MACRINO

Segundo o historiador Cássio Dião (Epítome do Livro 79, Marcus Opellius Macrinus (Macrino) nasceu na cidade de Caesarea (atual Cherchell, na Argélia), na província romana da Mauritania Caesariensis, estima-se que por volta do ano de 165 D.C.

Cássio Dião descreve Macrino como sendo um “Mouro”, o que significa que provavelmente ele era de origem berbere. Já os pais dele, por sua vez, ainda de acordo com o relato do referido historiador, seriam de “origem obscura”, significando que não se sabia nada sobre a condição social deles. Como evidência de sua origem Moura, o texto menciona que Macrino tinha uma de suas orelhas furada, presumivelmente para usar um brinco ou outro adorno, no que seria um costume característico dos Mouros.

Busto de Macrino, Palazzo Nuovo, Roma. Aumentando-se a foto nota-se parece haver algo no lóbulo da orelha direita. Seria um brinco? Pretendo inspecionar de perto quando voltar à Roma. foto: <a href=”https://www.flickr.com/photos/mumblerjamie/, CC BY-SA 2.0 https://www.flickr.com/photos/mumblerjamie/, CC BY-SA 2.0 <https://creativecommons.org/licenses/by-sa/2.0&gt;, via Wikimedia Commons

As fontes romanas relatam que, em algum momento de sua vida, Macrino adquiriu um respeitável conhecimento da legislação e jurisprudência romanas, chegando a exercer a advocacia, uma atuação que chamou a atenção de Plautianus, o desafortunado sogro do imperador Caracala, que o contratou para ser ser seu secretário particular. Conseguindo escapar da desgraça de Plautianus, que foi executado ainda durante o reinado de Septímio Severo, o promissor Macrino foi nomeado Superintendente (Curator) da Via Flamínia, uma estrada importante estrada que ligava Roma à cidade de Rimini. Certamente, este era um posto que dava visibilidade política e também permitia ao seu titular amealhar bastante dinheiro, uma prática bem comum entre os homens públicos romanos.

Durante o reinado de Caracala, a carreira de Macrino continuou em ascensão e ele foi nomeado para um cargo não especificado de Procurador, muito provavelmente um cargo de Procurator Augusti, administrando a arrecadação de tributos ou Fiscus (rendas e patrimônio da casa imperial). Também sabemos que Macrino recebeu o anel de ouro que simbolizava o pertencimento à classe dos Equestres (status social que vinha abaixo da nobreza senatorial), uma vez que os referidos cargos eram exclusivos deste grupo. De acordo com Cássio Dião, essas funções foram exercidas por Macrino com eficiência e correção.

Contudo, a História Augusta, uma coleção de biografias imperiais escrita por volta do século IV D.C. (e considerada não muito confiável pelos historiadores modernos, devido aos seus vários erros factuais e algumas contradições), apresenta uma versão mais deletéria da vida de Macrino, citando outros autores, não obstante, no próprio texto, o autor faça questão de advertir que são relatos duvidosos.

Assim, de acordo com a História Augusta, referindo afirmações feitas por um suposto historiador chamado Aurelius Victor, Macrino, durante o reinado de Cômodo (180-192 D.C.), era um escravo liberto e teria sido um “prostituto público”, encarregado de tarefas servis no Palácio, sendo, além disso, corrupto. Posteriormente, já no reinado de Septímio Severo, Macrino teria sido banido para a África por aquele imperador, província onde ele se dedicou a estudar, começando por defender pequenas causas perante os tribunais, dedicando-se à Oratória, após o que, finalmente teria conseguido tornar-se um magistrado. Então, Festus, um outro liberto que tinha sido colega de Macrino, conseguiu que este recebesse o anel de Equestre e, no reinado do imperador Verus Antoninus*, ele foi nomeado Procurador do Fisco.

