(Busto de Elagábalo, foto de Giovanni Dall’orto)
Em 11 de março de 222 D.C, no Quartel da Guarda Pretoriana (Castra Pretoria) em Roma, os soldados da Guarda Pretoriana atacaram e mataram o Imperador Romano Elagábalo (Elagabalus, nome às vezes também grafado como Heliogábalo) e a mãe dele, Júlia Soêmia, aclamando o seu primo, Severo Alexandre, presente no local, como novo imperador. Em seguida, os assassinos decapitaram os cadáveres e jogaram os corpos de Elagábalo e de Júlia no rio Tibre.
Nascido com o nome de Varius Avitus Bassianus, na Síria, em 203 D.C, Elagábalo era filho de Sextus Varius Marcellus e de Julia Soemias Bassiana (Júlia Soêmia).
(Detalhe de estátua de Júlia Soêmia, mãe de Elagábalo, foto de )
O pai de Elagábalo era membro de uma família da classe Equestre, originária da cidade grega de Apamea, na Síria, e que ascendeu durante o reinado do imperador Septímio Severo, período no qual Sextus Varius Marcellus ocupou vários cargos importantes, como Procurador dos Aquedutos em Roma, Procurador Romano da Britânia, Prefeito da Urbe e Prefeito Pretoriano.
Como evidência do seu status na corte de Severo, Sextus Varius Marcellus casou-se com Júlia Soêmia, sobrinha da poderosa imperatriz Júlia Domna, irmã da mãe dela, Júlia Maesa.
(A poderosa, bela e inteligente imperatriz Júlia Domna era tia-avó de Elagábalo)
As duas irmãs, a imperatriz Júlia Domna e a avó de Elagábalo, Júlia Maesa, eram filhas de Julius Bassianus, sumo-sacerdote do Templo do deus Elagábalo (El-Gabal ou Ilāh hag-Gabal, literalmente, “O Deus da Montanha”, em aramaico), situado em Emesa (a moderna Homs), na Síria, e membro da dinastia dos Sempseramidas, os governantes ancestrais daquela cidade, a qual, durante muito tempo, havia sido a capital de um reino-cliente de Roma, até aquela ser anexada pelo Imperador Caracala. O posto de sumo-sacerdote de El-Gabal era hereditário, e foi assumido por Elagábalo.
Emesa era uma cidade próspera e o culto ao Deus-sol se espalhava pelo império romano no século III. O Templo de Elagábalo guardava uma pedra negra cônica sagrada, que muitos acreditavam ter caído do céu, a qual atraía peregrinos e doações de toda a região, Consequentemente, os sumo-sacerdotes de El-Gabal eram riquíssimos.
(Homs, antiga Emesa, no início do século XX)
Vale observar que o culto a El-Gabal não seria primeira, e nem a última, religião oriental a cultuar uma pedra negra supostamente caída do céu…Com efeito, os muçulmanos veneram uma pedra negra chamada de al-Hajar al-Aswad, que se encontra no interior da Caaba, uma construção quadrada em pedra cuja construção é atribuída ao patriarca Abraão, em Meca.

Quando Septímio Severo morreu, em 211 D.C, ele foi imediatamente sucedido por seus dois filhos Caracala e Geta. Porém, no mesmo ano, Caracala matou o seu irmão Geta e assumiu o trono sozinho. A imperatriz viúva, Julia Domna, porém, continuou muito influente na Corte. Após seis anos de um reinado turbulento, Caracala foi assassinado, em 8 de abril de 217 D.C. por um guarda-costas, em uma estada próxima à Carras, na Turquia, onde ele se encontrava em preparativos para uma campanha contra a Pérsia, crime cometido provavelmente à mando do Prefeito Pretoriano Macrino, que, em seguida, assumiu o trono.
Abalada com o fratricídio, Júlia Domna, mãe do imperador assassinado e do assassino, que estava gravemente doente devido a um câncer de mama, suicidou-se, recusando-se a comer.
