LUCANO

Em 30 de abril de 65 D.C., morreu, em Roma, o poeta Lucano.

Lucan

Nascido em 3 de novembro de 39 D.C., em Corduba (atual Córdoba, na Espanha), na província romana da Hispania Betica, Marcus Annaeus Lucanus era sobrinho do grande filósofo estoico Sêneca, o Jovem, que foi o seu tutor, e neto do retórico, orador e escritor Sêneca, o Velho.

A família de Lucano fazia parte da classe Equestre (2º nível da nobreza romana) e vários dos seus membros se destacaram nas artes literárias.

Assim, Lucano estudou retórica em Atenas e aprendeu filosofia com seu tio,Sêneca.

Durante o reinado de Nero, Lucano se destacou e ficou amigo íntimo do imperador, que era muito afeito à arte em geral. Nero, inclusive, chegou a nomear o poeta para o cargo de Questor, apesar de Lucano ainda não ter a idade mínima exigida para exercer aquela magistratura.

Em 60 D.C, Lucano recebeu um prêmio por declamar os poemas Orpheus e Laudes Neronis, nos jogos quinquenais comemorativos do 5º ano do reinado de Nero. Foi nessa época que Lucano publicou o primeiro dos três livros de seu poema épico Pharsalia ou De Bello Civili, contando a estória da guerra civil entre Júlio César e Pompeu. A esposa de Lucano, Polla Argentaria teria ajudado Lucano a escrever este poema.

A grandeza precipita-se sobre si mesma: esse limite foi imposto pelos deuses ao crescer da prosperidade“.

Contudo, provavelmente devido a inveja que Nero, segundo o relato de Tácito, costumava sentir do talento de vários artistas, ou, de acordo com Suetônio, pelo desinteresse que o imperador passou a demonstrar pela obras do poeta, Lucano e Nero se afastaram. Lucano então escreveu alguns poemas ofensivos a Nero e a publicação de suas obras foi proibida.

De fato, Lucano teria escrito um poema, chamado “De Incendio Urbis” (Do Incêndio da Cidade), descrevendo como “as indescritíveis chamas do criminoso tirano vagaram pelas colinas de Remo“, em uma óbvia alusão aos rumores de que Nero teria sido o responsável pelo grande incêndio de Roma, ocorrido em 64 D.C.

Entretanto, em 65 D.C., Lucano seria implicado na chamada Conspiração Pisoniana, uma trama para derrubar Nero liderada pelo senador Caio Calpúrnio Pisão. Quanto a informação chegou ao imperador, este mandou que o poeta se suicidasse, provavelmente como condição para que a sua esposa (não sabemos se ele tinha filhos) fosse poupada. Consta que Lucano, na esperança de obter perdão, teria incriminado outras pessoas, incluindo a sua mãe, o que para muitos estudiosos parece duvidoso, já que ela não foi condenada.

Lucano então, cortou as próprias veias e entrou em uma banheira de água quente, para acelerar a hemorragia. Enquanto sangrava na banheira, Lucano, segundo Tácito, começou a recitar uns versos que, tempos atrás, ele havia composto sobre a morte de um soldado ferido, sendo essas as suas últimas palavras. Lucano tinha apenas 25 anos de idade.

Uma cena semelhante à que foi imortalizada no filme “Quo Vadis“, onde o personagem “Petronius” tem as veias cortadas e morre lentamente em uma banheira, para salvar os seus entes queridos da punição de Nero.

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Sabemos que Polla Argentaria sobreviveu ao marido, pois o poeta Estácio, no dia do aniversário de Lucano, escreveu um poema em sua homenagem, dedicando-o à viúva do poeta, já no reinado de Domiciano (81-96 D.C.).

Lucano escreveu pelo menos quinze obras conhecidas, mas somente o épico Farsália sobreviveu até os nossos dias.

MARCO AURÉLIO – O IMPERADOR-FILÓSOFO

Em 26 de abril de 121 D.C., nasceu, em Roma, Marcus Annius Verus (Marco Aurélio), filho de Marcus Annius Verus (III) e Domitia Lucilla, a Jovem.

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Por parte de pai, Marco Aurélio era integrante de uma distinta família da classe senatorial, originária da Hispânia, mais especificamente da cidade de Ucubi, próximo à Corduba (Córdoba), uma região que enriquecera graças à plantação de oliveiras e produção de azeite. O seu bisavô, também chamado Marcus Annius Verus (I), chegou até a ser Pretor e Senador, mas a família ascendeu mesmo a partir da chegada de seu conterrâneo Adriano ao trono, em companhia de outras famílias aristocráticas daquela província, que, em sua grande maioria tinham parentesco, consanguíneo ou por afinidade, com Adriano e também com o seu antecessor, Trajano.

Em suas raízes ancestrais, acredita-se que a família de Marco Aurélio fosse um ramo da originalmente plebeia gens Annia, de Setia (atual Sezze), no Lácio, cidade fundada pelo povo itálico dos Volscos  e que se tornou colônia de Roma em 382 A.C. Os Ânios  devem ter chegado ao Senado no final do século III A.C. e, no século seguinte, alguns de seus membros conseguiram ser eleitos Cônsules, a mais alta magistratura da República Romana.

O avô de Marco Aurélio, igualmente de nome Marcus Annius Verus (II), foi nomeado Cônsul Suffectus (isto é, substituto ou extraordinário) para o ano de 97 D.C., ainda durante o reinado de Trajano. Este Annius Verus era amigo pessoal do imperador Adriano e, graças a isso, ele foi nomeado Prefeito de Roma e, por duas vezes, Cônsul ordinário, nos anos de 121 e 126 D.C.

Já  a mãe de Marco Aurélio, Domitia Lucilla, era filha de Publius Domitius Calvisius Tullus Ruso e de Domitia Lucilla, a Velha, esta, por sua vez, filha adotiva de Lucius Catilius Severus, que foi Cônsul nos reinados de Trajano (110 D.C.) e Adriano (120 D.C.).

Domitia Lucilla era uma mulher riquíssima, que herdou de sua mãe um grande complexo de olarias e fábricas de tijolos nas cercanias de Roma, as quais forneceram boa parte dos tijolos para a construção de grandes monumentos tais como o Coliseu, o Mercado de Trajano e o Pantheon.

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(um dos tijolos da fábrica dos Domitii, como diz a estampa)

Marcus Annius Verus (III) e Domitia Lucilla, a Jovem também tiveram, por volta de 122 D.C, uma filha, que recebeu o nome de Annia Cornificia Faustina.

Quando Marco Aurélio tinha apenas três anos, o pai dele morreu e ele passou ao pátrio poder do seu avô, que passou a criá-lo. Não obstante, apesar de pouco ter convivido com o  pai, anos mais tarde, em sua obra “Meditações“, Marco Aurélio escreveria que foi através das memórias e da reputação paterna que ele aprendeu a ter “modéstia e hombridade“.