*Nota: Esta referência é considerada um erro crasso do autor da História Augusta, já que Macrino seria no máximo uma criança de tenra idade quando Lucius Verus foi imperador, sendo que o autor provavelmente quis se referir a Caracala, cujo nome oficial era Marcus Aurelius Antoninus)

E a História Augusta ainda cita outras passagens sobre a vida de Macrino, provenientes de outros autores não identificados, os quais mencionaram que ele teria chegado a lutar na arena como gladiador-caçador (isto é, um venator, tipo de gladiador que capturava feras e outros animais selvagens na arena, além de se apresentar como domador, fazendo-os performar truques) sendo que, após receber o diploma honorário de dispensa da profissão, ele mudou-se para a Província Romana da África.

De qualquer modo, as fontes concordam que Macrino exerceu o cargo de Procurador com zêlo e confiabilidade suficiente para fazer com que Caracala o nomeasse Prefeito Pretoriano, em 214 D.C., tornando-se um dos comandantes da Guarda Pretoriana. Este era um posto que inicialmente compreendia apenas o comando da Guarda, mas que, no decorrer do período imperial foi sendo expandido para abranger também o comando das tropas da Itália e outras unidades mais próximas ao imperador. Posteriormente, tornaria-se um dos cargos mais importantes da administração civil, de certa forma análogo ao de um primeiro-ministro ou grão-vizir. Normalmente, eram dois os Prefeitos Pretorianos, mas, sob Caracala, chegaram a haver três simultaneamente, sendo, um deles, Macrino. O outro era Marcus Oclatinius Adventus, que também havia sido anteriormente Procurator Augusti, algo que talvez demonstre um padrão nas nomeações de Caracala. Observe-se que, pela tradição, o cargo de Prefeito Pretoriano também era destinado à homens pertencentes à Classe Equestre.

Busto de Caracala

Apesar da nomeação, Macrino parece não ter gozado da estima do imperador, que, segundo Herodiano, chegou a criticá-lo por ser adepto demais da boa mesa e também por ser efeminado.

Para não nos alongarmos muito, cumpre relatar que Macrino, na condição de Prefeito Pretoriano, acompanhou, juntamente com seu colega Adventus, Caracala na expedição contra os Partas. Durante a expedição, Flavius Maternianus, que havia ficado em Roma para comandar os Guardas durante a campanha, teria enviado uma carta a Caracala relatando que um vidente teria tido uma visão em que Macrino seria o novo imperador. Entretanto, Macrino, que já estava preocupado com a má disposição que o imperador vinha demonstrando contra ele, teve acesso primeiro à correspondência e, após ler a carta, removendo-a do malote, compreendeu que certamente seria executado se a profecia chegasse ao conhecimento de Caracala.

Assim, visando salvar a própria vida, Macrino abordou o soldado Julius Martialis, integrante da guarda pessoal do imperador, com quem ele tinha uma ligação próxima, o qual estava insatisfeito com Caracala pelo fato deste ter mandado executar injustamente o irmão dele, também soldado e convenceu-o a executar o imperador, da maneira já narrada no tópico antecedente.

No dia 8 de abril de 217 D.C, quando a caravana de Caracala se dirigia da cidade de Edessa para Carras (atual Harran, na Turquia) parou pelo simplório motivo dele fazer suas necessidades no mato, Martialis, que o seguia de perto, atravessou Caracala com sua espada e, em seguida, tentou fugir, sendo morto por um arqueiro.

Localização de Carras (Harran). Foto:Attar-Aram syria, CC BY-SA 4.0 https://creativecommons.org/licenses/by-sa/4.0, via Wikimedia Commons

Em 11 de abril de 217 D.C., três dias após o assassinato, e sob a iminência do exército ser atacado pelos Partas, as tropas aclamaram Macrino imperador. Vale observar que, antes, a coroa foi oferecida a Marcus Adventus, porém este recusou, alegando estar muito velho.

Importante notar que Macrino foi o primeiro imperador romano não oriundo da classe senatorial, em quase 250 anos de período imperial. Em uma sociedade marcadamente classista e estratificada como a romana, certamente era uma condição capaz de diminuir a legitimidade do imperador. Não obstante, Caracala era tão detestado pelo Senadores que a notícia da aclamação de Macrino foi bem recebida e confirmada pelo Senado Romano.

