CARACALA – UM IMPERADOR PARA OS SOLDADOS

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Nascido a 4 de abril de 188 D.C, em Lugdunum, na província da Gália (atual Lyon), com o nome de Lucius Septimius BassianusCaracala era o filho mais velho do imperador Septímio Severo e da imperatriz Júlia Domna.

Severo foi o primeiro imperador romano que não descendia de uma família de origem italiana (ao menos por parte de pai,) pois a sua tinha origem púnica ou berbere, nativa da cidade de Leptis Magna, na atual Líbia. Porém, a família ascendera à classe Equestre, e dois primos de Severo já tinham ocupado o consulado durante o reinado do imperador Antonino Pio.

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(Septímio Severo, pai de Caracala)

Já a mãe de Caracala, a imperatriz Júlia Domna, uma mulher admirada por sua beleza e inteligência, era filha de Julius Bassianus, sumo-sacerdote do Templo do deus Elagábalo (El-Gabal), em Emesa (moderna Homs), na Síria, e membro da dinastia dos Sempseramidas, governantes daquela cidade, que era a capital de um reino-cliente de Roma, que depois foi anexada pelo Império.

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(Júlia Domna, mãe de Caracala)

Cinco anos após o nascimento de Caracala, em 193 D.C, seu pai Septímio Severo se tornaria imperador e reinaria até 211 D.C. Severo queria fazer crer que era filho ilegítimo do finado imperador Marco Aurélio e, por isso, além  de acrescentar o nome deste imperador ao seu, mudou o nome de Caracala para Marcus Aurelius Severus Antoninus Augustus, numa tentativa de legitimar a si e a sua prole como continuadores da bem-sucedida dinastia dos Antoninos, que terminara de fato com o assassinato do imperador Cômodo.

O apelido Caracala surgiu porque Lucius Septimius Bassianus gostava muito de usar um manto com capuz, de origem gaulesa, chamado de “Caracalla“.

Severo, desde cedo, demonstrou que não iria reviver o costume dos Antoninos, que fora interrompido com a nomeação de Cômodo por seu pai, Marco Aurélio, de se escolher, como herdeiro e sucessor do imperador, o homem público  mais apto, e não o próprio filho biológico.

Assim, em 196 D.C, Caracala foi nomeado “César” (título equivalente ao de príncipe-herdeiro) e, no ano seguinte, ele seria reconhecido como “Augusto“, tornando-se de direito co-imperador junto com seu pai, embora ele tivesse apenas 9 anos de idade.

Em 202 D.C, Severo concordou em casar Caracala com Plautila, filha do seu primo e conterrâneo, o poderoso Prefeito Pretoriano Plauciano.

Caracala odiava o sogro e a esposa e, após o seu casamento, recusou-se a ter qualquer relacionamento com Plautila. Na verdade, consta que Caracala teria chegado a prometer que, quando se tornasse imperador, daria cabo de ambos, o que pode ter levado Plauciano a conspirar contra Severo, ou, ao menos, esse foi o pretexto que Caracala usou para conseguir a queda e execução do sogro e o exílio de Plautila, em 205 D.C.

Parece que Severo pretendia ser sucedido, após a sua morte, conjuntamente por Caracala e por seu filho mais novo, Geta, que era um ano mais novo do que o irmão e foi nomeado César em 198 D.C e, posteriormente, Augusto em 209 D.C.

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(Uma das poucas imagens de Geta que sobreviveram à Damnatio Memoriae ordenada por Caracala)

Os dois irmãos destacavam-se pela dissolução dos costumes, promovendo orgias, e, igualmente, pelo ciúme e ódio que nutriam um pelo outro.

Segundo as fontes antigas, Severo, enquanto encontrava-se em campanha contra os Caledônios na Britânia, caiu gravemente enfermo, e, pressentindo que ia morrer, mandou chamar Caracala e Geta, para dar-lhes a notícia e um derradeiro conselho para o futuro reinado de ambos, que foi este:

Não briguem entre si, deem muito dinheiro aos soldados e desprezem todos os outros“.

No dia 4 de fevereiro de 211 D.C, em Eboracum (atual York), Severo morreu. No mesmo dia, Caracala e Geta foram aclamados imperadores pelas tropas. Ambos decidiram imediatamente interromper a campanha e voltar para Roma.

Porém, a animosidade entre os irmãos-imperadores era tanta que o Palácio teve que ser dividido em dois, e, mesmo assim, não satisfeitos, eles chegaram a cogitar seriamente em dividir o Império Romano em duas metades, cem anos antes de Constantino, que tomou a medida por motivos muito mais relevantes.

Não demorou muito para que Caracala colocasse em prática um plano para se livrar do irmão.  Assim, simulando um falso desejo de reconciliação, ele persuadiu Júlia Domna a convocar um encontro ente ele e Geta. Quando Geta chegou na ala do Palácio ocupada pela mãe,  um grupo de membros da Guarda Pretoriana fiéis a Caracala esfaquearam-no, e Geta morreu nos braços de Júlia Domna, em dezembro de 211 D.C.

Não satisfeito em mandar matar Geta, Caracala quis também eliminar qualquer referência histórica ao irmão, ordenando a sua “Damnatio Memoriae“. Em decorrência, a imagem de Geta deveria ser apagada de qualquer monumento público, o que efetivamente foi feito, como se pode ver em uma famosa pintura que chegou até os nossos dias,  proveniente do Egito, onde o retrato de Geta, ainda criança, junto da família imperial, foi apagado.

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(Painel de madeira pintada com os retratos de Septímio Severo, Júlia Domna e Caracala, ainda criança. A imagem de Geta foi apagada, em obediência à Damnatio Memoriae).

Caracala, que, logo no primeiro ano de reinado, decidira não obedecer o primeiro conselho do pai, matando o irmão, entretanto seguiria à risca o segundo conselho, aumentando em 50% o soldo dos legionários. Não satisfeito, o imperador foi além e passou a cortejar os soldados, marchando junto com eles, comendo com eles o mesmo rancho, e até mesmo moendo grãos para fazer a farinha para o rancho.

Também no início do seu reinado, Caracala ordenou a construção de um gigantesco complexo de banhos públicos, que ficariam conhecidos como as “Termas de Caracala” e seriam as maiores já construídas em Roma,  até a construção das Termas de Diocleciano, 90 anos mais tarde.

Em 213 D.C., Caracala teve que deixar Roma para ir combater os bárbaros Alamanos, que ameaçavam a fronteira da Raetia (província que fazia fronteira com a Germânia, compreendendo parte da atual Suíça e do estado alemão da Baviera, entre outras regiões). Os bárbaros foram contidos e Caracala aproveitou para reforçar as defesas do território romano dos Agri Decumates).

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(Reconstrução em maquete das Termas de Caracala)

Porém, os gastos com os soldados e com as Termas obrigariam Caracala a desvalorizar o denário e a aumentar os tributos, tornando a sua figura, que já era antipática por natureza, detestada pela maioria do povo, e,  sobretudo, pelo Senado, que também frequentemente era desrespeitado por ele. Portanto, podemos dizer que o terceiro conselho de Severo: “desprezar todos os outros‘”, também estava sendo obedecido por Caracala

A principal medida legal do reinado de Caracala foi a promulgação da “Constitutio Antoniniana“, em 212 D.C,  lei também conhecida como Édito de Caracala, concedendo a cidadania romana a todos os homens livres do Império Romano. Contudo, mais do que uma medida democrática ou inclusiva, o real objetivo de Caracala era aumentar a base tributária, já que alguns tributos somente incidiam sobre cidadãos romanos.

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(Papiro com o texto da Constitutio Antoniniana, que sobreviveu até os nossos dias)

Segundo Cássio Dio, para inspirar temor nos seus súditos, Caracala gostava que a propaganda imperial  divulgasse uma imagem dele como um governante temível e implacável , e, de fato, todos os retratos que sobreviveram dele mostram exatamente essa expressão.

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Caracala admirava muito Alexandre, o Grande e, tentando emular o seu ídolo, o imperador promoveu uma campanha contra os Partos. E a fascinação de Caracala com o rei da Macedônia foi tanta que ele chegou a criar uma unidade militar com o nome de Phalangiari, imitando as falanges macedônicas que tinham dado tantas vitórias a Alexandre.

Enquanto Caracala, ausente de Roma, conduzia a campanha contra os Partos, quem se tornou a virtual governante da Cidade foi sua mãe, Júlia Domna. Com ela, começaria uma tendência que caracterizaria a dinastia dos Severos: a predominância das mães dos imperadores como eminências pardas e governantes de fato do Império, o que se acentuou durante os reinados de Elagábalo e de Severo Alexandre.

Entretanto, no dia 8 de abril de 217 D.C, o Imperador Caracala mandou parar sua comitiva, que marchava da cidade de Edessa para dar andamento à guerra contra a Pártia.

A parada, que ocorreu próximo à cidade de Carras (atual Harran, no sul da Turquia), tinha um motivo bem prosaico: o imperador estava com vontade de urinar…

Caracala afastou-se da comitiva, seguido, apenas, de seu guarda-costas Julius Martialis, que, aparentemente, guardava a distância necessária à privacidade do imperador.

De repente, o líquido amarelo que escorria pelo chão em decorrência do alívio da necessidade fisiológica do imperador, começou a ficar vermelho…

Martialis tinha acabado de atravessar o corpo de Caracala com o seu gládio com um golpe mortal. Os outro guardas perceberam o crime e Martialis tentou fugir, mas foi abatido por uma flecha de um arqueiro. Acredito que esta ação foi uma queima de arquivo, já que o principal suspeito de ter sido o mandante do crime era o Prefeito da Guarda Pretoriana, Macrino, que acabou se tornando o sucessor de Caracala no trono.

