Em 11 de julho de 472 D.C, o imperador romano do Ocidente, Antêmio, após tentar se refugiar na antiga Basílica de São Pedro, na colina do Vaticano, em Roma, foi capturado e decapitado por Gundobado, o Burgúndio, sobrinho do general bárbaro a serviço de Roma, Ricimero.

ANTECEDENTES E CARREIRA DE ANTÊMIO
Procópio Antêmio era filho de Procópio (Vamos chamá-lo aqui de Procópio Pai), um general que ocupou o posto de Marechal do Império Romano do Oriente para as províncias orientais (Magister Militum per Orientem). Procópio Pai, por sua vez, era descendente de outro Procópio (ao qual chamaremos aqui de Procópio, o Velho), que era primo do imperador romano Juliano (cognominado “o Apóstata“, pelos historiadores cristãos), e, após a morte deste na fracassada expedição contra o Império Persa, em 363 D.C (da qual Procópio, o Velho participou e, por motivos até hoje ignorados, não conseguiu unir a sua coluna à expedição comandada pelo imperador). Após a morte súbita de Joviano, o sucessor de Juliano, e a ascensão de Valentiniano I e do irmão dele, Valente, respectivamente, ao trono da Parte Ocidental e Oriental do Império Romano, este Procópio, o Velho se autoproclamou Imperador, tornando-se, assim, um usurpador, mas foi derrotado, capturado e executado, em 366 D.C. Portanto, considerando que Juliano era sobrinho do Constantino, o Grande, pode-se considerar que Antêmio era um dos últimos integrantes, ainda que distante, da prestigiosa dinastia constantiniana.
Por parte de mãe, Antêmio era neto de outro famoso Antêmio (vamos chamá-lo aqui de Antêmio, o Velho), o Prefeito Pretoriano do Oriente (404 a 415 D.C) que, após a morte do Imperador Romano do Oriente, Arcádio, em 408 D.C, na prática foi o regente e virtual governante de metade oriental do Império Romano durante a infância do sucessor deste, Teodósio II. Neste papel, Antêmio, o Velho foi o responsável pela construção das inexpugnáveis Muralhas Teodosianas, que protegeriam a capital por mais de um milênio. A família dos Antêmios estava solidamente estabelecida no seio da aristocracia romana oriental, pois Flavius Philippus, o avô de Antêmio, o Velho, também havia sido Prefeito Pretoriano do Oriente, em 346 D.C, e Cônsul, em 348 D.C., durante o reinado do imperador Constâncio II.

Não se sabe o ano exato que Antêmio nasceu, mas deve ter sido durante o início da década de 420 D.C, época em que seu pai ocupou cargos importantes e se casou com sua mãe, que era filha do poderoso Antêmio, o Velho.
Com tamanho “pedigree“, não espanta que Antêmio tenha recebido uma excelente formação, seguindo a tradição dos jovens da aristocracia romana: ele foi enviado para estudar em Alexandria na famosa escola do filósofo neoplatônico Proclo, que também era retórico, astrônomo e matemático.
Em 453 D.C, Antêmio casou-se com Eufêmia, filha única do imperador romano do Oriente, Marciano. O imperador nomeou Antêmio Comes rei militaris, ou seja, Comandante dos Comitatenses, um dos postos militares mais importantes do Império, abaixo apenas do Magister Peditum e do Magister Equitum (Marechal da Infantaria e Marechal da Cavalaria) e enviou-o para a fronteira do rio Danúbio, com a tarefa de reconstruir as fortificações. No ano seguinte, Antêmio foi chamado de volta a Constantinopla, onde recebeu o título de Patrício e, em seguida, foi nomeado Magister Utriusque Militari (Comandante-em-Chefe da Infantaria e da Cavalaria). Para completar, em 455 D.C, ele foi escolhido para ser Cônsul, tendo o imperador romano do Ocidente, Valentiniano III, como colega, situações que deixavam claro que Antêmio estava sendo escolhido por Marciano como seu sucessor. Na verdade, parece que Marciano chegou a considerar nomear Antêmio como novo imperador romano do Ocidente, após o imperador Avito ser deposto, em outubro de 456 D.C, pelo general de origem suevo-visigótica Flávio Ricimero, o homem-forte do governo ocidental, e, posteriormente, morto, não se sabe ao certo se assassinado ou de causas naturais.

