Por Eduardo André
Assisti a tão esperada continuação do já clássico filme Gladiador, e, assim como fiz no texto sobre o filme original, escrevo agora sobre Gladiador 2, procurando contextualizá-lo dentro do que se sabe sobre a História de Roma. Porém, ao contrário do que fiz no primeiro artigo, escrito muitos anos depois do primeiro filme, dessa vez vou tentar ao máximo não fazer “spoilers“; mas, se o leitor preferir nada saber e não ler alguma coisa que possa interferir em ter uma experiência de ineditismo e surpresa no cinema, novamente recomendo que não leia este artigo antes de assistir a película. De qualquer modo, a leitura do artigo Maximus Decimus Meridius-Gladiador pode ser útil para melhor entender todo o contexto (é só clicar no nome).
Antes de começar, é preciso ressaltar que Gladiador II, ao contrário do filme antecessor, abandonou quase que completamente qualquer compromisso de fidelidade com os fatos históricos. Com efeito, o enredo de Gladiador I, embora apresente muitas passagens fictícias e algumas inverossimilhanças, em seu cerne não conflitava tanto do que foi relatado pelas fontes acerca dos reinados de Marco Aurélio e Cômodo, sendo que, além dos principais personagens realmente terem existido, parte considerável do que se passa na tela corresponde ao que as fontes antigas relataram sobre eles. Também por esse motivo, este artigo será escrito de uma forma bem diferente do nosso artigo anterior.
Não obstante, há também quatro personagens neste filme que não são fictícios, embora o roteiro divirja bastante do que efetivamente se sabe sobre a vida deles: são eles os imperadores Caracala e Geta, Lucilla e Macrino (que com quase toda certeza foi inspirado na figura do imperador Macrino).
Gostaria de observar que ao apontar as inconsistências entre o enredo do filme e os fatos históricos, não estou fazendo nenhuma crítica negativa ao mesmo. Cinema é entretenimento e arte, e, não se tratando o filme de um documentário, nem tendo sido externada a intenção de contar uma história real, o cineasta e o roteirista devem ter liberdade para utilizar os personagens, ainda que históricos, com finalidades dramáticas.
CONTEXTO
A trama se passa dezesseis anos após a morte de Maximus Decimus Meridius e, obviamente, do imperador Cômodo, já que, no filme, ambos morrem em combate, um contra o outro, no Coliseu. Então, considerando que o Cômodo histórico morreu em 192 D.C., o enredo do filme começaria em 208 D.C.
O filme inicia-se com um impressionante ataque de uma grande frota romana contra uma cidade não identificada situada na região da Numídia, no Norte da África, que corresponde a grosso modo à atual Argélia.
E essa é a primeira incorreção do roteiro: Em 208 D.C, a Numídia já era uma província romana fazia 250 anos. A região foi anexada entre 46 e 42 A.C. e formalmente estabelecida como província romana em 25 A.C. Era habitada pelos Númidas, um povo de etnia berbere, indígena do Norte da África, valendo citar que os Berberes ainda compõem boa parte da população do Marrocos e da Argélia, além de estarem presentes na Líbia, na Tunísia, e, obviamente, em vários outros países para os quais eles emigraram (um representante famoso, dentre inúmeros outros, desta etnia é o jogador Zidane). Antes de ser conquistada pelos romanos, a Numídia chegou a ser um reino poderoso, que, antes de ser unificado, foi aliado deles durante a Segunda Guerra Púnica, quando parte da região era governada pelo rei Massinissa. Mais tarde, os Númidas, liderados pelo rei Jugurtha, travaram uma longa guerra (112-106 A.C) contra a República Romana, que foi vencida graças ao talento dos generais Mário e Sila. Provavelmente o personagem Jubartha, que aparece como chefe militar da cidade atacada pelos Romanos no filme, é uma alusão ao rei Númida, apesar dos séculos que separam os acontecimentos reais do episódio filmado.
