GLADIADOR II – LUCIUS VERUS, CARACALA E GETA

Por Eduardo André

Assisti a tão esperada continuação do já clássico filme Gladiador, e, assim como fiz no texto sobre o filme original, escrevo agora sobre Gladiador 2, procurando contextualizá-lo dentro do que se sabe sobre a História de Roma. Porém, ao contrário do que fiz no primeiro artigo, escrito muitos anos depois do primeiro filme, dessa vez vou tentar ao máximo não fazer “spoilers“; mas, se o leitor preferir nada saber e não ler alguma coisa que possa interferir em ter uma experiência de ineditismo e surpresa no cinema, novamente recomendo que não leia este artigo antes de assistir a película. De qualquer modo, a leitura do artigo Maximus Decimus Meridius-Gladiador pode ser útil para melhor entender todo o contexto (é só clicar no nome).

Antes de começar, é preciso ressaltar que Gladiador II, ao contrário do filme antecessor, abandonou quase que completamente qualquer compromisso de fidelidade com os fatos históricos. Com efeito, o enredo de Gladiador I, embora apresente muitas passagens fictícias e algumas inverossimilhanças, em seu cerne não conflitava tanto do que foi relatado pelas fontes acerca dos reinados de Marco Aurélio e Cômodo, sendo que, além dos principais personagens realmente terem existido, parte considerável do que se passa na tela corresponde ao que as fontes antigas relataram sobre eles. Também por esse motivo, este artigo será escrito de uma forma bem diferente do nosso artigo anterior.

Não obstante, há também quatro personagens neste filme que não são fictícios, embora o roteiro divirja bastante do que efetivamente se sabe sobre a vida deles: são eles os imperadores Caracala e Geta, Lucilla e Macrino (que com quase toda certeza foi inspirado na figura do imperador Macrino).

Gostaria de observar que ao apontar as inconsistências entre o enredo do filme e os fatos históricos, não estou fazendo nenhuma crítica negativa ao mesmo. Cinema é entretenimento e arte, e, não se tratando o filme de um documentário, nem tendo sido externada a intenção de contar uma história real, o cineasta e o roteirista devem ter liberdade para utilizar os personagens, ainda que históricos, com finalidades dramáticas.

CONTEXTO

A trama se passa dezesseis anos após a morte de Maximus Decimus Meridius e, obviamente, do imperador Cômodo, já que, no filme, ambos morrem em combate, um contra o outro, no Coliseu. Então, considerando que o Cômodo histórico morreu em 192 D.C., o enredo do filme começaria em 208 D.C.

O filme inicia-se com um impressionante ataque de uma grande frota romana contra uma cidade não identificada situada na região da Numídia, no Norte da África, que corresponde a grosso modo à atual Argélia.

E essa é a primeira incorreção do roteiro: Em 208 D.C, a Numídia já era uma província romana fazia 250 anos. A região foi anexada entre 46 e 42 A.C. e formalmente estabelecida como província romana em 25 A.C. Era habitada pelos Númidas, um povo de etnia berbere, indígena do Norte da África, valendo citar que os Berberes ainda compõem boa parte da população do Marrocos e da Argélia, além de estarem presentes na Líbia, na Tunísia, e, obviamente, em vários outros países para os quais eles emigraram (um representante famoso, dentre inúmeros outros, desta etnia é o jogador Zidane). Antes de ser conquistada pelos romanos, a Numídia chegou a ser um reino poderoso, que, antes de ser unificado, foi aliado deles durante a Segunda Guerra Púnica, quando parte da região era governada pelo rei Massinissa. Mais tarde, os Númidas, liderados pelo rei Jugurtha, travaram uma longa guerra (112-106 A.C) contra a República Romana, que foi vencida graças ao talento dos generais Mário e Sila. Provavelmente o personagem Jubartha, que aparece como chefe militar da cidade atacada pelos Romanos no filme, é uma alusão ao rei Númida, apesar dos séculos que separam os acontecimentos reais do episódio filmado.

Na verdade, a cena inaugural do filme evoca a conquista e destruição de Cartago pelos Romanos, na Terceira Guerra Púnica, em 146 A.C. Os acontecimentos dessa guerra são vividamente descritos pelo historiador grego Políbio, em sua “História”. Efetivamente, o cerco a Cartago envolveu ataques anfíbios combinados, por mar e por terra, chegando a haver combates navais nas muralhas que protegiam o porto da grande cidade (embora seja altamente improvável que as galeras se aproximassem a ponto de bater nas muralhas, o que com certeza as incapacitaria. E os “trebuchets“, as gigantescas catapultas que aparecem na cena defendendo a cidade, ainda não existiam). Mas a invasão deu-se mesmo por terra. o fictício guerreiro Hanno, que será o personagem principal do filme e que vive na cidade atacada pelos romanos, certamente também é uma alusão aos Cartagineses: Este foi o nome de vários comandantes e homens ilustres de Cartago. Finalmente, o comportamento do general romano Marcus Acacius, também um personagem fictício, que comanda a força invasora, também evoca a narrativa do cerco e destruição de Cartago: Políbio relata que Cipião Emiliano, Cônsul de Roma e comandante da campanha, expressou seu pesar e comiseração pela sorte da Cidade e seus habitantes, chegando a derramar lágrimas pelo destino deles. No filme, o general Acacius age de maneira semelhante, pronunciando a expressão: “Ai dos Vencidos” (“Vae Victis“), que, na vida real, teria sido proferida pelo chefe gaulês Breno, quando exigiu uma grande quantidade de ouro pelo resgate da cidade de Roma, que ele havia invadido, segundo o historiador romano Tito Lívio.

OUTRAS INCONSISTÊNCIAS

1- CARACALA E GETA

Os eventos constantes do roteiro se passam durante o reinado dos imperadores Caracala e Geta.

Oficialmente, em 198 D.C, Caracala (que se chamava Marco Aurélio Antonino, sendo Caracalla um apelido, motivado pelo fato dele usar uma capa de origem gaulesa assim chamada) recebeu o título de Augusto (que significava “Imperador”) de seu pai, Septímio Severo (193-211 D.C.), que ainda reinaria por mais treze anos. Já seu irmão Geta (Públio Septímio Geta), que era 11 meses mais novo do que Caracala, foi nomeado Augusto por Severo em 209 D.C. Septímio Severo era de uma família ilustre proveniente da cidade de Leptis Magna, na atual Líbia, de origem púnica e berbere.

Portanto, embora formalmente não seja incorreto considerar que Caracala fosse imperador em 208 D.C, como mencionado no roteiro, na prática, Septímio Severo continuava sendo o imperador com total controle do Império, até a sua morte por doença em Eburacum (atual York, na Inglaterra), em 4 de fevereiro de 211 D.C., quando efetivamente o poder passou para seus dois filhos. Caracala, que na ocasião, tinha 22 anos, e Geta, de 21, Em seu leito de morte, Septímio Severo deixou o seguinte conselho para seus dois sucessores:

Entretanto, as fontes antigas são unânimes sobre o fato de que Caracala e Geta odiavam-se mutuamente. Com efeito, o ódio entre os irmãos era tão grande, que, na jornada de retorno de York para Roma, ambos voltaram em caravanas separadas, sem jamais dividirem a mesma estalagem. Inclusive, após os dois novos imperadores instalarem-se em Roma, o Palácio Imperial (a Domus Severiana, no Palatino) teve que ser dividido em duas partes, não podendo os auxiliares e escravos de um ter acesso à parte do outro.

Não surpreende, assim, que Caracala, na primeira oportunidade que teve, desconsiderou o primeiro conselho do pai: Assim, em 26 de dezembro de 211 D.C, simulando um falso desejo de reconciliação com Geta, ele persuadiu a mãe deles, Júlia Domna, a convocar um encontro ente ele e o irmão. Quando Geta chegou na ala do Palácio ocupada pela mãe, um grupo de membros da Guarda Pretoriana fiéis a Caracala esfaquearam-no, e Geta morreu nos braços de Júlia Domna. Aos demais Pretorianos, bem como ao Senado e ao povo, Caracala divulgou a versão de que ele agiu em legítima defesa, e que foi Geta quem tentou assassiná-lo.

Portanto, o reinado conjunto de Caracala e Geta, de fato e de direito, durou apenas 10 meses, de 4 de fevereiro de 211 D.C até 26 de dezembro de 211 D.C.

Cabeça de Julia Domna, Glipoteca, Munique. foto; Laci3, CC0, via Wikimedia Commons

Não satisfeito em mandar matar Geta, o vingativo Caracala quis também eliminar qualquer referência histórica ao irmão, ordenando a sua “Damnatio Memoriae“. Em decorrência, decretou-se que a imagem de Geta deveria ser apagada de qualquer monumento público, o que efetivamente foi cumprido, como se pode ver em uma famosa pintura que chegou até os nossos dias, proveniente do Egito, onde o retrato de Geta, ainda criança, junto da família imperial, foi apagado.