Todavia, Macrino logo seria substituído pelo primo de Caracala, Elagábalo, em uma revolta urdida pela sua tia, Júlia Maesa, que se valeu da enorme riqueza e dos contatos dos Sempseramidas na Síria, uma das províncias mais ricas do Império, para subornar o poderoso exército romano naquela província.

Caracala é considerado um dos muitos “maus imperadores” romanos, não apenas para os historiadores antigos, mas também por Edward Gibbon e a maioria dos historiadores modernos. Após a sua morte, ele continuaria popular entre os soldados, os únicos romanos que ele se preocupou em agradar.

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SEPTÍMIO SEVERO – DÉSPOTA APLICADO

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Em 4 de fevereiro de 211 D.C., morreu, aos 65 anos de idade, em Eburacum (atual York, na Inglaterra), o imperador Lucius Septimius Severus Eusebes Pertinax Augustus, mais conhecido como Septímio Severo (e, também, Sétimo ou Setímio Severo).

Quando Severo morreu, na longínqua província da Britânia, ele estava no curso de uma operação contra os bárbaros Caledônios, que acossavam a província romana a partir do outro lado da Muralha de Adriano. Esta era mais uma campanha militar de um imperador que, em seus 18 anos de reinado, passara quase todo o tempo incansavelmente em guerra, contra vários inimigos externos, e também alguns internos.

O futuro imperados Lucius Septimius Severus nasceu em 11 de abril do ano de 145 D.C, na cidade de Leptis Magna, na Província Romana da Tripolitania (atual Líbia), filho de Publius Septimius Geta e Fulvia Pia. O pai dele era integrante de uma família de ancestralidade púnica, ou seja, ligada aos fundadores de Cartago, oriundos da Fenícia, mas que, provavelmente, tinha também algum sangue berbere, a população nativa da região.

O avô de Severo, também chamado Lucius Septimius, era da classe equestre, o segundo nível da nobreza romana. Já a esposa deste último, e avó paterna de Severo, Victoria, era filha de Marcus Vitorius Marcellus, que foi senador e consul suffectus, em 105 D.C, e de Hosidia, filha de Gnaeus Hosidius Geta, que também foi general, senador e consul suffectus, no ano de 49 D.C.

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Vista de Leptis Magna, foto de SashaCoachman

Por sua vez, a mãe de Severo, Fulvia Pia, era de uma antiga família plebeia que, ainda em meados do período republicano, ingressou na nobreza, tendo seus antepassados exercido, inclusive, vários consulados. Alguns Fúlvios, provavelmente, se mudaram para Leptis Magna quando a cidade foi reorganizada e recebeu políticas de incentivo por ordem de Júlio César, quando este tornou-se Ditador.

Leptis Magna, originalmente fundada pelos Púnicos, ou Cartagineses, no século VII A.C, era uma cidade rica que governava um território fértil, extensamente cultivado. E, portanto, sendo uma das famílias mais ilustres da cidade, certamente os Severos deveriam ser eles também muito ricos.

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Consequentemente, o jovem Septímio Severo recebeu a melhor educação que a cidade de Leptis Magna poderia fornecer, tendo sido educado em latim e grego. Entretanto, sabemos que ele também falava o idioma púnico local, que talvez fosse até a sua língua de infância, pois as fontes relatam que ele falava latim com forte sotaque púnico. Severo deve também com certeza ter aprendido Oratória, pois sabe-se que, ainda em Leptis, ele fez o seu primeiro discurso público, aos 17 anos.

Depois disso, obviamente almejando horizontes mais amplos na vida do que os que a provinciana Leptis poderia lhe oferecer, Severo, por volta de 162 D.C, partiu para Roma, a Meca de todos os jovens bem-nascidos do Império.

E quando Severo chegou a Roma, ele foi recomendado por um parente ilustre ao imperador Marco Aurélio, que, em virtude disso, mandou arrolá-lo, já que era descendente de cônsules, como membro da ordem senatorial, o cume da nobreza romana.

Com isso, abriram-se para Severo as portas do “cursus honorum” – a carreira das magistraturas – e ele foi nomeado um dos “Vigintivir”, membro de um colégio de 26 magistrados juniores, que cuidavam, entre outras coisas, de casos judiciais menores e também da manutenção de estradas, ruas ou prédios públicos. Posteriormente, Severo foi nomeado advocatus fiscus, uma espécie de procurador público imperial.

Contudo, sendo ele ainda muito jovem para ocupar cargos mais elevados e, sobretudo, em função da chegada a Roma de uma epidemia de peste, Severo resolveu voltar para Leptis Magna.

Enquanto isso, durante o tempo em que esteve de volta em sua terra natal, Severo completou 25 anos, que era a idade requerida para o cargo de Questor, e, pouco depois, por sorte, a epidemia em Roma abrandou, permitindo que ele voltasse para Roma e assumisse, em 169 D.C, este prestigioso cargo.

Então, como Questor, Severo conseguiu, enfim, ingressar legalmente no Senado Romano.

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Edifício da Cúria do Senado no Fórum Romano

Vale ressaltar que muitos cargos haviam ficado vagos em função da virulência da referida Peste, que havia ceifado muitas vidas, o que permitiu que Severo progredisse ainda mais no serviço público. Assim, ele foi nomeado Questor pela segunda vez.

Porém, logo após esses progressos, Severo foi surpreendido pelo repentino falecimento de seu pai e ele foi obrigado a voltar para Leptis para resolver assuntos ligados à sucessão e ao inventário do falecido.

Resolvidas as questões sucessórias, Severo foi cumprir o resto do mandato de Questor na ilha da Sardenha, que estava temporariamente sob administração do Senado Romano.

Em seguida, Severo foi servir com seu parente Gaius Septimius Severus, que tinha sido apontado Proconsul da África, na qualidade de Legatus pro Praetor, ou seja, governador.

Novamente de volta à Roma, em 174 D.C,  Severo foi escolhido, como candidato do próprio Imperador, Tribuno da Plebe.

Sem dúvida, Severo, até então, estava tendo uma carreira notavelmente promissora: Com efeito, apesar dos relatos dos historiadores de que ele era alvo de piadas em Roma por causa do seu forte sotaque púnico, restava claro que Severo estava sendo visto com simpatia pelos poderosos, e até pelo próprio Imperador, fato que não é de surpreender, pois, como relatamos no início, o seu pedigree genealógico era suficiente para competir com outros candidatos aos cargos mais importantes.

Severo era um homem forte, embora de baixa estatura, e de pele bem morena, como os naturais do Norte da África. E um dos traços mais marcantes da sua personalidade era ser muito supersticioso, acreditando em sonhos premonitórios e astrologia, que frequentemente lhe prediziam um futuro brilhante.

Ele também sentia-se muito ligado à sua Leptis Magna natal e por isso, parece natural que, quando Severo resolveu se casar, aos 30 anos de idade, ele tenha escolhido uma esposa natural de Leptis, chamada Paccia Marciana, originária de uma família de origem púnica, como a sua.

O casamento com Marciana durou dez anos e, se eles tiveram filhos (a História Augusta, considerada pouco confiável, relata duas meninas), os mesmos não sobreviveram até a idade adulta. Marciana morreu por volta de 186 D.C.

Ainda segundo a História Augusta, o sempre supersticioso e agora viúvo Severo, querendo casar-se novamente, recorreu à ajuda de astrólogos para encontrar uma nova esposa. Nessa busca, Severo, então, teria ouvido falar de uma mulher síria acerca de quem se falava da existência de uma previsão de que ela se casaria, um dia, com um rei…

Severo foi até a Província da Síria e encontrou a mulher em questão, Júlia Domna, que era, ela mesma, descendente da casa real dos Sempsiceramidas e Soêmios, reis-sacerdotes da cidade síria de Emesa (atual Homs, na Síria) que era habitada por um povo de origem semítica árabe-beduína que falava aramaico.

Além do incentivo da previsão astrológica, certamente Severo foi incentivado a casar-se com Júlia pelo fato de ser ela muito bonita. E, para completar, Emesa, e os seus governantes sempsiceramidas, eram riquíssimos…

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Cabeça de estátua de bronze de Septímio Severo

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Cabeça de Júlia Domna

Com a aprovação do pai de Júlia Domna, Julius Bassianus, sumo-sacerdote do Templo do deus El-Gabal (Elagabalus, ou Heliogábalo, em latim), em Emesa, Severo e Júlia casaram-se em 187 D.C, logo seguindo-se o nascimento dos filhos Lucius Septimius Bassianus (que ficaria conhecido como o futuro imperador Caracala), ocorrido em 188 D.C, quando Severo governava a Gália, e Publius Septimius Geta, em 189 D.C., nascido quando Severo era governador da Sicília.

Vale notar que, desde 180 D.C., o imperador era Cômodo, que sucedera o pai, Marco Aurélio, mas, pelo visto, o nome de Severo continuou a gozar de prestígio junto ao trono.

De fato, o casamento parece ter dado uma nova turbinada na carreira de Severo e, em 190 D.C, ele foi nomeado Cônsul, a mais alta magistratura romana, sob recomendação do imperador Cômodo. E, no ano seguinte, Cômodo nomeou Severo governador da importante província da Panônia, na fronteira do rio Danúbio, o que implicava no comando de várias experimentadas legiões do Exército.

Foi nessa privilegiada posição que Severo encontrava-se quando o imperador Cômodo, após um reinado de anos de tirania e de vários excessos, foi assassinado em um complô palaciano, em 31 de dezembro de 192 D.C.

O ano de 193 D.C começou com um novo imperador, Pertinax (Pertinace). Porém, antes que o ano terminasse, os romanos ainda veriam mais outros quatro ocuparem o trono, motivo pelo qual aquele ano passaria à História como “O Ano dos Cinco Imperadores”…

Com efeito, o  ambicioso Pertinace, Prefeito Urbano de Roma, ao saber da morte de Cômodo, na qual talvez ele até estivesse implicado, correu para o Quartel da Guarda Pretoriana, prometendo um grande donativo aos soldados, caso o aclamassem imperador. Eles assim o fizeram e o Senado, exultante pelo fim da tirania de Cômodo, imediatamente reconheceu o pretendente como Imperador. Porém, depois de quatro meses de um reinado promissor, um outro grupo dos insaciáveis pretorianos, sequiosos de dinheiro, assassinou Pertinace , que teve a sua cabeça fincada e exibida em um poste.