Igualmente, no que se refere à mãe, Domitia Lucilla, Marco Aurélio menciona que ela lhe ensinou a ter “devoção religiosa e simplicidade na dieta” e a “evitar as manias dos ricos“.

Efetivamente, Marco Aurélio nasceu em um ambiente de afluente riqueza, crescendo na elegante casa de seus pais, no Monte Célio, bairro aristocrático de Roma coalhado de mansões. Em seus escritos, ele se refere carinhosamente ao bairro como “Meu Célio“.

Caelian_Hill foto de Roundtheworld(Panorama do Monte Célio, em Roma)

Ao avô, Marco Aurélio também se mostra agradecido, por ele lhe ter ensinado “a ter bom caráter e evitar o mau gênio

Como todo bom jovem aristocrata romano, a educação básica de  Marco Aurélio, dos sete aos onze anos, ficou a cargo de tutores, sabendo-se que dois deles se chamavam Euphoric e Geminus.

Com doze anos, a educação de Marco Aurélio passou para dois grammatici, e ele também foi introduzido ao estudo de ciências e artes, sob a responsabilidade de Andros, um professor de geometria e música, e de Diognetus, um mestre de pintura e professor de filosofia. Este último teve grande influência sobre Marco Aurélio, ensinando-o a pensar filosoficamente, a não acreditar em superstições ou dar atenção exagerada aos esportes de luta. Influenciado pelas lições de Diognetus, que parece ter sido estoico, Marco Aurélio adotou, ainda adolescente, o costume de se vestir como um filósofo grego e até o de dormir no chão, para o desespero de sua mãe.

Deram continuidade à educação de Marco Aurélio os tutores Alexandre de Cotiaeum, Trosius Aper e Tuticius Proculus, os dois últimos, professores de latim. Vale citar que Alexandre era o maior especialista romano em Homero e, segundo o próprio Marco Aurélio, ele o ensinou a dar ênfase ao conteúdo sobre o estilo.

Com apenas seis anos de idade, Marco Aurélio foi incluído na Ordem Equestre, o segundo nível da nobreza romana, por ordem do imperador Adriano. Segundo as fontes, este imperador sempre simpatizou com Marco Aurélio, e assegurou ao menino a participação em vários postos prestigiosos para a juventude aristocrática romana, como o colégio de sacerdotes juvenis dos “Sálios”.

De fato, Adriano costumava chamar Marco Aurélio de “Verissimus“, fazendo uma brincadeira com o nome do menino (que, então, ainda se chamava “Marcus Annius Verus”), palavra que significa “muito verdadeiro” e “confiabilíssimo”.

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Depois de ficar um longo período afastado de Roma, viajando, Adriano retornou à Cidade em 135 D.C. Porém, no ano seguinte, ele ficou muito doente e, após uma crise de hemorragia, achando que ia morrer, consciente do fato que não tinha filhos, Adriano adotou como herdeiro Lucius Ceionus Commodus, que passou a se chamar Lucius Aelius Caesar.

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(Busto de Lucius Aelius Caesar, foto de Jastrow)

Naquele mesmo ano de 136 D.C., Marco Aurélio assumiu a “toga virilis“, veste que simbolizava a sua chegada à idade adulta. Como prova da estima e do favor que o rapaz gozava junto ao imperador, Adriano arranjou o casamento de Marco Aurélio com Ceionia Fabia, filha de Lucius Ceionus Commodus (Lucius Aelius Caesar), o herdeiro imperial.

Contudo, em 1º de janeiro de 138 D.C., Lucius Aelius Ceasar morreu subitamente de hemorragia (é bem possível que estivesse grassando alguma febre hemorrágica na região).

Necessitando de um novo herdeiro, Adriano, no dia 24 do mesmo mês, escolheu oficialmente Titus Aurelius Fulvus Boionius Arrius Antoninus (Antonino Pio) como seu sucessor, com a condição de que este, por sua vez, adotasse Marco Aurélio e Lúcio Vero (filho de Lucius Aelius Caesar), como seus herdeiros. Em virtude dessa adoção por Antonino, Marco Aurélio passou a se chamar Marcus Aelius Aurelius Verus.

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(Busto de Antonino Pio)

Note-se que Antonino era casado com Annia Galeria Faustina (Faustina, a Velha), tia de Marco Aurélio, que era sobrinha da imperatriz Vibia Sabina, esposa de Adriano.

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(Busto de Faustina, a Velha)

Em 10 de julho de 138 D.C., Adriano faleceu em Baiae, um balneário chique na costa da Campânia, após uma prolongada agonia. A sua sucessão foi tranquila e Antonino assumiu imediatamente o trono, mantendo os principais magistrados e auxiliares de Adriano nos cargos, e tranquilizando o Senado Romano de que os seus privilégios seriam respeitados.

A privilegiada posição na Corte Imperial do jovem Marco Aurélio, que naquele momento tinha apenas 17 anos, foi reafirmada pelo fato da Antonino ter pedido que ele rompesse o compromisso com Ceionia Fabia e se comprometesse a casar-se com a filha dele, Annia Galeria Faustina Minor (Faustina, a Jovem), o que foi prontamente aceito.

Faustine_la_Jeune_01(Busto de Faustina, a Jovem)

No início do pacífico e estável reinado de Antonino Pio, Marco Aurélio continuou seu aprimoramento intelectual tornando-se aluno de Marco Cornélio Frontão, um famoso gramático, retórico e advogado, que se tornaria um de seus amigos mais íntimos e era considerado um dos maiores oradores romanos. A correspondência entre Marco Aurélio e Frontão foi preservada e é muito útil para demonstrar a evolução do pensamento do primeiro e o ambiente no círculo imperial.

Marco Aurélio também estudou com Herodes Ático, um influente e riquíssimo aristocrata ateniense, que também era um reconhecido filósofo sofista e foi convidado por Antonino para residir em Roma, com o propósito específico de ser professor dos herdeiros Marco Aurélio e Lúcio Vero. Outro importante integrante do círculo de professores de Marco Aurélio foi o filósofo grego Apolônio de Calcedônia, com quem ele se aprofundou no estudo do Estoicismo.

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(Busto de Herodes Ático)

O treinamento público de Marco Aurélio para suceder Antonino começou assim que este assumiu o trono. De fato, ainda com 18 anos de idade, o jovem herdeiro passou a participar das reuniões do Conselho Imperial. Assim, em 140 D.C, Marco Aurélio, foi nomeado Cônsul pela primeira vez, e, novamente, em 145 D.C.

Neste mesmo ano, ele se casou com Faustina, a Jovem. Curiosamente, como Marco Aurélio era filho adotivo de Antonino, tratava-se, legalmente, de uma união incestuosa com a sua irmã. Assim, foi preciso que Antonino revogasse expressamente o seu pátrio poder sobre o noivo, para que o casamento pudesse se realizar.