O chamado “Tondo Severiano”, uma pintura do imperador Septímio Severo, sua esposa Júlia Domna e seus filhos Caracala e Geta, cujo rosto foi apagado em obediência à Damnatio Memoriae. A pintura data de cerca do ano 200 D.C, data da viagem da família imperial ao Egito, de onde ela é proveniente. Foto: © José Luiz Bernardes Ribeiro

Este retrato nos permite notar que Caracala, assim, como seu irmão, deviam ser bem diferentes dos atores que os personificaram no filme, pálidos e ruivos. Não obstante, o historiador Herodiano relata que Caracala tinha o costume de usar uma peruca loura, supostamente pelo fato dele apreciar os Germânicos, e talvez por ser um tanto calvo.

Um raro busto de Geta menino, que de alguma forma escapou à Damnatio Memoriae. Foto: Modussiccandi, CC BY-SA 4.0 https://creativecommons.org/licenses/by-sa/4.0, via Wikimedia Commons

Em seguida ao assassinato do irmão, Caracala, não satisfeito, mandou executar toda e qualquer pessoa que tivesse alguma ligação com Geta, incluindo libertos, escravos, atores e até mesmo alguns senadores. De fato, mesmo antes do falecimento de Septímio Severo, a personalidade de Caracala já denotava alguns traços do que eu considero ser psicopatia: por exemplo, ele odiava Plautianus, primo e auxiliar próximo de seu pai, e, quando Septímio fez com que ele se casasse com Fulvia Plautilla, a filha de seu desafeto, Caracala, prometeu que mataria este e a própria esposa, uma vingança que ele não demorou a obter, implicando o sogro em uma conspiração provavelmente fabricada contra o imperador. motivo pelo qual Plautianus foi executado por soldados subordinados a Caracala. A pobre Plautilla foi exilada para a remota ilha de Lipari, e prontamente executada assim que Caracala assumiu o trono, logo após a morte de seu pai.

O reinado de Caracala caracterizou-se pela excessiva atenção dada ao Exército, tendo os soldados recebido um expressivo aumento nos soldos, que acabou comprometendo o equilíbrio fiscal do Império, obrigando o imperador a desvalorizar a moeda. Nisto, ele parece ter seguido à risca o segundo conselho deixado por seu pai…

Tanto era o seu desejo de agradar aos militares, que Caracala chegava a marchar junto com a tropa, carregando equipamento e estandartes, dormia nas barracas, e até mesmo, fazia as refeições junto com os legionários, comendo com eles o mesmo rancho. Enquanto isso, os assuntos relativos à administração civil e legal do Império foram deixados à cargo de sua mãe, Júlia Domna, com o auxílio de seus libertos.

Todos os retratos de Caracala revelam o propósito dele se apresentar ao povo romano como um governante marcial, másculo e implacável, por isso, a expressão dele nas estátuas era sempre a de um homem sisudo, bem diferente do que se vê no filme.

Busto de Caracala, foto: Naples National Archaeological Museum, CC BY 2.5 https://creativecommons.org/licenses/by/2.5, via Wikimedia Commons

Segundo os relatos, Caracala logo tornou-se impopular para o povo e para o Senado Romano, e, como não é de surpreender, apenas os soldados o idolatravam. Ele até comandou algumas campanhas militares bem-sucedidas, mas, em muitas ocasiões mostrou-se colérico e sanguinário, e imprevisível, o que acabou atemorizando até mesmo seus auxiliares mais próximos.

Então, em 8 de abril de 217 D.C, no decorrer de uma campanha militar contra o Império Parta, no Oriente, Caracala foi assassinado por um soldado, Julius Martialis. O regicídio ocorreu quando a comitiva de Caracala se dirigia para a cidade de Carrhae, no sul da Turquia. No meio do caminho, o imperador mandou a caravana parar e foi urinar no mato, momento em que Martialis o esfaqueou pelas costas e fugiu, apenas para ser perseguido e morto pelos guarda-costas do imperador. Para muitos historiadores, isso foi uma queima de arquivo, e o principal suspeito de ser o mandante foi o Prefeito Pretoriano, Marcus Opellius Macrinus (Macrino). Mais detalhes sobre o reinado de Caracala podem ser lidos no nosso artigo sobre este imperador (clique no nome).

2- MACRINO

Estou convicto de que a principal inspiração para o personagem Macrino, de Gladiador 2 foi Marcus Opellius Macrinus, que se tornaria o imperador romano Macrino. Apesar disso, o leitor que assistiu ao filme notará que há diferenças entre a trajetória do personagem o da figura histórica que o inspirou. No filme, Macrino é interpretado por Denzel Washington, em mais uma grande atuação.

Segundo o historiador Cássio Dião (Epítome do Livro 79, Macrino nasceu na cidade de Caesarea (atual Cherchell, na Argélia), na província romana da Mauritania Caesariensis. Ele é descrito como um Mouro, o que significa que provavelmente Macrino era de origem berbere, e seus pais, por sua vez, como sendo de “origem obscura”, significando que não se sabia nada sobre a condição social deles. Inclusive, como evidência de sua origem Moura, o historiador menciona que Macrino tinha uma de suas orelhas furada, presumivelmente para usar um brinco ou outro adorno, o que seria um costume dos Mouros.

Busto de Macrino, Palazzo Nuovo, Roma. Aumentando-se a foto notq-se quehaver algo no lóbulo da orelha direita. Seria um brinco? Pretendo inspecionar de perto quando voltar à Roma. foto: <a href=”https://www.flickr.com/photos/mumblerjamie/, CC BY-SA 2.0 https://www.flickr.com/photos/mumblerjamie/, CC BY-SA 2.0 <https://creativecommons.org/licenses/by-sa/2.0&gt;, via Wikimedia Commons

As fontes relatam que, em algum momento de sua vida, Macrino adquiriu um respeitável conhecimento da legislação e jurisprudência romanas, chegando a exercer a advocacia, uma atuação que chamou a atenção de Plautianus, o desafortunado sogro de Caracala, que o contratou para ser ser seu secretário particular. Conseguindo escapar da desgraça de Plautianus, ainda durante o reinado de Septímio Severo, o promissor Macrino foi nomeado Superintendente (Curator) da Via Flamínia, uma estrada importante estrada que ligava Roma à Rimini. Certamente, este era um posto que dava visibilidade política e também permitia ao seu titular amealhar bastante dinheiro, de acordo com as práticas romanas.

Durante o reinado de Caracala, a carreira de Macrino continuou em ascensão, e, após ser nomeador para um cargo não especificado de Procurador, muito provavelmente um cargo de Procurator Augusti, administrando a arrecadação de tributos ou Fiscus (rendas e patrimônio da casa imperial), pois sabemos que Macrino recebeu o anel de ouro que simbolizava o pertencimento à classe dos Equestres (status social que vinha abaixo da nobreza senatorial), sendo que os referidos cargos eram exclusivos deste grupo. De acordo com Cássio Dião, esses cargos foram exercidos por Macrino com eficiência e correção.

Contudo, a História Augusta, uma coleção de biografias imperiais escrita por volta do século IV D.C., e considerada não muito confiável pelos historiadores modernos, devido a vários erros factuais e algumas contradições, apresenta uma versão mais deletéria da vida de Macrino, citando outros autores, não obstante o próprio texto faça questão de advertir que são relatos duvidosos.

Assim, de acordo o que a História Augusta menciona como afirmações feitas por um suposto historiador chamado Aurelius Victor, Macrino, durante o reinado de Cômodo (180-192 D.C.), era um escravo liberto e um “prostituto público”, encarregado de tarefas servis no Palácio, sendo também corrupto. Posteriormente, já no reinado de Septímio Severo, Macrino teria sido banido para a África pelo referido imperador, província onde ele se dedicou a estudar, começando por defender pequenas causas perante os tribunais, dedicou-se à Oratória e finalmente teria tornado-se magistrado. Então, Festus, um outro liberto que tinha sido colega de Macrino, conseguiu que este recebesse o anel de Equestre e, sob Verus Antoninus (um erro crasso do autor da História Augusta, já que Macrino sequer havia nascido quando Lucius Verus foi imperador, sendo que ele provavelmente quis se referir a Caracala, cujo nome era Marcus Aurelius Antoninus) foi nomeado Procurador do Fisco.

E a História Augusta ainda cita outras passagens sobre a vida de Macrino, provenientes de outros autores não identificados, os quais mencionaram que ele teria chegado a lutar na arena como gladiador-caçador (isto é, um venator, tipo de gladiador que capturava feras e outros animais selvagens na arena, além de se apresentar como domador, fazendo-os performar truques) sendo que, após receber o diploma honorário de dispensa da profissão, ele mudou-se para a Província Romana da África.

