ESTILICÃO – GENERAL DE ORIGEM VÂNDALA E FIEL DEFENSOR DO IMPÉRIO ROMANO

Em 22 de agosto de 408 D.C, o Comandante-em-chefe do Exército Romano do Ocidente, Marechal Flávio Estilicão, foi executado em Ravena, sete dias após sua prisão, por ordem do Imperador Romano do Ocidente, Honório.

Flávio Estilicão (Flavius Stilicho) nasceu por volta de 359 D.C., filho de um guerreiro da tribo germânica dos Vândalos, provavelmente um chefe que deve ter servido ao império romano durante o final da dinastia constantiniana (305 – 363 D.C.) e que se casou com uma cidadã romana. Por isso, algumas fontes se referem a Estilicão como “meio-vândalo”.

Seguindo a carreira do pai, Estilicão entrou no exército romano e, ainda jovem, deve ter se destacado bastante durante o início do reinado do imperador Teodósio, o Grande, pois, já em 383 D.C., ele foi enviado como embaixador à corte de Sapor III, rei do Império dos Persas Sassânidas, para tratar da partilha da Armênia. Note-se que uma das características marcantes do reinado de Teodósio foi a preferência pelo emprego de contingentes bárbaros em detrimento dos remanescentes do exército romano tradicional.

De volta da Pérsia, Estilicão foi promovido a Conde dos Estábulos (“Comes Stabuli”), responsável pelos estábulos imperiais. um título que foi preservado durante o reino dos Francos e sobreviveria até nossos dias sob a forma inglesa “constable” (Chefe de Polícia) (ou, ainda, “condestável”, em português).

Pouco depois, Estilicão seria promovido a marechal (“Magister Militum”), e, como prova da sua alta consideração na Corte, em 384 D.C., ele se casaria com Serena, sobrinha de Teodósio, que lhe daria um filho, Euquério, e duas filhas, Maria e Termântia. Esse fato mostra que, ao contrário da maioria dos Vândalos, que professavam a heresia ariana, Estilicão era cristão ortodoxo-niceno,  credo professado pela casa de Teodósio.

Depois disso, Estilicão, como general, participou das vitórias contra os bárbaros Visigodos e Bastarnae, em 391 D.C.

Em 394 D.C, Estilicão, combatendo junto com o rei Godo Alarico, foi o principal comandante na importante Batalha do Rio Frígido, combate no qual derrotou o o usurpador Eugênio, que havia sido colocado no trono, em 392 D.C., pelo general franco Arbogaste, o homem-forte do Império do Ocidente, ambos os quais esposavam a causa do renascimento pagão, apoiado pela facção mais tradicional do Senado Romano. Com a vitória, Teodósio passou a reinar sobre as duas metades do Império, mas não por longo tempo, pois ele morreria no ano seguinte, em 395 D.C.

Em seu leito de morte, Teodósio legou o Império Romano aos seus dois filhos: Honório, que ficaria com a Parte Ocidental e que tinha 8 anos quando na morte do pai; e Arcádio, de 12 anos, que reinaria sobre a Parte Oriental. Como tutores dos garotos e, na prática, regentes de fato do Império, o imperador agonizante nomeou, em relação a Honório, o marechal Estilicão, e, para tutelar Arcádio, foi nomeado Rufino, um alto funcionário palaciano e homem de Estado.

Entrementes, após a Batalha do Rio Frígido, o rei Alarico, convicto de que os seus guerreiros eram os que mais tinham se sacrificado pela vitória de Teodósio naquela ocasião, a partir da morte deste imperador passou a exigir altas recompensas para si e para o seu povo, não obtendo, todavia, o reconhecimento pretendido. Eleito formalmente Rei pelos visigodos (relatando-se o célebre costume germânico de erguer o novo rei em cima de um escudo) – e valendo ressalvar que alguns historiadores consideram que a aclamação dele teria ocorrido anteriormente, em 391 D.C), Alarico liderou uma revolta dos Godos contra o Império Romano, chegando, inicialmente, a marchar até os muros de Constantinopla, desistindo, entretanto, de sitiar a capital em função da solidez dos seus muros. Em seguida, os Visigodos devastaram a Macedônia e a Grécia, saqueando e destruindo as históricas cidades de Corinto, Mégara. Argos e Esparta, porém poupando Atenas.

Essa incursão foi facilitada pelo fato do Exército do Oriente estar ocupado com uma incursão dos primeiros grupos de Hunos que começavam a chegar e que, décadas mais tarde, assolariam o Império unidos sob o comando de Átila.