Então, Macrino exilou o restante da família de Caracala, agora chefiada por sua tia Júlia Maesa, para a sua nativa Emesa. Contudo, esta decisão revelou-se um grande equívoco de Macrino, pois, valendo-se de seu imenso poder e riqueza na região, a influente matriarca síria e suas parentes iniciaram uma conspiração para derrubar Macrino.
Inicialmente, Júlia Soêmia declarou publicamente que seu filho Varius Avitus Bassianus (Elagábalo) era filho ilegítimo de Caracala (consta que, de fato, ambos eram muito parecidos) e, portanto, o legítimo herdeiro do imperador falecido.
Depois, usando seus vastos recursos financeiros, Júlia Maesa conseguiu convencer a III Legião “Gallica“, baseada na Jordânia, e o seu comandante, Publius Valerius Comazon, a aclamarem Elagábalo imperador, em 16 de maio de 218 D.C.
Para piorar, o prestígio de Macrino já estava abalado pelo resultado desfavorável da guerra que ele vinha movendo contra a Pérsia, onde Roma teve que pagar uma indenização para terminar a guerra.
Macrino tentou combater a insurreição, mas as tropas enviadas para suprimi-la aderiram à revolta. Quando ele mesmo entrou em batalha, foi derrotado, em Antióquia, em 8 de junho de 218 D.C e tentou fugir para a Itália, sendo, por´me, interceptado e executado na Capadócia.
O Senado Romano, sem nenhuma alternativa viável, acabou reconhecendo formalmente Elagábalo e ele assumiu o nome oficial de Marco Aurélio Antonino Augusto, nome que representou uma tentativa de legitimar a sua suposta condição de descendente de Caracala (que, por sua vez, também procurara difundir a crença, altamente improvável, de que ele era descendente do imperador Marco Aurélio).
Embora o fato não fosse inédito, tendo-se inaugurado, com Trajano, cidadão romano nativo da Espanha, a possibilidade de que cidadãos nativos de outras províncias que não a Itália assumissem o trono imperial, com certeza a ascensão de Elagábalo deve ter espantado Roma.
Afinal, Elagábalo era sacerdote de uma religião estrangeira de origem semítica (o povo de Emesa falava aramaico, a mesma língua falada por Jesus Cristo). Embora os romanos cultuassem vários deuses estrangeiros, tais como, por exemplo, a egípcia Ísis, estas eram divindades que não entravam em choque com as integrantes do Panteão Romano, não sendo difícil de serem assimiladas ou associadas aos deuses tradicionais.

Antes mesmo que a comitiva de Elagábalo chegasse a Roma, a mãe dele, Júlia Soêmia, já havia mandado para a capital um grande retrato pintado de Elagábalo vestido com os trajes de sumo-sacerdote, o qual foi pendurado em cima do Altar da deusa Vitória, na Cúria do Senado Romano (cujo prédio ainda existe, no Fórum Romano). para que os romanos fossem se acostumando com o fato de serem governados por um sacerdote estrangeiro…
Enquanto isso, a comitiva imperial parou em Nicomédia para passar o inverno. E lá, segundo as fontes, Elagábalo entregou-se à prática de vários rituais orgiásticos característicos de sua religião, os quais desagradaram às tropas, chegando a ocasionar início de uma revolta, que acabou suprimida.
Entretanto, o poder agora baseava-se na riqueza e influência dos sírios, que foram instalados nos postos chaves. Comazon, o correligionário de primeira hora, recebeu o posto de Prefeito Pretoriano e ela ainda seria duas vezes cônsul. A mãe do novo imperador, Júlia Soêmia, e a sua tia, Júlia Maesa, foram declaradas “Augustas”. Mais surpreendente, as duas seriam, um pouco mais tarde, as primeiras e únicas mulheres a serem admitidas no Senado Romano. E Júlia Maesa ainda receberia o título de “Mãe do Senado”.
Elagábalo também trouxe junto com ele da Síria a Pedra Negra do Templo de El-Gabal, transferida de Emesa para Roma, onde, para guardá-la, ele mandou construir um templo, chamado de “Elagabalium“, na colina do Palatino (foram cunhadas moedas mostrando a pedra). Ele também mandou retirar várias relíquias de templos ancestrais da Cidade Eterna e transferi-los para o Elagabalium.

