AURELIANO, O RESTAURADOR DO MUNDO

Moeda de Aureliano, como “Restaurador do Mundo”

1- Origem e início da carreira

Em 9 de setembro de 214 D.C nasceu, em Sirmium, na província romana da Panônia, Lucius Domitius Aurelianus, o imperador romano Aureliano (OBS: algumas fontes também mencionam que ele teria nascido na província da Dacia Ripensis).

Maquete de Sirmium, foto mediaportal.vojvodina.gov.rs, CC BY-SA 3.0 https://creativecommons.org/licenses/by-sa/3.0, via Wikimedia Commons

Aureliano era filho de um humilde colono romano, provavelmente um soldado veterano assentado nas terras de um certo senador de nome Aurelius, com cuja filha seu pai acabou casando-se, tendo ele nascido dessa união, recebendo, portanto, o seu sobrenome pela parte da mãe. Esta é a versão da frequentemente fantasiosa História Augusta, que também menciona que a mãe dele seria sacerdotisa no templo do Deus-Sol.

Mas alguns historiadores acreditam que Aureliano era apenas o filho de um soldado ilírio que deve ter recebido a cidadania romana no reinado de Caracala, que a estendeu a todos os homens livres do Império, em 212 D.C. Em gratidão, sabe-se que boa parte deles adotou o sobrenome de “Aurelius”, em homenagem àquele imperador, cujo nome oficial era “Marcus Aurelius Antoninus”.

Busto do Imperador Caracala

Como tantos outros soldados de origem Ilíria durante o século III, Aureliano alistou-se no exército romano, seguindo a carreira do pai, e ele foi sendo promovido graças a seus méritos militares. A História Augusta conta que Aureliano tinha uma boa aparência, era alto e forte, e que ele costumava se exercitar com as armas, sendo muito hábil com a espada, mas muito severo em relação à disciplina dos seus comandados:

“(…) ele era um homem atraente, belo de se olhar devido a sua graça varonil, bem alto de estatura, e de musculatura muito forte; ele era um tanto dado ao vinho e a comida, porém ele raramente se entregava à suas paixões; ele era muito severo e aplicava uma disciplina que não tinha igual, estando extremamente pronto para desembainhar a sua espada. E de fato, como havia no Exército dois tribunos, ambos chamados Aureliano: ele e um outro, que posteriormente foi capturado junto com Valeriano, os soldados deram-lhe o apelido de “Espada â mão”, de modo que, se alguém perguntasse qual dos dois Aurelianos tinha feito algo ou praticado qualquer ação, a resposta seria “Aureliano Espada à Mão”, e aí saberiam que foi ele.”

História Augusta, Vida de Aureliano, 6

 

Há dúvida se esta cabeça de estátua de imperador retrata Aureliano ou Cláudio Gótico

Segundo a História Augusta, o desempenho de Aureliano chamou a atenção de um certo comandante (Dux) chamado Ulpius Crinitus, que o nomeou para comandar como Legado a III Legião. Comandando esta unidade, Aureliano derrotou uma força de Godos. Agradecido, Ulpius Crinitus adotou Aureliano como herdeiro, cerimônia da qual participou o próprio imperador Valeriano. É possível que a esposa de Aureliano, Úlpia Severina, fosse filha deste Úlpio Crinitus. Cumpre observar que a real existência de Ulpius Crinitus, que seria da família do imperador Trajano, não é inconteste.

Aureliano e Úlpia Severina tiveram uma filha, cujo nome não foi preservado.

Após a humilhante captura de Valeriano pelos persas, em 260 D.C, seu filho, Galieno, passou a reinar sozinho. Esta derrota para a Pérsia lançou o império romano no caos, e, naquele mesmo ano, visando proteger-se melhor das crescentes invasões germânicas, a Gália, juntamente com a Germânia e a Britânia, se separaram na prática do Império Romano, quando o legado imperial, o usurpador Póstumo, estabeleceu o que seria chamado de “Império Gaulês”.

território controlado pelo Império Gaulês, em vermelho e roxo, foto Aurelian272, CC BY-SA 3.0 https://creativecommons.org/licenses/by-sa/3.0, via Wikimedia Commons.

Durante o reinado de Galieno, o sucesso de Aureliano fez com que ele fosse designado para integrar a cavalaria de elite que foi instituída por aquele Imperador (Comitatus), da qual ele acabou se tornando comandante. Esta força, baseada em Milão, atuava como o núcleo de um exército central móvel e, para alguns, representava uma transição de uma estratégia de defesa estática, adotada desde o principado de Augusto, para uma focada na defesa em profundidade.

