pedras (talvez usando fundas) e das tropas embarcadas, resultou favorável ao exército de Otão. Em decorrência, as tropas de Vitélio foram obrigadas a recuar. Contudo, o sucesso distraiu as tropas de Otão, e, aproveitando-se disso, o exército de Vitélio atacou o acampamento adversário de surpresa, mas acabaram sendo repelidos.

Não tendo nenhum dos lados obtido uma vitória decisiva, os dois exércitos retiraram-se: o de Vitélio para Antipolis (atual Antibes, França) e o de Otão para Albingaunum (atual Albenga, Itália).

Não obstante, a maior ameaça para Otão era o fato de que um exército de Vitélio, comandado por Aulus Caecina, já havia descido os Alpes e ocupado a fértil planície do rio Pó, cruzando este mesmo rio e ameaçando a cidade de Placentia (atual Piacenza). Observe-se que a junção dessa força com aquela comandada por Fábio Valente poderia colocar o exército de Otão em perigosa desvantagem.

Spurinna, o comandante da guarnição de Placentia, leal a Otão, mandou fortificar as defesas da cidade, que foi atacada por Caecina, mas conseguiu resistir bravamente ao cerco que se seguiu. Assim, o general de Vitélio foi obrigado a recuar, cruzar de volta o rio Pó e buscar abrigo na cidade de Cremona. Durante esta retirada, positiva para a causa de Otão, contudo, algumas tropas desertaram e juntaram-se a Caecina.

A Legião I Adiutrix, uma legião recém-formada, comandada por Annius Gallus, que marchava em direção a Placentia para ajudar a guarnição da cidade na resistência ao cerco, ao saber da retirada de Caecina, entusiasmou-se e, mesmo sem que houvesse ordem de seu comandante, marchou em direção à Cremona, somente parando, após retomada a disciplina, na cidade de Bedriacum (Bedríaco, atual Calvatone), que ficava a meio caminho.

Nesse ínterim, uma ação inusitada, segundo Tácito, acirraria a falta de confiança e entusiasmo das forças partidárias de Otão: a força de dois mil gladiadores comandada por Marcius Macer logrou atravessar o rio Pó e atacou com sucesso unidades de auxiliares do exército de Vitélio, tendo parte conseguido fugir para Cremona e outra parte sido aniquilada. Apesar do sucesso, Macer ordenou que seus homens não explorassem esse sucesso, temeroso de enfrentar inimigos em maior número. Em seguida, o general Suetônio Paulino comandou outra ação bem-sucedida na localidade chamada de Locus Castorum, porém, da mesma forma e pelo mesmo motivo, decidiu interromper o avanço. Essas hesitações acabaram acarretando a desconfiança do grosso das tropas de Otão em seus comandantes. Em decorrência, o imperador foi obrigado a designar seu irmão, Titianus, como o comandante geral do seu exército, preterindo talentosos generais que já comandavam suas legiões no teatro de batalha, como era o caso de Suetônio Paulino (que havia derrotado com sucesso a grande revolta da rainha Boudica, na Britânia).

Após controlar um perigoso motim em suas tropas, Fábio Valente conseguiu unir-se ao exército comandado por Caecina, em Cremona, ocasião em que a rivalidade entre os dois ficou evidente.

6- Primeira Batalha de Bedríaco

A junção dos dois exércitos de Vitélio tornava urgente a definição de uma estratégia por parte de Otão. Os seus generais mais experientes, como Suetônio Paulino, cientes da inferioridade numérica, recomendaram evitar uma batalha e esperar que os suprimentos das forças de Vitélio se esgotassem, já que estes não controlavam o resto da Itália e nem as rotas marítimas. O rio Pó configurava uma barreira favorável à defesa e, portanto, manter as posições defensivas em cidades fortificadas ao longo do rio propiciaria que com a passagem do tempo, as tropas de Vitélio começassem a sofrer os efeitos da carência de víveres.