Entretanto, em 27 de janeiro de 457 D.C, o imperador Marciano morreu, de gangrena (ele tinha uma inflamação na perna que o impedia de caminhar direito, sem que ele tivesse expressamente escolhido o seu herdeiro.
Embora Antêmio fosse um candidato natural à sucessão, naquele momento, quem controlava o exército do Império Romano do Oriente era o marechal Flavius Ardaburius Aspar (Áspar), que vinha sendo o homem-forte da metade oriental do Império desde antes de 430 D.C, e que já tinha colocado Marciano, que havia sido seu subordinado no Exército Romano por 15 anos, no trono, em 450 D.C. Sendo de origem bárbara, mais propriamente, alano-gótica, Áspar não poderia assumir o trono ele mesmo, então ele precisava nomear algum romano legítimo que ele pudesse controlar.

E o escolhido de Áspar foi Leo Marcellus (Leão), um militar que ascendeu até o posto de Tribuno dos Mattiari (um regimento do Exército Romano cujos soldados eram especializados no uso da “mattea”, ou seja, maça), cargo em que ele ficava diretamente subordinado à Áspar. Assim, em 07 de fevereiro de 457 D.C.. em Constantinopla, Leão I foi coroado Imperador Romano do Oriente.

Todavia, Leão não se mostraria tão dócil e subserviente como Áspar planejou que ele seria. Astucioso e determinado, o novo imperador, ao longo dos anos, começou a recrutar soldados de origem isáuria (um povo semi-romanizado que vivia na Anatólia, no interior da atual Turquia) e com eles formou uma guarda imperial, chamada de Excubitores (literalmente, “os que dormem do lado de fora do leito imperial”).
No ano de 460 D.C, Antêmio, que mantivera o posto de Magister Militum, derrotou uma incursão dos Ostrogodos liderados pelo rei Valamir, na Ilíria. E, entre o final deste ano e o ano seguinte, ele derrotou uma incursão de Hunos, que haviam tomado a cidade de Serdica (atual Sofia, capital da Bulgária), após sitiá-la. Nenhuma dessas vitórias chegou a ser definitiva, pois sabe-se que Leão concordou em pagar 300 libras de ouro aos Ostrogodos pela paz.
A SITUAÇÃO NO IMPÉRIO ROMANO DO OCIDENTE
Enquanto isso, o trono do Império Romano do Ocidente continuava vago, após a deposição e posterior morte de Avito, que, acredita-se, tenha ocorrido entre o final de 456 D.C e o início de 457 D.C.
Os responsáveis pela queda e morte de Avito tinham sido os generais Ricimero e Júlio Valério Majoriano. Este último era uma figura rara naqueles conturbados tempos: um aristocrata romano que tinha seguido uma sólida carreira militar, derrotando contingentes bárbaros germânicos em algumas oportunidades. Majoriano entrou para o Exército Romano servindo sob as ordens do Marechal Aécio, que habilmente tinha comandado a estratégia militar do Império Romano do Ocidente durante 20 anos (entre 433 e 454 D.C), fazendo o possível para restaurar o poder imperial, e que, por isso, receberia a alcunha de “O Último dos Romanos”. Por sua vez, Ricimero era um general de origem germânica, de ascendência sueva e visigótica.
Entendo ser necessário agora, então, fazer uma breve digressão sobre os eventos que antecederam a supracitada vacância do trono ocidental.
Após o assassinato de Aécio, morto pelo imperador Valentiniano III em pessoa, em 454 D.C, e o assassinato deste último, vingado por dois auxiliares de Aécio, no ano seguinte, Majoriano, contando com o apoio de Ricimero, chegou a ser cogitado para suceder o imperador, mas o escolhido, com o apoio da aristocracia senatorial da Itália, foi o senador Petrônio Máximo, envolvido na trama que resultara na morte do grande comandante e também na do citado imperador. Após ser aclamado, Petrônio Máximo nomeou Majoriano para ser Comes Domesticorum (Comandante da Guarda Imperial).
O reinado de Petrônio Máximo seria breve, uma vez que a aristocracia e o populacho da cidade de Roma, indignados com a invasão dos Vândalos, que controlavam o Norte da África, liderados pelo rei Geiserico, e o cerco à cidade de Roma, que logo cairia e seria saqueada, apedrejou e linchou o imperador, em 31 de maio de 455 D.C .
Então, Ricimero, Majoriano e a aristocracia senatorial italiana não viram alternativa senão apoiar a escolha de Avito, um senador galo-romano que tinha laços estreitos com os Visigodos, naquele momento uma das poucas forças capazes de confrontar os Vândalos e outros adversários que ameaçavam o Império do Ocidente.
Entretanto, Avito, adotando uma linha que, de certo modo, era estrategicamente mais racional, mostrou-se mais preocupado em defender a sua nativa Gália de novas invasões bárbaras, mas ele dependia excessivamente das tropas visigóticas. Ele também nomeou muitos de seus conterrâneos galo-romanos para cargos importantes. A elite senatorial e o populacho de Roma ressentiram-se dessa política que entenderam como detrimental da Itália. Enquanto isso, Ricimero obteve duas vitórias navais contra os Vândalos na Sícília e na Córsega. Então, com o apoio dos senadores e da plebe romana, Ricimero e Majoriano iniciaram a rebelião que resultou na queda de Avito.