Em um dos episódios mais vergonhosos da História de Roma, os gananciosos Pretorianos abordaram na rua o rico senador Dídio Juliano e insistiram para que ele aceitasse ser aclamado imperador, obviamente em troca do pagamento de uma grande soma de dinheiro. Ato contínuo, os soldados levaram Dídio Juliano para o Quartel da Guarda Pretoriana, onde, para a surpresa do pretendente, lá já estava outro candidato à púrpura imperial, Flávio Sulpiciano. Na presença dos dois, os Pretorianos promoveram um infame leilão do trono, que, após vários lances, foi ganho por Juliano, que ofereceu a cada soldado a quantia de 25 mil sestércios.

Aproveitando-se da debilidade do novo imperador, uma série de governadores de província, rebelaram-se, incluindo o próprio Severo, que foi aclamado imperador pelas próprias tropas, em 14 de abril de 193 D.C.

Antecipando-se aos seus rivais na sucessão, Severo, prometendo vingar a ignominiosa morte de Pertinax, marchou contra Roma, não sem antes assegurar-se de que um potencial rival, Clódio Albino (também ele um romano nascido na África, em Hadrumeto), o governador da Britânia, não reivindicasse o trono. Então, para obter a lealdade de Albino, o astuto Severo ofereceu-lhe o título de “César” (que equivalia, grosso modo, ao de príncipe-herdeiro), que foi aceito.

Entretanto, as legiões do Oriente  também aclamaram o seu comandante, Pescenius Niger (Pescênio Nigro), governador da Síria, imperador.

Antes de Severo chegar à Roma, contudo, boa parte do Senado já o estava apoiando. Assim, em 1º de junho, Dídio Juliano foi destituído pelo Senado e condenado à morte, após reinar por meros 66 dias. Esta sentença foi prontamente executada pelos próprios Pretorianos, aterrorizados com a aproximação das experimentadas legiões de Severo, as quais eles bem sabiam que não tinham a menor condição de enfrentar em batalha.

Desse modo, Severo entrou em Roma sem oposição, no dia 9 de junho de 193 D.C.

Cumprindo a sua promessa, Severo imediatamente puniu os pretorianos, mas de uma forma sorrateira: ele convidou a guarda pretoriana a um banquete no seu acampamento. Porém, quando os pretorianos chegaram, eles foram desarmados por uma força de soldados de Severo, que executaram os assassinos de Pertinace. Mais tarde, Severo substituiu os pretorianos por soldados originários da Panônia.

No Oriente,  Pescênio Nigro, governador da província da Síria, recusou aceitar Severo como imperador e ainda obteve o apoio da província do Egito. Severo marchou imediatamente para o leste e esmagou o indisciplinado exército de Nigro. A batalha decisiva aconteceu em Issos, na primavera de 194 D.C, e Nigro foi morto em Antióquia. A cabeça dele foi enviada à Severo, que estabelecera seu quartel-general em Bizâncio.

Aureus de Pescênio Niger, foto de Numismatica Ars Classica NAC AG, CC BY-SA 3.0 CH https://creativecommons.org/licenses/by-sa/3.0/ch/deed.en, via Wikimedia Commons

Outra característica marcante de Severo era ser implacável com os inimigos, e isso se aplicava às províncias e cidades que haviam apoiado Nigro, que foram severamente punidas, bem como aos reinos estrangeiros hostis.

Assim, em 195 D.CSevero iniciou uma campanha contra o Império Parta e invadiu a Mesopotâmia, subjugando os árabes osroenes, adiabenes e cenitas, no que também era um acerto de contas pelo fato destes terem apoiado Nigro. Em um gesto simbólico de afirmação de sua origem púnica, Severo, nessa passagem pelo Oriente, mandou reformar com mármore o túmulo de Aníbal Barca, o grande general cartaginês e inimigo mortal de Roma, mas também o seu mais ilustre conterrâneo, que morreu exilado na Bitínia, no longínquo ano de 183 A.C.

Enquanto isso,  Clódio Albino, levando a sério o seu título de César,  começou a cunhar moedas como se fosse imperador, autointitulando -se Augusto.

Severo, que provavelmente sempre tivera a intenção de se livrar do rival, deu a seu filho Lucius Septimius Bassianus, conhecido como Caracala (um apelido dado pelo fato dele usar, costumeiramente, um manto de origem gaulesa, que tinha esse nome) o mesmo título de César, o que, na prática, significava a cassação do status de Albino, que, em seguida, foi declarado “Inimigo Público”.

Foi também 195 D.C que Severo proclamou que ele era filho adotivo do imperador Marco Aurélio, razão pela qual alterou o nome de seu filho Caracala para Marcus Aurelius Severus Antoninus Augustus, numa tentativa de se legitimar como continuador da bem-sucedida dinastia dos Antoninos, que terminara com o assassinato de Cômodo.

Em verdade, Severo e Albino, desde a revolta contra Dídio Juliano, provavelmente sempre estiveram tentando ganhar tempo até terem todas as condições de eliminarem um ao outro. Quando chegou a notícia de sua proscrição pelo Senado, em 196 D.CAlbino já estava preparado para invadir a Gália e, após derrotar o legado de SeveroVinius Lupus, assumiu o controle da importante província, instalando-se em Lugdunum (Lyon).

Na inevitável guerra que se seguiu, Severo conseguiu derrotar Albino, na Batalha de Lugdunum, em 19 de fevereiro de 197 D.C. Foi uma batalha duríssima, segundo Dio Cassio, envolvendo 150 mil soldados de cada lado (número provavelmente exagerado). Severo ganhou o dia utilizando a sua cavalaria. Albino se matou ou foi capturado e executado, não se sabe ao certo. Porém, as fontes narram que Severo dispensou um tratamento cruel ao cadáver, que foi exposto nu e pisoteado pelo seu cavalo. E a cabeça do rival foi decepada e enviada à Roma, como um alerta para futuros pretendentes. Por sua vez, a desafortunada Lyon, como punição pelo apoio a Albino, foi saqueada.

Entre 197 e 199 D.C, foram travadas com sucesso uma série de campanhas contra o Império Parta que derivaram no estabelecimento da nova província da Mesopotâmia.

Após a conquista de Ctesifonte, a capital dos Partas, em cujo cerco faleceram cerca de 100 000 pessoas, os romanos apoderaram-se dos tesouros inimigos.

Em seguimento à vitória, Severo dedicou os cinco anos posteriores a organizar a administração da nova província, cuja existência, entretanto, jamais seria pacífica e teria curta duração, fadada a ser retomada pelos persas sassânidas, que destronariam os partas arsácidas, fundando um novo império.

Não obstante, as vitórias de Severo na região asseguraram o controle das estratégicas cidades de Nísibis e Síngara e a supremacia regional de Roma até o ano de 251 D.C, ou seja, por quase 50 anos. Ficaria, como testemunho dessa campanha, o Arco do Triunfo de Setímio Severo, no Fórum Romano, ainda existente.

Com efeito, a preocupação com o Exército e as questões militares foram o cerne da política governamental de Severo.

Severo começou por extinguir a Guarda Pretoriana e dispensar, com desonra, os seus integrantes. Em substituição, ele formou uma guarda com 10 coortes (cerca de 10 mil homens), com seus veteranos da Panônia. Depois, o imperador ainda acantonou, nas cercanias de Roma, uma legião. Na prática, com essas últimas iniciativas, a Guarda acabou sendo reconstituída.

Depois, Severo decretou um aumento de um terço para o salário dos soldados, o qual passou de 300 para 400 denários e aumentou o número de legiões de 30 para 33, medidas que, entretanto, provocaram um grande déficit público, causando inflação e prejudicando a economia imperial..

Severo também ampliou a “Anona” militar, organizando-a oficialmente como uma instituição permanente de previdência social dos soldados.

O imperador reformou, ainda, o estatuto civil dos militares:

De fato, até o reinado de Cláudio, os soldados não podiam deixar os quartéis enquanto duravam os seus anos de serviço. Consequentemente, exigia-se que eles não tivessem família por um número determinado de anos, variando o tempo em função da unidade a que pertenciam: os Pretorianos durante 15 anos, os legionários durante 20 anos e os auxiliares durante 30 anos.

Cláudio reformara o sistema a fim de permitir aos soldados saírem do acampamento quando não estivessem de serviço, facilitando-lhes assim fundarem uma família; porém, ainda assim, até o reinado de Severo, eles não tinham direito a casar-se legalmente e reconhecer os seus filhos antes de concluir o seu tempo de serviço militar. Então, Severo autorizou que os militares oficializassem a sua vida conjugal.

Como consequência dessa política, aumentou-se o número de cidadãos romanos, pois, com o status de casamento legal, os filhos dos soldados com as mulheres não-romanas que habitavam as proximidades dos acampamentos podiam aspirar à cidadania romana. Desse modo, podemos entender a “Constitutio Antoniniana” – lei editada pelo filho de Severo, Caracala, estendendo a cidadania romana a todo homem livre nascido no Império – como uma continuação desta política de Severo.

Severo também estabeleceu novas honras militares, autorizando aos oficiais portar um anel de ouro, privilégio até então reservado aos cavaleiros.

Além dos assuntos militares, Severo também dedicou-se aos assuntos administrativos e civis.

Vale citar que Severo tinha como seu principal auxiliar o seu primo, Gaius Fulvius Plautianus, nomeado Prefeito Pretoriano, e era também assessorado por juristas célebres, como Ulpiano e Papiniano.