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(O jovem Marco Aurélio, em uniforme de general)

Vale citar que o casamento de Marco Aurélio e Faustina, a Jovem seria um dos mais prolíficos, senão o mais fértil, dentre todos os casamentos imperiais da História de Roma. Eles teriam treze filhos, nascidos no decorrer de vinte e três anos! A primeira filha, Antonina Faustina, nasceu em  30 de novembro de 147 D.C. Contudo, a maioria dessa prole morreria na infância, de doenças variadas. Porém, em 31 de agosto de 161 D.C., durante os primeiros meses do futuro reinado de Antonino, nasceu Lucius Aurelius Commodus (Cômodo), que sucederia o pai no trono.

Embora Lúcio Vero também estivesse recebendo educação esmerada, tudo indica que Antonino considerava Marco Aurélio a opção preferencial para ser o sucessor dele, ou talvez, um “herdeiro-sênior”. Com efeito, em 146 D.C., Marco Aurélio recebeu o “Poder Tribunício” e o “Imperium Proconsular“, atributos que somente o Imperador podia deter.

Em 160 D.C., ficou claro que a saúde de Antonino Pio, aos 70 anos de idade, estava ruim. Neste  mesmo ano, Marco Aurélio e Lúcio Vero foram nomeados Cônsules.

No ano seguinte, em 07 de março de 161 D.C, em sua propriedade familiar situada em Lorium, na Etrúria, Antonino Pio convocou o Conselho Imperial e comunicou-lhes que entregava o Império e sua filha a Marco Aurélio. Horas depois, o imperador faleceu.

Novamente, a sucessão foi pacífica. Notavelmente, Marco Aurélio, ao receber todos os títulos, poderes e honrarias imperiais, solicitou ao Senado que Lúcio Vero, respeitando a vontade de Adriano, também deveria ser aclamado Imperador, o que foi obedecido.

Marco Aurélio manteve o costume de dar um donativo à Guarda Pretoriana, quando da ascensão de um novo imperador. Porém, a gratificação foi o dobro do que tinha sido dado em ocasiões anteriores, já que formalmente eram dois os príncipes que ascenderam ao trono.

Todavia, embora a Guarda tenha se mantido fiel durante o seu longo reinado, no futuro, a ganância dos Guardas em assegurar novos donativos seria causa de inúmeros assassinatos de imperadores. Assim, se por um lado podemos conjecturar  que Marco Aurélio tenha sido sábio em agradar a Guarda e assegurar a fidelidade dos soldados, por outro lado não é absurdo pensar que ele pode, impensadamente, ter estimulado futuras e reiteradas conspirações deles.

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(Busto de Lúcio Vero)

Logo no início do seu reinado, Marco Aurélio teve que desvalorizar o denário, reduzindo o percentual de prata na moeda. Não se sabe o motivo exato, mas é possível isso tenha sido causado pela necessidade de fazer frente aos crescentes gastos com campanhas militares.

Com efeito, desde o princípio, o reinado de Marco Aurélio seria afligido pela necessidade de travar guerras quase contínuas nas fronteiras, e, em pouco tempo, por uma terrível peste.

Os antigos acreditavam que os Deuses se divertiam com as agruras humanas e, depois de vinte anos de reinado calmo e pacífico de Antonino Pio, agora o Império Romano seria governado por um imperador adepto do Estoicismo, corrente filosófica que acreditava que a virtude era a única fonte de felicidade e que, por isso,  o homem-sábio deveria suportar as adversidades e tentar fazer aquilo que era o seu dever. E isso foi justamente o que Marco Aurélio nunca deixou de fazer enquanto imperador.

Ainda durante os últimos dias do reinado de Antonino Pio, o rei Vologeses IV, da Pártia, havia invadido a Armênia, que então era um reino-cliente de Roma, depondo o monarca e instalando no trono um aliado seu, Pacorus, no que constituía um evidente ato de hostilidade ao Império Romano. O governador da Síria, Severianus pensou que podia conter sozinho a ameaça e invadiu a Armênia, mas ele acabou sendo derrotado e morto pelo exército Parta, que dizimou a IX Legião Hispana. Naquela ocasião, Marco Aurélio já tinha assumido o trono.

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(Este grafito de um catafracto, um cavaleiro couraçado, o principal elemento das tropas do Império Parta, foi encontrado na cidade de Dura-Europos)

Diante da seriedade da ameaça, Marco Aurélio resolveu mandar seu colega Lúcio Vero em pessoa para assumir nominalmente o comando do Exército Romano na região, bem como dos reforços que foram enviados para a província ameaçada. Observe-se que, embora Lúcio Vero não tivesse qualquer experiência militar, a sua presença em Antióquia, que seria o quartel-general das operações, era uma afirmação imperial da importância da campanha.

Assim, Lúcio Vero, que, diga-se de passagem, durante a guerra pareceu mais preocupado em desfrutar os prazeres de Antióquia, estava assessorado pelos melhores generais de Roma, incluindo Avídio Cássio e Marco Cláudio Frontão.

Então, Marco Cláudio Frontão, comandando a  Legião I Minervia, em conjunto com a Legião V Macedonica, comandada por Públio Mátio Vero, conseguiu tomar a capital armênia, Artabata, em 163 D.C, e destronar Pacorus, reinstalando o aristocrata romano Gaius Julius Soahemus, um membro da elite senatorial romana, que tinha origem armênia e parta e também era membro da dinastia arsácida, no trono.

A capital da Armênia foi transferida, em 164 D.C., para a cidade de Kaine Polis, a apenas 50 km da fronteira romana. Em consequência, Lúcio Vero e Marco Aurélio foram saudados pelas tropas como Imperatores, o primeiro recebendo o título de “Armeniacus“.

Os Partas, enquanto isso, intervieram em Osroene, outro reino-cliente de Roma, na Alta Mesopotâmia, onde também instalaram outro aliado, mas o Exército Romano da Síria, reforçado por legiões do Danúbio, conseguiu igualmente expulsa-los, entre 164 D.C. e 165 D.C., capturando a capital de Osroene, a cidade de Edessa.

Os romanos começaram, em seguida, os preparativos para a invasão da Mesopotâmia, o coração do Império Parta.

Avançando pela Mesopotâmia, durante o ano de 165 D.C, os Romanos impuseram várias derrotas aos Partas, que recuaram para a estratégica cidade de Nisibis, que, no entanto, foi sitiada e capturada pelo Império Romano, na posse de quem ficaria durante várias décadas. Enquanto isso, a outra ala do Exército Romano, comandada por Avídio Cássio, infligiu outra derrota aos Partas na cidade de Dura-Europos.

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(Panorama da cidade de Dura-Europos, conquistada pelos Romanos)

No final do ano de 165 D.C., o exército de Avídio Cássio avançou pela Mesopotâmia e sitiou as cidades de Seleucia e Ctesifonte, a capital do Império Parta, que ficavam nas margens opostas do rio Tigre. Seleucia, cuja população era em grande parte de origem grega, abriu as portas para os Romanos, o que não os impediu de saqueá-la, para indignação de muitos contemporâneos . Já Ctesifonte foi tomada após um cerco, após o qual foi queimado o  palácio real dos Partas. Pela segunda vez, Lúcio Vero e Marco Aurélio foram saudados como Imperatores, e o primeiro recebeu o título de “Parthicus“.