Apesar do trono ocidental igualmente, nessa oportunidade, ter ficado vago, já que inexistia um imperador reconhecido pelo Senado do Ocidente ou pelo Imperador do Oriente, Ricimero recebeu, ou melhor dizendo, se conferiu o posto de Magister Militum e o título de Patrício, que naquele tempo significava algo como grão-vizir ou shogun significariam no Império Otomano ou no Japão Feudal. Por sua vez, Majoriano também foi alçado a Magister Militum.
Por volta de abril de 457 D.C, um bando de cerca de 900 bárbaros alamanos invadiu a Itália e foi derrotado pelo Conde Burco, seguindo ordens de Majoriano. Em outros tempos, esta seria não mais que um confronto insignificante, indigno sequer de menção nas fontes, mas, na situação em que o Império do Ocidente se encontrava, foi considerado uma grande vitória, e Majoriano foi aclamado imperador pelas tropas. O acontecimento foi celebrado pelo poeta Sidônio Apolinário.
Somente em 28 de dezembro de 457 D.C, Majoriano foi formalmente declarado imperador pelo Senado Romano. Provavelmente, a demora deveu-se ao fato dos senadores estarem esperando um reconhecimento formal por parte do Imperador Romano do Oriente, como de costume. Contudo, Leão, tudo indica, ao menos inicialmente, não reconheceu Majoriano, o que é reforçado pelo fato dele ter assumido o consulado do ano seguinte sozinho, sem um colega ocidental, de acordo com as fontes orientais contemporâneas.

Majoriano seria o último imperador ocidental realmente capaz e também o último imperador ocidental a comandar exércitos no campo de batalha. Ele conseguiu, ainda que com o auxílio vital de tropas bárbaras, restaurar o controle imperial sobre o sul da Gália e boa parte da Hispânia (e também a Sicília), reduzindo os Visigodos, Burgúndios e Suevos, que já se intitulavam como reinos, ao status de Foederati (Federados, segundo a lei romana do período tardio, eram povos que recebiam por tratado a autorização de residir no interior do Império, mantendo seus chefes como rei-clientes e como súditos do Imperador, ficando obrigados a fornecerem soldados para o Exército).