Na Síria, de onde era natural a sua esposa, Severo criou duas novas províncias, para facilitar a administração local e, não menos importante, diminuir o poder do seu respectivo governador, que comandava várias legiões, as quais foram divididas entre as duas novas unidades político-administrativas.

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Depois de concluir a campanha no Oriente, Severo visitou o Egito, onde ele rendeu homenagem ao corpo de Alexandre o Grande, no Mausoléu no qual o famoso rei macedônio foi sepultado, em Alexandria;e, depois, ele navegou o rio Nilo até Tebas. Em seguida, o imperador dedicou-se aos assuntos de sua África natal, onde as tribos nativas dos Garamantes estavam causando problemas. Derrotados os inimigos, com a expansão do Limes Africanus, Severo pode estabelecer oficialmente a província da Numídia, agora separada administrativamente da África, e, finalmente após esse périplo pelo Oriente e África, o imperador retornou à Roma, em 203 D.C.

Painel de madeira pintada (tondo), com as figuras de um Severo já grisalho, da imperatriz Júlia Domna e de seus filhos Caracala e Geta (rosto apagado). A pintura é proveniente do Egito e provavelmente foi pintada quando da viagem da família imperial pela Província, por volta do ano 200 D.C. Posteriormente, quando Caracala sucedeu ao pai e assassinou Geta, foi decretada a “damnatio memoriae” deste e, obedientemente, a imagem de Geta foi apagada dos monumentos públicos, bem como deste painel. É o único retrato pintado de um imperador e ele é valiosíssimo pois nos permite ver as cores das vestimentas e dos ornamentos imperiais, inclusive o cetro e a coroa, além da tez da pele e dos cabelos.

Na capital do Império, Septímio Severo erigiu uma série de importantes construções: ele embelezou o lado sul do Palatino mediante a construção de uma monumental fonte chamada Septizódio, dedicada aos sete principais astros do firmamento. Além disso, foi ampliado o palácio imperial, com a construção de uma nova ala, a Domus Severiana, e ele também começou a construção dos banhos públicos que seriam conhecidos depois como Termas de Caracala, já que foram terminados no reinado de seu filho. Procedeu-se, ainda, à restauração de muitos edifícios danificados pelos incêndios que ocorreram no final do reinado de Cômodo, entre os quais: o Templo da Paz, o Teatro de Pompeu, o Pórtico de Otávia e o Arco de Nero.

A cidade natal de Severo, Leptis Magna, também beneficiou-se amplamente em seu reinado, sendo embelezada com vários monumentos suntuosos: o Fórum de Severo, a Basílica de Severo, o Mercado e  grandes instalações portuárias.

Septímio Severo tomou, ainda, algumas  significativas medidas judiciárias e assistenciais: A Presidência dos tribunais de apelação foi transferida aos Prefeitos Pretorianos, função antes realizada pelo imperador,  e foi instituída a distribuição gratuita de azeite de oliva, que se unia à tradicional repartição de trigo para a plebe.

A fim de consolidar a sua sucessão, Severo casou o seu filho Caracala com Plautilla, filha do Prefeito Pretoriano Plautianus (Plauciano). Este casamento arranjado, porém, foi o início da discórdia entre Severo e seu antigo amigo e parente, e agora sogro do seu filho.

De fato, Caracala odiava Plauciano, e, após o casamento, ele recusou-se a ter qualquer relacionamento com a esposa. Na verdade, consta que Caracala prometeu que, quando se tornasse imperador, daria cabo de ambos, esposa e sogro, o que pode ter levado Plauciano a conspirar contra Severo, ou, ao menos, este foi o pretexto que Caracala usou para conseguir a queda e execução do sogro. Plautiano foi acusado de traição por alguns centuriões em 205 D.C, subornados provavelmente por Caracala. Severo mandou executá-lo e Plautilla foi exilada na ilha de Lipari.

As relações de Severo com o Senado nunca foram boas, devido ao caráter marcadamente ditatorial do seu reinado. O imperador mandou executar dúzias de senadores sob variadas acusações de corrupção e conspiração, substituindo-os por homens fiéis ao trono.

Não obstante, entre a plebe romana, Septímio Severo gozava de popularidade, devido às medidas que ele tomou contra a corrupção generalizada que havia aumentado durante o reinado de Cômodo, e Severo ganhou a boa reputação de ter restabelecido a moralidade pública após os anos de decadência do governo anterior.

Contudo, o aumento vertiginoso das despesas militares, obrigou Severo a promover a maior desvalorização do denário desde o reinado de Nero, o que causaria uma grande inflação.

Nos anos finais do reinado de Severo, ocorreram muitos ataques das tribos caledônias que viviam além da Muralha de Adriano, que foram estimuladas pelo fato de Albino, quando da disputa com Severo pelo trono, haver zarpado para a Gália com praticamente todo o efetivo militar da Britânia.
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Em 207 D.C, o incansável Septímio Severo foi para a Britânia combater os Caledônios, levando consigo a esposa e os dois filhos, realizando várias campanhas ao norte da Muralha de Adriano, que foi reforçada por ele. Todavia, esse esforço não foi suficiente para subjugar aquelas ferozes tribos, antepassadas dos escoceses.

As fontes narram que, preocupado com a instabilidade mental demonstrada por Caracala, Severo nomeou, em 209 D.C, seu filho mais novo, Geta, como “César”.

A campanha contra os Caledônios prosseguiu, com resistência maior do que se poderia supor, e a saúde do já sexagenário Severo não aguentou o tranco. Ele caiu gravemente enfermo, e, pressentindo que ia morrer, mandou chamar Caracala e Geta, para dar-lhes um último conselho, em seu leito leito de morte, o qual ficaria célebre:

Não briguem entre si, deem dinheiro aos soldados e desprezem todos os outros“.

No dia 4 de fevereiro de 211 D.C, em Eboracum(York), aos 65 anos de idade, Septímio Severo morreu e Caracala e Geta foram aclamados imperadores pelas tropas. Ambos decidiram interromper imediatamente a campanha e voltar para Roma.

Nove meses depois, Caracala mataria seu irmão Geta, que se refugiara nos braços da mãe de em pleno palácio, para reinar sozinho. Portanto, Caracala somente seguiria fielmente o segundo e o terceiro conselhos de seu pai…

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Busto de Caracala, o sucessor de seu pai Severo, cuja expressão parece corresponder ao seu caráter violento.

CONCLUSÃO

Septímio Severo é um imperador controverso e o seu reinado é um dos mais difíceis de avaliar:  por um lado, ninguém pode negar que ele foi um servidor público incansável e muito dedicado aos assuntos públicos, tarefa que jamais foi por ele deixada de lado em prol dos prazeres e lazeres que Roma oferecia. De fato, Severo expandiu as fronteiras do Império Romano, visitou inúmeras províncias, venceu guerras e construiu importantes monumentos.

Mas Severo falhou em fazer uma reforma administrativa e tributária capaz de sustentar o aumento no efetivo e no orçamento militar, sendo que o aumento dos soldos acentuou uma tendência que comprometeria as finanças públicas dos reinados que se seguiram. E, ironicamente, tantas benesses dadas aos soldados podem ter comprometido a disciplina militar, estimulando os vários episódios de insubordinação que seriam observados durante os reinados da dinastia inaugurada por ele.

Outra medida  que se considera negativa foi a proibição de que os senadores exercessem comandos militares. Essa vedação, que seria reforçada nos reinados seguintes, afastou a elite romana do serviço militar e acabou contribuindo para criar ou ampliar um estranhamento entre o Exército e o Senado, afastando completamente a aristocracia da carreira das armas, o que no futuro se revelaria nocivo.

E Severo falhou mais amplamente em seguir os quase cem anos de boa política sucessória dos Antoninos, dinastia que ele tinha a pretensão de fazer parte, ao escolher os incompetentes e despreparados Caracala e Geta como herdeiros, mas este, diga-se de passagem, foi um erro no qual o próprio “imperador-filósofo e déspota esclarecido” Marco Aurélio também incorreu.

Quanto às numerosas execuções de senadores e rivais, talvez Severo não tenha sido tão diferente da maior parte de seus antecessores e sucessores. O fato é que ser imperador romano, especialmente no século III, como logo seria constatado, era uma das profissões mais perigosas do mundo.

FIM

ALEXANDRE, O ÚLTIMO SEVERO E A CRISE DO SÉCULO III

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Em 22 de março de 235 D.C., o imperador romano Severo Alexandre, encontrava-se na base militar romana de  Castrum Moguntiatium (que deu origem à moderna cidade alemã de Mainz, ou Mogúncia, seu nome em português) quando um motim dos soldados da Legião XII Primigenia estourou.

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As tropas recusaram-se a obedecer aos apelos do imperador para que combatessem as tropas lideradas pelo general Maximino Trácio, comandante da Legião IV Italica, as quais tinham aclamado Maximino imperador.

Reunidos no centro do Quartel, os soldados começaram a ficar muito agressivos, acusando Severo Alexandre de ser um covarde dominado pela mãe avarenta e comparando-o ao desprezível Elagábalo, seu primo e antecessor no trono.

Os amotinados, ato contínuo, demandaram que os demais soldados abandonassem “o tímido menininho amarrado à barra da saia da mãe“,  fazendo com que toda a soldadesca lhe desse as costas, deixando o imperador sozinho no praetorium.

Severo Alexandre, aterrorizado, correu para a tenda de sua mãe, a imperatriz Júlia Maméia (Julia Mammaea), que o acompanhava, como sempre, naquela campanha contra os bárbaros Alamanos.

Tinha sido Júlia Maméia quem havia aconselhado Alexandre a oferecer aos bárbaros uma boa soma em dinheiro para que eles desistissem de guerrear contra os Romanos.