2- Ascensão

No reinado de Cláudio II “Gótico, sucessor de Galieno, assassinado em setembro de 268 D.C, ele também um ilírio nativo de Sirmium, Aureliano foi nomeado Comandante-em-chefe da Cavalaria do Exército Romano, e, liderando um grande ataque montado, ele participou decisivamente da grande vitória obtida pelo novo imperador contra os Godos, na Batalha de Naissus, em 268 ou 269 D.C. Observe-se que alguns historiadores acreditam que Aureliano pode ter participado da conspiração que resultou no assassinato de Galieno.

Em seguida, juntos, na Batalha do Lago Benacus (Lago de Garda), ocorrida provavelmente no início de 269 D.C., Cláudio Gótico e Aureliano derrotaram uma crítica invasão da Itália pelos Alamanos, que tinham se aproveitado da rebelião de Aureolus, um general que se rebelara contra Galieno, para invadir a Península.

A cavalaria romana de elite, em período anterior a Aureliano. foto I, Adsek, CC BY-SA 3.0 http://creativecommons.org/licenses/by-sa/3.0/, via Wikimedia Commons

Porém novamente os Godos, agora aliados com os Hérulos, Gépidas e Bastarnae, voltaram a atacar o Império nos Bálcãs e Aureliano teve participação vital em combater essa incursão com sua cavalaria dálmata. Porém, os bárbaros resistiram duramente até 270 D.C, quando uma peste irrompeu na Península afetando ambos os exércitos.

O imperador Cláudio Gótico acabou contraindo a peste e teve que abandonar as operações, que foram concluídas com sucesso por Aureliano, a quem coube o comando das tropas.

3- Aureliano imperador

Ainda no 1º quadrimestre de 270 D.C, chegou a notícia de que Cláudio Gótico morreu em Sirmium, da doença que havia contraído. O Senado imediatamente reconheceu o irmão do imperador falecido, Quintilo, como sucessor. Porém, em maio, o exército sob o comando de Aureliano também o aclamou imperador.

Rapidamente, as tropas de Aureliano derrotaram o exército de Quintilo e este foi assassinado ou cometeu suicídio.

Aureliano assumiu um Império Romano em grave crise e em processo de desagregação. Após a derrota de Valeriano para a Pérsia Sassânida, as províncias romanas da Síria, da Arábia e do Egito procuraram a proteção da cidade autônoma de Palmira, governada pelo vigoroso líder Odenato, que conseguiu repelir os Persas.

Palmira era uma cidade habitada por uma mescla de povos semitas, em sua grande maioria Arameus (ou Aramaicos) e Árabes. Localizada ao redor de um oásis no meio de um vasto deserto ela fica entre 150 e 200 km dos rios perenes mais próximos, dependendo do oásis e de cisternas para uma agricultura viável. Entretanto, a cidade prosperou como importante centro na rota de caravanas comerciais que ligavam o Mediterrâneo ao Império Persa e à Índia.

Encorajado pelo sucesso e pelo declínio romano, Odenato proclamou-se “Rei dos Reis”, mas ainda mantendo-se formalmente subordinado à Roma. Porém, após ser assassinado, em 267 D.C., ele foi sucedido por seu filho pequeno, Vaballathus, e o poder passou a ser exercido por sua viúva, Zenóbia, como regente. Em seguida, embora ainda sob o pretexto de agir em nome do Império Romano, Zenóbia invadiu o Egito, em outubro de 270 D.C. Aliás, vale citar que a rainha reivindicava ser descendente direta da célebre rainha do Egito, Cleópatra.

Contudo, em 271 D.C, Zenóbia assumiu para si e para o filho os títulos de Augustos, criando o que ficaria conhecido como “Império de Palmira” (ou também Império Palmirense. ou Palmireno).

O Império de Palmira,, em 271, em amarelo. Em verde, o Império Gaulês. Foto User:Pomalee, User:Игорь Васильев, CC BY-SA 4.0 https://creativecommons.org/licenses/by-sa/4.0, via Wikimedia Commons

4- Invasões e revoltas

Inicialmente, quando a notícia da incorporação das províncias orientais pelo Império de Palmira chegou ao seu conhecimento, Aureliano estava impossibilitado de atacá-lo pelo fato de estar envolvido com invasões dos Iutungos, Vândalos e Sármatas no norte da Itália, as quais ele conseguiu derrotar.