De qualquer modo, as fontes concordam que Macrino exerceu o cargo de Procurador com zêlo e confiabilidade suficiente para fazer com que Caracala o nomeasse Prefeito Pretoriano, em 214 D.C., tornando-se um dos comandantes da Guarda Pretoriana. Este era um posto que inicialmente compreendia apenas o comando da Guarda, mas que, no decorrer do período imperial foi sendo expandido para abranger também o comando das tropas da Itália e outras unidades mais próximas ao imperador. Posteriormente, tornaria-se um dos cargos mais importantes da administração civil, de certa forma análogo ao de um primeiro-ministro ou grão-vizir. Normalmente, eram dois os Prefeitos Pretorianos, mas, sob Caracala, chegaram a haver três simultaneamente, sendo, um deles, Macrino. O outro era Marcus Oclatinius Adventus, que também havia sido anteriormente Procurator Augusti, algo que talvez demonstre um padrão nas nomeações de Caracala. Observe-se que, pela tradição, o cargo de Prefeito Pretoriano também era destinado à homens pertencentes à Classe Equestre.

Apesar da nomeação, Macrino parece não ter gozado da estima do imperador, que, segundo Herodiano, chegou a criticá-lo por ser adepto demais da boa mesa e também por ser efeminado.

Para não nos alongarmos muito, cumpre relatar que Macrino, na condição de Prefeito Pretoriano, acompanhou, juntamente com seu colega Adventus, Caracala na expedição contra os Parta. Durante a expedição, Flavius Maternianus, que havia ficado em Roma para comandar os Guardas durante a campanha, teria enviado uma carta a Caracala relatando que um vidente teria tido uma visão em que Macrino seria o novo imperador. Entretanto, Macrino, que já estava preocupado com a má disposição que o imperador vinha demonstrando contra ele, teve acesso primeiro à correspondência e, após ler a carta, removendo-a do malote, compreendeu que certamente seria executado se a profecia chegasse ao conhecimento de Caracala.

Assim, visando salvar a própria vida, Macrino abordou o soldado Julius Martialis, integrante da guarda pessoal do imperador, com quem ele tinha uma ligação próxima, o qual estava insatisfeito com Caracala pelo fato deste ter mandado executar injustamente o irmão dele, também soldado e convenceu-o a executar o imperador, da maneira já narrada no tópico antecedente.

Dois dias após o assassinato, e sob a iminência do exército ser atacado pelos Partas, as tropas aclamaram Macrino imperador. Vale observar que, antes, a coroa foi oferecida a Marcus Adventus, porém este recusou, alegando estar muito velho.

Importante notar que Macrino foi o primeiro imperador romano não oriundo da classe senatorial, em quase 250 anos de período imperial. Em uma sociedade marcadamente classista e estratificada como a romana, até aquele período, certamente era uma condição capaz de diminuir a legitimidade do imperador. Não obstante, Caracala era tão detestado pelo Senadores que a notícia da aclamação de Macrino foi bem recebida e confirmada pelo Senado Romano.

Em seguida, Macrino concluiu uma paz com os Partas, mas, ao invés de desmobilizar o Exército reunido para a campanha, mandando-o de voltas para os seus quartéis nas fronteiras, e voltar para Roma, ele preferiu ficar em Antióquia, decisão que foi considerada um erro. Ali, Macrino ficou um tempo desfrutando de luxo e prazeres, vestido com roupas luxuosas e extravagantes, o que, aparentemente, dá alguma pista de que as mencionadas críticas de Caracala não seriam infundadas.

Então, os soldados passaram a sentir nostalgia de Caracala, que se comportava como um deles. Além disso, a crise fiscal ocasionada pelo aumento dos gastos militares necessitava de medidas urgentes. Macrino, então, decidiu que os novos recrutas do Exército receberiam um soldo menor do que os já engajados. A idéia era não desagradar os soldados já em exercício, mas isso acabou sendo percebido como uma antecipação de futuros cortes nos soldos deles.

A insatisfação das tropas com Macrino não passou despercebida às influentes mulheres da família de Caracala. A imperatriz Júlia Domna havia morrido, de câncer no seio, pouco depois dele assumir o trono. Macrino, então, ordenou que a irmã dela, Júlia Maesa, deixasse Roma e voltasse para a cidade natal delas, Emesa, na Síria, junto com suas filhas, Júlia Soêmia e Júlia Maméia, e seu neto, Sextus Varius Avitus Bassianus, que ficaria conhecido como Elagábalo (ou Heliogábalo), filho da primeira.

Ocorre que Macrino permitiu que Júlia Maesa mantivesse com ela a imensa fortuna que a família, que já era riquíssima pelo fato de governarem a cidade e chefiarem o culto ao deus El-Gabal, tinha amealhado durante mais dos 20 anos em que fizeram parte da família imperial. Certamente, este dinheiro facilitou que Júlia Maesa convencesse os soldados da III Legião Gallica, cujo quartel ficava próximo à Emesa, que seu neto, considerado um adolescente muito bonito, chamado Elagábalo, em homenagem ao referido deus, era filho ilegítimo de Caracala, a quem as tropas tanto adoravam. Assim, em 16 de maio de 218 D.C, o comandante da Legião, Publius Valerius Comazon, aclamou Elagábalo imperador.

A reação de Macrino, que aparentemente não deu a importância devida à rebelião, foi nomear seu filho, Diadumeniano, de dez anos de idade, como co-imperador e enviar um destacamento comandado pelo novo Prefeito Pretoriano, Ulpius Julianus. Porém, ao chegarem ao acampamento dos rebeldes, os soldados de Ulpius, ao verem Elagábalo nos muros e as bolsas cheias de dinheiro dos revoltosos, desertaram e se uniram aos camaradas. A cabeça de Ulpius foi cortada e enviada a Macrino.

Áureo de Diadumeniano. Foto Numismatica Ars Classica NAC AG, CC BY-SA 3.0 CH https://creativecommons.org/licenses/by-sa/3.0/ch/deed.en, via Wikimedia Commons

Em 8 de junho de 218 D.C, uma força comandada pelo tutor de Elagabálo aproximou-se de Antióquia. Macrino decidiu dar combate ao exército rebelde, mas, durante os combates, o imperador, descrente do resultado, abandonou o campo de batalha e voltou para Antióquia. Na cidade, contudo, estouraram tumultos e Macrino resolveu fugir em direção à Roma, e despachou Diadumeniano para que esse encontrasse abrigo entre os Partas.

Ao chegar à cidade de Calcedônia, Macrino foi reconhecido e capturado, sendo mantido em cativeiro. Por sua vez, a caravana conduzindo Diadumeniano foi interceptada na cidade de Zeugma e o menino assassinado. Quando a notícia chegou ao conhecimento de Macrino, ele tentou fugir, sem sucesso, terminando por ser também executado, ainda em junho de 218 D.C. A cabeça dele foi enviada à Elagábalo, o novo imperador.

3- LUCILLA e LUCIUS VERUS

Novamente, assim, como no primeiro filme a personagem feminina principal da sequência é Lucilla, a irmã do falecido imperador Cômodo. Em Gladiador (1), o espectador fica sabendo que Lucilla, antes ou depois de ficar viúva de seu marido, Lucius Verus (Lúcio Vero), manteve um caso de amor com o principal general de seu pai, Maximus. Mas, percebendo as intenções tirânicas de seu irmão Cômodo, a aflita Lucilla resolve colaborar com influentes senadores que se opunham ao reinado dele, e tramam restaurar a República. Em Gladiador II, novamente Lucilla é interpretada pela atriz Connie Nielsen.

Na vida real, Lucilla, cujo nome completo era Annia Aurelia Galeria Lucilla, de fato era a irmã mais velha de Cômodo (a diferença de idade entre os dois era de cerca de 12 anos) e, efetivamente, ela se casou com Lúcio Vero, que foi aclamado imperador junto com Marco Aurélio, em 161 D.C (o casamento foi celebrado em 164 D.C., ocasião em que ela tinha entre 14 e 16 anos de idade), sendo que o matrimônio durou até o marido morrer vitimado pela Peste, em 169 D.C. Como decorrência de seu casamento com Lúcio Vero, Lucilla recebeu o título de Augusta (Imperatriz), a posição máxima que uma mulher romana poderia aspirar na sociedade patriarcal romana, e todos os privilégios associados a esta posição.

Estátua de Lucilla, caracterizada como a deusa Ceres. Foto: Bardo National Museum, Public domain, via Wikimedia Commons

Lucilla e Lúcio Vero tiveram três filhos: Aurelia Lucilla, Lucilla Plautia e Lucius Verus (mesmo nome do pai), mas a mais velha e o menino morreram ainda crianças, e somente Lucilla Plautia parece ter alcançado a idade adulta.

O imperador Marco Aurélio, após a morte de Lúcio Vero, decidiu que Lucilla deveria casar de novo, e ele escolheu para ser o novo marido dela o general Tiberius Claudius Pompeianus, um de seus auxiliares mais próximos, que comandara com sucesso as legiões da província romana da Panônia, no norte do Império, e que também derrotara invasões dos bárbaros germânicos Lombardos e Marcomanos. Conforme expusemos no artigo sobre Maximus Decimus Meridius e o filme Gladiador (clicar no nome), Tiberius Claudius Pompeianus foi a principal inspiração para o personagem fictício Maximus.