E esse foi justamente o estopim da revolta das legiões , pois os soldados alegavam que isso era uma grande desonra para o Império Romano (talvez eles esperassem que o dinheiro fosse dado a eles como donativo pela vitória).

No interior da tenda da mãe, Severo Alexandre chorou e recriminou a mãe pelos seus infortúnios. Ele sabia que estava acabado. Por isso, quando um grupo de soldados seguiu o imperador e invadiu a tenda de Júlia Maméia, Alexandre, resignadamente, ofereceu o pescoço para que eles o executassem. Ele morreu aos 26 anos de idade e treze de reinado. Na mesma ocasião, os soldados também mataram Júlia.

Marcus Julius Gessius Bassianus Alexianus(Severo Alexandre) nasceu em 1º de outubro de 208 D.C, na cidade de Arca Caesarea , na província romana da Síria Fenícia (atual Arqa, no Líbano), filho de  Marcus Julius Gessius Marcianus e de Julia Avita Mammaea (Júlia Maméia).

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O pai de Severo Alexandre era um cidadão romano de origem síria que pertencia à classe Equestre, o segundo nível da nobreza romana e parece ter exercido alguns cargos públicos.

Em algum momento depois do ano 200 D.C., Marcus Julius Gessius Marcianus casou-se com Júlia Maméia, que era sobrinha da poderosa imperatriz Júlia Domna, casada com o imperador Septímio Severo. Durante o reinado do marido, Júlia Domna receberia o título de “Mãe dos Quartéis, do Senado e da Pátria“.

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(busto de Júlia Maméia)

Júlia Maméia e sua irmã, Júlia Soêmia, eram filhas de Júlia Maesa, irmã da imperatriz Júlia Domna, que por sua vez eram filhas de  Julius Bassianus, sumo-sacerdote do Templo do deus Elagábalo (El-Gabal), situado em Emesa (a moderna Homs), na Província da  Síria, e integrante da dinastia dos Sempseramidas, que havia séculos governavam a referida cidade, a qual, durante muito tempo, havia sido a próspera capital de um reino-cliente de Roma,  até a sua anexação pelo Império Romano.

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(Estátua de Júlia Soêmia)

Portanto, a família de Júlia Maméia era riquíssima e, quando o imperador Caracala, filho e sucessor de Septímio Severo morreu, assassinado por ordens de Macrino, sua mãe Júlia Maesa e sua irmã, Júlia Soêmia, valeram-se dessa fortuna e de seu poder e prestígio na importante província da Síria para fomentar a rebelião que em pouco tempo derrubou Macrino. 

As tropas da Síria aclamaram o jovem filho de Júlia Soêmia, Elagábalo, de apenas 15 anos de idade, como imperador, em 16 de maio de 218 D.C. Macrino seria derrotado em junho de 218 D.C. e, assim,  Elagábalo foi reconhecido imperador pelo Senado.

A mãe do novo imperador, Júlia Soêmia, e  a sua tia, Júlia Maesa, foram declaradas “Augustas”. Mais surpreendente, as duas seriam, um pouco mais tarde, as primeiras e únicas mulheres a serem admitidas no Senado Romano. E Júlia Maesa ainda receberia o título de “Mãe do Senado”.

O reinado de Elagábalo seria marcado pelos escândalos e pela repulsa que a sua condição de sumo-sacerdote de El-Gabal, a sua aparência andrógina e o seu comportamento desregrado provocaram não apenas na elite senatorial, mas nas próprias tropas.

Em algum momento, Júlia Maesa percebeu que a crescente rejeição a Elagábalo pela sociedade romana, e, sobretudo, pelos militares romanos, colocava em perigo a própria posição da família. Ela também percebeu que os reiterados excessos sexuais dele eram encorajados pelo fervor religioso que com que ele e sua filha, Júlia Soêmia, a mãe do imperador, se dedicavam ao culto a El-Gabal.

Júlia Maesa então aproximou-se de sua outra filha, Júlia Maméia, que também tinha um filho, Marcus Julius Gessius Bassianus Alexianus (Severo Alexandre), então com 13 anos de idade, primo do imperador.

A influente Júlia Maesa conseguiu persuadir Elagábalo a nomear o seu primo como seu herdeiro, dando-lhe o título de “César”, passando a adotar o nome de Caesar Marcus Aurelius Alexander, em 221 D.C, Severo Alexandre seria Cônsul junto com Elagábalo. As duas mulheres também devem ter sido as responsáveis por espalhar o boato de que Alexandre seria também filho ilegítimo de Caracala, o que lhe granjearia a simpatia dos soldados.

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(estátua de Júlia Maesa)

Contudo, percebendo o entusiasmo que a nomeação de  Severo Alexandre provocou nos soldados da Guarda Pretoriana, já muito incomodados com os seus excessos, Elagábalo resolveu anular sua decisão e revogar os títulos concedidos ao seu primo. Contudo, essa decisão fez o  público e as tropas se alvoraçarem temendo pela vida do menino.

Os Pretorianos demandaram a presença de Elagábalo e de Severo Alexandre no Castra Pretoria, devido aos rumores de que Alexandre pudesse ter sido assassinado. É possível até que o motim tenha sido instigado por Júlia Maesa e Júlia Maméia. Quando Elagábalo chegou, começou um tumulto que degenerou no assassinato dele e de sua mãe, Júlia Soêmia, que depois tiveram os corpos arrastados pelas ruas, em 11 de março de 222 D.C.

Em 13 de março de 222 D.C., Severo Alexandre foi aclamado oficialmente imperador romano, adotando o nome de Marcus Aurelius Severus Alexander Augustus, nome escolhido para enfatizar a conexão dinástica com Septímio Severo e Caracala.

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Como o  imperador Severo Alexandre tinha  apenas 13 anos de idade, quem de fato detinha as rédeas do poder era sua mãe, Júlia Maméia.

Júlia Maesa e Júlia Maméia tinham testemunhado a catástrofe que a coroação de um imperador muito jovem, completamente despreparado e de comportamento indecoroso, como foi o seu seu sobrinho Elagábalo, representava, não só ao Império, mas, sobretudo, à própria sobrevivência da dinastia dos Severos.

Assim, as duas mulheres, que, naquele momento, eram as governantes de fato do Império Romano procuraram cercar o jovem Severo Alexandre dos mais ilustres e respeitáveis conselheiros, como foi o caso dos juristas Ulpiano, que foi nomeado para o importante cargo de Prefeito Pretoriano, e Paulus, e  também do senador e, mais tarde, historiador, Cassius Dio (Dião Cássio). Vale citar que Júlia Maesa morreria logo em 224 D.C., portanto, foi Júlia Maméia quem teve ascendência preponderante sobre o filho.

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(Busto de Ulpiano)

Graças a esse Conselho de homens notáveis, os primeiros atos do governo de Severo Alexandre visavam a recuperação moral e econômica do governo romano, a melhoria das condições da plebe de Roma e implantar medidas em prol dos soldados.

Foram implementavas ações para diminuir os gastos da Corte, considerada excessivamente luxuosa e extravagante. Talvez daí tenha surgido a fama de avarenta que Júlia Maméia gozou até o fim da sua vida. Uma fonte chegou a narrar que ela teria determinado que os restos dos banquetes no Palácio fossem recolhidos e guardados para serem servidos em outra oportunidade…

O denário foi inicialmente desvalorizado, provavelmente para aumentar a circulação de moeda e ajudar a equilibrar o déficit do Tesouro, mas posteriormente, mediante o aumento do percentual de prata, a moeda foi revalorizada, o que demonstra que houve uma melhoria nas contas públicas. Isso inclusive permitiu que os impostos fossem diminuídos, o que sempre estimula a economia e satisfaz os contribuintes. Esse programa foi completado pela criação de um serviço para emprestar dinheiro a taxas de juros moderadas.

Durante o reinado de Severo Alexandre foi construído o  Acqua Alexandrina, o último dos grandes aquedutos que abasteciam a cidade de Roma, em 226 D.C.. As Termas de Nero, que se encontravam em péssimo estado, foram reconstruídas, passando o complexo a ser conhecido como “Banhos de Alexandre”.

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(Um trecho do aqueduto Acqua Alexandrina, foto de Chris 73)

Severo Alexandre também estabeleceu medidas para beneficiar os militares no que se refere aos direitos sucessórios e pecúlios.

Todavia, já no início do reinado, Severo Alexandre sofreu com o problema da crescente indisciplina dos soldados.

Em 223 D.C., os Pretorianos, insatisfeitos com as medidas do Prefeito Pretoriano Ulpiano, a quem eles eram subordinados, assassinaram o famoso jurista na presença do próprio imperador. Ulpiano se tornaria célebre nas faculdades de direito por ter estabelecido o que seriam os preceitos principais do Direito: “Viver honestamente, não causar mal a ninguém e dar a cada um o que é seu” (Juris praecepta sunt haec: honeste vivere, alterum non laedere, suum cuique tribuere)

Aliás, no período da dinastia dos Severos, apesar dos imperadores seguirem estritamente o conselho do seu fundador, Septímio Severo, de “dar dinheiro aos soldados e desprezar todos os outros“, aumentaram muito os episódios de indisciplina e insubordinação, chegando a um ponto que qualquer medida que visasse enrijecer a disciplina ou reduzir os donativos e gratificações, como ocorreu no reinado de Severo Alexandre, desencadeava rebeliões e motins entre a tropa, cuja efetividade em combate, também, parece ter sido comprometida.

Apesar das questões relativas à disciplina dos militares, o reinado de Severo Alexandre vinha tendo relativo sucesso em relação aos reinados anteriores de Elagábalo e Caracala, melhorando a economia e obtendo estabilidade política.