Infelizmente, em 460 D.C, Majoriano sofreria um grande revés: Ele reunira uma grande frota em Cartagena para invadir o reino dos Vândalos no Norte da África, mas o astucioso rei Geiserico conseguiu destruir os navios. Se o plano tivesse dado certo, ele poderia ter representado a salvação do Império do Ocidente. Entretanto, Majoriano tinha investido recursos e reunido um exército basicamente formado por bárbaros, os quais, sem ter mais dinheiro para pagar, foi obrigado a desmobilizar. O único contingente militar significativo restante estava sob as ordens de Ricimero. Então, quando Majoriano, desmoralizado pelo revés em Cartagena, retornava para a Itália, escoltado apenas por uma pequena guarda imperial, ele foi interceptado na altura de Tortona, capturado e, após cinco dias de torturas, executado por Ricimero, em 07 de agosto de 461 D.C.
Sem mais ninguém para lhe fazer sombra, Ricimero esperou três meses até indicar o novo imperador ao submisso Senado Romano, o obscuro senador Líbio Severo, que, no entanto, não foi reconhecido por Leão. Após reinar quatro anos como imperador-fantoche, Líbio Severo foi descartado por Ricimero, que precisava do apoio de Leão para poder manter o que restava do Império do Ocidente. Não se sabe realmente se Ricimero mandou matar Líbio Severo, mas este morreu em 14 de novembro de 465 D.C.
Então, o trono ocidental ficou novamente ficou vago por um ano e meio, sendo o Império do Ocidente governado, de fato, por Ricimero.
Contudo, apesar de Ricimero ter sido a eminência parda do Império do Ocidente desde 456 D.C., e o responsável pelas nomeações dos imperadores Majoriano, Líbio Severo e, posteriormente, Olíbrio, ele mesmo, na prática, não poderia atrever-se a assumir o trono, uma vez que Ricimer era filho de Rechila, o rei dos Suevos, na Galícia e norte do atual Portugal e neto, por parte de mãe, de Wallia, rei dos Visigodos.

ANTÊMIO, IMPERADOR DO OCIDENTE
Ricimero, então, recorreu a Leão para que o imperador romano do Oriente, legalmente, indicasse o novo imperador romano do Ocidente. Leão escolheu Antêmio.
O fato é que Ricimero precisava do apoio de Constantinopla para contrabalançar a influência de Geiserico, rei dos Vândalos, que estava tentando compelir o Senado Romano a escolher Olíbrio, um senador da influente família dos Anícios, casado com Placídia, filha de Valentiniano III, que, junto com sua mãe, a imperatriz Licínia Eudoxia, e sua irmã, Eudocia, foram levadas para Cartago pelos Vândalos, após o Saque de Roma, em 455 D.C.
Como retribuição à sua aceitação de Antêmio, e também como uma provável compensação por abrir mão de colocar um outro fantoche seu no trono ocidental, Ricimero recebeu a mão de Alypia, a filha de Antêmio, em casamento.
Mas é provável também que Leão tenha tido mais um motivo para escolher Antêmio. Com efeito, este era um experiente homem público de origem tão ilustre que ele chegou até ser considerado um candidato potencial ao trono. Leão, assim, astutamente, ao tê-lo enviado para a Itália, com um exército, para fazer valer os interesses de Constantinopla no Ocidente, estava livrando-se, ao mesmo tempo, de um provável rival e pretendente ao seu próprio trono.
Desse modo, Antêmio foi proclamado Imperador em 12 de abril de 467 D.C.
Agora, pela primeira vez em várias décadas, havia a chance real de que os imperadores romanos do Ocidente e do Oriente cooperassem efetivamente para enfrentar a ameaça bárbara.

