Dos objetos romanos que chegaram até os nossos dias, um dos que mais me fascinam são as portas de bronze romanas: além de artisticamente belíssimas, elas transmitem majestade e solidez, conferindo um aspecto digno e solene aos edifícios que elas ainda guardam. E, provavelmente, embora pudessem ter sido originalmente douradas ou dotadas de ornamentos dourados, o fato é que o envelhecimento típico do bronze lhes cai muito bem. E também são tecnicamente muito bem feitas. De fato, até onde eu sei, as portas romanas que descreveremos neste artigo são as mais antigas ainda em funcionamento no Mundo (há portas mais antigas, como a que selava a tumba do faraó Tutankhamun, ou outras até mais antigas, de pedra, mas não podemos dizer que elas ainda sejam portas funcionais).
Sem mais delongas, vamos então às mais antigas portas romanas:
1- Portas da Cúria do Senado Romano (Curia Julia)
Estas portas guardavam a Cúria do Senado Romano, que começou a ser erguida pelo Ditador Júlio César em 44 A.C., no lugar da Curia Hostilia, incendiada nos tumultos que sucederam ao assassinato do político Clódio, em 52 A.C. Mas os trabalhos só foram concluído pelo herdeiro de César, Otaviano, em 29 A.C. Após a Queda do Império Romano do Ocidente, o edifício foi transformado em uma igreja, em 630 D.C, permanecendo nesta função até o governo de Benito Mussolini, em 1938, quando o templo foi desconsagrado, sendo todos os acréscimos posteriores ao período romano removidos, revelando o piso de mármore no padrão opus sectile original e as arquibancadas onde ficavam os bancos de madeira dos senadores. Assim, o prédio da Curia Julia, que sofreu várias restaurações ainda durante o Império Romano, sobrevive no Fórum Romano, sendo a mais importante delas a efetuada pelo Imperador Diocleciano, que resultou no prédio que atualmente podemos visitar hoje. Porém, as magníficas portas de bronze que o guarneciam, medindo imponentes 5,9 m de altura, foram colocadas entre 81 e 96 D.C, durante o reinado do imperador Domiciano. Elas permaneceram na Curia até 1660, quando foram retiradas e instaladas na Basílica Católica de São João de Latrão (San Giovanni Laterano), em Roma, onde se encontram até hoje, em perfeito funcionamento. Durante os trabalhos de restauração realizados no governo de Mussolini, foram instaladas reproduções fiéis das portas originais. Como a própria Basílica de San Giovanni Laterano, apesar de muito reformulada ao longo dos séculos, foi construída e consagrada no reinado do imperador Constantino, o Grande, em 324 D.C, sem dúvida as suas portas merecem o título de portas romanas mais antigas em funcionamento (e talvez do mundo). Finalmente, é fascinante pensar que por essas portas, sem sombra de dúvida passaram ao longo dos séculos vários imperadores e inúmeros senadores romanos.


2– Portas do Pantheon
As portas de bronze do Pantheon são as mais antigas que ainda permanecem no seu local original de instalação. O icônico edifício foi construído no reinado do imperador Adriano, e dedicado em 126 D.C., sendo provavelmente concebido pelo grande arquiteto Apolodoro de Damasco. A opinião prevalente é que essas portas são as originais da construção do prédio atual, embora alguns defendam que possam ser anteriores, até mesmo contemporâneas de um edifício anterior, de mesmo nome e no mesmo local, erguido por Marco Vipsânio Agripa, no governo do imperador Augusto (como gesto de modéstia, Adriano quis que a inscrição dedicatória em nome de Agripa fosse mantida no frontão do novo edifício). Mas há opiniões minoritárias alegando que essas portas seriam medievais ou até mesmo modernas. As portas medem 7,53 m de altura por 4,45 m de largura e cada porta pesa 8 toneladas e meia, totalizando 17 toneladas no total. Durante 241 anos a porta direita não abria, mas trabalhos de restauração no umbral e/ou na soleira, bem como nos pinos, realizados em 1998, restauraram a sua funcionalidade. Assim, ambas as portas, apesar do peso descomunal, podem ser abertas por apenas uma pessoa, graças à perfeição do mecanismo criado pelos Romanos.