A campanha prosseguiu e o exército romano invadiu a parte nordeste do Império Parta, com a invasão da Média e, por esse motivo, no ano seguinte, houve nova aclamação dos dois imperadores, tendo Lúcio Vero sido agraciado com o título de “Medicus“.

Todavia, a grande vitória obtida por Marco Aurélio Lúcio Vero no Oriente teria um imprevisível e terrível custo: As tropas romanas contraíram, segundo as fontes, na cidade de Seleucia, a chamada “Peste Antonina” (moléstia provavelmente originária da China e que hoje acredita-se ter sido uma epidemia de varíola ou de sarampo), trazendo a doença para o seio do Império Romano.

Em decorrência da Peste Antonina, que, acredita-se, tinha uma taxa de mortalidade de 25%, estima-se que 5 milhões de romanos morreram, sendo que, em alguns lugares, metade da população pereceu. E dentre os infectados estaria o próprio Lúcio Vero, que, no fim do ano de 168 D.C, teria contraído a doença, morrendo em 23 de janeiro de 169 D.C.

Mas outra campanha sangrenta, e muito mais prolongada, iniciou-se quando a guerra contra os Partas ainda não havia sequer se encerrado:

Já em 162 D.C., bárbaros germânicos das tribos dos Chauci e dos Catos tentaram invadir as províncias da Rétia e da Germânia Superior, sendo repelidos.

No final do ano de 166 D.C. e no início do ano seguinte, invasores Lombardos (lungobardi) cruzaram o Danúbio e invadiram a província da Panônia, mas também foram contidos por destacamentos da Legião I Adiutrix. Então, o governador da Panônia tentou negociar uma trégua com os representantes de onze tribos germânicas. Porém, naquele mesmo ano, os Vândalos, que faziam a sua primeira aparição na História Romana, e que ficariam célebres quase três séculos mais tarde, junto com os Iáziges, invadiram a província da Dácia e mataram o governador romano.

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A repentina pressão militar dos bárbaros germânicos nas fronteiras romanas, relativamente pacificadas, tinha como motivo uma onda migratória vinda do Báltico e da região do Vístula, quando os  belicosos Godos começaram a migrar para o sudeste da Europa, empurrando os povos daquela região em direção à fronteira romana do Reno/Danúbio.

O fato é que somente com o fim da campanha contra o Império Parta, Marco Aurélio e Lúcio Vero tiveram condições de organizar uma resposta compatível com a ameaça germânica, e, em 167 D.C, os romanos, com duas novas legiões formadas para a campanha, a Legião II Italica e a Legião III Italica, realizaram uma expedição punitiva na Panônia.

Entretanto, os bárbaros germânicos não paravam de chegar e, entre 167 e 168 D.C., um grande número de Marcomanos (literalmente, os “homens da fronteira”, na língua germânica), chefiados pelo líder Ballomar, acompanhados da tribo dos Quados, cruzaram o Danúbio, derrotaram um exército de 20 mil romanos em Carnuntum, e, rapidamente, chegaram ao norte da Itália, destruindo a cidade de Opitergium e sitiando a importante cidade de Aquileia.

Essa invasão foi um choque para os Romanos. Era a primeira vez, desde a incursão dos bárbaros Cimbros e Teutões, no final do século II A.C. (que, a muito custo, foram derrotados por Caio Mário,  em 101 A.C.), que a Itália era invadida por inimigos estrangeiros.

Nota: Os Marcomanos inicialmente viviam próximo à fronteira do Reno. Porém, com a expansão romana para a Gália e para a própria Germânia, a partir da época de Júlio César e, especialmente, depois da reação romana ao Desastre de Varo, no reinado de Tibério, aquele povo migrou para a região do Danúbio.  Então, no período dos Antoninos (Nerva – Marco Aurélio), começou a se verificar entre os Marcomanos, bem como em outros povos germânicos, o fenômeno da formação de confederações de tribos, com o consequente aumento do tamanho das forças militares e de sua efetividade contra as forças romanas.

Prosseguindo a narrativa, agora fazia-se necessária uma grande mobilização de tropas, que, contudo, seria dificultada pela falta de recrutas decorrente da Peste Antonina, que também grassava no exército, e a persistente necessidade de conter os Partas no Oriente.

Mas, enquanto pessoalmente liderava a resposta aos Marcomanos e Quados, junto com Lúcio Vero, Marco Aurélio teve que voltar para Roma para tratar do funeral do colega que, como vimos, morreu em janeiro de 169 D.C, provavelmente da Peste.

Já no outono de 169 D.C.,  Marco Aurélio, acompanhado de seu genro, Tibério Cláudio Pompeiano, retornou para a região do Danúbio para enfrentar os bárbaros Iáziges, uma tribo sármata, de origem iraniana, os quais haviam derrotado e matado o general Marco Cláudio Frontão, o herói da Guerra contra os Partas.

Entrementes, os Costoboci, um povo das montanhas dos Cárpatos, que viviam nas fronteiras da Dácia, também cruzaram a extensa fronteira do Danúbio e invadiram a província romana da Trácia, chegando até Eleusis, próximo a Atenas, onde destruíram o afamado templo dos Mistérios Eleusinos.

Assim, entre 170 e 171 D.C, todos os esforços de Marco Aurélio concentraram-se em expulsar os Marcomanos do território romano. Ele determinou a criação da Prefeitura da Itália e dos Alpes, com o objetivo de melhorar a defesa das passagens alpinas para a Itália e reforçou a frota fluvial do Danúbio. As tropas foram comandadas por Pompeiano e por Pertinace (que, muitos anos mais tarde seria imperador).

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Começaram então os preparativos para uma grande ofensiva contra os Marcomanos, que, inclusive, compreendeu a formação de alianças com outras tribos germânicas, como foi o caso dos Vândalos.

Em 172 D.C, os Romanos cruzaram o Danúbio e atacaram os Marcomanos em seu próprio território. No espaço de um ano os bárbaros foram subjugados e Marco Aurélio recebeu o titulo “Germanicus“.  Esta campanha está retratada nos relevos da famosa Coluna de Marco Aurélio. erguida em comemoração da vitória no Campo de Marte, em Roma.

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(Os soldados romanos cruzando o Danúbio sobre uma ponte de barcos, como retratado na Coluna de Marco Aurélio)

No ano de  173 D.C, o Exército Romano se voltou contra os Quados, que tinham apoiado os Marcomanos. Foi nesta campanha que ocorreu o chamado “milagre da chuva”, também retratado na Coluna de Marco Aurélio, ocasião em que as tropas romanas, cercadas pelos Quados em uma posição sem acesso à água, na época da seca, estavam passando muita sede, mas acabaram sendo salvas por uma súbita chuvarada.