Ademais no ano seguinte, uma nova invasão bárbara, dos Alamanos ou dos Iutungos, obrigou Aureliano a ir combatê-los no norte da Itália, e finalmente conseguiu derrotá-los na Batalha de Fano, no Rio Metauro, vitórias pelas quais ele recebeu o título de “Germanicus Maximus”.

As fontes também relatam três revoltas lideradas respectivamente por Septimius, Urbanus e Domitianus, personagens obscuros, que provavelmente eram comandantes de tropas nas províncias afetadas pelas invasões bárbaras, cujas rebeliões devem ter tido breve duração.

De volta à Roma, percebendo que a ameaça dos bárbaros ao coração do Império passaria a ser uma constante, Aureliano ordenou a construção do grande sistema de muralhas defensivas da Cidade, protegendo uma área de 1.400 hectares e que ficariam conhecidas como as “Muralhas Aurelianas”. As obras durariam 5 anos e somente seriam completadas pelo imperador Probo.

Muralhas Aurelianas, foto Lalupa, Public domain, via Wikimedia Commons

Em Roma, Aureliano ainda teve que enfrentar uma feroz revolta armada dos cunhadores de moedas, liderados por Felicissimus, o Secretário do Tesouro Imperial, que provavelmente estavam insatisfeitos com alguma medida dele coibindo o desvio dos metais, o que acarretava a cunhagem de moedas de qualidade inferior. Inclusive, durante o seu reinado, Aureliano fez uma reforma monetária, aumentando a quantidade de prata contida no Antoninianus (moeda que substituiu o denário) para 5%, o que demonstra o quanto a moeda estava desvalorizada. Se os relatos forem verídicos, a revolta dos cunhadores foi tão séria que resultou no massacre deles, sendo que a repressão teria custado a vida de sete mil soldados!

Antoninianus de Aureliano, No verso da medalha, celebra-se a concórdia entre o imperador e os militares. Foto Copyrighted free use, https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=348653

Novamente, mais uma incursão dos Godos nas fronteiras do Danúbio obrigou Aureliano a marchar para dar-lhes combate, ocasião em que, atravessando o Rio, as tropas comandadas pelo imperador derrotaram e mataram o chefe Godo Cannobaudes, recebendo, em homenagem a esta vitória, do Senado o título de “Gothicus“. Entretanto, a constante pressão bárbara nesta fronteira, levou Aureliano a decidir abandonar a província romana da Dácia, na margem norte do Danúbio, pela dificuldade em defendê-la. Ele reassentou os habitantes romanos da província abandonada ao sul do Danúbio, em uma parte da Mésia, que foi rebatizada de “Dacia Aureliana“, com a cidade de Serdica (atual Sofia, na Bulgária), como capital.

5- Guerra contra o Império de Palmira e reconquista das províncias orientais

Finalmente, em 272 D.C, Aureliano teve condições de enfrentar o grave problema da perda das províncias orientais para o Império de Palmira, que agora controlava o Egito, a Síria, a Palestina e até partes da Ásia Menor. Vale observar que a perda do Egito estava afetando o vital suprimento de trigo para a cidade de Roma.

Moeda de Zenóbia Augusta. Foto Classical Numismatic Group, Inc. http://www.cngcoins.com, Public domain, via Wikimedia Commons

Interessante observar, antes de falarmos sobre a campanha de Aureliano contra o Império de Palmira, que recentemente cientistas da Universidade Aarhus e da Universidade de Bergen conduziram uma pesquisa e publicaram um artigo que trouxe uma nova perspectiva sobre os motivos que teriam levado os Palmirenses a anexarem territórios controlados pelo Império Romano.

No estudo, os cientistas, examinando dados paleo-climáticos e as culturas e técnicas agrícolas empregadas pelos Palmirenses, concluíram que as mudanças climáticas prejudiciais que ocorreram exatamente na época dos reinados de Odenato e Zenóbia, bem como o rápido crescimento populacional da cidade, decorrente da prosperidade experimentada nos séculos II e III D.C (Palmira chegou a ter mais de 200 mil habitantes), comprometeram a segurança alimentar da cidade, levando seus líderes a embarcarem em um processo de militarização e expansão territorial que levou ao conflito final com Roma.