Na verdade, a cena inaugural do filme evoca a conquista e destruição de Cartago pelos Romanos, na Terceira Guerra Púnica, em 146 A.C. Os acontecimentos dessa guerra são vividamente descritos pelo historiador grego Políbio, em sua “História”. Efetivamente, o cerco a Cartago envolveu ataques anfíbios combinados, por mar e por terra, chegando a haver combates navais nas muralhas que protegiam o porto da grande cidade (embora seja altamente improvável que as galeras se aproximassem a ponto de bater nas muralhas, o que com certeza as incapacitaria. E os “trebuchets“, as gigantescas catapultas que aparecem na cena defendendo a cidade, ainda não existiam). Mas a invasão deu-se mesmo por terra. o fictício guerreiro Hanno, que será o personagem principal do filme e que vive na cidade atacada pelos romanos, certamente também é uma alusão aos Cartagineses: Este foi o nome de vários comandantes e homens ilustres de Cartago. Finalmente, o comportamento do general romano Marcus Acacius, também um personagem fictício, que comanda a força invasora, também evoca a narrativa do cerco e destruição de Cartago: Políbio relata que Cipião Emiliano, Cônsul de Roma e comandante da campanha, expressou seu pesar e comiseração pela sorte da Cidade e seus habitantes, chegando a derramar lágrimas pelo destino deles. No filme, o general Acacius age de maneira semelhante, pronunciando a expressão: “Ai dos Vencidos” (“Vae Victis“), que, na vida real, teria sido proferida pelo chefe gaulês Breno, quando exigiu uma grande quantidade de ouro pelo resgate da cidade de Roma, que ele havia invadido, segundo o historiador romano Tito Lívio.
OUTRAS INCONSISTÊNCIAS
1- CARACALA E GETA
Os eventos constantes do roteiro se passam durante o reinado dos imperadores Caracala e Geta.
Oficialmente, em 198 D.C, Caracala (que se chamava Marco Aurélio Antonino, sendo Caracalla um apelido, motivado pelo fato dele usar uma capa de origem gaulesa assim chamada) recebeu o título de Augusto (que significava “Imperador”) de seu pai, Septímio Severo (193-211 D.C.), que ainda reinaria por mais treze anos. Já seu irmão Geta (Públio Septímio Geta), que era 11 meses mais novo do que Caracala, foi nomeado Augusto por Severo em 209 D.C. Septímio Severo era de uma família ilustre proveniente da cidade de Leptis Magna, na atual Líbia, de origem púnica e berbere.

Portanto, embora formalmente não seja incorreto considerar que Caracala fosse imperador em 208 D.C, como mencionado no roteiro, na prática, Septímio Severo continuava sendo o imperador com total controle do Império, até a sua morte por doença em Eburacum (atual York, na Inglaterra), em 4 de fevereiro de 211 D.C., quando efetivamente o poder passou para seus dois filhos. Caracala, que na ocasião, tinha 22 anos, e Geta, de 21, Em seu leito de morte, Septímio Severo deixou o seguinte conselho para seus dois sucessores:
“Não briguem entre si, deem dinheiro aos soldados e desprezem todos os outros”.
Entretanto, as fontes antigas são unânimes sobre o fato de que Caracala e Geta odiavam-se mutuamente. Com efeito, o ódio entre os irmãos era tão grande, que, na jornada de retorno de York para Roma, ambos voltaram em caravanas separadas, sem jamais dividirem a mesma estalagem. Inclusive, após os dois novos imperadores instalarem-se em Roma, o Palácio Imperial (a Domus Severiana, no Palatino) teve que ser dividido em duas partes, não podendo os auxiliares e escravos de um ter acesso à parte do outro.
Não surpreende, assim, que Caracala, na primeira oportunidade que teve, desconsiderou o primeiro conselho do pai: Assim, em 26 de dezembro de 211 D.C, simulando um falso desejo de reconciliação com Geta, ele persuadiu a mãe deles, Júlia Domna, a convocar um encontro ente ele e o irmão. Quando Geta chegou na ala do Palácio ocupada pela mãe, um grupo de membros da Guarda Pretoriana fiéis a Caracala esfaquearam-no, e Geta morreu nos braços de Júlia Domna. Aos demais Pretorianos, bem como ao Senado e ao povo, Caracala divulgou a versão de que ele agiu em legítima defesa, e que foi Geta quem tentou assassiná-lo.
Portanto, o reinado conjunto de Caracala e Geta, de fato e de direito, durou apenas 10 meses, de 4 de fevereiro de 211 D.C até 26 de dezembro de 211 D.C.

Não satisfeito em mandar matar Geta, o vingativo Caracala quis também eliminar qualquer referência histórica ao irmão, ordenando a sua “Damnatio Memoriae“. Em decorrência, decretou-se que a imagem de Geta deveria ser apagada de qualquer monumento público, o que efetivamente foi cumprido, como se pode ver em uma famosa pintura que chegou até os nossos dias, proveniente do Egito, onde o retrato de Geta, ainda criança, junto da família imperial, foi apagado.

Este retrato nos permite notar que Caracala, assim, como seu irmão, deviam ser bem diferentes dos atores que os personificaram no filme, pálidos e ruivos. Não obstante, o historiador Herodiano relata que Caracala tinha o costume de usar uma peruca loura, supostamente pelo fato dele apreciar os Germânicos, e talvez por ser um tanto calvo.