Porém, embora Pompeianus, na ocasião do casamento com Lucilla, ocorrido em 169 D.C, já fosse senador e tivesse ocupado um consulado, ele era oriundo da Classe Equestre (que pode ser considerado o segundo escalão da nobreza romana), e, portanto, seu status social era inferior ao de Lucilla, filha e parente de imperadores, e esta foi uma circunstância que desagradou tanto a noiva como a sua mãe, conforme relatado na Historia Augusta. Para piorar, Pompeianus, na ocasião do casamento, que ocorreu em 169 D.C, tinha cerca de 44 anos de idade, enquanto que Lucilla tinha por volta de 21 anos…

O principal motivo para Marco Aurélio ter resolvido casar Lucilla com Pompeianus foi o fato de que, naquele momento, seu filho do sexo masculino, Cômodo, ter apenas oito anos de idade. A chamada “Peste Antonina“, uma séria epidemia, começava a grassar em Roma e o velho imperador temia que, se ele morresse, algum senador ou general ambicioso tomasse o trono para si. Pompeianus, além de ser um general respeitado, era um amigo confiável. Inclusive, após o casamento, Marco Aurélio chegou a consultar Pompeianus se ele aceitaria ser nomeado “César”, significando ser o seu herdeiro oficial, porém, o general não aceitou. Certamente, a intenção do imperador era que, caso ele morresse subitamente, o fiel Pompeianus asseguraria que, quando Cômodo atingisse a idade adulta, este assumiria o trono.

A diferença de idade entre Pompeianus e Lucilla, contudo, não impediu que eles tivessem um filho: por volta de 176 D.C, Lucilla deu a luz a um menino, que recebeu o nome de Lucius Aurelius Commodus Pompeianus.

Marco Aurélio permitiu que Lucilla mantivesse alguns dos privilégios inerentes ao status de imperatriz após a morte de Lúcio Vero, não obstante sua esposa Faustina, a Jovem, a mãe de Lucilla, fosse, desde então, a única Augusta (Imperatriz). Entretanto, ao contrário do enredo do filme Gladiador (1), em 177 D.C, Marco Aurélio decidiu que era já hora de nomear Cômodo, agora com 15 anos (e considerado como adulto pelos costumes romanos) co-imperador, dando-lhe o título de Augusto, consagrando, assim, a posição do filho como seu sucessor natural.

Como não é de surpreender, a elevação de Cômodo afetou diretamente as expectativas que Lucilla poderia acalentar quanto às chances de seu marido, Pompeianus, vir a suceder Marco Aurélio, e, consequentemente, ela voltar a ser, novamente, imperatriz. E quaisquer anseios dela neste sentido restaram ainda mais enfraquecidos quando, em 178 D.C, seu irmão Cômodo casou-se com a rica aristocrata Bruttia Crispina, que imediatamente recebeu o título de Augusta, tornando-se a única imperatriz romana, tendo em vista que Faustina, a Jovem morreu em 175 D.C.

A verdade é que o retrato de Lucilla, pintado nas fontes antigas, mostra que, do mesmo modo que o seu irmão Cômodo, ela era uma mulher ambiciosa e sem escrúpulos.

Assim, após a morte de Marco Aurélio e assunção de Cômodo ao trono, constatando a inaptidão do irmão para governar, a ambição, o ciúme e o orgulho ferido de Lucilla causados pela sua posição inferior à da nova imperatriz Bruttia Crispina, impeliram-na a participar ativamente de uma conspiração que, em 182 D.C, tentou assassinar Cômodo.

Essa conspiração, de acordo com o relato de Herodiano, envolveu diretamente familiares e pessoas próximas à Lucilla, como a sua filha Plautia, e também vários senadores, e o seu objetivo final era assassinar Cômodo e substituí-lo no trono por Tiberius Claudius Pompeianus, o marido de Lucilla, que com isso voltaria à almejada posição de Imperatriz. Ainda segundo Herodiano, Lucilla instigou seu primo, Marcus Ummidius Quadratus Annianus, de quem ela seria amante, a dar andamento ao plano. Este, por sua vez, persuadiu um certo Quintianus, um jovem senador que seria sobrinho, ou mesmo filho do primeiro casamento de Pompeianus, a ser o executor da trama. O local escolhido foi o Coliseu.

Porém, a execução do plano foi mal feita, os guardas pretorianos prenderam Quintianus.

Com o fracasso do atentado, Quintianus e Quadratus foram imediatamente executados, e Lucilla e sua filha foram banidas para a ilha de Capri. Entretanto, antes que o ano de 182 acabasse, Cômodo resolveu mandar executar a irmã e enviou um centurião até a ilha, o qual deu cabo da tarefa e jogou o corpo de Lucilla no mar. Plautia foi poupada, assim como Pompeianus, que, tudo indica, não sabia do plano.

Desse modo, já fazia mais de 25 anos que Lucilla estava morta no ano em que o enredo de Gladiador 2 começa.

Pelo que se depreende das fontes, Lucius Verus, o filho que Lucilla teve com seu primeiro marido, cujo nome era o mesmo do filho, morreu ainda criança, embora não se saiba quando nem como (a causa mais provável seria a Peste que grassava em Roma). Ele foi a terceira criança a nascer do casamento entre os dois, sendo que a primeira, Aurelia Lucilla, nasceu em 165 D.C., sendo seguida por Plautia. Então ele deve ter nascido entre 167 e 169 D.C., ano em que seu pai morreu. Ele não deve ter chegado a idade de vestir a toga virilis, fato que marcava a chegada da idade adulta para os meninos, o que ocorria entre 14 e 15 anos, pois certamente isto teria constado nas fontes, inscrições ou algum objeto comemorativo.

Como já vimos, Lucilla teve um filho com Tiberius Claudius Pompeianus, que deve ter nascido a partir de 170 D.C, uma vez que o casamento ocorreu em 169 D.C, quando Lúcio Vero estava na Síria, e os recém-casados se encontraram em Éfeso. O menino recebeu o nome de Lucius Aurelius Commodus Pompeianus, e o mais provável é que ele tenha nascido entre 170 D.C e 177 D.C., sendo 176 D.C uma data estimada por alguns historiadores.

Ao contrário do primeiro filho de Lucilla com Lúcio Vero, seu meio-irmão, fruto do casamento dela com Tiberius Claudius Pompeianus, de nome Lucius Aurelius Commodus Pompeianus chegou a ter uma carreira pública de sucesso. Sabe-se que, durante o reinado de Septímio Severo, ele serviu como Tribuno Militar na Legião I Minervia. Provavelmente, a este imperador, que pretendia se legitimar como sucessor dos Antoninos, chegando até a auto-proclamar a sua “adoção retroativa” por Marco Aurélio, interessava demonstrar respeito pelo neto dele, como era o caso de Lucius Aurelius Commodus Pompeianus. Por isso, em 209 D.C., quando ele tinha entre 32 e 39 anos, Septímio Severo fez com que o filho de Lucilla fosse nomeado Cônsul.

Contudo, com a subida do irascível e sanguinário Caracala ao trono, a sorte de Lucius Aurelius Commodus Pompeianus estava selada: Logo após o assassinato de Geta, em 212 D.C, Lucius Aurelius, juntamente com muitos outras pessoas que tinham parentesco ou estiveram associadas aos reinados do pai dele e dos Antoninos foram assassinadas.

4- O COLISEU NO FILME

A construção do Coliseu começou em 72 D.C, no início do reinado do imperador Vespasiano (Tito Flávio Vespasiano), ficando pronto em 80 D.C, no reinado de seu filho, Tito. Acredita-se o seu nome oficial era Anfiteatro Flavio, embora isto não conste de nenhuma inscrição ou texto antigo.

O apelido “Coliseu”, do latim Colosseum (em latim: “Do Colosso”), ao contrário do que muitos podem pensar, não decorre do tamanho do anfiteatro, e sim de uma enorme estátua do imperador Nero, de mais de 30 metros de altura (ou seja, quase do tamanho do Cristo Redentor) ao lado da qual ele foi construído, e que era conhecida como “Colossus“. Assim, é bem provável que a plebe romana tenha começado a dizer que ia assistir as lutas no “anfiteatro do Colosso”, e o nome pegou.

A capacidade do Coliseu, quando estava intacto, é estimada entre 55 mil e 70 mil espectadores, alguns falando em 80 mil lugares. As 80 entradas em arco (sendo quatro maiores: uma exclusiva para o imperador e outras três para senadores e outros figurões), as escadarias e os setores eram numerados, assim como em um estádio moderno. O acesso e a saída das arquibancadas se dava, como nos estádios modernos, por túneis e aberturas chamados de vomitórios (vomitoria), e estudos mostram que o Anfiteatro poderia ser esvaziado em poucos minutos, graças ao primoroso projeto arquitetônico. Finalmente, havia um elaborado sistema de cobertura retrátil para proteger os espectadores do inclemente sol italiano, o velarium, tão complexo e de fato semelhante aos cabos e velas de um navio, que tinha que ser manejado pelos marinheiros da Frota Imperial de Misenum. Inicialmente, quando foi inaugurado, o Coliseu podia ser inundado, graças a um canal subterrâneo que trazia água de um aqueduto (sendo que um trecho deste canal ainda existe). A finalidade era encenar batalhas navais com galeras tripuladas por gladiadores e remadores, o que de fato chegou a acontecer. Neste caso, o Coliseu funcionava como uma “Naumaquia“, como eram chamados os espaços construídos para essas exibições.