Feito o parêntese acima, na ofensiva romana contra os Palmirenses, Aureliano reconquistou com facilidade os territórios romanos que aqueles ocupavam na Anatólia, havendo apenas resistência nas cidades de Bizâncio (prenunciando a excepcional posição defensiva que caracterizaria a futura capital, Constantinopla) e Tiana (que teria sido poupada graças à aparição do espírito do filósofo e suposto paranormal Apolônio de Tiana, que rogou por sua cidade ao imperador). Enquanto isso, o general Marco Aurélio Probo (o futuro imperador Probo) reconquistou o Egito, ocasião em que o Quarteirão Real de Alexandria, onde ficava o remanescente da Biblioteca de Alexandria, foi queimado.

Batalha de Imas

Então, o exército de Aureliano chegou aos arredores da grande cidade síria de Antióquia, para onde Zenóbia e o general palmirense Zabdas esperavam os romanos com um grande exército. A Batalha de Imas, que se seguiu, é assim narrada pelo historiador romano Zósimo:

“Observando que a cavalaria palmirena depositava grande confiança na armadura deles, que era muito forte e segura, e que eles eram melhores cavaleiros do que os seus soldados, ele (Aureliano), ele posicionou sua infantaria do outro lado do rio Orontes. Ele ordenou que a sua cavalaria não engajasse imediatamente a vigorosa cavalaria dos Palmirenos, mas que esperassem pelo ataque deles, e, então, fingindo fugir, continuassem galopando até que eles fatigassem tanto os homens quanto os seus cavalos devido ao excesso de calor e o peso das armaduras, de modo que eles não pudessem mais persegui-los.

Este plano foi bem-sucedido e assim que a cavalaria do imperador viu que seus inimigos estavam cansados, e que as montarias deles eram praticamente incapazes de ficar em pé sob eles, ou mesmo de se mover, os romanos puxaram as rédeas dos seus cavalos, e, voltando-se rapidamente, carregaram contra os inimigos, atropelando-os enquanto caíam dos seus cavalos. Dessa forma, o massacre foi generalizado, alguns morrendo pela espada e outros pisoteados pelos seus próprios cavalos ou pelos dos romanos”

Zozimus, New History, Livro 1

Os sobreviventes do exército de Zenóbia foram tentar se refugiar dentro dos muros da cidade de Antióquia e o relato de Zósimo infere que, para entrar na cidade, que já estava em vias de se amotinar contra seus conquistadores palmirenses, Zabdas foi obrigado a usar o artifício de conduzir preso um soldado que se parecia com Aureliano, vestindo-o com trajes semelhantes aos usados pelo imperador, como se este tivesse sido capturado pelos Palmirenos. Mesmo assim, durante a noite, Zabdas e Zenóbia partiram com seu exército para Emesa.

Então, quando amanheceu, Aureliano, ao partir para engajar novamente os remanescentes do exército de Palmira, recebeu a notícia da fuga de Zenóbia e entrou em Antioquia, sendo recebido festivamente pelos habitantes. Ao saber que muitos cidadãos tinham fugido da cidade pelo temor da punição de terem apoiado Zenóbia, Aureliano publicou decretos perdoando-os e conclamando-os a retornar à Antioquia, tendo multidões atendido a este chamado.

Seguindo o relato de Zósimo, Aureliano então partiu para Daphne, um subúrbio de Antióquia, onde uma parte do exército de Palmira tinha ocupado uma colina que interceptava a estrada para Emesa Nesta passagem, fica claro que Aureliano ordenou que os soldados atacassem os Palmirenses entrincheirados no alto da colina, em formação de “tartaruga” (testudo), demonstrando que, no final do século III, o exército romano ainda era capaz de utilizar esta célebre tática:

“Imaginando que a inclinação dela (da colina) lhes permitiria obstruir a passagem do inimigo, ele ordenou a seus soldados que marchassem com seus escudos tão próximos uns aos outros, e em forma tão compacta, para que eles não fossem atingidos por quaisquer dardos ou pedras que fossem atirados contra eles”.

Zózimo, New History, Book 1
Legionários em formação tartaruga, Coluna de Trajano, Roma, foto: National Museum of Romanian History, CC BY-SA 3.0 http://creativecommons.org/licenses/by-sa/3.0/, via Wikimedia Commons

Batalha de Emesa

Após reconquistar a grande cidade síria de Antióquia para o Império Romano, Aureliano subiu o curso do rio Orontes e entrou sem contestação nas cidades de Apamea, Larissa e Arethusa, percorrendo o caminho em direção à cidade de Emesa (atual Homs, na Síria), também cortada pelo referido rio. Então, ao se aproximar das muralhas desta Cidade, os romanos observaram o exército de Palmira em formação em frente às mesmas. Segundo o relato de Zósimo:

“Encontrando o Exército Palmireno formado ante Emesa, totalizando setenta mil homens, entre Palmirense e seus aliados, Aureliano opôs a eles a cavalaria dálmata, os Mésios e os Panônios, e as Legiões célticas de Noricum e Rétia, e atrás destas os mais seletos regimentos imperiais, escolhidos homem a homem, a cavalaria da Mauritânia, os Tianenses, os Mesopotâmicos, os Sírios, os Fenícios e os Palestinos, todos homens de reconhecido valor; os Palestinos ao lado de outras armas, brandindo porretes e cajados. No começo do engajamento, a cavalaria romana recuou, a fim de que os Palmirenses, que os excediam em número, e eram melhores cavaleiros, valendo-se de algum estratagema, não cercassem o exército romano. Mas a cavalaria palmirena os perseguiu tão ferozmente, embora as suas fileiras estivessem desfeitas, que o evento ocorreu muito contrariamente ao que esperava a cavalaria romana. Porque eles foram perseguidos por um inimigo cuja força lhes era muito superior, e consequentemente muitos deles foram derrubados. A infantaria então teve que suportar o peso da ação. Observando que os Palmirenses tinham quebrado as suas linhas quando a cavalaria iniciou a perseguição, ela deu meia-volta e atacou quando eles estavam espalhados e em desordem. Nesta ocasião, muitos deles foram mortos, porque um lado lutou com as armas costumeiras, enquanto os Palestinos empregaram clavas e cajados contra cotas de malha feitas de ferro e latão. Consequentemente, os Palmirenses debandaram com a maior precipitação, e em sua fuga eles pisotearam uns aos outros, ficando em pedaços, como se o inimigo já não os tivesse massacrado suficientemente; O campo ficou coalhado de homens e cavalos mortos, enquanto os poucos que escaparam refugiaram-se na cidade.”

Zózimo, New History, Book 1

A derrota abalou o espírito de Zenóbia, que, após consultar seus auxiliares, decidiu abandonar Emesa e entrincheirar-se em Palmira, tendo em vista que os habitantes da cidade já manifestavam a sua insatisfação com a rainha e davam mostras de simpatia aos Romanos. Com a partida de Zenóbia, Aureliano entrou em Emesa, onde efetivamente ele foi bem recebido pelos cidadãos e capturou uma parte do tesouro que a rainha não havia conseguido levar consigo. Na cidade, segundo a História Augusta, o imperador fez oferendas no Templo de Elagabalus, divindade solar introduzida em Roma pelo imperador Elagábalo (ou Heliogábalo). Aureliano, tudo indica, atribuiu a vitória que lhe valeu a conquista de Emesa à divindade e, mais tarde, dedicaria um templo ao Sol Invicto, em Roma.

Aureliano, então, marchou em direção à Palmira, afastando-se do rio Orontes e rumando para o deserto sírio. Lá chegando, cercou-a por todos os lados, valendo-se da ajuda dos Beduínos, que haviam passado para o lado dos Romanos, para assegurar suas linhas de suprimentos (segundo o relato da História Augusta, essa marcha foi hostilizada pelos locais, tendo, inclusive, Aureliano sido ferido por uma flechada).

Cerco a Palmira

Inicialmente, os Palmirenses, aparentemente, não se sentiram muito intimidados com o cerco inimigo e chegaram até a zombar dos Romanos, acreditando que estes logo ficariam sem provisões, ignorando o efeito da aliança daqueles com os Beduínos. Porém. com o passar do tempo, foram os sitiados que começaram a ficar privados de alimentos, e, então, de acordo com Zósimo, um conselho de guerra decidiu que seria melhor Zenóbia fugir da cidade em direção ao rio Eufrates, com o fim de pedir auxílio aos Persas, montando um camelo (fêmea) veloz.

Ruínas da cidade de Palmira, Síria. Foto: James Gordon from Los Angeles, California, USA, CC BY 2.0 https://creativecommons.org/licenses/by/2.0, via Wikimedia Commons

Todavia, a fuga foi percebida pelos Romanos, e Aureliano enviou sua cavalaria em perseguição à Zenóbia, que foi interceptada, enquanto tentava cruzar o rio Eufrates em um barco, capturada, e levada à presença do Imperador.