Em seguida ao assassinato do irmão, Caracala, não satisfeito, mandou executar toda e qualquer pessoa que tivesse alguma ligação com Geta, incluindo libertos, escravos, atores e até mesmo alguns senadores. De fato, mesmo antes do falecimento de Septímio Severo, a personalidade de Caracala já denotava alguns traços do que eu considero ser psicopatia: por exemplo, ele odiava Plautianus, primo e auxiliar próximo de seu pai, e, quando Septímio fez com que ele se casasse com Fulvia Plautilla, a filha de seu desafeto, Caracala, prometeu que mataria este e a própria esposa, uma vingança que ele não demorou a obter, implicando o sogro em uma conspiração provavelmente fabricada contra o imperador. motivo pelo qual Plautianus foi executado por soldados subordinados a Caracala. A pobre Plautilla foi exilada para a remota ilha de Lipari, e prontamente executada assim que Caracala assumiu o trono, logo após a morte de seu pai.
O reinado de Caracala caracterizou-se pela excessiva atenção dada ao Exército, tendo os soldados recebido um expressivo aumento nos soldos, que acabou comprometendo o equilíbrio fiscal do Império, obrigando o imperador a desvalorizar a moeda. Nisto, ele parece ter seguido à risca o segundo conselho deixado por seu pai…
Tanto era o seu desejo de agradar aos militares, que Caracala chegava a marchar junto com a tropa, carregando equipamento e estandartes, dormia nas barracas, e até mesmo, fazia as refeições junto com os legionários, comendo com eles o mesmo rancho. Enquanto isso, os assuntos relativos à administração civil e legal do Império foram deixados à cargo de sua mãe, Júlia Domna, com o auxílio de seus libertos.
Todos os retratos de Caracala revelam o propósito dele se apresentar ao povo romano como um governante marcial, másculo e implacável, por isso, a expressão dele nas estátuas era sempre a de um homem sisudo, bem diferente do que se vê no filme.

Segundo os relatos, Caracala logo tornou-se impopular para o povo e para o Senado Romano, e, como não é de surpreender, apenas os soldados o idolatravam. Ele até comandou algumas campanhas militares bem-sucedidas, mas, em muitas ocasiões mostrou-se colérico e sanguinário, e imprevisível, o que acabou atemorizando até mesmo seus auxiliares mais próximos.
Então, em 8 de abril de 217 D.C, no decorrer de uma campanha militar contra o Império Parta, no Oriente, Caracala foi assassinado por um soldado, Julius Martialis. O regicídio ocorreu quando a comitiva de Caracala se dirigia para a cidade de Carrhae, no sul da Turquia. No meio do caminho, o imperador mandou a caravana parar e foi urinar no mato, momento em que Martialis o esfaqueou pelas costas e fugiu, apenas para ser perseguido e morto pelos guarda-costas do imperador. Para muitos historiadores, isso foi uma queima de arquivo, e o principal suspeito de ser o mandante foi o Prefeito Pretoriano, Marcus Opellius Macrinus (Macrino). Mais detalhes sobre o reinado de Caracala podem ser lidos no nosso artigo sobre este imperador (clique no nome).
2- MACRINO
Estou convicto de que a principal inspiração para o personagem Macrino, de Gladiador 2 foi Marcus Opellius Macrinus, que se tornaria o imperador romano Macrino. Apesar disso, o leitor que assistiu ao filme notará que há diferenças entre a trajetória do personagem o da figura histórica que o inspirou. No filme, Macrino é interpretado por Denzel Washington, em mais uma grande atuação.
Segundo o historiador Cássio Dião (Epítome do Livro 79, Macrino nasceu na cidade de Caesarea (atual Cherchell, na Argélia), na província romana da Mauritania Caesariensis. Ele é descrito como um Mouro, o que significa que provavelmente Macrino era de origem berbere, e seus pais, por sua vez, como sendo de “origem obscura”, significando que não se sabia nada sobre a condição social deles. Inclusive, como evidência de sua origem Moura, o historiador menciona que Macrino tinha uma de suas orelhas furada, presumivelmente para usar um brinco ou outro adorno, o que seria um costume dos Mouros.

As fontes relatam que, em algum momento de sua vida, Macrino adquiriu um respeitável conhecimento da legislação e jurisprudência romanas, chegando a exercer a advocacia, uma atuação que chamou a atenção de Plautianus, o desafortunado sogro de Caracala, que o contratou para ser ser seu secretário particular. Conseguindo escapar da desgraça de Plautianus, ainda durante o reinado de Septímio Severo, o promissor Macrino foi nomeado Superintendente (Curator) da Via Flamínia, uma estrada importante estrada que ligava Roma à Rimini. Certamente, este era um posto que dava visibilidade política e também permitia ao seu titular amealhar bastante dinheiro, de acordo com as práticas romanas.