Contudo, eventos externos que ocorreram no reinado de Severo Alexandre, e em relação aos quais ele não teve qualquer responsabilidade,  não só causariam problemas que levariam à sua derrubada, mas teriam graves consequências estratégicas, que, futuramente comprometeriam a própria sobrevivência do Império Romano…

O primeiro deles foi a ascensão de Ardashir I (Artaxerxes I), nobre persa da Casa de Sassan, em 227 D.C., derrotando a dinastia dos Arsácidas, que fazia séculos governava o Império dos Partas e instalando a dinastia dos Persas Sassânidas, criando o império do mesmo nome. Os Sassânidas eram nacionalistas e centralizadores e eram muito mais agressivos militarmente do que os seus antecessores. Ironicamente, o principal motivo para a ascensão dos Sassânidas foram as sucessivas invasões que os romanos promoveram na Mesopotâmia parta durante os reinados de Trajano, Septímio Severo e Caracala, saqueando a capital Ctesifonte.

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(Relevo no Irã, retratando Ardashir e o deus Ahura-Mazda)

Em 230 D.C., Ardashir I lançou um ataque contra o sistema defensivo romano na fronteira da Mesopotâmia, sitiando a estratégica fortaleza de Nusaybin (Nísibis), sem, contudo conseguir tomá-la. Em seguida, as tropas persas invadiram as províncias da Síria e da Capadócia.

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Os Romanos foram obrigados a reagir militarmente, e o imperador teve que atender aos reclamos dos governadores.

Para lidar com a agressão persa, Severo Alexandre mandou reunir um exército com soldados das legiões espalhadas pelo Império. O historiador Herodiano de Antióquia narra que a medida causou comoção no Império, provavelmente pelo fato de terem sido recrutados soldados em províncias onde há muito não se faziam conscrições, como, por exemplo, a Itália.

Herodiano relata que Alexandre e sua comitiva integravam a expedição militar, sendo que ao partir o imperador pôde ser visto chorando e repetidamente olhando para trás enquanto deixava Roma.

Chegando no teatro de operações, o imperador ainda tentou apelar para a diplomacia, enviando embaixadores à Ctesifonte. Os embaixadores não foram recebidos, mas Ardashir mandou sua própria embaixada aos Romanos, com as seguintes exigências, segundo o historiador bizantino João Zonaras:

O Grande Rei Artaxerxes ordena aos romanos que deixem a Síria e toda a Ásia adjacente à Europa e permitam ao Persas governar até o mar“.

Como o objetivo dos Sassânidas era, como se vê no referido ultimato, restaurar o Império Persa às fronteiras dos gloriosos tempos de Dario e Xerxes, o que implicaria na perda para os Romanos das importantes províncias da Síria, Ásia, Capadócia e Bitínia, entre outras, a paz obviamente era impossível.

Nessa ocasião, houve mais uma prova de que a disciplina militar do Exército Romano estava seriamente comprometida: Quando as tropas estavam se preparando para cruzar os rios Tigre e Eufrates, para invadir o território persa, vários motins explodiram entre os soldados, especialmente entre os soldados do Egito, e também na Síria, onde as tropas até tentaram proclamar imperador um certo Taurinus,  no verão de 232 D.C., porém esta rebelião foi rapidamente debelada.

Os comandantes militares romanos decidiram dividir o exército em três. O primeiro destacamento invadiria ao norte a Armênia para atacar os Medos, súditos dos Sassânidas. O segundo atacaria a Mesopotâmia na confluência dos rios Tigre e Eufrates e o terceiro, sob o comando direto do imperador, atacaria os Persas no centro. Porém, na Armênia, os romanos tiveram muita dificuldade no terreno montanhoso, mas conseguiram chegar ao território dos Medos, devastando-o. Algumas tropas persas tentaram impedir o avanço, mas o terreno desfavorável à cavalaria impediu-os de engajar os Romanos.

Quando Artaxerxes I soube do avanço do segundo destacamento pelo Tigre e Eufrates, atacou aquele exército com suas tropas principais. Os Romanos avançavam sem muita cautela, pois até então não tinham enfrentado qualquer resistência. Assim, eles foram fragorosamente derrotados pelos Persas.

Para piorar, Alexandre foi aconselhado por Júlia Maméia, que acompanhava a comitiva, a não invadir a Pérsia com o seu exército, contribuindo para que as tropas do segundo destacamento fossem cercadas pelos arqueiros montados persas e aniquiladas.

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Apesar do fracasso da expedição, os Romanos conseguiram infligir muitas baixas entre os Persas, e dois dos três segmentos da força expedicionária devem ter conseguido sobreviver, o que impediu os Persas de explorarem a vitória na Mesopotâmia.

De volta a Antióquia, Alexandre distribuiu grandes donativos para as tropas e informou ao Senado, em Roma, que ele tinha vencido os Persas. E ao chegar em Roma, em 233 D.C., o imperador ainda chegou a celebrar um Triunfo.

De fato, como nenhuma inscrição ou texto persa relata uma vitória na ocasião, Artaxerxes I deve der ficado decepcionado com o desfecho da guerra, sobretudo porque as fronteiras do Império Romano no Oriente permaneceram inalteradas.

Assim, o conflito pode ser considerado um empate e Artaxerxes I somente voltaria a atacar o território romano em 237 D.C, dois anos após a morte de Severo Alexandre.

O conflito entre o Império Romano e o Império Persa duraria, com alguns intervalos de paz e vitórias e derrotas para ambos os lados, até a vitória final dos Romanos na Batalha de Nínive, em 628 D.C., no reinado do imperador romano-bizantino Heraclius.

O segundo evento que assolaria o reinado de Severo Alexandre foi a aparição nas fronteiras romanas dos rios Reno e Danúbio, da poderosa confederação de tribos germânicas dos Alamanos, que atacaram as fortificações romanas na fronteira e devastaram as cidades das províncias fronteiriças, em 234 D.C., ameaçando a província da Ilíria e, consequentemente, a própria Itália.

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Os Germanos, desde o final do século II A.C., vinham mostrando serem capazes de infligir grandes derrotas aos Romanos em batalhas isoladas, porém, os seus sucessos tinham duração efêmera, pois eles estavam organizados em inúmeras tribos pequenas, que não costumavam colaborar entre si, quando não guerreavam umas contra as outras. E, material e taticamente, em geral, os Germanos eram bem inferiores aos Romanos.

Todavia, assim como nós mencionamos acima com relação aos Persas e o Império Parta, foram os próprios Romanos que contribuíram para mudar a correlação de forças entre os Germanos.

Com efeito, de modo crescente, a partir de meados do século I A.C., os Romanos vinham empregando como soldados auxiliares tribos inteiras de Germanos. Muitos desses Germanos passavam 20 anos servindo no Exército Romano. Ao final do período, muitos adquiriam a cidadania romana, mas, ao contrário da maioria de outros povos que também forneciam tropas aos Romanos, muitos deles voltavam para as suas terras na Germânia, trazendo armamentos e táticas do exército romano. Com o tempo, os Germanos, que já eram tradicionalmente um povo de índole guerreira, foram adquirindo o conhecimento das táticas romanas e reunindo um grande arsenal de armas romanas, aprendendo também técnicas para o seu fabrico.

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A partir do século II D.C, começou a se observar que os chefes militares germânicos, muitos, provavelmente, egressos do Exército Romano, foram dominando as tribos vizinhas, que começaram a se aglutinar em forma de confederações de tribos.

Os achados arqueológicos, notadamente os provenientes de enterros em pântanos de turfa, mostram que, na virada do século II para o século III D.C., os bandos de guerreiros germânicos já demonstravam um grau de especialização (cavalaria, infantaria e arqueiros) e dispunham de espadas, elmos, armaduras (ao menos os chefes) e lanças que não ficavam a dever a dos Romanos, ou até mesmo eram de fabricação romana. Por sua vez, a nobreza germânica consumia produtos de origem romana e entesourava moedas de ouro romanas. Parece, neste particular, que os Romanos incentivaram a formação de verdadeiros reinos-clientes entre os Germanos.

Feita essa pausa digressiva, com a invasão dos Alamanos, mais uma vez, Severo Alexandre foi obrigado a se deslocar para o front de batalha. As tropas, cuja disciplina, como vimos, era problemática, estavam reclamando, especialmente as oriundas das províncias atacadas, pelo fato de Severo Alexandre tê-las feito lutar a campanha na Pérsia,  o que, no entender deles, provavelmente deve ter facilitado o ataque dos bárbaros germânicos.

Em Mogúncia, base das operações contra os Alamanos, Severo Alexandre, novamente, foi aconselhado por sua mãe a tentar conter a ameaça militar com a diplomacia. Nesse particular, não havia nada de absurdo naquele conselho, pois, há muito tempo, os Romanos costumavam pagar dinheiro aos Germanos para que estes ficassem sossegados e não atacassem o Império.

Não obstante, os militares tinham se acostumado com anos de condescendência, fraqueza e de mão-aberta dos imperadores em relação às suas demandas, e a insatisfação deles ao que parece, foi agravada pelos vexames de Elagábalo e pela falta de aptidão militar de Severo Alexandre, que, para piorar, parece que não era mesmo muito generoso nos donativos, em decorrência da sua política de austeridade fiscal, a qual era atribuída à mãe do imperador.

Assim, quando eles souberam que Severo Alexandre, seguindo as instruções de Júlia Maméia, estava disposto a dar dinheiro aos bárbaros Alamanos, as legiões aclamaram imperador o comandante da Legião IV Italica, Gaius Julius Verus Maximinus (Maximino Trácio).

Maximino era um Trácio da Moesia que quando criança trabalhara como pastor, mas, após entrar no exército romano, foi galgando postos, destacando-se nas batalhas devido a sua incrível força física. Há relatos de que ele teria cerca de 2m 40cm de altura e, de fato, as suas estátuas apresentam caracteristicas físicas de acromegalia. Ironicamente, ele havia sido promovido a comandante pelo próprio Severo Alexandre.