Em seguida, Macrino concluiu uma paz com os Partas, mas, ao invés de desmobilizar o Exército reunido para a campanha, mandando-o de voltas para os seus quartéis nas fronteiras, e voltar para Roma, ele preferiu ficar em Antióquia, decisão que foi considerada um erro pelos autores antigos. Ali, Macrino ficou um tempo desfrutando de luxo e prazeres, vestido com roupas luxuosas e extravagantes, o que, aparentemente, nos dá uma pista de que as anteriormente mencionadas críticas de Caracala não seriam infundadas.

Então, os soldados passaram a sentir nostalgia de Caracala, que se comportava como um deles. Além disso, a crise fiscal ocasionada pelo aumento dos gastos militares necessitava de medidas urgentes. Macrino, então, decidiu que os novos recrutas do Exército receberiam um soldo menor do que os já engajados. A ideia era não desagradar os soldados já em exercício, mas isso acabou sendo percebido como uma antecipação de futuros cortes nos soldos deles.

A insatisfação das tropas com Macrino não passou despercebida às influentes mulheres da família de Caracala. A imperatriz Júlia Domna havia morrido, de câncer no seio, pouco depois dele assumir o trono. Macrino, então, ordenou que a irmã dela, Júlia Maesa, deixasse Roma e voltasse para a cidade natal delas, Emesa, na Síria, junto com suas filhas, Júlia Soêmia e Júlia Maméia, e seu neto, Sextus Varius Avitus Bassianus, que ficaria conhecido como Elagábalo (ou Heliogábalo), filho da primeira.

Moeda com a efígie de Júlia Maesa. Foto: Bibliothèque nationale de France, Public domain, via Wikimedia Commons

Ocorre que Macrino permitiu que Júlia Maesa mantivesse com ela a imensa fortuna que a família, que já era riquíssima pelo fato de governarem a cidade e chefiarem o culto ao deus El-Gabal, tinha amealhado durante mais dos 20 anos em que fizeram parte da família imperial. Certamente, este dinheiro facilitou que Júlia Maesa convencesse os soldados da III Legião Gallica, cujo quartel ficava próximo à Emesa, que seu neto, considerado um adolescente muito bonito, chamado Elagábalo, em homenagem ao referido deus, era filho ilegítimo de Caracala, a quem as tropas tanto adoravam. Assim, em 16 de maio de 218 D.C, o comandante da Legião, Publius Valerius Comazon, aclamou Elagábalo imperador.

A reação de Macrino, que aparentemente não deu a importância devida à rebelião, foi nomear seu filho, Diadumeniano, de dez anos de idade, como co-imperador e enviar um destacamento comandado pelo novo Prefeito Pretoriano, Ulpius Julianus. Porém, ao chegarem ao acampamento dos rebeldes, os soldados de Ulpius, ao verem Elagábalo nos muros e os soldados revoltosos com suas bolsas cheias de dinheiro, desertaram e aderiram à rebelião. A cabeça de Ulpius foi cortada e enviada a Macrino.

Áureo de Diadumeniano. Foto Numismatica Ars Classica NAC AG, CC BY-SA 3.0 CH https://creativecommons.org/licenses/by-sa/3.0/ch/deed.en, via Wikimedia Commons

Em 8 de junho de 218 D.C, uma força comandada pelo tutor de Elagabálo aproximou-se de Antióquia. Macrino decidiu dar combate ao exército rebelde, mas, durante os combates, o imperador, descrente do resultado, abandonou o campo de batalha e voltou para Antióquia. Na cidade, contudo, estouraram tumultos e Macrino resolveu fugir em direção à Roma, despachando Diadumeniano para que este encontrasse abrigo entre os Partas.

Ao chegar à cidade de Calcedônia, Macrino foi reconhecido e capturado, sendo mantido em cativeiro. Por sua vez, a caravana conduzindo Diadumeniano foi interceptada na cidade de Zeugma e o menino assassinado. Quando a notícia chegou ao conhecimento de Macrino, ele tentou fugir, sem sucesso, terminando por ser também executado, ainda durante o mês de junho de 218 D.C. A cabeça dele foi enviada à Elagábalo, o novo imperador.

FIM