Durante o reinado de Caracala, a carreira de Macrino continuou em ascensão, e, após ser nomeador para um cargo não especificado de Procurador, muito provavelmente um cargo de Procurator Augusti, administrando a arrecadação de tributos ou Fiscus (rendas e patrimônio da casa imperial), pois sabemos que Macrino recebeu o anel de ouro que simbolizava o pertencimento à classe dos Equestres (status social que vinha abaixo da nobreza senatorial), sendo que os referidos cargos eram exclusivos deste grupo. De acordo com Cássio Dião, esses cargos foram exercidos por Macrino com eficiência e correção.
Contudo, a História Augusta, uma coleção de biografias imperiais escrita por volta do século IV D.C., e considerada não muito confiável pelos historiadores modernos, devido a vários erros factuais e algumas contradições, apresenta uma versão mais deletéria da vida de Macrino, citando outros autores, não obstante o próprio texto faça questão de advertir que são relatos duvidosos.
Assim, de acordo o que a História Augusta menciona como afirmações feitas por um suposto historiador chamado Aurelius Victor, Macrino, durante o reinado de Cômodo (180-192 D.C.), era um escravo liberto e um “prostituto público”, encarregado de tarefas servis no Palácio, sendo também corrupto. Posteriormente, já no reinado de Septímio Severo, Macrino teria sido banido para a África pelo referido imperador, província onde ele se dedicou a estudar, começando por defender pequenas causas perante os tribunais, dedicou-se à Oratória e finalmente teria tornado-se magistrado. Então, Festus, um outro liberto que tinha sido colega de Macrino, conseguiu que este recebesse o anel de Equestre e, sob Verus Antoninus (um erro crasso do autor da História Augusta, já que Macrino sequer havia nascido quando Lucius Verus foi imperador, sendo que ele provavelmente quis se referir a Caracala, cujo nome era Marcus Aurelius Antoninus) foi nomeado Procurador do Fisco.
E a História Augusta ainda cita outras passagens sobre a vida de Macrino, provenientes de outros autores não identificados, os quais mencionaram que ele teria chegado a lutar na arena como gladiador-caçador (isto é, um venator, tipo de gladiador que capturava feras e outros animais selvagens na arena, além de se apresentar como domador, fazendo-os performar truques) sendo que, após receber o diploma honorário de dispensa da profissão, ele mudou-se para a Província Romana da África.
De qualquer modo, as fontes concordam que Macrino exerceu o cargo de Procurador com zêlo e confiabilidade suficiente para fazer com que Caracala o nomeasse Prefeito Pretoriano, em 214 D.C., tornando-se um dos comandantes da Guarda Pretoriana. Este era um posto que inicialmente compreendia apenas o comando da Guarda, mas que, no decorrer do período imperial foi sendo expandido para abranger também o comando das tropas da Itália e outras unidades mais próximas ao imperador. Posteriormente, tornaria-se um dos cargos mais importantes da administração civil, de certa forma análogo ao de um primeiro-ministro ou grão-vizir. Normalmente, eram dois os Prefeitos Pretorianos, mas, sob Caracala, chegaram a haver três simultaneamente, sendo, um deles, Macrino. O outro era Marcus Oclatinius Adventus, que também havia sido anteriormente Procurator Augusti, algo que talvez demonstre um padrão nas nomeações de Caracala. Observe-se que, pela tradição, o cargo de Prefeito Pretoriano também era destinado à homens pertencentes à Classe Equestre.
Apesar da nomeação, Macrino parece não ter gozado da estima do imperador, que, segundo Herodiano, chegou a criticá-lo por ser adepto demais da boa mesa e também por ser efeminado.
Para não nos alongarmos muito, cumpre relatar que Macrino, na condição de Prefeito Pretoriano, acompanhou, juntamente com seu colega Adventus, Caracala na expedição contra os Parta. Durante a expedição, Flavius Maternianus, que havia ficado em Roma para comandar os Guardas durante a campanha, teria enviado uma carta a Caracala relatando que um vidente teria tido uma visão em que Macrino seria o novo imperador. Entretanto, Macrino, que já estava preocupado com a má disposição que o imperador vinha demonstrando contra ele, teve acesso primeiro à correspondência e, após ler a carta, removendo-a do malote, compreendeu que certamente seria executado se a profecia chegasse ao conhecimento de Caracala.