Entretanto, Não podia ser maior o contraste entre a figura frágil do imperador e a virilidade castrense de Maximino, que parecia aos soldados muito mais adequada para comandar o Exército naqueles tempos belicosos.

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Assim, no dia  19 de março de 235 D.C, quando se avistou a coluna de poeira deslocada pelas legiões que aclamaram Maximino, que se aproximavam do quartel-general em Mogúncia, só restou a Severo Alexandre apelar, sem sucesso, à lealdade dos soldados da Legião XII Primigenia,  que logo matariam ele e sua mãe. Era o fim da dinastia dos Severos, que governava Roma, com o breve intervalo de Macrino, desde 193 D.C.

Após saberem da execução de Severo Alexandre e Júlia Maméia, a Guarda Pretoriana também aclamou Maximino imperador e o Senado, constrangido, confirmou o nome dele, apesar de considerá-lo pouco mais do que um camponês bárbaro.

Maximino, sem deixar a Germânia, partiu para enfrentar os Alamanos, os quais conseguiu derrotar, apesar do exército sofrer pesadas baixas, no território romano dos Agri Decumates.

O reinado de Maximino marcaria o início da chamada “Crise do Século III“, o período  de grande instabilidade verificado entre 235 e 284 D.C quando 30 imperadores ocuparam o trono em 49 anos, ou seja, uma média de apenas 18 meses de reinado por imperador. Nesse período, vários imperadores foram assassinados, dois mortos no campo de batalha e um deles capturado vivo pelos Persas. Para se ter uma comparação, entre os reinados de Augusto e de Severo Alexandre, foram 28 imperadores para um período de 266 anos, com uma média de 9 anos e seis meses para cada reinado…

No ano de 238 D.C., ano que Maximino foi assassinado, houve seis imperadores diferentes no trono, motivo pelo qual ficaria conhecido como “O Ano dos Seis Imperadores“. E, em um futuro próximo, durante um bom período, a Gália e a Síria ficariam independentes, fazendo parte dos chamados “Império Gaulês” e “Império de Palmira“.

O principal motivo de tudo isso foi a duradoura incapacidade de Roma lidar com pesadelo estratégico da guerra em dois fronts naquele período. Embora haja também causas econômicas (especialmente déficit público causado pelos gastos militares e déficit comercial com a China) e demográficas (diminuição da população notadamente por epidemias).

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(Mapa do Império dividido – Blank map of South Europe and North Africa.svg: historicair

Para terminar nossa narrativa, é interessante citar, com a devida cautela quanto à veracidade do relato, da frequentemente imprecisa História Augusta, e também do historiador cristão Eusébio, ambos os textos datando provavelmente do reinado do imperador Constantino, o Grande, as passagens abaixo, que afirmam que Severo Alexandre era simpático ao Cristianismo.

Segundo Eusébio, no período que passaram em Antióquia, Júlia Maméia, que era muito religiosa, mandou Severo Alexandre estudar com o afamado teólogo cristão Orígenes.

Já a História Augusta (Lampridius) relata que Severo Alexandre colocou em seu “lararium” (oratório doméstico) imagens do patriarca Abraão e de Jesus Cristo, entre outros místicos famosos, como Apolônio de Tiana.

Ainda segundo a História Augusta, Severo Alexandre chegou a pensar em erguer um Templo em honra a Cristo em Roma e teria mandado gravar no Palácio dos Césares “as famosas palavras de Cristo”:

Não faça aos outros o que não gostaria que fizessem contigo.”

ELAGÁBALO – MENINO TRAVESTIDO DE IMPERADOR

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(Busto de Elagábalo, foto de Giovanni Dall’orto)

 

#Elagábalo #Heliogabalus

Em 11 de março de 222 D.C, no Quartel da Guarda Pretoriana (Castra Pretoria) em Roma, os soldados da Guarda Pretoriana atacaram e mataram o Imperador Romano Elagábalo (Elagabalus, nome que às vezes também é grafado como Heliogábalo) e a mãe dele, Júlia Soêmia, em seguida aclamando o seu primo, Severo Alexandre, ali também presente, como novo imperador. Em seguida, os assassinos decapitaram os cadáveres e jogaram os corpos de Elagábalo e de Júlia no rio Tibre.

Nascido com o nome de Varius Avitus Bassianus, na Síria, em 203 D.C, Elagábalo era filho de Sextus Varius Marcellus e de Julia Soemias Bassiana (Júlia Soêmia).

 

Julia_Soemias_2.jpg(Detalhe de estátua de Júlia Soêmia, mãe de Elagábalo, foto de Wolfgang Sauber )

 

O pai de Elagábalo era membro de uma família da classe Equestre, originária da cidade grega de Apamea, na Síria, e  que ascendeu durante o reinado do imperador Septímio Severo, período no qual Sextus Varius Marcellus ocupou vários cargos importantes, como Procurador dos Aquedutos em Roma, Procurador Romano da Britânia, Prefeito da Urbe e Prefeito Pretoriano.

Como evidência do seu status na corte de Severo, Sextus Varius Marcellus se casou com Júlia Soêmia, sobrinha da poderosa imperatriz Júlia Domna, que era irmã da mãe dela, Júlia Maesa.

ulia_Domna_Glyptothek_Munich_354(A poderosa, bela e inteligente imperatriz Júlia Domna era tia-avó de Elagábalo)

As duas irmãs, a imperatriz Júlia Domna e a avó de Elagábalo, Júlia Maesa, eram filhas de Julius Bassianus, sumo-sacerdote do Templo do deus Elagábalo (El-Gabal ou Ilāh hag-Gabal, literalmente, “O Deus da Montanha”), situado em Emesa (a moderna Homs), na Síria, e membro da dinastia dos Sempseramidas, os governantes ancestrais daquela cidade, a qual, durante muito tempo, havia sido a capital de um reino-cliente de Roma, até aquela ser anexada pelo Imperador Caracala. O posto de sumo-sacerdote de El-Gabal era hereditário, e foi assumido por Elagábalo.

Emesa era uma cidade próspera e o culto ao Deus-sol se espalhava pelo império romano no século III. O Templo de Elagábalo guardava uma pedra negra cônica sagrada, que muitos acreditavam ter caído do céu,  a qual  atraía peregrinos e doações de toda a região, Consequentemente, os sumos-sacerdotes de El-Gabal eram riquíssimos.

homs03a(Homs, antiga Emesa, no início do século XX)

Vale observar que o culto a El-Gabal não seria primeira, nem a última religião oriental a cultuar uma pedra negra supostamente caída do céu…Com efeito, hoje os muçulmanos veneram uma pedra negra chamada de al-Hajar al-Aswad, que se encontra no interior da Caaba, uma construção quadrada em pedra, cuja construção é atribuída ao patriarca Abraão, em Meca.

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(A Pedra Negra e o Templo de El-Gabal são retratados nessa moeda cunhada por um governante Sempseramida de Emesa, em meados do século III D.C.),

 

Quando Septímio Severo morreu, ele foi sucedido por seus dois filhos Caracala e Geta. Caracala logo matou o seu irmão Geta e assumiu o trono sozinho, em 211 D.C. A imperatriz viúva, Julia Domna, porém, continuou muito influente na Corte. Porém, após seis anos de um reinado turbulento, Caracala foi assassinado, em 8 de abril de 217 D.C. por um guarda-costas, em uma estada próxima à Carras, na Turquia, onde ele se encontrava em preparativos para uma campanha contra a Pérsia, crime cometido provavelmente à mando do Prefeito Pretoriano Macrino, que assumiu o trono.

Em decorrência, Júlia Domna, mãe do imperador assassinado que estava gravemente doente devido a um câncer de mama, suicidou-se, recusando-se a comer.

Macrino exilou o restante da família de Caracala, agora chefiada por sua tia Júlia Maesa, para a sua nativa Emesa. Esta decisão foi um grande equívoco de Macrino, pois, valendo-se de seu imenso poder e riqueza na região, a influente matriarca síria e suas parentes iniciaram uma conspiração para derrubar Macrino.

Em primeiro lugar, Júlia Soêmia declarou publicamente que seu filho Varius Avitus Bassianus (Elagábalo) era filho ilegítimo de Caracala ( consta que, de fato, ambos eram muito parecidos) e, portanto, o legítimo herdeiro do imperador falecido.

Depois, usando seus vastos recursos financeiros, Júlia Maesa conseguiu convencer a III Legião “Gallica, baseada na Jordânia, e o seu comandante, Publius Valerius Comazon, a aclamarem Elagábalo  imperador, em 16 de maio de 218 D.C.

O prestígio de Macrino já estava abalado pelo resultado desfavorável da guerra que ele vinha movendo contra a Pérsia, onde Roma teve que pagar uma indenização para terminar a guerra.

Macrino tentou combater a insurreição, mas as tropas enviadas aderiram à revolta. Quando ele mesmo entrou em batalha, foi derrotado, em Antióquia, em 8 de junho de 218 D.C e tentou fugir para a Itália e foi executado na Capadócia.

O Senado Romano, sem alternativa, acabou reconhecendo formalmente Elagábalo e ele assumiu o nome oficial de Marco Aurélio Antonino Augusto,  em uma tentativa de legitimar a sua suposta condição de descendente de Caracala (que por sua vez procurara difundir a crença, muito pouco provável, de que ele era descendente do imperador Marco Aurélio).

Não obstante  se tenha inaugurado,  com Trajano,  cidadão romano nativo da Espanha,  a possibilidade de que cidadãos nativos de outras províncias que não a Itália assumissem o trono, com certeza a ascensão de Elagábalo deve ter espantado Roma.

Afinal, Elagábalo era sacerdote de uma religião estrangeira de origem semítica (o povo de Emesa falava aramaico, a mesma língua falada por Jesus Cristo). Ainda que os romanos cultuassem vários deuses estrangeiros, tais como, por exemplo, a egípcia Ísis, estas eram divindades que não ofuscavam as tradicionais do Panteão Romano, pois normalmente elas eram passíveis de associação ou assimilação.