Entretanto, durante o reinado do imperador Domiciano (81- 96 D.C), decidiu-se construir, embaixo da arena, um imenso labirinto de corredores e de celas para feras, e onde também havia guindastes para içamento de jaulas, criando-se um espaço subterrâneo que foi chamado de “Hipogeu” (palavra grega que tem exatamente o significado de “subterrâneo”). Com isso, o Coliseu não pôde mais ser inundado, perdendo a sua breve funcionalidade como Naumaquia. Ao que se sabe, peixes e outros animais aquáticos jamais foram exibidos neste período.

Segundo o historiador Cássio Dião, nos jogos inaugurais do Coliseu, em 80 D.C, foram mortos 9 mil animais e um número desconhecido de gladiadores. Além dos combates entre gladiadores e execuções de condenados (que podiam ser obrigados a lutar entre si até a morte ou executados de outras formas), no Coliseu eram apresentados espetáculos de caçadas (venationes) e lutas entre animas dos mais diversos tipos: elefantes, leões, tigres, ursos, javalis, e, sim, rinocerontes. Condenados à morte também podiam ser jogados a essas feras como forma de execução.

CONCLUSÃO

Comentamos, assim, os principais aspectos do filme Gladiador 2, a nosso ver, embora um bom filme, bem inferior ao primeiro. Evitamos, como já dissemos no início, falar sobre muitas cenas para não cometermos “spoiler”, já que se trata de um filme ainda em cartaz. Com o passar do tempo, iremos aprimorar este artigo. Espero que tenham “ficado entretidos”.

FIM

Os 10+ Filmes sobre Roma

Desde os primórdios da arte cinematográfica, isto é, a partir da invenção do cinema pelos irmãos Lumiére, em 1895, histórias tendo como pano de fundo Roma e o Império Romano têm sido temas de roteiros de filmes.

Com efeito, já em 1899, o grande pioneiro francês da Sétima Arte, George Mélies, filmou “Cleópatra“; em 1907, os norte-americanos produziram a primeira versão de “Ben-Hur“; e, em 1910, os italianos lançaram o filme “Agripinna“, sobre a vida atribulada da célebre mãe do imperador Nero. Quatro anos depois, em 1914, o filme “Gaius Julius Caesar“, baseado na obra de Shakespeare foi produzido também na Itália.

Mas, indubitavelmente, os anos 50 e 60 foram o auge do tema “Roma”na telona, tendo a indústria cinematográfica vivido uma verdadeira “Romamania” (inserindo-se em uma moda, assim apelidada pela crítica especializada de sword-and-sandals, ou, em português, “espada e sandálias”) lançando películas que iam de grandes superproduções hollywoodianas, como “Ben-Hur” (versão de 1959), “Quo Vadis“, “Manto Sagrado“, “Spartacus” e “Cleópatra” (1963), e até mesmo uma febre de filmes sobre gladiadores, notadamente de produção italiana, abrindo um filão que foi aproveitado por atores musculosos e inclusive fisiculturistas que viraram atores (além de filmes sobre personagens mitológicos).

Não obstante, pesquisando os registros disponíveis na internet sobre filmes abordando a temática sobre Roma, podemos constatar que eles se dividem nos seguintes grandes grupos (devendo ser notado que frequentemente vários desses temas apareçam entrelaçados nos respectivos enredos):

1- Filmes sobre a vida de uma grande figura histórica romana ou ligada à História de Roma, sobressaindo, em indisputado primeiro lugar, Cleópatra, a rainha do Egito, seguida por Júlio César e por Espártaco (vale notar que filmes sobre este último também se incluem no tema “gladiadores”). Vindo bem mais atrás, aparecem Cipião, o Africano, Messalina, Agripina, a Jovem, e alguns poucos imperadores, como Calígula e Nero. Observe-se que alguns grandes inimigos de Roma também foram temas de filmes, como Aníbal e Átila, o Huno;

2- Filmes com temática central focada nos primórdios do Cristianismo, envolvendo passagens da vida de Jesus Cristo, dos Apóstolos ou de personagens fictícios, mas vivendo em ambiência romana, como “Ben Hur“, “Quo Vadis“, “O Manto Sagrado“, “Barrabás” (estes dois últimos também abarcam o tema “gladiadores”) e o “Cálice Sagrado“;

3- Filmes sobre a erupção do Vesúvio e a destruição de Pompéia, existindo vários exemplos, como “Os Últimos Dias de Pompéia“, que por si só já teve quatro refilmagens;

4- Filmes sobre gladiadores, sendo o exemplo mais famoso, o “Gladiador” (2000), de Riddley Scott, valendo citar “Demetrius e os Gladiadores“, de 1954, um precursor em Hollywood neste tema (o filme é uma continuação de “O Manto Sagrado“) e cuja temática também aborda o Cristianismo;

5- Filmes sobre a decadência e queda do Império Romano, cujo exemplo mais significativo é “A Queda do Império Romano” (1964), mas esta temática também abrange filmes mais recentes como “A Última Legião” (2007) e “Rei Arthur” (2004), com Clive Owen. Também podemos incluir o excelente “Alexandria” (2009), estrelando Rachel Weisz, nesta subcategoria.

Há também alguns filmes sobre batalhas importantes travadas pelos romanos (embora elas não estejam entre os temais mais recorrentes na telona), como por exemplo, sobre a Batalha da Floresta Teutoburgo, e o cerco à Masada. Aliás, um tema que vem tendo crescente interesse pela indústria cinematográfica, são os conflitos de romanos contra bárbaros, valendo como exemplo os dois filmes recentemente produzidos sobre o suposto desaparecimento da IX Legião na Britânia: ”Centurião” (2010) e ”A Legião Perdida” (2011) e a minissérie “Bárbaros“, da Netflix (embora a rigor, esta não seja uma produção cinematográfica, hoje em dia tal distinção está cada vez mais fluida).

Praticamente todos esses filmes (eu não me lembro de nenhum que não o tenha feito) repetem algumas idiossincrasias que são praticamente convenções na filmografia envolvendo Roma, embora sejam historicamente incorretas:

a) Soldados romanos envergando armaduras de placas articuladas (lorica segmentata) e escudos retangulares seja qual for a época: As primeiras começaram a ser usadas por volta de 9 D.C, e praticamente abandonadas por volta 250 D.C; já os segundos começaram a ser usados também por volta do início do reinado de Augusto e abandonados por volta de 250/300 D.C, no entanto, quase sempre se vê nos filmes os soldados romanos usando esses modelos em períodos anteriores ou posteriores aos mencionados (diga-se de passagem, os elmos quase sempre também são historicamente imprecisos).

b) Romanos usando uma espécie de munhequeira de couro ou de metal nos pulsos ou punhos: Não há sequer uma imagem ou estátua sobrevivente da Roma Antiga que mostre que os romanos envergassem tal ornamento nos pulsos, seja qual for o período (Alguns acham que o motivo disso seria esconder marcas deixadas pelo uso de relógio de pulso pelos atores, mas o mais provável é que seja apenas pura repetição de filmes anteriores)

c) Romanos em suas casas comendo sentados em cadeiras em torno de uma mesa: Os Romanos comiam reclinados ou mesmo deitados em triclínios, como era de costume, ao menos na elite e classes médias.

d) Gladiadores profissionais lutando até a morte sem a presença de um árbitro: Gladiadores profissionais podiam ocasionalmente morrer repentinamente em função de um golpe recebido, seja na arena ou posteriormente, mas, quando isso não ocorria, cabia ao patrocinador, ou à autoridade mais elevada presente, decidir se o perdedor seria morto (às vezes eles deixavam que o público decidisse) – algo que, no caso de lutadores profissionais não era comum. Essas lutas mais qualificadas não devem ser confundidas com aquelas travadas por condenados à morte obrigados a lutarem entre si. Na verdade, sabemos que os combates travados entre profissionais sempre tinham um árbitro que intervinha em determinadas situações, como um juiz de luta moderno.

e) Soldados romanos cavalgando cavalos com estribos: Os estribos só foram introduzidos na Europa e no Mediterrâneo entre os séculos VI e VII D.C, e somente no período do Império Romano do Oriente, chamado de Império Bizantino, quando o Império do Ocidente já havia caído. Os romanos antes disso utilizavam um tipo de sela com quatro protuberâncias, que ajudavam a dar um apoio melhor ao cavaleiro.

f) Templos e estátuas romanas de mármore imaculadamente brancos, sem qualquer pintura ornamental: As Estátuas e os detalhes arquitetônicos dos templos greco-romanos, como frisos, relevos, capitéis das colunas, entre outros, eram pintados, frequentemente, em cores vivas.