Assim, visando salvar a própria vida, Macrino abordou o soldado Julius Martialis, integrante da guarda pessoal do imperador, com quem ele tinha uma ligação próxima, o qual estava insatisfeito com Caracala pelo fato deste ter mandado executar injustamente o irmão dele, também soldado e convenceu-o a executar o imperador, da maneira já narrada no tópico antecedente.
Dois dias após o assassinato, e sob a iminência do exército ser atacado pelos Partas, as tropas aclamaram Macrino imperador. Vale observar que, antes, a coroa foi oferecida a Marcus Adventus, porém este recusou, alegando estar muito velho.
Importante notar que Macrino foi o primeiro imperador romano não oriundo da classe senatorial, em quase 250 anos de período imperial. Em uma sociedade marcadamente classista e estratificada como a romana, até aquele período, certamente era uma condição capaz de diminuir a legitimidade do imperador. Não obstante, Caracala era tão detestado pelo Senadores que a notícia da aclamação de Macrino foi bem recebida e confirmada pelo Senado Romano.
Em seguida, Macrino concluiu uma paz com os Partas, mas, ao invés de desmobilizar o Exército reunido para a campanha, mandando-o de voltas para os seus quartéis nas fronteiras, e voltar para Roma, ele preferiu ficar em Antióquia, decisão que foi considerada um erro. Ali, Macrino ficou um tempo desfrutando de luxo e prazeres, vestido com roupas luxuosas e extravagantes, o que, aparentemente, dá alguma pista de que as mencionadas críticas de Caracala não seriam infundadas.
Então, os soldados passaram a sentir nostalgia de Caracala, que se comportava como um deles. Além disso, a crise fiscal ocasionada pelo aumento dos gastos militares necessitava de medidas urgentes. Macrino, então, decidiu que os novos recrutas do Exército receberiam um soldo menor do que os já engajados. A idéia era não desagradar os soldados já em exercício, mas isso acabou sendo percebido como uma antecipação de futuros cortes nos soldos deles.
A insatisfação das tropas com Macrino não passou despercebida às influentes mulheres da família de Caracala. A imperatriz Júlia Domna havia morrido, de câncer no seio, pouco depois dele assumir o trono. Macrino, então, ordenou que a irmã dela, Júlia Maesa, deixasse Roma e voltasse para a cidade natal delas, Emesa, na Síria, junto com suas filhas, Júlia Soêmia e Júlia Maméia, e seu neto, Sextus Varius Avitus Bassianus, que ficaria conhecido como Elagábalo (ou Heliogábalo), filho da primeira.
Ocorre que Macrino permitiu que Júlia Maesa mantivesse com ela a imensa fortuna que a família, que já era riquíssima pelo fato de governarem a cidade e chefiarem o culto ao deus El-Gabal, tinha amealhado durante mais dos 20 anos em que fizeram parte da família imperial. Certamente, este dinheiro facilitou que Júlia Maesa convencesse os soldados da III Legião Gallica, cujo quartel ficava próximo à Emesa, que seu neto, considerado um adolescente muito bonito, chamado Elagábalo, em homenagem ao referido deus, era filho ilegítimo de Caracala, a quem as tropas tanto adoravam. Assim, em 16 de maio de 218 D.C, o comandante da Legião, Publius Valerius Comazon, aclamou Elagábalo imperador.
A reação de Macrino, que aparentemente não deu a importância devida à rebelião, foi nomear seu filho, Diadumeniano, de dez anos de idade, como co-imperador e enviar um destacamento comandado pelo novo Prefeito Pretoriano, Ulpius Julianus. Porém, ao chegarem ao acampamento dos rebeldes, os soldados de Ulpius, ao verem Elagábalo nos muros e as bolsas cheias de dinheiro dos revoltosos, desertaram e se uniram aos camaradas. A cabeça de Ulpius foi cortada e enviada a Macrino.

Em 8 de junho de 218 D.C, uma força comandada pelo tutor de Elagabálo aproximou-se de Antióquia. Macrino decidiu dar combate ao exército rebelde, mas, durante os combates, o imperador, descrente do resultado, abandonou o campo de batalha e voltou para Antióquia. Na cidade, contudo, estouraram tumultos e Macrino resolveu fugir em direção à Roma, e despachou Diadumeniano para que esse encontrasse abrigo entre os Partas.
