Em 23 de março de 59 D.C morreu Júlia Agripina, também conhecida como Agripina, cognominada “A Jovem” (para distingui-la de sua mãe, Agripina, chamada, “A Velha“), assassinada a mando de seu filho, o imperador Nero, após várias tentativas frustradas de utilizar métodos que simulassem um acidente.

Agripina, a Jovem nasceu em 15 de novembro de 15 D.C, filha do adorado general Germânico, sobrinho e filho adotivo do imperador Tibério, e de Agripina, a Jovem, neta do primeiro imperador Augusto. Seu pai Germânico era filho de Antônia, a Jovem, por sua vez, filha do Triúnviro Marco Antônio com Otávia, a Jovem, irmã do imperador Augusto. Germânico também era irmão de Cláudio, que mais tarde se tornaria, inesperadamente, imperador.
Os pais de Agripina constituíam uma espécie de família real modelo para a opinião pública romana. Ela foi a primeira filha do casal, que já tinha três filhos do sexo masculino, incluindo o terceiro, Caio Júlio César, que ficaria conhecido como o imperador Calígula. Depois dela, nasceriam ainda duas irmãs, Júlia Drusila e Julia Lívila, além de outras três crianças, que morreram ainda bebês.
Como Germânico tornou-se um general de sucesso, comandando campanhas na Germânia, Agripina, a Jovem nasceu em um acampamento militar, chamado de Oppidum Ubiorum, por se situar no território da tribo germânica dos Úbios, e mais tarde se tornaria a cidade alemã de Colônia.
Porém, a sorte de Germânico e de sua família sofreria uma guinada quando aquele, que havia sido adotado como filho e herdeiro por Tibério por determinação do falecido imperador Augusto, morreu em circunstâncias suspeitas, supostamente uma doença não identificada, quando em missão na cidade de Antióquia, na Síria, em 10 de outubro de 19 D.C.
As suspeitas de que a causa da morte de Germânico teria sido o envenenamento supostamente tramado por Lívia Drusila (Júlia Augusta), a poderosa mãe de Tibério, com o consentimento, tácito ou expresso, do imperador, inflamaram a opinião pública, sobretudo porque Agripina, a Velha expressava em público sua opinião de que o marido fora morto para permitir que Druso, o Jovem, o filho natural de Tibério, sucedesse o pai. Druso era casado com Livilla, irmã de Germânico.

Entretanto, o próprio Druso, o Jovem morreria, em 14 de setembro de 23 D.C, também em virtude de uma doença misteriosa, fato que recolocou Nero Júlio César e Druso Júlio César, os dois filhos mais velhos de Agripina, a Velha de novo no topo da linha sucessória para o trono, sendo ambos adotados por Tibério.
Todavia, após a morte do filho, Tibério paulatinamente foi confiando os assuntos administrativos ao Prefeito Pretoriano Élio Sejano, a quem se referia como seu “sócio-trabalhador“, que, assim prestigiado, começou a ambicionar o trono, para si ou para sua descendência. Sejano chegou a pedir autorização a Tibério para se casar com Livilla, a viúva de Druso, de quem era amante, mas o velho imperador não permitiu o casamento pelo fato do auxiliar ser apenas um Equestre e não pertencer a uma família ilustre. Tibério também negou autorização para que Agripina, a Velha casasse novamente, certamente temeroso de que ela se aproveitasse disso para derrubá-lo. Em verdade, Tibério já andava desconfiado com a viúva de Germânico, que vinha adotando um comportamento independente, relacionando-se com figuras ilustres. Além disso, as relações entre sogro e nora já estavam eivadas de desconfiança, relatando as fontes que Agripina chegou a recusar uma fruta oferecida por Tibério por temer que estivesse envenenada.
Sejano, mesmo assim, não desistiu de suas ambições e tornou-se mais ousado após Tibério, desiludido com o governo e com as intrigas, ter deixado Roma para ir morar em sua espetacular villa em Capri. O Prefeito Pretoriano começou a perseguir seus potenciais rivais, e, em sua mira, encontravam-se, em primeiro lugar, Agripina, seus filhos e seus aliados.
Não obstante, Tibério determinou que, em 28 D.C, Agripina, a Jovem, que na ocasião tinha apenas treze anos de idade, se casasse com o ilustre Gnaeus Domitius Ahenobarbus (Cneu Domício Enobarbo), sobrinho-neto de Augusto, que, sendo filho de Antônia, a Velha, tia de Germânico ( e irmã da Antônia, a Jovem), era primo em segundo grau da jovem. Assim, parece que a hostilidade do velho imperador, em princípio, não se estendia a prole de Agripina, a Velha. Nessa época, inclusive, Agripina, a Jovem, vivia no Palácio tendo a criação supervisionada pela matriarca dos Júlio-Cláudios, Lívia Drusila, e por sua avó, Antônia, a Jovem, ambas mulheres de personalidade forte que certamente influenciaram a criação da menina.
O historiador romano Suetônio escreveu que Cneu Domício Enobarbo era um homem cruel e desonesto. Talvez por isso, ao receber os cumprimentos dos amigos pelo nascimento de seu filho Lúcio Domício Enobarbo ( o futuro imperador Nero), em 15 de dezembro de 37 D.C., o citado autor registra que ele teria dito:
“Nada que não seja abominável e uma desgraça pública pode ter nascido de Agripina e de mim”
Suetônio, Vida de Nero, 6