O fato é que somente no final do ano seguinte os Quados seriam subjugados.

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(O “milagre da chuva”, retratado na Coluna de Marco Aurélio – a chuva aparece na forma de uma divindade antropomórfica)

Naquele mesmo ano de 173 D.C.,, Dídio Juliano, o comandante militar na Germânia que, bem mais tarde, também seria imperador, derrotou uma invasão dos Catos e Hermunduri na fronteira do Reno.

Ainda m 174 D.C, chegou a vez dos Iáziges, uma tribo sármata, experimentarem a vingança romana. Após uma campanha vitoriosa, os bárbaros assinaram um tratado de paz no ano seguinte, devolvendo os prisioneiros romanos e concordando em fornecer um contingente de oito mil cavaleiros para o Exército Romano, dos quais 5.500 foram assentados na Britânia. Por isso, Marco Aurélio recebeu o título de “Sarmaticus

Nota: Esse contingente de cavalaria sármata utilizava como estandarte uma cabeça de dragão estilizada, presa numa espécie de biruta de pano, chamada de “draconarius“. Segundo uma tese, esta seria a origem do sobrenome Pendragon, do lendário rei britânico Arthur, que muitos estudiosos defendem que teria sido na verdade um chefe militar romano que resistiu às invasões dos Anglos e Saxões, no século V D.C.

Aproveitando o sucesso da reação romana, parece que Marco Aurélio planejava instituir duas novas províncias romanas na região, que se chamariam “Marcomannia” e “Sarmatia“, após a derrota final dos bárbaros. E, de fato, ele vinha sendo bem sucedido na estratégia de isolar e derrotar as tribos uma a uma, não ostante tal estratégia demandasse mais tempo e consumisse mais recursos.

De qualquer modo, os planos de Marco Aurélio foram por água baixo quando chegou a notícia de que o general Avídio Cássio , comandante do  Exército Romano no Oriente havia se autodeclarado imperador , em maio de 175 D.C.

Avídio Cássio foi incentivado a tentar usurpar o trono quando ele recebeu a falsa notícia de que Marco Aurélio teria morrido de doença na campanha do Danúbio. Aliás, tudo indica que este boato foi aceito como verídico em boa parte do Império e Avídio Cássio, inicialmente,  recebeu o apoio das províncias orientais e do Egito. Há até uma versão de que Cássio teria sido incentivado a se rebelar pela própria imperatriz Faustina, que também havia acreditado no boato e temia pela sorte de seu filho Cômodo, que não havia completado 14 anos e portanto ainda não era legalmente adulto.

Marco Aurélio, que ao tomar ciência da rebelião estava acompanhado de Cômodo, a quem estava começando a introduzir nos assuntos de Estado, teve que abandonar a campanha contra os germânicos e rumar para o Leste.

Entretanto, a notícia de que o imperador estava vivo chegou primeiro às províncias orientais, e foi o próprio exército de Avídio Cássio que espontaneamente executou o seu comandante, com as tropas preferindo não embarcar em uma aventura incerta contra um imperador de tanto prestígio.

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(Cabeça de Cômodo adolescente)

O Imperador aproveitou a estadia no Oriente para visitar Atenas, onde ele e Cômodo se iniciaram nos Mistérios Eleusinos, Depois, Marco Aurélio visitou o Egito e voltou para Roma para celebrar seu muito merecido Triunfo, em 23 de dezembro de 176 D.C., na companhia do filho, ocasião em que, provavelmente, a Coluna de Marco Aurélio foi dedicada.

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Os problemas na fronteira do Danúbio, contudo, ainda não tinham sido completamente resolvidos e, em 177 D.CMarco Aurélio teve que retornar à região.

Ao contrário do que é retratado em filmes como “Gladiador” e “A Queda do Império Romano“, Marco Aurélio sempre pretendeu que Cômodo, o seu único filho homem sobrevivente, herdasse o trono. Ainda em 166 D.C., Cômodo havia recebido o titulo de “César’, que segundo os costumes imperiais significava algo próximo a “príncipe-herdeiro”.

Em 177 D.C., para não restar nenhuma dúvida a quem quer que fosse, sobretudo após a rebelião de Avídio Cássio, Marco Aurélio deu a Cômodo o título de “Augusto”, tornando-o, de direito, Co-Imperador. Seria apenas a segunda vez, na História do Império Romano, que um filho natural sucederia ao pai no trono imperial, tendo sido Tito o primeiro.

Durante o ano de 178 D.C.,  o Exército Romano obteve diversas vitórias no Danúbio e o ano de 179 D.C. parece ter sido dedicado a uma grande preparação para uma ofensiva decisiva contra os bárbaros da região.

Infelizmente, em 17 de março de 180 D.C., aos 58 anos de idade, Marco Aurélio faleceu, provavelmente de uma enfermidade relacionada à Peste Antonina, na cidade de Vindobona (atual Viena, na Áustria). Ele passara os últimos 10 anos lutando contra os Marcomanos, Quados e outros bárbaros na fronteira do Danúbio.

Mesmo admitindo-se que tenha sido providenciado a Marco Aurélio todo o conforto a que um imperador romano fazia jus, ninguém discute que ter passado esse tempo todo afastado de Roma, na fria, inóspita e distante província da Panônia, foi uma prova de dedicação e amor ao dever impressionante para um homem cuja aptidão maior sempre tinha sido a filosofia e a literatura (Não é a toa que a representação mais famosa de Marco Aurélio, a sua soberba estátua equestre originalmente dourada, hoje guardada no Museu Capitolino, em Roma, mostre o imperador em trajes civis).

Não obstante, na Coluna de Marco Aurélio, o imperador é retratado recebendo a submissão de bárbaros derrotados ou observando suas cabeças decepadas.. Certamente, Marco Aurélio deve ter se valido dos ensinamentos estoicos para suportar cenas tão díspares do seu jeito afável de ser.

Para Marco Aurélio, antes de tudo vinha o dever.

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Foi durante o período em que ele liderou a Guerra contra os Marcomanos que Marco Aurélio escreveu, em grego, a sua obra mais famosa, as “Meditações“,  em 12 livros, enquanto residia em Aquincum (cidade romana fortificada, no perímetro urbano da atual Budapeste, Hungria) e Carnuntum, local de uma fortaleza romana, na atual Áustria. Esse clima é, de fato,  muito bem retratado nos filmes “Gladiador” e “A Queda do Império Romano“.

O nome da obra foi dado posteriormente, sendo que o melhor título, segundo o que se depreende do que Marco Aurélio escreveu nos seus cadernos, seria “Pensamentos para mim mesmo“.

A linha mestra que conduziu as Meditações, segundo o próprio Marco Aurélio, foi a ideia de que a pessoa “tem o poder de se despir de vários problemas superficiais localizados inteiramente na mente dela e de possuir um grande espaço para ela mesma abraçar em pensamento todo o Cosmos, de levar em consideração a eternidade, de pensar nas rápidas mudanças nas partes de cada coisa e de quão pouco tempo há do nascimento até a morte, e de como o vazio que existe antes do nascimento e depois da morte é igualmente infinito“.