(Ruínas do terraço do Elagabalium, em Roma, e maquete mostrando sua provável aparência)
Para facilitar a sua aceitação pelos Romanos, o deus Elagábalo foi associado ao “Deus Solis Invictus“, identificando-o como o Deus-Sol, cujo culto vinha crescendo desde a virada do século III.
Todavia, em uma grande demonstração de falta de respeito para com a tradicional religião romana, Elagábalo se casou a virgem vestal Aquília Severa, o que muito escandalizou os romanos, já que essas sacerdotisas deveriam permanecer virgens durante os seus 30 anos de serviço. Mais grave ainda, a lei romana previa a pena de morte, tanto para aquele que tivesse deflorado uma virgem vestal, como para esta própria.

Pressionado pelo escândalo, Elagábalo se divorciou de Aquília e se casou com Anna Aurelia Faustina, uma descendente do imperador Marco Aurélio. E ele teria cinco esposas no total, em sua curta vida (sua primeira esposa foi a aristocrata Júlia Cornélia Paula, um casamento arranjado por sua mãe, após a sua ascensão ao trono, tendo dela se divorciado para se casar com a vestal Aquília).
Entretanto, segundo as fontes, a maior paixão de Elagábalo foi o seu escravo Hierócles, um condutor de carruagens a quem ele chamava de marido. Consta que Elagábalo, certa vez, teria dito, a respeito do rapaz:
“Eu tenho muito prazer em ser sua amante, sua esposa e sua rainha“.
Embora alguns historiadores modernos sustentem que as fontes antigas exageraram os relatos acerca dos imperadores romanos, especialmente de Elagábalo, o fato é que Cassius Dio, a História Augusta e Herodiano (os dois últimos, de fato, fontes frequentemente não confiáveis), que são as três fontes principais sobre o seu reinado, convergem para afirmar a ocorrência desses comportamentos de Elagábalo.
Narra-se, por exemplo, que Elagábalo se apresentaria em público vestido de mulher, maquiado e com os olhos pintados. E ele teria também mandado depilar o seu corpo inteiro e até procurado um médico para fazer uma espécie de operação de mudança de sexo, visando fazer um órgão genital feminino em si mesmo, o que o tornaria, até onde se sabe, o primeiro governante transexual da História.
Outro companheiro de Elagábalo teria sido Aurelius Zoticus, no colo de quem, reclinado, o imperador chegava até a fazer as refeições. Todavia, consta que Hierócles, ciumento do rival, conseguiu, através de um médico, um tipo de medicamento que causava impotência, fazendo com que, diluído em alguma bebida, fosse servido a Zoticus, que, sem poder mais satisfazer os desejos do imperador, foi mandado embora do Palácio.
E Elagábalo de fato, segundo as fontes, apreciava ser surpreendido por Hierócles enquanto mantinha relações sexuais com outros homens, ocasião em que se comprazia ao ser castigado fisicamente pelo seu companheiro traído.
Outra prática escandalosa de Elagábalo, relatada pelos historiadores antigos, era o seu costume de se prostituir no próprio Palácio, colocando-se nu atrás de uma cortina, cobrando para praticar sexo com os homens que se deitavam com ele (relato que talvez expresse uma errônea compreensão de um ritual da religião de El-Gabal, pois vários cultos semíticos incluíam a prostituição sagrada).

Em algum momento, Júlia Maesa percebeu que a crescente rejeição a Elagábalo pela sociedade romana, e, sobretudo, pelos militares romanos, colocava em perigo a própria posição da dinastia. A matriarca também concluiu que os reiterados excessos sexuais do neto eram encorajados pelo fervor religioso dele e de sua filha, Júlia Soêmia, a mãe do imperador, no culto a El-Gabal.
Júlia Maesa então aproximou-se de sua outra filha, Júlia Maméia, que também tinha um filho, Severo Alexandre, então com 13 anos de idade. A influente Júlia Maesa conseguiu persuadir Elagábalo a nomear seu primo Severo como seu herdeiro, dando-lhe o título de “César”. Naquele mesmo ano, 221 D.C, Elagábalo e Severo exerceram o consulado.