Por sua vez, Agripina, a Jovem, também por ocasião do nascimento de Nero, segundo o historiador Cássio Dião, ao consultar um astrólogo acerca do futuro do filho, teria ouvido a previsão de que ele reinaria mas que mataria a própria mãe, o que fez ela gritar, alterada:
“Que ele me mate, conquanto que reine!”
Cássio Dião, Epitome Livro LXI, 2
A morte da veneranda ex-imperatriz Lívia Drusila, viúva de Augusto e mãe de Tibério, em 29 D.C., removeu o último obstáculo que ainda protegia Agripina, a Velha e seus filhos das maquinações de Sejano. Com efeito, após a morte da imperatriz, foi revelada a existência de uma correspondência, supostamente escrita por Tibério, e provavelmente sob a instigação de Sejano, denunciando Agripina e seu filho primogênito, Nero Júlio César, por supostas condutas inapropriadas. Porém, novamente, o clamor popular se manifestou em favor de Agripina e seu filho e Tibério teve que se contentar em exilar Agripina para a ilha de Pandatária, a 46 km da costa da região do Lácio, em 29 D.C.
Caio César, o filho mais novo de Agripina, a Velha, então já conhecido como Calígula, foi morar com seu tio Tibério, em Capri. De acordo com o relato de Suetônio, o jovem Calígula (17 anos) habilmente soube fingir ser inofensivo e servil a Tibério e, graças a isso teria conseguido sobreviver ao destino da sua família.
Por sua vez, Nero Júlio César, o filho mais velho, foi exilado para a ilha de Pontia, a 33 km da costa do Lácio, onde, em 31 D.C, ele seria compelido a se suicidar pelos executores enviados por Tibério.