Cássio Dião,  que, juntamente com a História Augusta e as cartas de Frontão, é a melhor fonte sobre o reinado de Marco Aurélio, ao terminar o seu texto sobre este imperador, escreveu:

Marcus não encontrou a boa sorte que ele merecia, pois ele  não era dotado de um físico vigoroso e se viu envolvido em um turbilhão de problemas durante praticamente todo o seu reinado. Mas, na parte que me toca, eu o admiro ainda mais por essa razão, já que, em meio a dificuldades incomuns e extraordinárias, ele conseguiu sobreviver e preservar o Império. Somente uma coisa o impediu de ser completamente feliz, nomeadamente, que, após cuidar e educar o seu filho da melhor forma possível, ele tenha se decepcionado tanto com ele. Esse assunto será nosso próximo tópico; pois agora nossa História desce de um reinado de ouro para um de ferro e ferrugem, como as coisas se tornariam para os Romanos daqueles dias.

Com efeito, das poucas críticas que os historiadores antigos e modernos fizeram a Marco Aurélio, encontra-se a escolha de Cômodo como sucessor. Porém eu entendo a crítica como injusta. Não há muitos indícios de que Cômodo, antes de assumir o trono, tenha dado demonstrações de que ele fosse incapaz para governar. Aos 18 anos, o mais provável é que Marco Aurélio esperasse que bons conselheiros e professores dessem ao rapaz a orientação necessária para ser um bom imperador e um bom homem, como tinha ocorrido com ele próprio, Marco Aurélio.

Escolher uma outra pessoa, como por exemplo, um general capaz como Tibério Cláudio Pompeiano, que, aliás, foi a maior inspiração para o personagem fictício Maximus Decimus Meridius, do filme “Gladiador” (leia nosso artigo sobre o filme, onde traçamos uma detalhada biografia de Pompeiano), no lugar de Cômodo, além de significar, na prática, condenar o próprio filho à morte, significaria, caso este não fosse executado pelo sucessor, uma perpétua fonte de potenciais guerras civis, enfraquecendo ainda mais o Império em um momento crucial.

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Infelizmente, Cômodo realmente mostrou-se não ser o governante talhado para a situação corrente do Império Romano. Com efeito, assim que o pai morreu, ele negociou uma paz com as tribos do Danúbio e voltou às pressas para Roma, onde ele celebrou um imerecido Triunfo, em outubro de 180 D.C. Cômodo negligenciaria os assuntos militares e a política externa durante todo o seu reinado e isso contribuiria, décadas mais tarde, para as catástrofes que se abateriam sobre o Império, no século III D.C.

A outra crítica foi feita pelos historiadores cristãos, que denunciaram as perseguições ocorridas no reinado de Marco Aurélio. Quanto a isso, não parece ter havido mudança na política seguida pelo Império com relação ao Cristianismo. O que pode ter havido é o aumento de processos e prisões em virtude do aumento do número de cristãos. O Estado Romano intervinha nessas questões muito por demanda dos cidadãos espalhados pelas cidades. A principal preocupação era a manutenção da ordem, que, de quando em quando era afetada pelos conflitos entre as autoridades locais e os cristãos, entre estes e outras religiões ou entre os próprios cristãos. Como normalmente não participavam dos cultos públicos ligados à Roma e ao Imperador, as autoridades romanas normalmente tomavam partido contra os cristãos. E no reinado de Marco Aurélio não foi diferente.

É instigante verificar que os problemas enfrentados por Marco Aurélio foram muito semelhantes aos que se abateriam sobre o Império Romano durante a “Crise do Século III“, sendo o principal deles a guerra em dois fronts, contra germanos e partas/persas. Há vários indícios de que ambos os antagonistas, ocidentais e orientais, tenham se tornado mais temíveis 50 anos após o reinado dele: Godos, Alamanos, Saxões, etc.,  seriam mais numerosos e militarmente capazes do que Marcomanos e Quados, o mesmo aplicando-se aos Persas Sassânidas, mais coesos, treinados e determinados que os Partas.

Fosse Marco Aurelio imperador no século III será que ele teria conseguido conter essa ameaça? É difícil afirmar.

E se Cômodo tivesse seguido o exemplo do pai e tivesse concluído a campanha no Danúbio, será que isso teria contribuído para evitar ou atenuar a Crise do Século III? São questões que merecem nossa reflexão. Logicamente, prever as migrações germânicas estava fora do alcance dos romanos e Marco Aurélio experimentou apenas o inicio dessa avalanche. Mas, certamente, a chegada de novas tribos não importava na eliminação total daquelas já estacionadas na fronteira e, segundo algumas evidências, com a passagem do tempo ocorria a fusão delas ou, ainda, a absorção de umas pelas outras. Então, se os Romanos tivessem mantido o controle da região e assimilado ou exterminado Marcomanos e Quados naquele momento, isto poderia ter mudado a correlação de forças no futuro, quando os Godos chegassem, podemos conjecturar. Haveria, neste caso, algumas décadas para que ocorresse uma “romanização” daquelas tribos.

Seja como for, o retrato de Marco Aurélio que sobreviveu para a posteridade foi a de um genuíno imperador-filósofo, como preconizado por Platão, no livro VI da “República“.

FIM

FELIZ ANIVERSÁRIO, ROMA!

21 de abril de 753 A.C. é a data lendária da fundação de Roma por Rômulo, que, segundo o mito, traçou o sulco que delimitava o perímetro da cidade.

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Instalada entre sete colinas facilmente defensáveis, situada estrategicamente no meio da península italiana, banhada pelo rio Tibre, que permitia acesso ao mar sem estar perto demais da costa, fazendo-a vulnerável a ataques de piratas ou invasores, Roma prosperou.

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A data mítica parecia confirmada pelas escavações no Monte Palatino, inclusive com o achado das fundações de cabanas circulares, datadas do século VIII A.C. Porém, achados recentes parecem indicar que a ocupação do local recua ainda mais, para cerca de 900 A.C. Alguns estudiosos também sustentam que a toponímia indicaria que Roma teria sido um povoado de origem etrusca, e não uma aldeia latina que foi dominada por algum tempo pelos etruscos, o que contraria a versão mais aceita de que Roma foi uma aldeia latina que os etruscos conquistaram e dominaram por um período.

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O fato é que desde o início, como nos mostra a semilendária estória do Rapto das Sabinas, os romanos demonstraram notável capacidade de absorver e aglutinar os diversos povos itálicos e sua cultura..

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Após ser saqueada pelos gauleses em 390 A.C, Roma iniciou uma notável expansão, incialmente pela Itália, depois pela orla do Mediterrâneo e, finalmente, adentrando o norte da Europa, levando a civilização helenística a lugares até então a ela alheios, como as ilhas Britânicas, a margem oriental do rio Reno e a margem setentrional do rio Danúbio.