De fato, como imperador, Antêmio procurou atacar os dois maiores problemas que ameaçavam a sobrevivência do Império do Ocidente: a) a ocupação dos Vândalos na África, governados pelo astuto e competente rei Geiserico, que fazia incursões na Itália (entre as quais o Grande Saque de Roma, em 455 D.C) e em várias outras regiões na orla do Mediterrâneo, e intervinha constantemente nos assuntos do governo e, b) a expansão dos Visigodos na Gália.
Para isso, Antêmio contava com o apoio de Leão I, que também estava comprometido com uma estratégia de enfraquecimento do poder dos bárbaros e, como visto, mostrava-se preocupado com a situação do Império do Ocidente. E, sem a participação de Constantinopla, nenhum plano nesse sentido seria possível, porque os recursos materiais e humanos à disposição de Leão eram muitos superiores aos disponíveis ao imperador ocidental. Outro apoio importante seria do Conde Marcelino, um comandante militar romano que, desde a morte de seu amigo Aécio, controlava a Dalmácia e que também havia apoiado Majoriano (ele, inclusive, iria participar da fracassada campanha que este imperador havia planejado contra Geiserico e os Vândalos, em 460 D.C).

Com efeito, o fato é que, após a perda da África, em sua maior fonte de grãos, em 435 D.C., para os Vândalos, e de boa parte da Gália, a sua província mais rica, o Império do Ocidente praticamente não tinha recursos para pagar o seu exército composto, majoritariamente, de mercenários bárbaros e tribos germânicas servindo como foederati.
Ainda em 467 D.C, Antêmio planejou uma campanha contra o Vândalos, chegando a reunir uma frota, mas o mau tempo obrigou a frota a retornar ao porto.
Expedição à África
Todavia, os Vândalos haviam se tornado um problema também para o Império do Oriente, chegando a fazer incursões navais de saque até a Grécia, no coração dos domínios ocidentais, e prejudicando a navegação em todo o Mediterrâneo.
Leão, Antêmio e Marcelino então, planejaram uma gigantesca operação militar combinada das forças armadas orientais e ocidentais, em sua maior parte financiada pelo tesouro oriental, visando a esmagar os Vândalos para sempre:
Uma gigantesca frota de 1.113 navios zarpou de Constantinopla, transportando forças estimadas em 100 mil homens (há controvérsias sobre esse número), sob o comando de seu cunhado Basilisco, para atacar diretamente Cartago, a capital vândala. Concomitantemente, o general Heráclio deveria zarpar do Egito com direção à Tripolitana, e dali, marchar por terra contra Cartago. Enquanto isso, o Conde Marcellinus atacaria a Sicília e, após derrotar os invasores Vândalos lá instalados, rumaria também para Cartago.
A operação até começou bem, pois Heráclio conseguiu desembarcar em Tripolitana e Marcellinus dominou os Vândalos na Sicília. Porém, o grande erro de Leão foi ter escolhido o seu incompetente cunhado Basilisco, irmão da Imperatriz Verina, como comandante da principal ponta do ataque.
Efetivamente, Basilisco após conseguir dispersar a frota vândala na Sicília, facilmente fundeou na Baía de Cartago, mas, ao invés de imediatamente atacar Geiserico, inexplicavelmente, ele aceitou um pedido de trégua de 5 dias pedido pelo rei bárbaro. Ocorre que Geiserico aproveitou o refresco para construir novos barcos e balsas incendiárias. Como, normalmente, a sorte não ajuda a incompetência, no final da trégua, fortes ventos impulsionaram as balsas vândalas em chamas contra a frota romana e metade dela foi incendiada, na chamada Batalha do Cabo Bon. Assim,Basilisco teve que fugir com os remanescentes para a Sicília, visando se juntar a Marcelino. Este porém, logo em seguida foi assassinado na Ilha, suspeita-se, a mando de Ricimer. Já o general Heráclio, quando soube da derrota romana em Cartago, resolveu recuar de volta para o Egito.