Diante disso, Rufino, o Prefeito Pretoriano e Regente do Império Romano do Oriente, tentou negociar em pessoa com Alarico. Ocorre que, naquele momento, Estilicão dirigia-se, através da Ilíria em direção à Grécia, para dar combate aos Visigodos de Alarico. Porém, por manipulação de Rufino, o jovem imperador Arcádio ordenou que Estilicão desse meia-volta e abandonasse com seu exército o território do Oriente. E isto era tudo o que Alarico precisava no momento, já que o exército de Estilicão no momento era mais poderosos do que o dos Godos. O motivo mais provável para a atitude de Rufino seria impedir que o regente do Ocidente aproveitasse a oportunidade para se tornar também o governante de fato do Oriente, e, ainda, para evitar que ele auferisse os louros da vitória.

No entanto, o comportamento traiçoeiro de Rufino foi tão mal-recebido pelos militares orientais que os próprios soldados da sua escolta o assassinaram. Livre, assim, da má influência de seu tutor, e, momentaneamente, bem assessorado por outros oficiais, o imperador Arcádio chamou Estilicão de volta para auxiliar Constantinopla na luta contra os Visigodos.

O leal e patriota general acedeu prontamente e, entrando na Grécia com seu exército, conseguiu, em 397 D.C, cercar Alarico nas montanhas do Peloponeso, de onde somente os bárbaros conseguiram escapar com muita dificuldade. Em verdade, os Visigodos estavam em uma posição tão vulnerável que Estilicão, na época, foi acusado de ter deixado intencionalmente eles escaparem e esse fato é objeto de discussões até os dias de hoje: Alguns historiadores acreditam que Estilicão recebeu novamente de Constantinopla ordens de partir; já para Zósimo, historiador romano do período, isso deveu-se ao excesso de confiança por parte do general romanos, que também gostaria demasiadamente de luxo e mulheres. Outros, ainda, acreditam que as tropas de Estilicão, compostas de contingentes majoritariamente germânicos, não seriam confiáveis, e teriam deliberadamente poupado os seus “compatriotas”. E há também quem diga que Estilicão ficou impossibilitado de liquidar os bárbaros porque teve que lidar com a revolta de Gildo, na África, que estourou no mesmo ano.

Seja como for, o fato é que Alarico e seus Visigodos conseguiram escapar em direção ao norte, cruzando e pilhando o Épiro e chegando até a Ilíria, levando consigo o produto do saque à Grécia.

Mais grave, entretanto, para os romanos, foi o fato de Alarico, no final dessa campanha, ter conseguido fazer o fraco Imperador Romano do Oriente nomeá-lo Marechal das Forças Armadas (“Magister Utriusque Militiae“), fato que permitiu aos Visigodos ter acesso aos arsenais e fábricas militares do Império Romano na Ilíria.

Não obstante, em 398 D.C., o imperador Honório casou-se com Maria, a filha mais velha de Estilicão, que tinha apenas 14 anos, selando a sua posição de homem-forte do Império Romano do Ocidente. Isto tornava o general de origem vândala membro da família imperial, até então uma posição inaudita para alguém de sangue bárbaro.

O assoberbado Estílicão, contudo, não pôde desfrutar de seu novo status, porque, além de ter de lidar com a revolta do Conde da África, Gildo, e ainda teve que combater uma guerra na Britânia.

Diante das vicissitudes enfrentadas por Estilicão, o insaciável Alarico, percebendo a fraqueza da parte ocidental, deu início à sua 1ª invasão da Itália, em 401 D.C. Assim, no ano seguinte, os Visigodos alcançaram Milão, a então já centenária capital do Império Romano do Ocidente, e, desafiadoramente, ali sitiaram o próprio imperador Honório. Contudo, mesmo após armarem-se nos arsenais imperiais da Ilíria, aos bárbaros ainda faltava o “know-how” para o assédio às muralhas de Milão.

Mais uma vez, a situação foi salva por Estilicão, que derrotou Alarico em Polentia, no Piemonte, capturando, inclusive a esposa do rei bárbaro. Alarico então deixou a região, mas, perseguido pelas tropas romanas, ele foi novamente derrotado por Estilicão nas cercanias de Verona, em 403 D.C., resolvendo voltar para a Ilíria.

A grande consequência dessa incursão de Alarico foi convencer o imperador Honório a deixar Milão e estabelecer a sua Corte na cidade de Ravena. O motivo desta escolha é que Ravena era uma cidade cujo acesso por terra somente poderia ser feito cruzando-se extensos pântanos que faziam parte de uma laguna e, portanto, ela era muito difícil de ser invadida pelos bárbaros. Além disso, a cidade poderia ser abastecida pelo mar, em caso de cerco, através do Porto de Classe.