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Somente após 800 anos de acumulação de incomensuráveis riquezas, a Cidade Eterna foi saqueada novamente, em 410 D.C.

Começava , então, a Roma dos Césares a se reinventar como a Roma dos Papas.

Roma, então, já havia deixado de ser uma cidade para se converter no cerne da civilização ocidental, e, ainda, em um ideal de uma civilização universal, Urbi et Orbi.

FELIX DIES NATALIS!

MASADA – A FORTALEZA QUE NUNCA SE RENDEU

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Em 16 de abril de 73 D.C. (ou de 74 D.C, segundo alguns estudiosos), os legionários da X Legião Fretensis, após três meses de um difícil cerco, conseguiram penetrar nas muralhas da Fortaleza de Masada, no Deserto da Judéia.

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Masada era o  último foco de resistência da Grande Revolta Judaica contra a dominação romana, iniciada em 66 D.C., sendo controlada por um grupo de rebeldes chamados Sicários.

Dentre as várias facções que compunham o movimento nacionalista dos judeus, a mais fanática era a dos Sicários  e eles conseguiram tomar a Fortaleza de Masada, situada em um platô que ficava em cima de um escarpado monte de cerca de 400 metros de altura. Noventa anos antes, o local tinha sido transformado pelo rei Herodes, o Grande, em um luxuoso palácio fortificado, entre 37 e 31 A.C.

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*Reconstituição do palácio de Herodes, em Masada)

Após a queda de Jerusalém, em função do grande cerco comandado pelo futuro imperador Tito, em 70 D.C., que resultou na destruição do Segundo Templo, também erigido por Herodes, restavam alguns poucos focos de resistência na Judéia, sendo o mais importante deles a Fortaleza de Masada, controlada pelos Sicários.

Os Sicários provavelmente eram um subgrupo ou uma facção extremista dos nacionalistas judeus Zelotes, que haviam liderado a revolta contra os romanos. O nome do grupo deriva da palavra “sicae“, que significa “adaga” – a arma característica do grupo, a qual era escondida sob as vestes deles para cometer assassinatos políticos. Assim, os Sicários podem ser considerados precursores da seita dos hashshin islâmicos (de onde deriva a palavra “assassino”) e, mais remotamente, de organizações de resistência judaica modernas, como a Irgun e a Haganah, que lutavam pela criação do Estado de Israel.

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Quando a X Legião Fretensis chegou a Masada, reforçada por algumas unidades auxiliares e prisoneiros judeus, totalizando 15 mil homens, o número de Sicários e de suas famílias entrincheirados na Fortaleza era de 960 pessoas.

Os romanos eram comandados pelo general  Lucius Flavius Silva (Flávio Silva), comandante da X Legião e governador da Judéia, que ordenou que todo o perímetro fosse cercado por uma circunvalação (fosso), para evitar que os revoltosos conseguissem abastecimento ou fugissem.  Em vários pontos, foram construídos acampamentos de legionários os quais, juntamente com o fosso, sobreviveram até os nossos dias (vide foto abaixo).

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Porém, não havia como a tropa toda subir a montanha pelos estreitos e sinuosos caminhos que levavam até o topo, ainda mais levando máquinas de assédio. Por isso, Flávio Silva ordenou a construção de uma impressionante rampa, feita de pedras e terra batida(que também ainda existe – cf. na foto abaixo). Quando a rampa ficou pronta, os legionários começaram a subir, empurrando uma enorme torre de assédio munida de um poderoso aríete.

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Finalmente, quando chegaram até as muralhas no topo, os Romanos não tiveram muita dificuldade em abrir uma brecha e os soldados invadiram o interior da cidadela.

Para a surpresa dos Romanos, que esperavam que se repetisse o tipo de resistência encarniçada que eles enfrentaram no Cerco a Jerusalém e a outras cidades judaicas, ao atravessarem as muralhas de Masada eles não encontraram nenhum rebelde,  mas apenas a fumaça e o fogo de várias construções incendiadas pelos revoltosos, tudo em completo e inquietante silêncio…

Os romanos, intrigados, gritaram exortações para que os rebeldes se rendessem, as quais ecoaram pelo platô deserto, até que 2 mulheres e cinco crianças apareceram. Interrogadas, as mulheres disseram que o pequeno grupo era tudo o que restava dos rebeldes.

Mas a explicação dada pelas mulheres para o acontecido parecia absurda demais e os romanos, com todo o cuidado necessário de quem esperava alguma armadilha, adentraram o Palácio situado na outra extremidade do platô.

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Quando o portão foi transposto, já no átrio, os Romanos depararam-se com uma cena macabra, que confirmava o relato das mulheres: centenas de corpos ensanguentados jaziam sem vida:  a conclusão era óbvia – os Sicários tinham se matado uns aos outros.

Segundo o relato do historiador Flávio Josefo, ele mesmo originalmente um participante da Grande Revolta Judaica que durante a revolta aderiu aos romanos, os Sicários, na noite anterior, fizeram um pacto pelo suicídio coletivo como ato de derradeira resistência aos Romanos.

Como a religião judaica repudia o suicídio, os Sicários resolveram então sortear dez companheiros para que executassem todo o resto, e, feito isso, os outros, divididos em grupos de dois, se matariam, até que restasse somente um, que seria o único suicida.

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(Os cacos de cerâmica, costumeiramente utilizados na Antiguidade para fazer sorteios, inscritos com os nomes dos Sicários, enconrados em Masada pela arqueólogo israelense Ygael Yadin)

Flávio Josefo, em sua obra, “A Guerra dos Judeus“, transcreve o último discurso do líder dos Sicários, Eleazar ben Ya’ir, antes do dramático desfecho, que teria sido contado aos romanos por uma das mulheres sobreviventes:

Desde que nós, há muito tempo atrás, resolvemos jamais sermos escravos dos Romanos, e nem de quaisquer outros,  a não ser do próprio Deus, quem, somente ele, é o verdadeiro e justo Senhor da humanidade, chegou o momento que nos obriga a transformar aquela decisão em verdade prática. Nós fomos os primeiros que se revoltaram e somos os últimos a lutar contra eles; e eu não posso senão apreciar isto como um favor que Deus nos concedeu: o de que ainda podemos morrer bravamente e na condição de homens livres.

Hoje, Masada é um dos pontos turísticos mais visitados de Israel e palco de cerimônias anuais, sendo considerada parte importante do sentimento de identidade  nacional israelense.