3- Portas do Templo de Rômulo
Estas foram as primeiras portas romanas que eu vi pessoalmente, quando da primeira vez eu estive em Roma, no Fórum Romano e o seu formato sóbrio e vetusto e o verde marcante da pátina em seu bronze me fascinaram instantaneamente.
Segundo a teoria mais aceita, este templo foi dedicado a Valério Rômulo, filho do imperador Maxêncio, que morreu ainda adolescente em 309 D.C., sendo divinizado por ordem de seu pai, sendo o único templo romano, além do acima referido Pantheon, que ainda tem as suas portas de bronze originais, inclusive com a fechadura, também autêntica, ainda funcionando perfeitamente! Em 527 D.C, o Templo de Rômulo, durante o reinado de Teodorico, o Grande, rei dos Ostrogodos, foi doado ao Papa, tornando-se, então, o vestíbulo da Basílica de São Cosme e São Damião, no Fórum Romano.



4- Portas da Igreja de Santa Sabina
A Basílica de Santa Sabina é um local que eu recomendo muito a todo o viajante que quiser viver uma experiência diferente e mais imersiva na Roma Antiga. Ela fica no topo da colina do Aventino, uma zona residencial chique, desde os tempos do Império Romano, que não é um local tão frequentado por turistas. O templo católico foi construído em 432 D.C, durante o reinado do imperador Valentiniano III, no terreno onde ficava a casa da aristocrata romana Sabina, cristã martirizada em 126 D.C, e, ao contrário de muitas igrejas antigas romanas, não foi alvo de restaurações ou reconstruções em estilo renascentista ou barroco, ao contrário, Santa Sabina conserva a sua arquitetura original do estilo do Baixo Império Romano, da qual é um dos exemplos mais representativos. As portas da basílica são as únicas incluídas neste artigo que são feitas de madeira (cipreste). E, comprovadamente, mediante testes de dendrocronologia e de rádio-carbono realizados, essas portas são originais, datadas do século V D.C. ( vide https://journals.ub.uni-heidelberg.de/index.php/rihajournal/article/download/69927/version/60257/63277?inline=true#page=1&search=%22sabina%20santa%22.
Dezoito dos painéis decorativos esculpidos em relevo são também originais e trazem algumas das mais antigas representações do Novo Testamento, inclusive uma das primeiras reproduções conhecidas da cena da crucificação de Jesus Cristo.
Finalmente, ainda que não diga respeito ao nosso tema, o leitor que visitar Santa Sabina não pode deixar de conhecer o Giardino degli Aranci, um jardim que fica ao lado da igreja, com lindas e antigas laranjeiras que, na estação apropriada, ficam carregadas de laranjas exalando um cheiro delicioso. O jardim também oferece vistas magníficas do rio Tibre e de parte da cidade de Roma e, se tudo der certo e o ambiente estiver calmo, propiciará uma experiência inesquecível, sobretudo para quem se lembrar do famoso afresco da Villa de Lívia, em Prima Porta, retratando um jardim com laranjais.



5- Portão Esplêndido de Hagia Sophia
O chamada “Portão Esplêndido” ou “Porta Bonita” é uma porta interna de bronze instalada na Igreja de Santa Sofia (Hagia Sophia), em Constantinopla (atual Istambul, na Turquia). A imponente igreja foi construída pelo imperador romano do Oriente Justiniano, no século VI D.C. Porém, a porta em questão foi removida de um templo pagão, que ficava na ilha de Cnido, na Grécia, provavelmente o Templo de Afrodite (embora não se possa afirmar com certeza) e trazidas para Santa Sofia pelo imperador bizantino Teófilo , provavelmente em 838 D.C, tendo em vista uma inscrição com esta data nela aposta. As portas, em duas folhas, nitidamente foram adaptadas para caberem no interior da igreja, provavelmente cortando-se alguma parte delas e davam acesso à nave principal da construção a partir de um vestíbulo no nártex, utilizado pelo imperador e seu círculo íntimo. Considerando o estilo e outras características, especialistas avaliam que as portas foram fabricadas por artesãos gregos, antes ou durante o período romano, por volta do século II A.C, o que as tornariam as mais antigas existentes.

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https://web.archive.org/web/20181229231848/http://ayasofyamuzesi.gov.tr/en/door-nice-door