Entretanto, prevaleceram as opiniões de Titianus e do Prefeito Pretoriano Proculus, que defendiam um ataque imediato, porém recomendando que o imperador e sua guarda ficassem na retaguarda, aquartelados na cidade de Brixellum (atual Brescello), para a proteção de Otão e como reserva.

Alguns desertores, espiões ou ambos, levaram as resoluções do comando das forças de Otão ao conhecimento de Valente e Caecina, que planejaram um ataque simulado aos gladiadores de Otão. Seguiu-se um combate em que os gladiadores acabaram levando a pior, o que gerou mais insatisfação das tropas com o comandante deles, Macer, que foi substituído por Tito Flávio Sabino, sobrinho de Vespasiano (não confundir com o irmão deste, mencionado anteriormente).

Finalmente, em 14 de abril de 69 D.C, Titianus, o comandante do exército de Otão, decidiu atacar Cremona e forçar o engajamento decisivo.

Mesmo assim, durante o avanço para Cremona, os generais de Otão estavam relutantes e, sentindo as tropas fatigadas pela marcha e decidiram acampar em um trecho da Via Postumia, próximo a Bedríaco (atual Calvatone).

Local da Batalha de Bedríaco. Foto: Hannibal21, CC BY-SA 3.0 https://creativecommons.org/licenses/by-sa/3.0, via Wikimedia Commons

Segundo Suetônio, enquanto isso, dois centuriões das coortes pretorianas pediram para serem recebidos por Caecina, com o objetivo de entabular negociações. Antes que o real propósito dos pretorianos fosse conhecido, o comandante percebeu que seu colega Valente havia ordenado que suas tropas entrassem em formação de batalha, dando o respectivo sinal.

Então, a cavalaria do exército de Vitélio avançou, mas, surpreendentemente, ela foi repelida por um pequeno contingente das tropas de Otão. Mesmo assim, as forças de Vitélio se posicionaram em boa ordem, enquanto que as tropas de Otão se dispuseram em certa confusão, aparentando nervosismo e insatisfação com seus comandantes.

Para piorar a situação, espalhou-se entre as tropas de Otão um boato de que o exército de Vitélio havia desertado, não se sabe se propositalmente ou por acaso. Em decorrência, baixou sobre as primeiras um estado de desânimo, chegando os homens a saudarem os inimigos, que, mesmo assim, continuavam demonstrando animosidade contra eles.

Foi neste momento que o grosso do exército de Vitélio atacou.

Apesar de sua inferioridade numérica, desorganização e estado de ânimo, o exército de Otão ofereceu uma corajosa resistência. Como o campo de batalha era, em alguns trechos, entremeado de árvores e vinhedos, a luta adquiriu uma característica ora de combate homem a homem, ora de combate entre formações. As ações ofensivas foram feitas basicamente com espadas e machados, sem o arremesso de dardos.

Em outra parte do campo de batalha, entre o rio e a estrada, onde o terreno era plano e aberto, a experimentada Legião XXI Rapax de Vitélio engajou a Legião I Adiutrix de Otão, que nunca tinha visto combate real antes. Apesar disso, a Adiutrix, lutando com entusiasmo, conseguiu capturar a o estandarte-águia da Rapax. Porém, isto acabou inflamando os soldados da legião de Vitélio, e eles conseguiram matar em combate o comandante da Adiutrix, Orfidius Benignus, e capturar vários estandartes.

Ponte sobre o rio Oglio, afluente do Pó, em Calvatone (antiga Bedríaco). Alguns dos combates descritos no texto podem ter tido esse local como cenário. Foto: Massimo Telò, CC BY-SA 3.0 https://creativecommons.org/licenses/by-sa/3.0, via Wikimedia Commons

Enquanto isso, outra legião de Vitélio, a V Alaudae, conseguiu desbaratar a Legião XIII, de Otão, tendo outra legião “Otoniana”, a Legião XIV, experimentado o mesmo revés. Nesta altura do combate, os generais de Otão abandonaram o campo de batalha. A situação do exército de Otão piorou quando a temível unidade dos Batavos, que integrava as forças de Vitélio, chegou ao campo de batalha e conseguiu destroçar o contingente de gladiadores de Otão que havia atravessado o rio.