Assim, sem mais delongas, vamos aos dez filmes sobre Roma que eu considero (é uma avaliação pessoal e discricionária minha, mas claro que apreciaríamos sugestões nos comentários) os mais interessantes (atenção! contém “spoilers“):

1 – BEN-HUR (1959)

Baseado no livro de ficção “Ben-Hur, a Tale of Christ“, escrito por Lew Wallace, que já havia sido filmado em 1907 e 1925, e, no total, pelo que pude apurar na internet, teve cinco versões produzidas no total. A versão do filme dirigido por William Wyler, um dos maiores cineastas de todos os tempos (diretor de clássicos como “A Princesa e o Plebeu”, “Da Terra Nascem os Homens”, “Jezebel”, o “Morro dos Ventos Uivantes”, entre outros), foi durante muito tempo, com onze estatuetas, o longa-metragem recordista isolado em premiações do Oscar, que até hoje não foi superado (“Titanic” e o “Senhor dos Anéis, o Retorno do Rei”, posteriormente, o igualaram). Trata-se de um história em sua maior parte ambientada na Jerusalém da época do ministério público e martírio de Jesus Cristo, no início do século I D.C, durante o período romano e centrada no antagonismo entre o nobre judeu Judá Ben-Hur e o comandante da guarnição romana, Messala, que foram amigos durante a infância e adolescência de ambos, passada na aristocrática residência da família de Ben-Hur. O roteiro e a bela atuação de Charlton Heston no papel principal conseguem expressar bem a tensão existente entre uma elite judaica – já um tanto romanizada (ou, mais propriamente, helenizada) e relativamente submissa ao domínio romano, da qual faziam parte o protagonista do filme e sua família – e os anseios pela independência da Judéia, inspirados pelo patriotismo e sentimento nativista judaico, dois pólos entre os quais eles parecem oscilar. Um atentado ao novo governador da Judéia, ao qual Ben-Hur é injustamente vinculado, fazem com que ele e sua família caiam em desgraça e, em virtude disto, várias vicissitudes o fazem entrar em contato com Jesus Cristo e seus ensinamentos, afetando decisivamente a vida dele. Uma passagem não muito citada nas críticas, mas que me agrada muito, é a relação afetuosa criada entre Ben-Hur e o Comandante da Frota Romana, Cônsul Quintus Arrius, que Ben-Hur salva do naufrágio da galera onde ele havia sido condenado a servir como remador, terminando por ser adotado como filho pelo Romano, assumindo o seu nome e posição social, enquanto vivia na própria Roma. Embora haja algumas impropriedades um tanto irrelevantes no que se refere a uniformes militares, vestuário e estilos arquitetônicos, “Ben-Hur” é uma superprodução primorosa, e a trilha sonora (Miklos Rozsa), na minha opinião, é simplesmente fantástica. A cena mais eletrizante do filme é uma sensacional corrida de quadrigas, no que seria o Hipódromo de Jerusalém .

Trailer oficial de Ben-Hur

2- GLADIADOR (2000)

Dirigido pelo consagrado cineasta inglês Ridley Scott (“Alien, o 8º Passageiro”, “Blade Runner”, “Cruzada”, “Thelma & Louise”, “Napoleão”, etc), Gladiador pode ser considerado o filme que, após algumas décadas de ostracismo, ressuscitou a onda de filmes épicos com temática da Antiga Roma. Fizemos uma análise detalhada desta produção, sob o aspecto da historicidade, em nosso artigo MAXIMUS DECIMUS MERIDIUS-GLADIADOR-O QUE É FATO E O QUE É FICÇÃO?, onde apontamos algumas inconsistências e inverossimilhanças. Mesmo assim, Gladiador é seguramente um dos melhores filmes sobre Roma. O prezado leitor, caso os tenha assistido, perceberá que Ridley Scott sem sombra de dúvidas procurou inspiração em “A Queda do Império Romano“, “Spartacus” e “Ben-Hur” e, de certa forma, o filme pode ser considerado uma mistura bem-sucedida dos três filmes citados: A trama centrada no homem que cai em desgraça, tem sua família destruída e volta para se vingar no Circo ou na Arena é nitidamente inspirada em “Ben-Hur“; Já o contexto envolvendo o fim do reinado do imperador romano Marco Aurélio (Richard Harris), sua suposta preferência em entregar o poder a um general de caráter reto e confiável (Maximus, interpretado por Russell Crowe), com a finalidade de restaurar um governo republicano, em vez de ser sucedido pelo filho Cômodo (Joaquin Phoenix), que o assassina (passagem sem suporte histórico) e se torna o novo imperador, instaurando um governo inepto e corrupto, bem como o envolvimento amoroso de Lucilla (Connie Nielsen), irmã de Cômodo, com Maximus e o combate de gladiadores entre o imperador e o general foram extraídos diretamente de “A Queda do Império Romano“; E a trajetória da transformação e treinamento do general Maximus para virar gladiador ecoa claramente esta mesma parte do filme “Spartacus“. A reconstituição do Coliseu é de tirar o fôlego. O filme teve uma sequência lançada em 2024, “Gladiador 2”, que a crítica considerou bem inferior, mesma avaliação que eu tive ao assisti-lo.

Gladiador, Trailer oficial

3-A QUEDA DO IMPÉRIO ROMANO (1964)

O enredo do filme, de 1964, foi, conforme declarou seu próprio diretor, Anthony Mann (“El Cid”, “O Homem do Oeste”, “Winchester ’73”, etc.), inspirado no clássico livro “A História do Declínio e Queda do Império Romano“, de Edward Gibbon, escrito no século XVIII e até hoje uma das obras mais influentes sobre o tema, fruto de uma copiosa leitura sobre praticamente todas as fontes antigas existentes sobre o Império Romano, e cuja tese central é que este caiu pela corrupção interna agravada pela ação conjunta dos bárbaros e do Cristianismo. Assim como no livro, a trama se inicia no final do reinado do imperador Marco Aurélio, quando, nas palavras do historiador romano Cássio Dião: o Império regrediu “de uma época de ouro para uma de ferro e ferrugem“. No filme, assistimos o velho imperador-filósofo (interpretado por Alec Guiness), após externar o seu desejo de entregar o trono a um fiel auxiliar, o honesto general Lívio, que também era amante de sua filha, Lucilla, esperando que este implante um bom governo em prol de todos os habitantes do Império, em detrimento de seu próprio filho Cômodo (Christopher Plummer), que, transtornado, assassina o pai. Como já dissemos, as cenas iniciais do filme, retratando a sombria fronteira do Danúbio, bem como a trama central, certamente inspiraram o “Gladiador“, de Ridley Scott, mais de 45 anos depois. O ponto alto do filme, além do bom desempenho dos atores, incluindo Sophia Loren, no auge da beleza, no papel de Lucilla, é a excelente reconstituição cênica de ambientes externos e internos, destacando-se o que talvez seja a mais exata reprodução do Fórum Romano já feita nas telas (veja vídeo abaixo). Um personagem importante do filme é o liberto de origem grega Timonides (James Mason), filósofo estoico e homem de confiança de Marco Aurélio, que, junto com Lívio e Lucilla, tentam, inutilmente, convencer Cômodo a acomodar e integrar os bárbaros derrotados na campanha como cidadãos do Império Romano.

4- QUO VADIS (1951)

Baseada no livro homônimo do escritor polônes Henryk Sienkiewicz, que já havia sido filmado três vezes anteriormente à versão que estamos comentando, sendo a primeira no remoto ano de 1901, ainda na infância da Sétima Arte, a versão dirigida por Mervyn LeRoy talvez seja o maior e melhor exemplo dos filmes de temática cristã em que o cerne é o antagonismo entre a nascente religião e o Império Romano, que tenta, inutilmente, sufocá-la. No enredo, vemos o laureado general Marcus Vinicius (Robert Taylor), retornando de campanha na Britânia, apaixonar-se por Lígia (Deborah Kerr), moça nativa da região da Lygia, na Europa Central, que foi enviada à Roma como refém do Império e acolhida como filha de criação por Aulus Plautius, ex-governador da província e também general aposentado. Lígia e seu pai de criação converteram-se ao Cristianismo e ela, inicialmente, embora sinta-se atraída por ele, reluta em aceitar as investidas de Marcus, que apela a seu tio, o famoso novelista Petronius, amigo do imperador Nero, para que este intervenha junto ao imperador e ordene que a refém lhe seja entregue como esposa. Lívia acaba se apaixonando por Marcus, mas tenta convertê-lo à fé cristã, com o auxílio do apóstolo Paulo, que frequentava a casa de Aulus, mas o romano resiste. Durante o romance, acontece o terrível Grande Incêndio de Roma (64 D.C.). Nero coloca a culpa nos cristãos e ordena que sejam presos para serem executados, o que acarreta a prisão de Lígia e de seu pai de criação, que também havia se convertido. Marcus tenta salvá-los, mas também é preso. Todos deverão ser executados no Circo. Na prisão, Lígia e Marcus, que começa a aceitar a fé da amada, casam-se, em uma cerimônia celebrada pelo apóstolo Pedro, preso com eles na mesma cela, e que havia retornado à Roma, de onde havia fugido da Perseguição movida por Nero, após ouvir a voz de Jesus Cristo, quando ele já estava na Via Ápia, perguntar: “Aonde vais” (Quo Vadis?), um episódio narrado nos Atos dos Apóstolos. A imperatriz Popéia, enciumada por ter tido suas investidas sexuais rejeitadas por Marcus em razão de seu amor por Lígia, arquiteta uma maneira de executá-los com requintes de crueldade no Circo, mas a Plebe se toma de simpatia por eles, os antigos soldados subordinados de Marcus aderem, e daí a trama se entrelaça com os eventos que culminaram no suicídio de Nero e sua sucessão por Galba, que se encontrava a caminho de Roma.