Diante disso, os Palmirenses resolveram render-se. Aureliano foi magnânimo e não puniu a cidade, mas apropriou-se do tesouro de Palmira. Ele também deixou na cidade uma guarnição de 600 arqueiros, comandada por um certo Sandario. Então, segundo Zósimo, o imperador retornou para Emesa, onde Zenóbia e seus auxiliares próximos foram submetidos a um julgamento (em sendo verdadeiro esse relato, isso, a nosso ver, demonstra que Zenóbia e seus assessores, provavelmente, gozavam de cidadania romana. De fato, o sobrenome de Zenóbia em inscrições existentes em Palmira é “Septimia“, que deve ser proveniente de seu marido, Odenato, que era cidadão romano com status de “consularis“, e, portanto, integrante da classe senatorial, no topo da sociedade romana). No julgamento, segundo Zósimo e a História Augusta, o filósofo Longino foi condenado à morte e executado, de acordo com o primeiro, pelo fato dele ter sido acusado por Zenóbia, sua aluna, de tê-la induzido a embarcar na aventura contra Roma, ou, mais especificamente, na versão da segunda, pelo fato de ter redigido uma carta ofensiva a Aureliano quando do cerco à Palmira. Nesta carta, transcrita na História Augusta, Zenóbia, ao recusar a proposta de rendição oferecida por Aureliano, teria mencionado o exemplo de Cleópatra, em que esta preferiu morrer a ser um troféu para Otaviano. Após o julgamento, outros membros do conselho de Zenóbia também foram executados.

Em seguida, Aureliano derrotou um destacamento de soldados que o Império da Pérsia Sassânida havia enviado em auxílio aos Palmirenses.

Aureliano, em seguida, rumou de volta para Europa, levando consigo, como cativos, Zenóbia e o filho dela, Vaballathus. Aqui as fontes divergem, Zósimo contando que na viagem, a rainha teria morrido de doença, ou inanição, e os demais cativos se afogado no Estreito de Bósforo. Porém, os demais autores narram que os dois foram levados até Roma, onde adornaram o magnífico Triunfo de Aureliano, que veremos adiante. Algumas fontes relatam que após ser exibida na procissão, Zenóbia foi libertada e acabou indo morar na Vila de Adriano, em Tívoli e casou-se com um senador romano, com quem teria tido outros filhos.

“A Rainha Zenóbia olhando Palmira pela ùltima Vez”, tela de Herbert Gustave Schmalz, (1888) Public domain, via Wikimedia Commons

Ao chegar à Europa, Aureliano teve que enfrentar uma invasão dos Carpi, um povo aparentado aos Dácios, no Danúbio, vitória que teria lhe valido o título de “Carpicus“. Porém, logo após, já em 273 D.C., enquanto ainda estava na região da Trácia, o imperador recebeu do Prefeito da Província da Mesopotâmia e Corrector do Oriente, Marcellinus, a notícia de que os Palmirenos tinham novamente se revoltado, sob a liderança de um certo Septimius Apsicos (ou Apseus), matando Sandario e a guarnição de 600 arqueiros. Em seguida, Apsicos havia tentado cooptar Marcellinus, oferecendo apoio caso este se rebelasse contra Aureliano, reclamando o trono. Marcellinus, entretanto, fingiu considerar a proposta, enquanto relatava os fatos ao imperador.

Percebendo que seus esforços estavam sendo infrutíferos, os líderes da revolta, então, proclamaram Septimius Antiochus, um parente de Zenóbia, como Augusto. Todavia, Aureliano, imediatamente após receber a mensagem de Marcellinus, pôs-se em marcha com seu exército e, com rapidez inesperada, chegou a Antióquia, e dali, partiu para Palmira, que foi tomada com facilidade. Dessa vez, Aureliano não teve clemência e, após derrotar a nova insurreição, ordenou que a cidade fosse saqueada e arrasada. No entanto, a vida de Septimius Antiochus, que, tudo indica, era apenas uma criança, foi poupada.

De Palmira, Aureliano teve que rumar para Alexandria, pois estourara ali uma revolta comandada por um certo Firmus, um rico aliado de Zenóbia no tempo em que o Egito fez parte do Império de Palmira, aliado a grupos de Árabes e Blemmyes (povo que habitava terras ao sul do Egito). Embora seja incluído em algumas fontes como usurpador, consta que Firmus na verdade não se proclamou imperador, sendo o seu objetivo tornar o Egito independente. Porém, Firmus cortou o vital suprimento do trigo do Egito para a Cidade de Roma, algo que nem a poderosa Zenóbia ousara fazer. De qualquer modo, Aureliano submeteu Alexandria com facilidade, executou Firmus e restaurou o fornecimento do trigo egípcio.