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BATALHA DE POLLENTIA

Em 6 de abril de 402 D.C, em Pollentia, próximo à atual Asti, no norte da Itália, o exército visigodo do rei Alarico celebrava o domingo de Páscoa. Os Visigodos eram cristãos que professavam a “heresia” ariana,  e, por conta disso, eles fizeram uma pausa na luta contra o exército romano do general Stilicho (Estilicão), para festejar o dia santo, e, certamente, acreditaram que os romanos fariam o mesmo…

Os Godos vinham sendo um espinho na carne do Império desde 378 D.C, quando, em uma das maiores catástrofes militares sofridas pelos romanos, um exército de cerca de 20 mil Godos, liderados pelo Chefe Fritigern, de um total de 200 mil que tinham cruzado o Danúbio e se refugiado no Império Romano do Oriente, entrincheiraram-se próximo à cidade de Adrianópolis e derrotaram o exército romano comandado pelo imperador Valente, matando cerca de 40 mil soldados romanos, na chamada Batalha de Adrianópolis, incluindo o próprio imperador.

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A horda goda vagou pela Trácia e outras províncias orientais causando muito estrago, mas acabou sendo contida pelo imperador Teodósio I, que com eles celebrou um tratado de paz, em 382 D.C. Pela primeira vez, na História de Roma, um povo bárbaro inteiro foi admitido como foederati (aliados) dentro das fronteiras do Império Romano. Embora os Visigodos estivessem formalmente obrigados a prestar serviço militar à Roma, eles podiam fazê-lo sob o comando de seus próprios chefes. Os Godos, então, receberam autorização para se assentar na província da Mésia.

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Teodósio, dessa forma, conseguira o seu objetivo de conter a ameaça goda, pois, durante o resto do seu reinado, os Godos respeitaram o tratado. Assim, quando, no final de seu reinado, em 394 D.C, na Batalha do Rio Frígido, Teodósio teve que combater o usurpador Eugênio, que havia sido colocado no trono como fantoche pelo general de origem franca Arbogaste, vinte mil visigodos combateram ao lado de Teodósio, e foram eles quem suportaram o maior castigo.

As derrotas militares sofridas na Pérsia, em 363 D.C, e nos confrontos com os Godos em Adrianópolis, em 378 D.C e no período logo a seguir, tinham destroçado boa parte do efetivo militar romano, e Teodósio preferiu, ou foi forçado pelas circunstâncias, a recrutar bárbaros para completar as fileiras desfalcadas do Exército.

Entretanto, logo após a Batalha do Rio Frígido, Teodósio morreu, deixando como sucessores, seus filhos Honório, na metade ocidental do Império, cuja capital era Milão, e Arcádio, na metade oriental, cuja capital era Constantinopla.

Os dois novos imperadores eram ainda crianças, e assim, Honório teve como tutor e virtual regente do Império do Ocidente o vencedor na Batalha do Rio Frígido, o general Flávio Estilicão, filho de pai Vândalo e de mãe romana; já Arcádio, seria tutelado pelo ministro Rufino.

Com a morte de Teodósio, os Visigodos sentiram-se estimulados a exigir grandes recompensas pelo sacrifício que tinham feito no Rio Frígido. Seu rei agora era o astuto e competente Alarico, que ambicionava nada menos do que o cargo de Magister Militum per Illyricum, ou seja, marechal do exército da Ilíria, o que obteve após devastar a província da Grécia.

Alarico aproveitou o cargo, que lhe dava acesso aos arsenais romanos, para equipar o seu exército e saquear até a exaustão, durante cerca de cinco anos, as províncias da Dácia e da Macedônia.

Procurando novas regiões que oferecessem a perspectiva de mais e polpudos saques, mas, considerando que a capital do Oriente, Constantinopla, era inexpugnável para os bárbaros, Alarico voltou sua atenção para o Ocidente e dirigiu-se para a capital Milão.

A corte de Honório, julgando Milão vulnerável, resolveu se mudar para Arles, na Gália, contudo Alarico mandou ocupar os passos alpinos com sua cavalaria e ao mesmo tempo cercou Milão, obrigando Honório a se refugiar na cidade fortificada de Hasta (a moderna Asti, na Liguria).

Fazendo um movimento que denotava que ele visava capturar o próprio imperador, Alarico partiu para sitiar Hasta, iniciando o cerco em fevereiro de 402 D.C. Porém, mesmo após  terem se equipado com armas romanas, os visigodos ainda não dominavam a arte da guerra de sítio e Honório tinha uma boa expectativa de que os bárbaros suspenderiam o cerco devido à fome ou doenças.

O general Estilicão, enquanto isso, estava ocupado com a luta contra incursões bárbaras dos Vândalos e dos Alanos nas fronteiras da província da Récia. Quando a notícia do cerco chegou ao seu conhecimento, Estilicão conseguiu reunir tropas romanas do Reno e da Britânia e também recrutou os próprios guerreiros alanos e vândalos que ele estava combatendo, para vir em socorro do Imperador.

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Assim, quando Estilicão e seus homens chegaram, os Visigodos foram forçados a recuar para Pollentia (Polenza),

Estilicão chegou a Pollentia no dia 06 de abril e hesitou em lutar no domingo de páscoa, um dia sagrado para os soldados cristãos. Porém os homens, especialmente os aliados alanos, queriam lutar imediatamente e Estilicão resolveu aproveitar o élan deles para fazer um ataque da cavalaria alana sobre os desatentos visigodos.

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O ataque foi repelido, mas Estilicão acudiu com a infantaria e os Alanos se reanimaram. Na confusão, os Visigodos acabaram deixando o seu acampamento exposto e Estilicão conseguiu capturar a esposa de Alarico e seus filhos. Todavia, as indisciplinadas e barbarizadas tropas que agora constituíam agora o exército romano, ao invés de perseguirem os Visigodos, entregaram-se a pilhagem do acampamento inimigo, que estava repleto do produto dos saques que aqueles bárbaros haviam feito desde Adrianópolis, mais de 20 anos antes.

Após a Batalha de Pollentia, Alarico reagrupou suas forças e recuou para Verona, onde, em junho de 402 D.C, seria novamente derrotado, porém, mais uma vez, Estilicão falharia em destruir o rei visigodo e seu exército. Ele seria criticado duramente pelos historiadores por ter deixado Alarico escapar e, em vista disso, até a sua lealdade ao Império Romano seria questionada, o que parece duvidoso considerando toda a sua trajetória. Ele, por exemplo, não resistiu quando, anos mais tarde, foi preso em um motim fomentado por seus adversários na Corte e aceitou resignadamente a sua sentença de morte, executada em 22 de agosto de 408 D.C.

A principal consequência dos eventos narrados foi a mudança da capital do Império Romano do Ocidente de Milão para Ravenna, fato que facilitaria o posterior saque de Roma, em 410 D.C, por Alarico e seus visigodos. Essa mudança, segundo muitos historiadores, foi uma decisão errada, pois ocorreu em detrimento da defesa da fronteira do Reno, o que expôs a Gália, a maior e mais rica província do Ocidente, a mais ataques dos bárbaros. Para Arther Ferril (“A Queda do Império Romano, a Explicação Militar”), naquele momento, para o Império Romano do Ocidente o mais importante estrategicamente era a defesa da Gália, o que recomendaria até a instalação da capital em Arles).