Sem dúvida, a atuação brilhante de Peter Ustinov como o imperador Nero contribuiu decisivamente para tornar “Quo Vadis” um dos melhores filmes sobre o Império Romano. Ele conseguiu incorporar e transmitir vários traços da personalidade de Nero que brotam das fontes antigas: mimado, vaidoso, dramático, licensioso, inseguro, etc. Outro ponto marcante é a cena inicial do filme, onde Nero, cercado de seus cortesãos, ensaia uma ode sobre a Queda de Tróia, que na verdade se aplicaria à destruição da própria Roma: embora a letra da canção seja fictícia, a melodia que a acompanha é da única música autêntica do período romano que chegou até os nossos dias – Trata-se do “Epitáfio de Seikilos“, que foi descoberto em um mausoléu aproximadamente do século I D.C, na Turquia, onde foram gravados os versos, acompanhados da notação musical que permitiu a reconstrução da música. O belíssimo texto em grego, que, aliás constitui uma perfeita expressão da filosofia epicurista, diz:

Enquanto viveres, brilha.

De tudo não te aflijas,

Pois curta é a vida

E o tempo cobra seu tributo

Acima, inserimos um link com o vídeo da execução da canção original. E abaixo, segue o vídeo com a cena do filme:

5- SPARTACUS (1960)

Dirigido pelo magistral Stanley Kubrick (“2001 – Uma Odisséia no Espaço”, “Laranja Mecânica”, “O Iluminado”, etc.), o filme conta a história de um escravo trácio que é treinado como gladiador e lidera uma revolta de escravos que põe em cheque a própria República Romana, constituindo um dos enredos sobre Roma preferidos pelos cineasta (tendo sido filmado duas vezes anteriormente e, no mínimo quatro vezes no total), dando também origem a uma série televisiva já na terceira temporada. Embora, por conveniência, tenhamos incluído o filme dentro do grupo “Gladiadores”, na verdade é um filme que ultrapassa essa temática, adentrando com relativa profundidade (para os padrões da indústria cinematográfica norte-americana) o campo da crítica social. Centrado na história real de Espártaco, o roteiro é consideravelmente baseado nas fontes originais romanas, notadamente Apiano e Plutarco, não obstante, com inclusões de alguns personagens fictícios, como o político Gracchus, a escrava Varínia e o escravo Antoninus. Assim, o filme começa com Espártaco (Kirk Douglas), um escravo trácio capturado em batalha e enviado para trabalhar nas minas, que é condenado à morte por insubmissão e chama a atenção do lanista (empresário dono de uma escola e de uma trupe de gladiadores) Lentulus Batiatus (personagem real mais uma vez brilhantemente interpretado por Peter Ustinov), que o compra e o leva para ser treinado em sua escola de gladiadores, em Cápua, de onde ele acaba fugindo, junto com seus companheiros e sua namorada, a escrava Varínia (Jean Simmons), liderando uma revolta à qual se juntam milhares de escravos da região, no decorrer da qual derrotam várias expedições militares romanas enviadas contra eles, até que o Estado resolve recorrer ao cruel e ambicioso general Marco Licínio Crasso (Sir Lawrence Olivier), que deseja o comando para subverter a democracia e assumir poderes ilimitados, fato que gera grande preocupação em seu inimigo político, Gracchus, um político defensor das liberdades públicas e dos direitos dos plebeus no Senado Romano e que simpatiza com as demandas dos revoltosos. Entre os senadores moderados que os dois rivais políticos tentam atrair para o seu lado está o jovem senador Caio Júlio César (John Gavin), também partidário da plebe, mas que teme o enfraquecimento ao poder romano decorrente da Revolta. Como se sabe, Espártaco e seus companheiros no final são derrotados militarmente, mas não sem antes fazerem um comovente libelo pela Liberdade e Justiça Social. Esta mensagem candente do roteiro escrito por Dalton Trumbo, roteirista perseguido no auge do Macarthismo nos EUA, levou a protestos da extrema-direita e de grupos anticomunistas contra a exibição do filme (Vale observar que a figura de Espártaco inspirou as Olimpíadas do bloco socialista, as chamadas “Espartaquíadas”). Outra polêmica foi causada pelas cenas que apontam a atração homossexual de Crasso pelo escravo Antoninus (Tony Curtis), sugestão também presente, de modo mais sutil, em uma cena entre Crasso e Júlio César nas termas. As cenas de batalha, com milhares de figurantes, são também muito boas (vide vídeo abaixo).

6- JÚLIO CÉSAR (1953)

Nenhuma relação de filmes sobre Roma pode estar completa sem uma película sobre o romano mais famoso que já existiu, e ninguém expressou com mais brilho os eventos dramáticos que culminaram no assassinato do Ditador Caio Júlio César do que o inglês William Shakespeare. Assim é que dos nove filmes que pesquisamos com o título “Júlio César”, pelo menos quatro são baseadas na peça homônima escrita pelo Bardo. E de todos eles, a versão de 1953 é considerada pelos críticos como a melhor. Dirigida pelo medalhão de Hollywood, Joseph L. Mankiewicz, diretor, produtor e roteirista de grandes filmes ( “A Malvada”, “A Condessa Descalça”, “Cleópatra”, etc), traz Marlon Brando, em grande atuação, como Marco Antônio, James Mason como Brutus e Sir John Gielgud como Cássio, e é, basicamente, uma encenação cinematográfica da célebre peça. Brando brilha no famoso discurso de Marco Antônio no funeral de César (vide abaixo).

7- CLEÓPATRA (1963)

A rainha egípcia figura em primeiro lugar entre os personagens da História de Roma levados às telas, com pelo menos 20 películas produzidas, inclusive um filme produzido no Brasil, em que Cleópatra foi interpretada por Alessandra Negrini. A superprodução de 1963, dirigida por Joseph L. Mankiewicz, custou tanto dinheiro que quase quebrou o estúdio Twentieth Century Fox, embora tenha sido um sucesso de público e sido indicada para nove Oscars, sendo vencedora de quatro estatuetas. O roteiro, baseado nos textos de Plutarco e Suetônio, inicia-se com a vitória de Júlio César (Rex Harrison) na Batalha de Farsália, após a qual, ele persegue seu rival Pompeu, o Grande até Alexandria, capital do Egito Ptolemaico. Ao desembarcar na cidade, César toma conhecimento que Pompeu havia sido morto pelos egípcios, e se vê obrigado a intervir na luta pelo trono travada entre o ainda menino Ptolomeu XIII e sua irmã Cleópatra (Elizabeth Taylor, deslumbrante), de quem César toma partido, após eles passarem a noite juntos. Boa parte do filme é centrada na relação amorosa entre Cleópatra e Marco Antônio (Richard Burton), até o trágico fim do casal. Na época, Elizabeth Taylor era a estrela máxima da Fox (ela recebeu pelo papel o maior cachê até então pago para uma atriz) e de certa forma ela se comportava no set quase como se fosse uma Cleópatra renascida (aliás, hoje, a escolha da superstar de pele alva como a neve e olhos azuis-violetas para interpretar Cleópatra certamente geraria polêmica nas redes sociais…), fazendo exigências e intervindo na produção do filme, e também tornou-se lendária a química entre ela e Richard Burton , e, de fato, os dois, apesar de ambos serem casados, iniciaram um tórrido romance durante as filmagens, fato que rendeu bastante publicidade. Mas seria Rex Harrison quem ganharia um Oscar de Melhor Ator Coadjuvante pelo papel de Júlio César. Há grandes cenas no filme, como a entrada triunfal de Cleópatra em Roma, como hóspede de César, a barcaça real de Cleópatra, a Batalha de Actium e a cena final, retratando a morte da Rainha.