O símbolo da Legião V Alaudae era um elefante. Foto: CatMan61, Public domain, via Wikimedia Commons

Em franca desvantagem, o restante do exército de Otão foi obrigado a fugir em desordem e procurar abrigo em Bedríaco. Os seus comandantes foram recebidos com hostilidade pelos soldados no acampamento. Não obstante, parte dos soldados, inclusive dos Pretorianos, ainda considerava que eles poderiam continuar a luta.

O exército de Vitélio avançou até o marco de cinco milhas da que partia de Bedríaco e decidiu esperar. No dia seguinte, a disposição dos soldados no acampamento mudou e eles resolveram enviar uma delegação para negociar com os generais de Vitélio. Após alguma hesitação, esta delegação voltou acompanhada de uma enviada pelo exército de Vitélio, a qual foi recebida com emoção pelos acampados.

Nesse meio tempo, Otão aguardava com ansiedade as novas da batalha em Brixellum. Ele ainda tinha consigo uma quantidade apreciável de tropas e sabia que havia outras legiões que, formalmente, ainda lhe eram leais que poderiam chegar de outros pontos do Império. As lideranças dos soldados que estavam com ele manifestaram o desejo de continuar lutando, tendo Plotius Firmus, Prefeito da Guarda Pretoriana sido vocal neste sentido. Inclusive, integrantes de destacamentos das legiões da Moésia que se encontravam no acampamento, afirmaram que as tropas desta província já teriam alcançado a cidade de Aquileia, e em breve reforçariam o exército de Otão.

Naquele momento, de acordo com o relato do historiador Tácito (Nota: o nosso relato da batalha é praticamente uma transcrição do texto deste historiador), o imperador Otão fez o seguinte discurso aos seus soldados:

Tácito, Histórias, Livro II, 46

O historiador Suetônio transcreve um discurso de teor semelhante, embora com texto diferente. Sabemos que os historiadores antigos usavam como recurso narrativo inventar discursos de pessoas célebres em momentos decisivos. Tácito é considerado um historiador mais confiável em relação às fontes, mas ele também costumava inventar discursos. O certo é que todos os historiadores que relataram esses fatos concordam que Otão se dirigiu aos soldados e fez um discurso declarando o desejo de interromper a guerra civil e tirar a própria vida, para evitar mais derramamento de sangue.

7- Morte de Otão

Após o discurso, Otão mandou queimar documentos que poderiam comprometer os seus partidários e distribuiu dinheiro para algumas pessoas. Alguns militares chegaram a ameaçar um motim, mas o imperador conseguiu demovê-los. Ele tinha a seu lado seu jovem sobrinho, Lucius Salvius Otho Cocceianus, filho de seu irmão Titiano, a quem ele tranquilizou, dizendo que não tivesse medo (de fato, o rapaz foi poupado por Vitélio e viveu até o reinado de Domiciano, quando chegou a ser Cônsul, no ano de 82 D.C.., mas, segundo consta, este imperador o teria executado pelo simples fato dele haver comemorado o aniversário de Otão).

Então, Otão retirou-se para sua tenda, despediu seus amigos e apanhou duas adagas que lhe tinham sido trazidas. Após matar a sede com um tanto de água fria, o imperador dormiu um pouco. Quando o dia 16 de abril de 69 D.C. raiou, finalmente, ele se jogou sobre uma das adagas e morreu, faltando onze dias para completar 37 anos de idade.

Em obediência às suas instruções, o cadáver de Otão foi rapidamente cremado em uma pira, sendo que, durante a cremação, alguns soldados, emocionados, cometeram suicídio. Os seus restos foram sepultados em um modesto mausoléu, contendo apenas uma inscrição com o seu nome.