Assim, este foi o final desastroso da campanha que poderia ter salvo o Império do Ocidente. Ela tinha sido, na verdade, uma retomada, mais ambiciosa, dos planos de Majoriano, o que mostra como os imperadores mais comprometidos com os reais interesses romanos tinham a consciência de que a reconquista da África era vital para a existência de um império ocidental viável.
Antêmio, então, teve que dirigir sua atenção aos Visigodos, que, sob a liderança do rei Eurico, tinham aproveitado o enfraquecimento militar verificado após a morte de Majoriano para se expandir pela Gália. Os provinciais galo-romanos inclusive enviaram uma embaixada ao imperador, em Roma, liderada por Sidônio Apolinário, solicitando proteção. Carente de tropas, após o desastre da expedição africana, Antêmio recrutou, em 470 D.C, um contingente de doze mil Bretões, liderados pelo rei Riothamus, para atacar Eurico, os quais chegaram a ocupar a cidade de Bourges.
Nota: especula-se que esses bretões poderiam ser remanescentes de tropas “fronteiriças” – ou limitanei- romano-britânicas, que no final do Império tinham sido rebaixadas à condição de uma quase-milícia. E que Riothamus, cujo nome na verdade seria um título, poderia ser na verdade um certo Ambrosius Aurelianus, uma liderança romano-britânica que resistiu aos invasores saxões da Grã-Bretanha, que por sua vez seria tio e antecessor do rei Arthur nas lendas e crônicas medievais britânicas.
Entretanto, os Visigodos conseguiram repelir os homens de Riothamus, obrigando Antêmio a enviar, como último recurso, uma tropa chefiada pelos generais Thorisarius e Everdingus, provavelmente chefes bárbaros a serviço do Império e pelo Conde dos Estábulos Hermianus, que foi derrotada por Eurico, por volta de 471 D.C, em uma batalha nas vizinhanças de Arles, inclusive matando o filho do imperador, Anthemiolus, que era o comandante formal da expedição.
Esses insucessos tornaram Antêmio muito mais dependente de seu general Ricimer, que, ostensivamente, já se mexia para colocar um novo fantoche no trono ocidental. Para piorar a situação, Leão, em uma Constantinopla, praticamente falida pelos custos astronômicos da expedição contra os Vândalos, naquele momento era incapaz de fornecer qualquer auxílio (segundo o historiador J.B. Bury, o impacto financeiro da expedição foi tão grande que o tesouro oriental levou mais de trinta anos para se recuperar – “History of the Later Roman Empire, vol, 1, p. 337).
O fim de Antêmio
O estopim para o conflito aberto entre Antêmio e o seu comandante-em-chefe Ricimer foi a execução do senador Romanus, amigo próximo e aliado do general bárbaro, acusado de conspiração, o que levou Ricimero a abandonar Roma acompanhado de 6 mil guerreiros, em direção a Milão, onde ficou instalado como se fosse um imperador de fato ou um rei independente.
O bispo de Pavia tentou intermediar uma trégua entre Antêmio e Ricimer, a qual durou um ano. Quando as hostilidades recomeçaram, Antêmio julgou mais seguro ir se refugiar na Basílica de São Pedro, no Vaticano, que, desde o reinado de Constantino I era a sede do Bispado de Roma.