Ao chegar à cidade de Calcedônia, Macrino foi reconhecido e capturado, sendo mantido em cativeiro. Por sua vez, a caravana conduzindo Diadumeniano foi interceptada na cidade de Zeugma e o menino assassinado. Quando a notícia chegou ao conhecimento de Macrino, ele tentou fugir, sem sucesso, terminando por ser também executado, ainda em junho de 218 D.C. A cabeça dele foi enviada à Elagábalo, o novo imperador.
3- LUCILLA e LUCIUS VERUS
Novamente, assim, como no primeiro filme a personagem feminina principal da sequência é Lucilla, a irmã do falecido imperador Cômodo. Em Gladiador (1), o espectador fica sabendo que Lucilla, antes ou depois de ficar viúva de seu marido, Lucius Verus (Lúcio Vero), manteve um caso de amor com o principal general de seu pai, Maximus. Mas, percebendo as intenções tirânicas de seu irmão Cômodo, a aflita Lucilla resolve colaborar com influentes senadores que se opunham ao reinado dele, e tramam restaurar a República. Em Gladiador II, novamente Lucilla é interpretada pela atriz Connie Nielsen.
Na vida real, Lucilla, cujo nome completo era Annia Aurelia Galeria Lucilla, de fato era a irmã mais velha de Cômodo (a diferença de idade entre os dois era de cerca de 12 anos) e, efetivamente, ela se casou com Lúcio Vero, que foi aclamado imperador junto com Marco Aurélio, em 161 D.C (o casamento foi celebrado em 164 D.C., ocasião em que ela tinha entre 14 e 16 anos de idade), sendo que o matrimônio durou até o marido morrer vitimado pela Peste, em 169 D.C. Como decorrência de seu casamento com Lúcio Vero, Lucilla recebeu o título de Augusta (Imperatriz), a posição máxima que uma mulher romana poderia aspirar na sociedade patriarcal romana, e todos os privilégios associados a esta posição.

Lucilla e Lúcio Vero tiveram três filhos: Aurelia Lucilla, Lucilla Plautia e Lucius Verus (mesmo nome do pai), mas a mais velha e o menino morreram ainda crianças, e somente Lucilla Plautia parece ter alcançado a idade adulta.
O imperador Marco Aurélio, após a morte de Lúcio Vero, decidiu que Lucilla deveria casar de novo, e ele escolheu para ser o novo marido dela o general Tiberius Claudius Pompeianus, um de seus auxiliares mais próximos, que comandara com sucesso as legiões da província romana da Panônia, no norte do Império, e que também derrotara invasões dos bárbaros germânicos Lombardos e Marcomanos. Conforme expusemos no artigo sobre Maximus Decimus Meridius e o filme Gladiador (clicar no nome), Tiberius Claudius Pompeianus foi a principal inspiração para o personagem fictício Maximus.
Porém, embora Pompeianus, na ocasião do casamento com Lucilla, ocorrido em 169 D.C, já fosse senador e tivesse ocupado um consulado, ele era oriundo da Classe Equestre (que pode ser considerado o segundo escalão da nobreza romana), e, portanto, seu status social era inferior ao de Lucilla, filha e parente de imperadores, e esta foi uma circunstância que desagradou tanto a noiva como a sua mãe, conforme relatado na Historia Augusta. Para piorar, Pompeianus, na ocasião do casamento, que ocorreu em 169 D.C, tinha cerca de 44 anos de idade, enquanto que Lucilla tinha por volta de 21 anos…
O principal motivo para Marco Aurélio ter resolvido casar Lucilla com Pompeianus foi o fato de que, naquele momento, seu filho do sexo masculino, Cômodo, ter apenas oito anos de idade. A chamada “Peste Antonina“, uma séria epidemia, começava a grassar em Roma e o velho imperador temia que, se ele morresse, algum senador ou general ambicioso tomasse o trono para si. Pompeianus, além de ser um general respeitado, era um amigo confiável. Inclusive, após o casamento, Marco Aurélio chegou a consultar Pompeianus se ele aceitaria ser nomeado “César”, significando ser o seu herdeiro oficial, porém, o general não aceitou. Certamente, a intenção do imperador era que, caso ele morresse subitamente, o fiel Pompeianus asseguraria que, quando Cômodo atingisse a idade adulta, este assumiria o trono.
A diferença de idade entre Pompeianus e Lucilla, contudo, não impediu que eles tivessem um filho: por volta de 176 D.C, Lucilla deu a luz a um menino, que recebeu o nome de Lucius Aurelius Commodus Pompeianus.