Contudo, percebendo o entusiasmo que a nomeação de Severo Alexandre provocou nos soldados da Guarda Pretoriana, há muito incomodados com os seus excessos, Elagábalo resolveu anular sua decisão e revogar os títulos concedidos ao seu primo. Contudo, essa decisão fez o público e as tropas se alvoraçarem temendo pela vida do menino.
Os Pretorianos demandaram a presença de Elagábalo e Severo no Castra Pretoria, devido aos rumores de que Severo pudesse ter sido assassinado. É possível que o motim tenha sido instigado por Júlia Maesa e Júlia Maméia.
Quando o imperador e seu primo apareceram, os guardas começaram a saudar Severo Alexandre, ignorando Elagábalo, que furioso, teria ordenado a prisão dos simpatizantes do primo. Essa ordem, por sua vez, irritou ainda mais a tropa, que imediatamente atacou o palanque e perseguiu Elagábalo e sua mãe, os quais tentaram fugir. Júlia Soêmia tentou proteger o filho, abraçando-o, mas ambos acabaram mortos e decapitados.
Então, os corpos dos dois foram arrastados pelas ruas, tendo o de Elagábalo sido jogado no Rio Tibre. Nos dias seguintes, várias pessoas associadas a Elagábalo foram mortas, incluindo Hierócles. Seu primo, Severo Alexandre, que ainda não havia completado 14 anos de idade, foi oficialmente reconhecido como imperador em 13 de março de 222 D.C.
A Pedra Negra foi imediatamente mandada de volta para Emesa, e provavelmente ela só não foi destruída porque os romanos eram notadamente um povo supersticioso, e também para não causar desnecessário descontentamento entre os fiéis de El-Gabal e a população da cidade síria.

CONCLUSÃO
Elagábalo morreu com a idade de dezoito anos. Com apenas cerca de quinze anos ele fora feito imperador pela mãe e pela avó. Ele é descrito pelos historiadores como travesti, transexual ou mesmo transgênero.
Entendemos que é difícil avaliar o comportamento sexual e a moral dos antigos pelos padrões modernos, e nem devemos utilizar exemplos da antiguidade para justificar ou condenar aspectos das sociedades atuais. Certamente, o que era considerado comportamento “normal” ou padrão socialmente aceito pelos romanos é diferente do vigente nos dias de hoje.
Heterossexualidade e homossexualidade para os romanos eram conceitos vagos comparados com as nossas definições atuais. Imperadores considerados “bons” pelos historiadores romanos, como Trajano e Adriano, notoriamente sentiam atração e tinham relações sexuais com jovens rapazes, sem que isso tenha comprometido a sua reputação. No máximo, como lemos em Cássio Dião sobre Trajano, o fato era mencionado de passagem, como uma curiosidade e uma ponta muito sutil de ironia.
A censura moral dos autores antigos aos imperadores sobre este tema, é feita muito mais ao desregramento ou à luxúria desenfreada, ou, ainda, à efeminação caricatural, pois eles esperavam de um imperador uma aparência marcial e um comportamento masculino, característica essa que não era manchada pelo fato deles fazerem sexo com rapazes, desde que eles assumissem a posição ativa.
É provável que muitas das passagens sexualmente escandalosas do reinado de Elagábalo, mencionadas nas fontes antigas, estejam relacionadas ao culto de El-Gabal, divindade frequentemente associada à Baal, religião que parece ter incluído ritos de prostituição sagrada masculina (como os kadesh, citados na Bíblia Judaica) e também castração de sacerdotes. Note-se que isso se parece um pouco com os vícios aos quais os autores romanos aludem em suas obras e poderia explicar também a aparência feminina de Elagábalo.
O grande erro que poderia ser imputado a Elagábalo é não ter percebido o choque cultural que a reunião, em uma mesma pessoa, dos papéis de imperador e sumo-sacerdote de uma religião tão estranha aos costumes italianos como era a sua causou na sociedade romana. Convenhamos que esperar essa consciência de um menino sírio que foi feito imperador aos quinze anos pelas manobras da mãe e da avó seria demasiado, mesmo nos tempos atuais.
FIM
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