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Antes mesmo que a comitiva de Elagábalo chegasse a Roma, a mãe dele, Júlia Soêmia, já havia mandado para a capital um grande retrato pintado de Elagábalo vestido com os trajes de sumo-sacerdote,  o qual foi pendurado em cima do Altar da deusa Vitória, na Cúria do Senado Romano (cujo prédio ainda existe, no Fórum Romano). para que os romanos fossem se acostumando com o fato de serem governados por um sacerdote estrangeiro…

Enquanto isso, a comitiva parou em Nicomédia para passar o inverno. Lá, segundo as fontes, Elagábalo entregou-se à prática de vários rituais orgiásticos característicos de sua religião, os quais desagradaram às tropas. Houve até o início de uma revolta, mas ela acabou suprimida.

Entretanto, o poder agora baseava-se na riqueza e influência dos sírios, que foram instalados nos postos chaves. Comazon,  o correligionário de primeira hora, recebeu o posto de Prefeito Pretoriano e ela ainda seria duas vezes cônsul. A mãe do novo imperador, Júlia Soêmia, e  a sua tia, Júlia Maesa, foram declaradas “Augustas”. Mais surpreendente, as duas seriam, um pouco mais tarde, as primeiras e únicas mulheres a serem admitidas no Senado Romano. E Júlia Maesa ainda receberia o título de “Mãe do Senado”.

Elagábalo também trouxe junto com ele da Síria a Pedra Negra do Templo de El-Gabal em Emesa para Roma, onde, para guardá-la, mandou construir um templo, chamado de “Elagabalium“, na colina do Palatino (foram cunhadas moedas mostrando a pedra). Ele também mandou retirar várias relíquias de templos ancestrais da Cidade Eterna e transferi-los para o Elagabalium.

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(Ruínas do terraço do Elagabalium, em Roma, e maquete mostrando sua provável aparência)

 

O deus Elagábalo foi associado ao “Deus Solis Invictus“, para identificá-lo como o Deus-Sol, cujo culto vinha crescendo desde a virada do século III.

Em uma grande demonstração de falta de respeito para com a tradicional religião romana, Elagábalo se casou a virgem vestal Aquília Severa, o que muito escandalizou os romanos, já que essas sacerdotisas deveriam permanecer virgens durante os seus 30 anos de serviço. Mais grave ainda, a lei romana previa a pena de morte, tanto para aquele que tivesse deflorado uma virgem vestal, como para esta própria.

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(Denário cunhado durante o reinado de Elagábalo, com a efígie de Aquília Severa)

Pressionado pelo escândalo,  Elagábalo se divorciou de Aquília e se casou com Anna Aurelia Faustina, uma descendente do imperador Marco Aurélio.  Ele teria cinco esposas no total, em sua curta vida (sua primeira esposa foi a aristocrata Júlia Cornélia Paula, um casamento arranjado por sua mãe, após a sua ascensão ao trono, tendo dela se divorciado para se casar com a vestal Aquília).

Entretanto, segundo as fontes,  a maior paixão de  Elagábalo foi o seu escravo Hierócles, um condutor de carruagens a quem ele chamava de marido. Consta que Elagábalo, certa vez, teria dito, a respeito do rapaz: “ Eu tenho muito prazer em ser sua amante, sua esposa e sua rainha“.

Embora alguns historiadores modernos sustentem que as fontes antigas exageraram os fatos acerca dos imperadores, especialmente de Elagábalo, o fato é que Cassius Dio, a História Augusta e Herodiano (os dois últimos, de fato, fontes frequentemente não confiáveis), convergem para afirmar a ocorrência desses comportamentos de Elagábalo.

Narra-se, por exemplo, que Elagábalo se apresentaria em público vestido de mulher, maquiado e com os olhos pintados. E ele teria também mandado depilar o seu corpo inteiro e até procurado um médico para fazer uma espécie de operação de mudança de sexo, visando fazer um órgão genital feminino em si mesmo, o que o tornaria, até onde se sabe, o primeiro governante transexual da História.

Outro companheiro de Elagábalo teria sido Aurelius Zoticus, no colo de quem, reclinado, o imperador chegava até a fazer as refeições. Todavia, consta que Hierócles, ciumento do rival, conseguiu, através de um médico, um tipo de medicamento que  causava impotência, fazendo com que, diluído em alguma bebida, fosse servido a Zoticus, que, sem poder mais satisfazer os desejos do imperador, foi mandado embora do Palácio.

E Elagábalo de fato, segundo as fontes, apreciava ser surpreendido por Hierócles enquanto mantinha relações sexuais com outros homens, ocasião em que se comprazia ao ser castigado fisicamente pelo seu companheiro traído.

Outra prática escandalosa de Elagábalo, relatada pelos historiadores antigos, era o seu costume de se prostituir no próprio Palácio, colocando-se nu atrás de uma cortina, cobrando para praticar sexo com os homens que se deitavam com ele (no que talvez fosse um ritual da religião de El-Gabal, pois vários cultos semíticos incluíam a prostituição sagrada).

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(Representação artística do rosto de Elagábalo com base nos seus retratos que sobreviveram)

 

Em algum momento, Júlia Maesa percebeu que a crescente rejeição a Elagábalo pela sociedade romana, e, sobretudo, pelos militares romanos, colocava em perigo a própria posição da família. Ela também percebeu que os seus reiterados excessos sexuais eram encorajados pelo fervor religioso dele e de sua filha, Júlia Soêmia, a mãe do imperador, no culto a El-Gabal.

Júlia Maesa então aproximou-se de sua outra filha, Júlia Maméia, que também tinha um filho, Severo Alexandre, então com 13 anos de idade. A influente Júlia Maesa conseguiu persuadir Elagábalo a nomear seu primo Severo como seu herdeiro, dando-lhe o título de “César”. Naquele mesmo ano, 221 D.C, Elagábalo e Severo exerceram o consulado.

Contudo, percebendo o entusiasmo que a nomeação de  Severo Alexandre provocou nos soldados da Guarda Pretoriana, há muito incomodados com os seus excessos, Elagábalo resolveu anular sua decisão e revogar os títulos concedidos ao seu primo. Contudo, essa decisão fez o  público e as tropas se alvoraçarem temendo pela vida do menino.

Os Pretorianos demandaram a presença de Elagábalo e Severo no Castra Pretoria, devido aos rumores de que Severo pudesse ter sido assassinado. É possível que o motim tenha sido instigado por Júlia Maesa e Júlia Maméia.

Quando o imperador e seu primo apareceram, os guardas começaram a saudar Severo Alexandre, ignorando Elagábalo, que furioso, teria ordenado a prisão dos simpatizantes do primo. Essa ordem, por sua vez,  enfureceu ainda mais a tropa, que imediatamente atacou o palanque e perseguiu Elagábalo e sua mãe, os quais tentaram fugir. Júlia Soêmia tentou proteger o filho, abrançando-o, mas ambos acabaram mortos e decapitados. Os corpos deles foram arrastados pelas ruas e o de Elagábalo foi jogado no Rio Tibre. Nos dias seguintes, várias pessoas associadas a Elagábalo foram mortas, incluindo Hierócles. A Pedra Negra foi imediatamente mandada de volta para Emesa, e provavelmente ela só não foi destruída porque os romanos eram notadamente um povo supersticioso, e também para não causar desnecessário descontentamento entre a população de Emesa.

 

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(Severo Alexandre, primo de Elagábalo e seu sucessor no trono imperial)

Elagábalo morreu com a idade de dezoito anos. Com apenas cerca de quinze anos ele fora feito imperador pela mãe e pela avó. Ele é descrito pelos historiadores como travesti, transexual ou mesmo transgênero.

Entendemos que é difícil avaliar o comportamento sexual e a moral dos antigos pelos padrões modernos, e nem devemos utilizar exemplos da antiguidade para justificar ou condenar aspectos das sociedades atuais. Certamente, o que era considerado comportamento “normal” ou padrão socialmente aceito pelos romanos é diferente do vigente nos dias de hoje. Heterossexualidade e homossexualidade para os romanos eram conceitos vagos comparados com as nossas definições atuais. Imperadores considerados “bons” pelos historiadores romanos, como Trajano e Adriano, notoriamente sentiam atração e tinham relações sexuais com jovens rapazes, sem que isso tenha comprometido a sua reputação. No máximo, como vemos em Dion Cássio sobre Trajano, isso era mencionado de passagem, como uma curiosidade e uma ponta muito sutil de ironia. A censura moral dos autores antigos aos imperadores sobre este tema, é feita muito mais ao desregramento ou à luxúria desenfreada, ou, ainda, à efeminação caricatural, pois eles esperavam de um imperador uma aparência marcial e um comportamento masculino, característica essa que não era manchada pelo fato deles fazerem sexo com rapazes, desde que eles assumissem a posição ativa.

É provável que muitas das passagens sexualmente escandalosas do reinado de Elagábalo,  mencionadas nas fontes antigas,  estejam ligadas ao culto de El-Gabal, divindade frequentemente associada à Baal, cujo culto parece ter incluído ritos de prostituição sagrada masculina (os kadesh, citados na Bíblia Judaica) e também castração de sacerdotes. Note-se que isso se parece um pouco com os vícios aos quais os autores romanos aludem em suas obras e poderia explicar também a aparência feminina de Elagábalo.

O único erro que poderia ser imputado a Elagábalo é não ter percebido o choque cultural que a reunião, em uma mesma pessoa, dos papéis de imperador e sumo-sacerdote de uma religião tão estranha aos costumes italianos como era a sua causou na sociedade romana. Convenhamos que esperar essa consciência de um menino sírio que foi feito imperador aos quinze anos pelas manobras da mãe e da avó seria demasiado,  mesmo nos tempos atuais.