Marco Aurélio permitiu que Lucilla mantivesse alguns dos privilégios inerentes ao status de imperatriz após a morte de Lúcio Vero, não obstante sua esposa Faustina, a Jovem, a mãe de Lucilla, fosse, desde então, a única Augusta (Imperatriz). Entretanto, ao contrário do enredo do filme Gladiador (1), em 177 D.C, Marco Aurélio decidiu que era já hora de nomear Cômodo, agora com 15 anos (e considerado como adulto pelos costumes romanos) co-imperador, dando-lhe o título de Augusto, consagrando, assim, a posição do filho como seu sucessor natural.
Como não é de surpreender, a elevação de Cômodo afetou diretamente as expectativas que Lucilla poderia acalentar quanto às chances de seu marido, Pompeianus, vir a suceder Marco Aurélio, e, consequentemente, ela voltar a ser, novamente, imperatriz. E quaisquer anseios dela neste sentido restaram ainda mais enfraquecidos quando, em 178 D.C, seu irmão Cômodo casou-se com a rica aristocrata Bruttia Crispina, que imediatamente recebeu o título de Augusta, tornando-se a única imperatriz romana, tendo em vista que Faustina, a Jovem morreu em 175 D.C.
A verdade é que o retrato de Lucilla, pintado nas fontes antigas, mostra que, do mesmo modo que o seu irmão Cômodo, ela era uma mulher ambiciosa e sem escrúpulos.
Assim, após a morte de Marco Aurélio e assunção de Cômodo ao trono, constatando a inaptidão do irmão para governar, a ambição, o ciúme e o orgulho ferido de Lucilla causados pela sua posição inferior à da nova imperatriz Bruttia Crispina, impeliram-na a participar ativamente de uma conspiração que, em 182 D.C, tentou assassinar Cômodo.
Essa conspiração, de acordo com o relato de Herodiano, envolveu diretamente familiares e pessoas próximas à Lucilla, como a sua filha Plautia, e também vários senadores, e o seu objetivo final era assassinar Cômodo e substituí-lo no trono por Tiberius Claudius Pompeianus, o marido de Lucilla, que com isso voltaria à almejada posição de Imperatriz. Ainda segundo Herodiano, Lucilla instigou seu primo, Marcus Ummidius Quadratus Annianus, de quem ela seria amante, a dar andamento ao plano. Este, por sua vez, persuadiu um certo Quintianus, um jovem senador que seria sobrinho, ou mesmo filho do primeiro casamento de Pompeianus, a ser o executor da trama. O local escolhido foi o Coliseu.
Porém, a execução do plano foi mal feita, os guardas pretorianos prenderam Quintianus.
Com o fracasso do atentado, Quintianus e Quadratus foram imediatamente executados, e Lucilla e sua filha foram banidas para a ilha de Capri. Entretanto, antes que o ano de 182 acabasse, Cômodo resolveu mandar executar a irmã e enviou um centurião até a ilha, o qual deu cabo da tarefa e jogou o corpo de Lucilla no mar. Plautia foi poupada, assim como Pompeianus, que, tudo indica, não sabia do plano.
Desse modo, já fazia mais de 25 anos que Lucilla estava morta no ano em que o enredo de Gladiador 2 começa.
Pelo que se depreende das fontes, Lucius Verus, o filho que Lucilla teve com seu primeiro marido, cujo nome era o mesmo do filho, morreu ainda criança, embora não se saiba quando nem como (a causa mais provável seria a Peste que grassava em Roma). Ele foi a terceira criança a nascer do casamento entre os dois, sendo que a primeira, Aurelia Lucilla, nasceu em 165 D.C., sendo seguida por Plautia. Então ele deve ter nascido entre 167 e 169 D.C., ano em que seu pai morreu. Ele não deve ter chegado a idade de vestir a toga virilis, fato que marcava a chegada da idade adulta para os meninos, o que ocorria entre 14 e 15 anos, pois certamente isto teria constado nas fontes, inscrições ou algum objeto comemorativo.
Como já vimos, Lucilla teve um filho com Tiberius Claudius Pompeianus, que deve ter nascido a partir de 170 D.C, uma vez que o casamento ocorreu em 169 D.C, quando Lúcio Vero estava na Síria, e os recém-casados se encontraram em Éfeso. O menino recebeu o nome de Lucius Aurelius Commodus Pompeianus, e o mais provável é que ele tenha nascido entre 170 D.C e 177 D.C., sendo 176 D.C uma data estimada por alguns historiadores.
