SÃO MAURÍCIO E A LEGIÃO TEBANA

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(São Maurício, tela de Matthias Grünewald, século XVI).

Em 22 de setembro de 286 D.C., segundo a hagiografia cristã de São Maurício, uma legião romana inteira teria sido martirizada por ordens do Imperador Maximiniano, na cidade de Agaunum (atual cidade de Saint-Maurice, na Suiça).

Os fatos, que já faziam parte da tradição oral da comunidade cristã, foram mencionados pela primeira vez por escrito em um carta do bispo Euquério, bispo de Lyon, escrita por volta do ano 450 D.C. Segundo a estória narrada na carta,  Maurício era o comandante da Legião Tebana, era originária da cidade de Tebas, ou da província de Thebaida, ambas no Egito, de onde se originou o nome de “Legião Tebana”, e foi transferida para a Gália.

Chegando na cidade de Agaunum, para combater uma revolta dos chamados bagaudas, como eram denominados numerosos bandos de revoltosos e foras-da-lei que chegaram a dominar uma parte da Gália, os soldados da Legião Tebana, que tinham se convertido ao cristianismo ainda no Egito, recusaram-se a fazer os sacrifícios ao imperador e aos deuses romanos antes do combate.

Enfurecido, Maximiano ordenou que a já arcaica punição da dizimação ou “decimatio” fosse aplicada à Legião Tebana (a pena da dizimação consistia em punir uma unidade militar que tivesse demonstrado covardia ou traição pela reunião dos soldados em grupos de dez homens, dos quais um seria escolhido para ser executado).

Porém, mesmo após a primeira rodada de aplicação da decimatio, os soldados cristãos permaneceram firmes em sua fé, e,  depois de várias rodadas de execuções, toda a Legião Tebana, o que totalizaria cerca de cinco mil homens (ou talvez mil, pois nesta época estavam em curso profundas mudanças no Exército Romano),  teria sido morta.

Apesar da conotação mítico-religiosa da fantástica do relato, Muitos historiadores acreditam que essa impressionante estória pode ter um fundo de verdade.

Efetivamente, houve uma legião romana que se chamava I Maximiana Thebanorum,  a qual foi formada pelo imperador Diocleciano cerca de dez anos após a data em que se teria dado o aludido martírio. Apesar da pequena imprecisão cronológica,  o fato é que na época em que a unidade foi criada, Maximiano ainda era co-imperador junto com Diocleciano e ele realmente estava comandando o exército no Reno, o que é compatível com o local mencionado na narrativa hagiológica.

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(Imperador Maximiano)

Inclusive segundo o historiador galo-romano Gregório de Tours, que escreveu no final do século VI D.C., existia na cidade de Colônia uma igreja erguida em torno da cova onde os restos de cinquenta mártires da Legião Tebana foram jogados após o seu martírio.

A transferência de uma legião inteira do Egito para a Gália é improvável, mas a retirada de destacamentos (vexillationes) de várias legiões para campanhas era uma prática comum.

Assim, seria mais condizente com a prática romana, constatada em vários episódios anteriores,  que uma “Coorte” (Cohors), uma unidade militar com cerca de quinhentos homens, tenha sido enviada para a Gália. Se isso for verdade, considerando o relato de Gregório de Tours, que fala em cinquenta mártires, é razoável que a pena da dizimação tenha sido aplicada a uma coorte da Legião Tebana, perfazendo um décimo do seu efetivo.

Maurício, além de outros oficiais martirizados, tais como Cândido e Exupério, passaram a ser venerados como santos pela Igreja Católica. Maurício, inclusive, segundo a hagiografia, seria originário de Tebas, cidade egípcia próxima a Assuã, já quase na fronteira com o Sudão, onde começa da fato a  África Subsaariana, que antigamente era conhecida como “África Negra” . Por isso, São Maurício é representado, ao menos desde a Idade Média, como um homem negro vestido com armadura militar.

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 (Estátua de São Maurício, século XIII, Catedral de Magdeburgo , foto de Chris 73)