Em decorrência dessas vitórias no Oriente, que reincorporaram ao Império Romano as províncias conquistadas por Palmira, Aureliano recebeu os títulos de “Parthicus Maximus” e de “Restaurador do Oriente”.

Chegou então a oportunidade para Aureliano lidar com o “Império Gaulês”, que já estava bem enfraquecido pelas derrotas sofridas para Cláudio Gótico.

6- Guerra contra o Império Gaulês e reconquista das províncias ocidentais

Em 274 D.C, Aureliano marchou contra Tétrico, o usurpador que ocupava o trono da Gália e os exércitos encontraram-se em Chalons-en-Champagne, no nordeste da Gália. Os combates foram duros, mas as tropas de Aureliano levaram a melhor. Tétrico foi poupado e posteriormente até nomeado para o cargo de Corrector da Lucânia. Algumas fontes mencionam que Tétrico teria feito um acordo prévio de rendição com Aureliano e abandonado suas tropas antes ou durante os combates.

Com a reincorporação das províncias controladas pelo Império das Gálias ao Império Romano, que foi reunificado e restituído ao seu tamanho tradicional, Aureliano celebrou seu grande triunfo, que incluiu a exibição de Tétrico e Zenóbia pelas ruas de Roma, e recebeu do Senado o título de “Restaurador do Mundo” (Restitutor Orbis). A História Augusta nos deixou um relato muito interessante da referida procissão triunfal, a qual transcrevemos abaixo:

“Vale a pena saber como foi o triunfo de Aureliano, porque este foi um espetáculo sobremaneira brilhante: Houve três carros imperiais, o primeiro dos quais, esmeradamente forjado e adornado com ouro, prata e joias, tinha pertencido a Odenato, o segundo, forjado com igual esmero, foi dado a Aureliano pelo rei dos Persas, e o terceiro Zenóbia mandou fazer para si mesma, esperando visitar a cidade de Roma nele. E esta esperança não deixou de ser satisfeita, porque, de fato, foi com ele que ela entrou na cidade, porém derrotada e levada em triunfo. Havia também outro carro, puxado por quatro cervos e que se dizia ter pertencido ao rei dos Godos. Neste carro, de acordo com a memória de muitos, Aureliano foi conduzido até o Capitólio, planejando sacrificar lá os cervos, que ele tinha capturado junto com este carro e então dedicou-os, diz-se, a Jupiter Optimus Maximus. Ali avançaram vinte elefantes, e duzentas bestas domesticadas de diversos tipos, da Síria e da Palestina, que certa vez havia presenteado a cidadãos particulares, pelo fato de que o orçamento pessoal do imperador (Fiscus) não fosse sobrecarregado com o custo de sua alimentação; além disso, junto eram conduzidos em ordem quatro tigres e também girafas, alces e outros animais, e também oitocentos pares de gladiadores ao lado dos cativos das tribos bárbaras. Havia Blemmyes, Axumitas (povo da Etiópia), Árabes da Arábia Feliz, Indianos, Báctrios, Iberos (da Ibéria, na atual Geórgia), Sarracenos e Persas, todos carregando seus presentes; Havia Godos, Alanos, Roxolanos, Sármatas, Francos, Suevos, Vândalos e Germanos, todos cativos, com suas mãos acorrentadas. Também caminhavam entre eles certos homens de Palmira, que tinham sobrevivido à sua queda, os mais principais do governo, e também Egípcios, por causa da sua rebelião.

Junto a eles também foram conduzidas dez mulheres, que, lutando com trajes masculinos, tinham sido capturadas entre os Godos, depois de muitos deles terem sido mortos: Quanto a estas, uma tabuleta declarava que pertenciam a raça das Amazonas”.

7- Outras iniciativas de Aureliano

Aureliano era devoto do “Sol Invicto”, que ele procurou tornar a divindade máxima do Império e a principal do Panteão Romano. Há até quem diga que o imperador tencionava, com isso, instaurar o Monoteísmo no Império. No dia consagrado ao “Nascimento do Sol Invicto” (Dies Natalis Solis Invicti), em 25 de dezembro de 274 D.C, Aureliano inaugurou em Roma o templo dedicado ao Deus (construído e adornado com o espólio de Palmira). Aliás, o imperador instituiu para si o tratamento de “Nascido Deus e Senhor”.

Outro indício de que o reinado de Aureliano prenunciava o período do Dominado, em contraste com o Principado instituído por Augusto, encontra-se na Epitome de Caesaribus, do historiador romano Sextus Aurelius Victor:

“Este homem foi o primeiro a introduzir entre os Romanos um diadema para a cabeça, e ele usava ouro e pedras preciosas em cada item de vestuário, em uma escala praticamente desconhecida para os costumes romanos”.