Leão I, preocupado com a crise, resolveu mandar à Roma o senador Olíbrio, que se encontrava em Constantinopla para intermediar um novo acordo entre os adversários, além de um emissário levando uma carta para Antêmio.
Segundo uma das fontes, porém, a verdadeira intenção de Leão I era se livrar de Olíbrio, já que este era suspeito de ser aliado de Geiserico, o rei dos Vândalos, que por duas vezes, já tinha patrocinado a candidatura dele ao trono ocidental. Leão também havia, finalmente, conseguido, com a ajuda dos Excubitores e seu comandante isáurio, Tarasis Kodisa (o futuro imperador Zenão I), livrar-se de seu Magister Militum, o general bárbaro Áspar.
Contudo, os soldados de Ricimero controlavam o Porto de Roma e a carta do imperador foi interceptada. Ao ser aberta a carta, uma surpresa: Nela, Leão I dava instruções a Antêmio para executar Olíbrio assim que este chegasse à Roma, além de informar ao colega ocidental que ele havia conseguido dar cabo de Áspar, aconselhando Antêmio a fazer o mesmo com Ricimero. Não de surpreender, diante dessas circunstâncias, que o estratagema de Leão acabasse tendo efeito contrário: Em abril de 472 D.C. (data provável), Ricimer proclamou Olíbrio como novo imperador do Ocidente.
Porém, os nobres e a população de Roma ficaram do lado de Antêmio.
Seguiram-se cinco meses de combates urbanos nas ruas de Roma, com Antêmio e seus partidários entrincheirados no Palatino. Porém, quando Ricimer conseguiu cortar a rota entre o Palácio e o Porto fluvial do Tibre, interrompendo o abastecimento de víveres, Antêmio foi obrigado a ir se refugiar novamente na Basílica de São Pedro (outra fonte menciona a Igreja de Santa Maria in Trastevere). Vale citar que, entre as tropas comandadas por Ricimero, estava Odoacro, chefe da tribo dos Scirii, que poucos anos mais tarde entraria para a História como o homem que destronaria o último imperador romano do Ocidente.
Em uma última tentativa desesperada, durante o conflito, Antêmio enviou um pedido de ajuda às tropas da Gália, também compostas de mercenários germânicos, sendo que Ricimero havia feito, concomitantemente, idêntica solicitação.
Ocorre que o primeiro a atender o pedido foi Gundobado, o sobrinho de Ricimero, cognominado “O Burgúndio”, que ocupava o cargo de Magister Militum per Gallias, que veio em apoio do tio. Efetivamente, o substituto de Gundobado, Bilimer, também veio em socorro de Antêmio, mas ele foi derrotado e morto nas proximidades de Roma.
Então, em 11 de julho de 472 D.C., com seus últimos soldados desertando e sem esperança de reforços, Antêmio tentou fugir disfarçado de mendigo, refugiando-se na Igreja de São Crisógono, no bairro de Trastevere, em Roma, mas foi identificado e decapitado por Gundobado, que não deu a mínima para o fato do imperador estar refugiado em uma igreja, teoricamente um santuário que deveria ser respeitado pelo bárbaro supostamente cristão.

EPÍLOGO
Pouco mais de um mês depois da morte de Antêmio, o general Ricimero também morreria, aparentemente de causas naturais, após vomitar sangue. Durante mais de quinze anos ele tinha sido o homem mais poderoso do Ocidente, tendo seu poder apenas diminuído um pouco durante o reinado de imperadores capazes como Majoriano e Antêmio, notadamente mais sob o primeiro. Historiadores debatem se ele foi um general bárbaro leal ao Império ou, se ao contrário, apenas buscava o poder para o seu benefício imediato, ao arrepio dos interesses imperiais, e, consciente ou inconscientemente, agia a favor dos seus conterrâneos germânicos. O fato é que muitas ações de Ricimero foram apoiadas, senão estimuladas, pela aristocracia senatorial italiana. Por outro lado, o comportamento dele durante a expedição de Basilisco contra os Vândalos foi indubitavelmente nocivo ao Império.
Olíbrio ocuparia o trono ocidental apenas por alguns meses, morrendo de edema em 02 de novembro de 472 D.C., sendo sucedido por mais um imperador-fantoche, Glicério, agora alçado ao trono por Gundobado, em março de 473 D.C, que não foi reconhecido por Leão.
Sem o apoio oriental, que, diga-se de passagem, naquele momento, somente poderia se dar de maneira muito limitada, não havia muito o que qualquer imperador pudesse fazer no Ocidente: a Gália e a Hispânia encontravam-se tomadas por povos germânicos e a Ilíria era governada por um subordinado leal ao Império do Oriente.
Na prática, o Imperador do Ocidente controlava apenas a Itália, que era defendida por tropas bárbaras leais aos seus chefes, que apenas nominalmente tinham títulos de comandantes do exército romano. Para se ter uma ideia do quadro de anarquia e desagregação que grassava, durante o igualmente curto reinado de Glicério, quando recebeu a notícia da morte do pai, Gundobado preferiu deixar a Itália e partir para a Borgonha, para garantir o seu direito à sucessão do reino burgúndio. Assim, o Império Romano do Ocidente agonizava.