Entretanto, a mudança da capital para Ravena teria influência decisiva na estratégia imperial adotada nos futuros cercos de Alarico a Roma…enquanto isso, uma catástrofe tomava vulto…

Com efeito, infelizmente, para os romanos, durante o inverno rigorosíssimo do ano de 406 D.C. o rio Reno congelou. E este não muito frequente fenômeno foi prontamente aproveitado por um grande número de tribos bárbaras que tinham migrado para a margem oriental do Rio fugindo dos Hunos. Estes povos eram sobretudo Vândalos, Suevos e Alanos. Para piorar esta situação, quando essa horda começou a atravessar para o lado ocidental, controlado pelos romanos, não havia nenhuma tropa romana suficiente para resistir, pois, justamente naquele mês, Estilicão tinha sido compelido a deslocar as tropas romanas estacionadas na Gália para enfrentar a segunda invasão de Alarico à Itália.

Como resultado imediato, a Gália foi severamente devastada pelos invasores, os quais, desta vez, tinham vindo para ficar. Ela era a província mais rica do Ocidente e nunca mais se recuperou; E, não muito tempo depois viriam os Francos, os Alamanos e os Burgúndios.

Por incrível que possa parecer, em meio a esse caos, os romanos ainda gastavam seus parcos recursos em lutas internas. De fato, logo após a invasão da Gália e o desaparecimento do exército local, o comandante da última legião da Britânia, Flávio Constantino, foi aclamado imperador romano do Ocidente pelas suas tropas, em 407 D.C. Adotando o nome de Constantino III, ele deixou a ilha e desembarcou na Gália para tentar defender esta importante província das incursões bárbaras.

O fato é que o caos resultante da travessia do Reno pelos bárbaros era uma oportunidade que Alarico não poderia desperdiçar e ele intensificou a ofensiva contra Honório. Estilicão, dessa vez, concordou em pagar 4 mil libras de ouro a Alarico e o visigodo, aceitando, deu meia-volta e tirou as suas tropas da Itália.

Para a surpresa geral, o Senado Romano sentiu-se ultrajado pelo pagamento do “resgate” do Ocidente a Alarico, tendo um senador inclusive assinalado, em um discurso indignado:

“Isto não é um tratado de paz, mas um pacto de servidão!”.

Esse fato, mais a invasão da Gália e a revolta de Constantino III minaram o prestígio de Estilicão na Corte de Honório, E o general ainda continuava enredado nas intrigas da Corte e absorvido nas disputas entre Oriente e Ocidente.

Em 408 D.C, Estilicão conseguiu casar sua segunda filha, Termântia, com o próprio Imperador Honório, recém viúvo de Maria (ela morrera no ano anterior), mantendo-se, assim, como membro da família imperial. Cresceram na Corte as suspeitas que o romano metade vândalo aspirava o trono para si. Essas suspeitas cresceram quando Arcádio, o imperador do Oriente, morreu: Honório, como imperador romano, planejou ir à Constantinopla tratar da sucessão do irmão falecido, mas foi aconselhado a não ir por Estilicão, que se ofereceu para ir em lugar dele.

No início de agosto, algumas tropas se rebelaram na Itália, provavelmente instigadas por adversários políticos de Estilicão. Ameaçado, o general refugiou-se em Ravenna, onde ele acabou sendo preso.

Então, Olímpio, um ministro da corte de Honório, convenceu o jovem imperador que Estilicão planejava usurpar o trono do Oriente. Honório, indignado, ordenou a morte do fiel e valoroso general.

Consta que Estílicão poderia ter facilmente resistido à sua sentença de morte, pois eram muitos os soldados que lhe eram fiéis, mas ele aceitou resignada e obedientemente o seu fim. Estilicão foi executado em 22 de agosto de 408 D.C. Pouco depois, executaram seu filho, Euquério.

Muitos consideram que a execução de Estilicão foi um golpe que Honório deu no próprio Império Romano: Logo após a execução do infeliz general, alguns populares romanos atacaram famílias de soldados bárbaros federados que formavam o exército de Estilicão e cerca de 30.000 soldados desse exército desertaram e fugiram, juntando-se a ninguém menos do que Alarico!

Em consequência, a Itália ficou indefesa, iniciando-se a cadeia de eventos que resultaria no dramático Saque de Roma por Alarico e seus Visigodos, em 410 D.C.