Melhor sorte não coube a Druso Júlio César, segundo filho de Agripina, que foi denunciado por sua esposa, Emília Lépida, supostamente também amante de Sejano, em 30 D.C, sendo preso e confinado a uma masmorra no Palatino, onde, em 33 D.C, morreria de inanição, após, segundo relatos, ter que comer o forro do próprio colchão.
Finalmente, Agripina, a Velha, cujo exílio não havia dobrado o seu inquebrantável espirito, após sofrer muitas indignidades, acabou morrendo em Pandatária, também em 33 D.C, segundo consta de greve de fome, embora paire a suspeita de que ela tenha sido privada de alimento por ordem de Tibério.
Contudo, no dia 18 de outubro de 31 D.C., chegou a vez do todo-poderoso Sejano ser executado, tendo seu corpo atirado para rolar pelas “Escadas Gemônias“, onde ficou por três dias sendo vilipendiado pela turba. De acordo com o historiador Flávio Josefo, foi Antônia, a Jovem, cunhada de Tibério e mãe do falecido Germânico, quem denunciou Sejano a Tibério. Ela teria enviado uma carta ao imperador, que estava em Capri, contando dos planos dele para tomar o poder, nos quais estaria sendo auxiliado pela amante, Livilla, filha da própria Antônia.
Não obstante a desgraça da família de Germânico e Agripina, a Velha, o marido de sua filha, Agripina, a Jovem, Cneu Domício Enobarbo, foi nomeado Cônsul em 32 D.C. Porém, em 37 D.C, poucos meses antes do nascimento de seu filho, Nero, ele foi acusado de traição, assassinato e adultério e ele somente se safou graças à morte de Tibério, em 16 de março de 37 D.C. Cneu Domício Enobarbo morreria poucos anos depois, de um edema, em janeiro de 40 ou 41 D.C
Morto Tibério, ele foi imediatamente sucedido por seu sobrinho-neto, Calígula, de 25 anos, ja que seu próprio neto, Tiberius Gemellus, era ainda muito novo (18 anos) e logo seria assassinado a mando do novo imperador. Agora, da vasta prole de Germânico e Agripina, a Velha, só restavam vivos Calígula, Agripina, a Jovem, Júlia Drusila e Júlia Lívila.
Inicialmente, Calígula concedeu várias honras às irmãs. Há relatos, inclusive, de que ele teria relações incestuosas com Júlia Drusila, a quem tratava como se fosse sua esposa, tendo os dois, ainda na adolescência, sido flagrados na cama por sua avó, Antônia, a Jovem, segundo o frequentemente maledicente historiador romano Suetônio. Porém, Drusila em breve contraiu uma doença e morreu, deixando Calígula devastado.

Entretanto, depois de seis meses de um reinado moderado, Calígula começou a mostrar fortes sinais de despotismo e insanidade. E parece que a relação de Calígula com suas duas irmãs sobreviventes não era tão próxima como a que ele mantinha com Drusila.
Talvez por esses dois motivos, em 39 D.C., Agripina, a Jovem e sua irmã, Júlia Lívila, foram acusadas de fazer parte de uma conspiração, fictícia ou verdadeira, contra o seu irmão imperador, para substituí-lo pelo seu cunhado Marco Emílio Lépido, o viúvo de Júlia Drusila, de quem ambas as irmãs seriam amantes, segundo supostas cartas apresentadas por Calígula, resultando na condenação de Agripina e da irmã ao exílio nas ilhas Pontinas, outro arquipélago ao largo da costa do Mar Tirreno (Lépido foi prontamente executado). Então, Calígula aproveitou esse pretexto para confiscar a herança de seu jovem sobrinho Nero, que foi morar com sua tia, Domícia Lépida, irmã do seu pai. Todas as propriedades de Agripina também foram confiscadas e vendidas em leilão.
Reabilitação de Agripina e Nero
Todavia, a sorte de Agripina e Nero mudaria com o assassinato de Calígula pelo centurião Cássio Queréa, em 24 de janeiro de 41 D.C., em uma conspiração engendrada pela Guarda Pretoriana. Logo após o tiranicídio, os guardas descobriram, escondido atrás de uma cortina, o tio da imperial vítima, Cláudio, até então tido como imbecil e incapaz de ocupar qualquer cargo público, e o aclamaram como novo Imperador.