8- CALÍGULA (1979)

Admitimos que muitos não concordarão com a inclusão desta versão de “Calígula” na nossa lista. De fato, este filme tem uma história conturbada. Ele foi produzido por Bob Guccione, dono e editor da revista masculina “Penthouse” e, inicialmente, parecia que a intenção era realmente produzir um filme épico com atores e roteiristas consagrados. Por exemplo, o roteiro original do filme foi escrito pelo consagrado escritor Gore Vidal, autor de romances bem densos sobre personagens e acontecimentos do Mundo Antigo e da História Americana (“Juliano”, “Criação”, “Império”, “Lincoln”, etc), mas começou sendo dirigido pelo diretor italiano Tinto Brass, que já tinha em sua filmografia filmes com conteúdo erótico. Vários atores consagrados aceitaram o convite e atuaram no filme, tais como Peter O’ Toole (Tibério), Malcolm Mcdowell (Calígula), Helen Mirren (Cesônia) e Sir John Gielgud (Nerva). A grande maioria das cenas desenvolve-se em aposentos fechados, com poucas externas, e, por isso, também não há muitos figurantes (exceto nas cenas de orgias…), mas a cenografia e os figurinos em geral são de ótima qualidade. O enredo segue fielmente o relato da Vida de Calígula escrito pelo historiador romano Suetônio. Então, a nosso ver, os que leram o texto de Suetônio não deveriam se indignar tanto com a quantidade de pornografia presente no filme. O ambiente de medo e apreensão no qual Calígula viveu ainda na adolescência, as atrocidades e a depravação que ele assistiu enquanto morou com seu tio Tibério, em Capri, as circunstâncias que resultaram na sua elevação ao trono, seu envolvimento amoroso com a própria irmã, Drusila, o seu comportamento paranóico e sua progressiva perda de contato com a realidade, resultando em seu reinado tirânico, vida devassa e assassinato, e, finalmente, os episódios de depravação e devassidão, tudo foi descrito com detalhes no livro de Suetônio, e reproduzido no filme. Todavia, o grande problema da obra foi o fato de Bob Guccione, após as filmagens terem sido concluídas, e já em trabalho de pós-produção, ter filmado e incluído várias cenas de sexo explícito encenadas com a participação de algumas “Pets” da Penthouse (como eram chamadas as modelos que posavam nuas na revista), o que, de fato, constituiu, a nosso ver, um motivo justo para os profissionais da indústria cinematográfica “mainstream” terem se sentido enganados. Devido a isso, o filme foi rejeitado por alguns participantes: Gore Vidal já havia abandonado o time durante a produção por discordâncias com Tinto Brass e este proibiu também que seu nome figurasse como diretor, e, finalmente, de modo geral, os atores mostraram contrariados. Helen Mirren, ferina, descreveu o filme como “Uma mistura irresistível de arte e genitais“. O filme também foi alvo de processos em vários países devido ao conteúdo considerado impróprio. Não obstante todas essas polêmicas, eu considero a atuação de Mcdowell no papel principal muito boa (embora muitos possam achar que ele de certa forma reproduz sua interpretação do psicopata personagem central de “Laranja Mecânica”, mesmo assim, esta cai bem em um personagem como Calígula). Para mim, o filme tem uma atmosfera sombria e surrealista que também se amolda bem ao relato de Suetônio.

9-ALEXANDRIA (2004)

Escolhemos “Alexandria“, produção espanhola falada em inglês cujo nome original é “Ágora” porque é um dos poucos filmes que retrata com fidelidade o período do Império Romano Tardio e a ascensão do Cristianismo como religião oficial do Império Romano, em detrimento da civilização clássica greco-romana e do Paganismo, nas décadas que antecederam a Queda do Império do Ocidente. O filme, dirigido por Alejando Amenábar (“Mar Adentro”, “Os Outros”) é centrado na estória da personagem histórica Hipátia de Alexandria, uma filósofa neoplatônica e professora de Filosofia, Matemática e Astronomia na Escola Neoplatônica de Alexandria, que funcionava no Mouseion (Museu), considerado por alguns como uma instituição possivelmente sucessora da famigerada Biblioteca de Alexandria. Hipátia era filha do filósofo Téon, de quem ela herdou a inteligência e o amor pela ciência e cultura clássica greco-romana - que cada vez mais se viam cercadas e atacadas pelo fanatismo das lideranças cristãs – e ela trava uma luta inglória para tentar obter apoio das autoridades seculares romanas e impedir que a Escola seja engolfada pelas disputas entre cristãos e judeus, que assolam a cidade, no final do século IV D.C. Enquanto isso, seus alunos Orestes (Oscar Isaac), que se torna o Prefeito de Alexandria, e Davus (Max Minghella), escravo de Téon, debatem-se entre o amor que eles sentem pela Filósofa e as tensões provenientes da religião a qual se converteram. Hipátia é interpretada, com muita sensibilidade, pela ótima atriz inglesa de beleza suave, Rachel Weisz, e a reconstituição da antiga Alexandria é muito bem feita.

10- RESSURREIÇÃO (2016)

Produção mais recente da nossa lista, é mais um filme passado durante o período do Império Romano que aborda temas cristãos, notadamente a prisão, execução e alegada ressurreição de Jesus Cristo. Mas o interessante neste filme é que esses eventos são vistos pela ótica de um tribuno militar romano, Clavius (Joseph Fiennes), que é encarregado pelo governador romano Pôncio Pilatos (Peter Firth) de investigar o misterioso desaparecimento do corpo de Jesus da tumba onde foi sepultado, em Jerusalém. Clavius fora o encarregado de supervisionar a crucificação de Jesus e guardar o sepulcro, e, portanto, também está diretamente interessado em descobrir e punir os culpados. Entretanto, ao proceder a investigação, entrar em contato com os apóstolos e encontrar o próprio Jesus ressuscitado, Clavius acaba sendo profundamente mudado pelos acontecimentos. Reconhecemos que, de todos os filmes relacionados, este seja o que é menos representativo como obra cinematográfica, mas achamos muito original o enredo que faz torna parte do filme similar a um filme policial ou de detetive. Como curiosidade, observamos que nunca existiu, em Roma ou no Império Romano, uma instituição policial encarregada de investigar crimes comuns. Mas havia, no Exército Romano, tropas chamadas de “speculatores” que funcionavam como batedores e faziam trabalho de reconhecimento, e, ocasionalmente espionavam o território inimigo. Mais tarde, ainda durante o Império, foi criado um corpo de “Frumentarii“, que tinham o seu próprio quartel, em Roma (Castra Peregrina) e eram encarregados de tarefas de inteligência contra opositores internos, funcionando como uma polícia secreta ou polícia política, principalmente investigando indivíduos ou grupos internos considerados perigosos pelo regime imperial. Portanto, uma missão como a dada a Clavius no filme certamente seria executada pelos Frumentarii.

“ROMA” (SÉRIE – 2005/2007) – BÔNUS

Embora, a rigor, não seja uma produção cinematográfica, mas sim uma série televisiva, eu considero impossível para o leitor interessado no tema não mencionar a série da HBO, que, infelizmente, só conseguiu ser produzida para duas temporadas, devido aos custos astronômicos.

E esses custos decorrem, em sua maior parte, da primorosa produção, que, por exemplo, investiu milhões de dólares na construção de cenários grandiosos e muito historicamente acurados nos célebres estúdios Cinecittá, na própria Roma.

Entre os principais motivos que tornam “Roma” uma série imperdível é o fato de ser a única, na minha opinião, que conseguiu chegar mais perto de como seria a Antiga Roma real do século I A.C: Uma cidade enorme para os padrões da Antiguidade, com algumas construções grandiosas, mas que cresceu quase sem planejamento nenhum, onde as multidões se espremiam pelas ruas, frequentemente sujas. Uma cidade ruidosa e multicolorida. Uma cidade onde a maioria comia na rua, em tabernas (termopólios) comidas exóticas, onde ricos aristocratas circulavam em meio a multidão de proletários e escravos tentando ganhar a vida. A série retrata bem uma República estraçalhada por conflitos sociais, corrupção disseminada e disputas políticas resolvidas na base da intimidação e violência, de certa forma como se fosse uma mistura de Washington, Brasília e Mumbai transplantados para a Antiguidade, sendo que muitos estudiosos já disseram que a política no Império Romano seria bem semelhante a de alguns países do que já foi chamado de Terceiro Mundo.

O fio condutor dos episódios são os dois personagens principais, o centurião Lucius Vorenus (Kevin McKidd) e o legionário Titus Pullus (Ray Stevenson), que servem na mesma legião sob o comando de Júlio César, na Gália, sendo que esses dois militares de fato foram expressamente mencionados por César em seus “Comentários sobre as Guerras Gálicas“, em uma passagem. Durante as duas temporadas, os dois participam diretamente de vários episódios históricos no contexto da Guerra Civil do Primeiro (César x Pompeu) e do Segundo Triunvirato (Otávio x Marco Antônio). Realmente, alguns acontecimentos são bem romanceados e outros são simplesmente inventados, mas, no geral, a série retrata bem o contexto histórico em que eles ocorreram. Ciarán Hinds talvez tenha feito a melhor interpretação de Júlio César já filmada. Outros personagens marcantes são: Atia (Polly Walker), mãe de Otávio (Mark Pirkis e Simon Woods, nas fases adolescente e adulta), que era amante de Marco Antônio (James Purefoy) e inimiga figadal de Servília (Lindsay Duncan), que por sua vez, era amante de César e mãe de Brutus (Tobias Menzies), o enteado e assassino do Ditador; Marco Túlio Cícero (David Bamber); e também: Posca (Nicholas Woodeson), escravo de César; Níobe (Indira Varma), esposa de Vorenus; e Cleópatra (Lindsay Marshal).