Mesmo após a morte de Otão, seus soldados chegaram a se amotinar e obrigar o general Lucius Verginius Rufus a aceitar ser aclamado como imperador, mas este se recusou (como já havia ocorrido quando ele derrotou a rebelião de Gaius Julius Vindex).

Os soldados, então, aceitaram a realidade e enviaram uma delegação composta por alguns generais, que submeteram aos generais de Vitélio a capitulação e o reconhecimento deste como novo imperador.

De acordo com o historiador romano Cássio Dião, quarenta mil soldados pereceram nos combates em Bedríaco.

8 – Epílogo

Em 19 de abril de 69 D.C, o Senado Romano formalmente declarou Vitélio imperador. Este, quando recebeu a notícia da vitória de suas tropas e da morte da Otão, prontamente dirigiu-se para Roma, onde fez uma entrada triunfal. Os homens fortes do novo reinado eram, obviamente, os generais Caecina e Valente. O novo imperador tentou, inutilmente, como seus predecessores, contentar a ganância dos soldados, sem conseguir discipliná-los. Para isso contribuiu o comportamento desregrado e a sua falta de compostura, que naturalmente não estimulava o respeito dos militares nem o suporte por parte da elite senatorial. Como seu predecessor, Vitélio parece ter procurado demonstrar que seu reinado manteria a orientação favorável a Nero.

Porém, em julho de 69 D.C., os exércitos do Oriente aclamaram como imperador o respeitado general Vespasiano, que comandava a campanha contra a Revolta dos Judeus. A situação de Vitélio piorou quando as legiões da Panônia, sob o comando de Antonius Primus, e da Ilíria, sob o comando de Cornelius Fuscus, declararam-se a favor de Vespasiano e marcharam para invadir a Itália. Em breve, os exércitos dos rivais encontrariam-se novamente nas proximidades de Cremona, e travariam a Segunda Batalha de Bedríaco.

9- Conclusão

A despeito de seus vícios tão enfatizados pelas fontes antigas, Otão não parece ter sido pior do que alguns de seus antecessores ou sucessores. Devemos, então, nos debruçar mais sobre os aspectos estruturais, sem deixar de relacioná-los com as ações do próprio Otão. A crônica da vida e do reinado dele demonstra a disfuncionalidade que havia quanto ao Principado no que se refere à natureza do regime e ao princípio da sucessão, algo que já abordamos no nosso artigo sobre Nero. Essa disfuncionalidade foi herdada da crise do final da República, em que o poder político se sustantava nas legiões recrutadas por generais-políticos ambiciosos. Augusto foi bem-sucedido em cooptar a elite senatorial sob uma aparência de manutenção de seus privilégios na ordem republicana, mas não conseguiu estabelecer um princípio sucessório que assegurasse a continuidade de sua dinastia. A queda de Nero reabriu a oportunidade para que aventureiros ambiciosos aliassem-se à ganância dos soldados, resultando em imperadores fracos, com pouca autoridade sobre os militares, e em um regime instável. O capítulo final da vida de Otão, e a nobreza demonstrada em sua morte, mostra que ele não era um romano tão degenerado como se supunha. Mas somente um governante com autoridade moral, comportamento respeitável, sensatez e ascendência sobre as tropas, como Vespasiano, conseguiria restaurar a estabilidade do regime imperial.

FIM

Fontes:

1- Suetônio, “Vida dos Doze Césares”; “Vida de Otão”, em https://penelope.uchicago.edu/Thayer/E/Roman/Texts/Suetonius/12Caesars/Otho*.html

2- Tácito, “Histórias”, Livros I e II, começa em https://penelope.uchicago.edu/Thayer/E/Roman/Texts/Tacitus/Histories/1B*.html

3- Cássio Dião,Epítome dos Livro LXIII e LXIV“, em https://penelope.uchicago.edu/Thayer/E/Roman/Texts/Cassius_Dio/63*.html

4-Juvenal, Sátiras, Sátira 2, em https://www.tertullian.org/fathers/juvenal_satires_02.htm

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