Ao contrário do primeiro filho de Lucilla com Lúcio Vero, seu meio-irmão, fruto do casamento dela com Tiberius Claudius Pompeianus, de nome Lucius Aurelius Commodus Pompeianus chegou a ter uma carreira pública de sucesso. Sabe-se que, durante o reinado de Septímio Severo, ele serviu como Tribuno Militar na Legião I Minervia. Provavelmente, a este imperador, que pretendia se legitimar como sucessor dos Antoninos, chegando até a auto-proclamar a sua “adoção retroativa” por Marco Aurélio, interessava demonstrar respeito pelo neto dele, como era o caso de Lucius Aurelius Commodus Pompeianus. Por isso, em 209 D.C., quando ele tinha entre 32 e 39 anos, Septímio Severo fez com que o filho de Lucilla fosse nomeado Cônsul.
Contudo, com a subida do irascível e sanguinário Caracala ao trono, a sorte de Lucius Aurelius Commodus Pompeianus estava selada: Logo após o assassinato de Geta, em 212 D.C, Lucius Aurelius, juntamente com muitos outras pessoas que tinham parentesco ou estiveram associadas aos reinados do pai dele e dos Antoninos foram assassinadas.
4- O COLISEU NO FILME
A construção do Coliseu começou em 72 D.C, no início do reinado do imperador Vespasiano (Tito Flávio Vespasiano), ficando pronto em 80 D.C, no reinado de seu filho, Tito. Acredita-se o seu nome oficial era Anfiteatro Flavio, embora isto não conste de nenhuma inscrição ou texto antigo.
O apelido “Coliseu”, do latim Colosseum (em latim: “Do Colosso”), ao contrário do que muitos podem pensar, não decorre do tamanho do anfiteatro, e sim de uma enorme estátua do imperador Nero, de mais de 30 metros de altura (ou seja, quase do tamanho do Cristo Redentor) ao lado da qual ele foi construído, e que era conhecida como “Colossus“. Assim, é bem provável que a plebe romana tenha começado a dizer que ia assistir as lutas no “anfiteatro do Colosso”, e o nome pegou.

A capacidade do Coliseu, quando estava intacto, é estimada entre 55 mil e 70 mil espectadores, alguns falando em 80 mil lugares. As 80 entradas em arco (sendo quatro maiores: uma exclusiva para o imperador e outras três para senadores e outros figurões), as escadarias e os setores eram numerados, assim como em um estádio moderno. O acesso e a saída das arquibancadas se dava, como nos estádios modernos, por túneis e aberturas chamados de vomitórios (vomitoria), e estudos mostram que o Anfiteatro poderia ser esvaziado em poucos minutos, graças ao primoroso projeto arquitetônico. Finalmente, havia um elaborado sistema de cobertura retrátil para proteger os espectadores do inclemente sol italiano, o velarium, tão complexo e de fato semelhante aos cabos e velas de um navio, que tinha que ser manejado pelos marinheiros da Frota Imperial de Misenum. Inicialmente, quando foi inaugurado, o Coliseu podia ser inundado, graças a um canal subterrâneo que trazia água de um aqueduto (sendo que um trecho deste canal ainda existe). A finalidade era encenar batalhas navais com galeras tripuladas por gladiadores e remadores, o que de fato chegou a acontecer. Neste caso, o Coliseu funcionava como uma “Naumaquia“, como eram chamados os espaços construídos para essas exibições.

Entretanto, durante o reinado do imperador Domiciano (81- 96 D.C), decidiu-se construir, embaixo da arena, um imenso labirinto de corredores e de celas para feras, e onde também havia guindastes para içamento de jaulas, criando-se um espaço subterrâneo que foi chamado de “Hipogeu” (palavra grega que tem exatamente o significado de “subterrâneo”). Com isso, o Coliseu não pôde mais ser inundado, perdendo a sua breve funcionalidade como Naumaquia. Ao que se sabe, peixes e outros animais aquáticos jamais foram exibidos neste período.
Segundo o historiador Cássio Dião, nos jogos inaugurais do Coliseu, em 80 D.C, foram mortos 9 mil animais e um número desconhecido de gladiadores. Além dos combates entre gladiadores e execuções de condenados (que podiam ser obrigados a lutar entre si até a morte ou executados de outras formas), no Coliseu eram apresentados espetáculos de caçadas (venationes) e lutas entre animas dos mais diversos tipos: elefantes, leões, tigres, ursos, javalis, e, sim, rinocerontes. Condenados à morte também podiam ser jogados a essas feras como forma de execução.
CONCLUSÃO
Comentamos, assim, os principais aspectos do filme Gladiador 2, a nosso ver, embora um bom filme, bem inferior ao primeiro. Evitamos, como já dissemos no início, falar sobre muitas cenas para não cometermos “spoiler”, já que se trata de um filme ainda em cartaz. Com o passar do tempo, iremos aprimorar este artigo. Espero que tenham “ficado entretidos”.
FIM


