O “BOLSA-FAMÍLIA” DE ROMA

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Em 18 de maio de 332 D.C., o Imperador Constantino, o Grande, anunciou que o povo de Constantinopla também receberia a “Cura Annonae“, isto é, os moradores fariam jus à distribuição gratuita de grãos que já era feita aos cidadãos livres da cidade de Roma.

Tal medida colocava a população pobre da “Nova Roma Constantinopolitana” (nome da nova capital) no mesmo plano de sua irmã mais velha e ilustre, a velha Roma, onde essa política era exercida desde a velha República, variando, ao longo do tempo, entre a distribuição gratuita de trigo (e de outros gêneros alimentícios, como carne salgada e azeite) e a venda desses itens a preços subsidiados. 

Oitenta mil cidadãos de Constantinopla ganharam o direito ao donativo (em Roma eram 200 mil).

Na cidade de Roma, a existência de uma ração de trigo fornecida pelo Estado remonta a 440 A.C., quando foi nomeado um Prefeito da Anona (Praefectus Annonae).

Observe-se, contudo, que durante muito tempo, a Anona foi somente uma medida emergencial, para fornecer alimentação em tempos de secas ou crises excepcionais de abastecimento.

A Anona era personificada como uma deusa e a distribuição dos grãos era feita no vetusto Templo de Ceres, construído em 493 A.C., na colina do Aventino, próxima ao Circo Máximo.

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(Templo de Ceres, no sopé do monte Aventino)

Posteriormente, com a progressiva concentração da terra nas mãos de grandes latifundiários, enriquecidos pelas conquistas romanas (um fenômeno que contribuiu para o aumento do proletariado e o decorrente crescimento da população urbana de Roma), a facção dos Populares no Senado Romano passou a defender o fornecimento permanente de grãos aos cidadãos livres de Roma, vendidos a preços subsidiados.

Assim, a Prefeitura da Anona ficou encarregada de coletar os tributos pagos em gêneros, como era o caso do trigo, e vendê-las a preço baixo para a população pobre da cidade.  Os irmãos Graco, que ocuparam o cargo de Tribuno da Plebe, defenderam essa política, e Caio Graco fez promulgar, em 123 A.C., uma  lei específica nesse sentido.

A Anona passou a ser, a partir de então, um elemento praticamente obrigatório na plataforma de todos os políticos que pretendiam os votos do cada vez mais numeroso proletariado romano com direito ao voto.

Em 58 A.C., o político Clodius Pulcher (Clódio), talvez o mais populista de todos os integrantes da facção dos Populares, após ser eleito Tribuno da Plebe, conseguiu aprovar uma lei instituindo o fornecimento gratuito de trigo para praticamente todos os plebeus de Roma, o que implicou em grande aumento das despesas públicas.

Já o Ditador Júlio César, após assumir o poder supremo, legislou de modo a tornar a Cura Annonae mais restrita e organizada. Assim, ele ordenou a realização de um censo, e o número de beneficiários foi recalculado, arrolando-se um número menor de beneficiários em relação ao que tinha sido estabelecido por Clódio. Por sua vez, o Imperador Augusto reduziu ainda mais o número de beneficiários da Anona, fixando-o em duzentos mil cidadãos.

Durante o início do Império Romano, o responsável pela administração da Anona era o “Curator Alimentorum“, que era um dos mais importantes postos da nova burocracia imperial, encarregado da execução de uma dos pilares da política dos imperadores, que inclusive ficaria conhecida como Política do “Pão e Circo“, inspirada na expressão utilizada pelo poeta Juvenal, que criticava a estratégia dos Césares ao usurparem a soberania popular em troca de comida e de espetáculos.

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A partir do reinado do imperador Septímio Severo, foi incluída na Anona a distribuição de azeite grátis. Posteriormente, o imperador Aureliano passou a distribuir, em vez de trigo, os próprios pães já assados, juntamente com rações de sal, carne de porco, na forma de toucinho,  e de vinho, por um preço baixo (mas, às vezes, estes também eram distribuídos gratuitamente).

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(Denário de Nero, mostrando a figura simbólica da Anona, foto de Classical Numismatic Group, Inc)

Para o sucesso e continuidade da Cura Anonnae era fundamental a existência de excedentes agrícolas, bem como de uma rede logística adequada. Note-se que os arredores da cidade de Roma, e mesmo a península italiana como um todo, não geravam excedentes para alimentar a população de Roma, que nos tempos de Augusto já tinha cerca de um milhão de habitantes.

Além disso, a antiga tecnologia romana de transporte de carga por animais por via terrestre não permitia que a quantidade necessária fosse transportada pelas estradas. Com efeito, os Romanos não conheciam o arnês de coleira, de modo que o sistema de arreios que eles usavam não permitia que os bois levassem muita carga, pois eram sufocados pelo tipo de cangas que eles usavam.

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Todavia, as regiões que produziam abundante excedente agrícola, inicialmente a Sicília e, tempos depois, o Egito e a África do Norte, eram todas ligadas à Roma por via marítima. Desse modo, o Império Romano organizou um sistema de armadores e afretadores marítimos e fluviais (navicularii), que eram empresários particulares, mas rigidamente controlados pelo Estado, construiu gigantescos portos, tais como o de Óstia, e também armazéns para possibilitar o transporte e a armazenagem dos grãos, além de grandes complexos de moinhos.

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Estima-se que a Anona, em Roma, requeria o fornecimento  da descomunal quantidade de 600 milhões de libras de trigo, que deveria ser transportada, armazenada e distribuída na Cidade.

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(Porto de Óstia, na foz do Rio Tibre, reconstituição e foto aérea das ruínas)

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