Epitome de Cesaribus, Aurelius Victor, 35,5

Aureliano incrementou a distribuição de alimentos objeto da Anona, acrescentando à porção de pão uma quantidade de azeite, de sal e de toucinho ou salame.

8- Morte de Aureliano

Em 275 D.C, Aureliano partiu para o Oriente visando derrotar o último grande inimigo de Roma que ele ainda não havia vencido: o Império Persa.

Todavia, no final de setembro ou início de outubro de 275 D.C. quando Aureliano, ainda no início da expedição, chegou na cidade de Caenophrurium, na Trácia (na atual Turquia europeia ou na Bulgária), um secretário que estava ameaçado de ser punido por uma transgressão (segundo Zózimo, este se chamaria Eros, e segundo a História Augusta, o nome dele seria Mnestheus), forjou uma lista de oficiais da Guarda Pretoriana que também seriam punidos e estes, temerosos, acabaram assassinando o imperador, aproveitando uma ocasião em que Aureliano deixou a cidade acompanhado de um pequeno séquito. Seus próprios assassinos construíram no local uma tumba para seus restos mortais e um templo em sua homenagem.

9- Epílogo

A História Augusta e Sexto Aurélio Victor relatam que o Império Romano ficou sem um imperador por um intervalo de até seis ou sete meses, e alguns historiadores consideram, com base na numismática, que a imperatriz-viúva Ulpia Severina pode ter governado o Império até o Senado Romano escolher, a pedido do Exército, o velho senador Tácito como novo imperador, período que constituiu, então, um “interregnum“. Mas, este, de acordo com outras fontes, teria durado apenas algumas semanas. Pode ser que a explicação para esta discrepância esteja na versão constante da História Augusta: O Senado, relutante em escolher um imperador que não tivesse o apoio dos militares, devolveu a questão para o Exército, e este impasse teria durado cerca de seis meses.

Acreditamos, portanto, que há alguma verossimilhança no relato das circunstâncias que levaram ao assassinato de Aureliano, uma vez que aparentemente nenhum general reclamou o trono logo após a morte dele, e os líderes do Exército, provavelmente surpreendidos pelo seu desaparecimento, em decisão incomum, solicitaram ao Senado que um novo imperador fosse escolhido entre os senadores. O escolhido foi Marco Cláudio Tácito, supostamente um riquíssimo senador, que também parece ter relutado algum tempo até aceitar a escolha. Mas alguns historiadores defendem outra possibilidade, como aventado acima: que o Senado tenha devolvido o assunto para o Exército e Tácito fosse um general que foi escolhido por seus colegas, após algum tempo de deliberação.

O Senado Romano deificou Aureliano, no período do interregno, ou já durante o reinado de Tácito.

Aureus de (Úlpia) Severina Augusta. Foto: By Sailko – Own work, CC BY-SA 3.0, https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=31986856

10 – Conclusão

Aureliano passou à História como um dos “imperadores-soldados” oriundos da Ilíria que mais contribuiu para a sobrevivência de Roma durante a “Crise do Século III”, contribuindo decisivamente para colocar um fim nela, estabilizando o Império Romano.

FIM

Fontes:

a) Antigas;

1-Historia Augusta, “Life of Aurelian“, livros I e II, disponível em https://penelope.uchicago.edu/Thayer/E/Roman/Texts/Historia_Augusta/Aurelian

2-Zósimo, “New History“, Livro I, disponível em https://www.tertullian.org/fathers/zosimus01_book1.htm

3-Eutropius, “Abridgment of Roman History“, livro 9, disponível em https://www.forumromanum.org/literature/eutropius/trans9.html

4- Sextus Aurelius Victor, “The Style of Life and the Manners of the Imperatores“, disponível em http://www.roman-emperors.org/epitome.htm

b) Modernas:

5- Diana Bowder, “Quem foi Quem na Roma Antiga“, Art Editora S.A

6- Ross Cowan, “Roman Battle Tactics” 109 BC-AD 313″, Osprey

7- Wikipedia, “Aurelian“, verbete em inglês

c) Artigo:

8-“Food security in Roman Palmyra (Syria) in light of paleoclimatological evidence and its historical implications“, Joan Campmany Jiménez, Iza Romanowska , Rubina Raja  e Eivind H. Seland, disponível em https://journals.plos.org/plosone/article?id=10.1371/journal.pone.0273241

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