Cláudio era irmão de Germânico e, portanto, não surpreende que uma das primeiras medidas de Cláudio tenha sido chamar de volta do exílio as filhas deste, Agripina e Júlia Lívila, que eram suas sobrinhas. Assim reuniram-se, novamente, Agripina e seu filho Nero. O novo imperador mandou também devolver ao seu sobrinho-neto, Nero, a herança confiscada por Calígula.
Recém viúva, Agripina começou a procurar um novo marido. O primeiro alvo de seu interesses foi o general e ex-Cônsul Sérvio Sulpício Galba (o futuro imperador Galba). Porém, Galba, que, embora fosse casado, tinha preferência sexual por homens, não se interessou, segundo Suetônio. Mesmo assim, conta o historiador, as investidas de Agripina foram tão evidentes que a sogra de Galba, certa vez, indignada, esbofeteou-a na frente de outras mulheres casadas.
Nova oportunidade, entretanto, surgiu com o divórcio da tia de Nero e cunhada de Agripina, Domícia Lépida. dessa vez, com o apoio de Cláudio, permitindo que Agripina se casasse, por volta de 42 D.C., com o rico ex-Cônsul Gaius Sallustius Passienus Crispus, que acabou ganhando um segundo consulado, em 44 D.C.
Agripina convenceu o marido a nomeá-la como herdeira, e segundo Suetônio, com isso ele, inadvertidamente, acarretou a própria morte, pois ela depois o mataria, por volta de 47 D.C., provavelmente por envenenamento, ficando com a herança.
Ao contrário das expectativas, Cláudio mostrou-se um administrador competente das questões de Estado, valendo-se do auxílio de um ministério integrado por libertos, especialmente Tiberius Claudius Narcissus, como praepositus ab epistuli (secretário da correspondência imperial) e Marcus Antonius Pallas, como secretário do tesouro. Todavia, o mesmo não se pode dizer quanto à sua vida conjugal…
Após dois casamentos fracassados, Cláudio, antes de assumir o trono, tinha se casado com Valéria Messalina (filha de Domícia Lépida), por volta de 39 D.C., uma esposa que se mostrou dominadora e notabilizou-se pela infidelidade e promiscuidade sexual, segundo os relatos antigos, que talvez sejam um tanto exagerados (ver Tácito, Suetônio, Plínio e Juvenal). Messalina deu a Cláudio, em 41 D.C., um filho, que recebeu o nome de Britânico. Porém, Messalina tomou-se de inimizade por Júlia Lívila, a irmã de Agripina e sobrinha de Cláudio, por considerar que a jovem não a tratava com respeito que considerava devido a uma imperatriz, além dela ser muito bonita e ter muita intimidade com o tio.
Messalina, então, conseguiu que Lívila, que era casada com ex-Cônsul Marcus Vinicius, fosse acusada de adultério com o senador e filósofo estoico Sêneca, o Jovem, em 41 D.C, sendo exilada, provavelmente de novo em uma das ilhas Pontinas, terminando por morrer de inanição forçada, da mesma forma que a mãe, provavelmente no ano seguinte, por ordem de Cláudio. Sêneca também foi exilado, mas para outra ilha, a Córsega.

Mesmo assim, Agripina, agora a única dos filhos de Germânico ainda viva, e Nero tinham acesso ao Palácio e mostravam-se populares entre a Plebe.
A imperatriz imediatamente percebeu que o jovem Nero era uma ameaça às pretensões de Britânico ao trono. Consta, inclusive, que Messalina encomendou a morte de Nero, então ainda uma criança pequena, a assassinos que chegaram a entrar no quarto do menino durante a sesta e somente não completaram a tarefa porque eles se assustaram com o que pensaram ser uma cobra (na verdade, Nero usava uma pele de cobra enrolada no pescoço, como talismã. Posteriormente, Agripina mandaria colocar esta pele dentro de um bracelete, o qual Nero só deixaria de usar após a morte da mãe).

A grande popularidade de Agripina e Nero foi atestada quando, durante os concorridos Jogos Seculares, em 47 D.C., eles foram ovacionados pelo povo, que demonstrou por eles muito mais simpatia do que em relação a Messalina e Britânico, que também estavam presentes no evento.

A conduta pretensamente escandalosa de Messalina, real ou exagerada, foi a causa da sua e ela acabaria sendo sentenciada à morte em 48 D.C., supostamente por ter se casado secretamente com um senador, Gaius Silius, no que seria uma conspiração para assassinar o seu marido e imperador. Há relatos de que, ainda assim, Cláudio teria relutado em ordenar a execução dela, que somente teria sido levada a cabo por iniciativa própria de seu auxiliar mais chegado, o liberto Tiberius Claudius Narcissus.
Agripina, imperatriz
Após a execução de Messalina, os seus libertos, visando cada um a aumentar a sua influência sobre o imperador, se revezaram em apresentar candidatas a se tornarem a nova imperatriz, sendo que Lollia Paulina, que havia sido esposa de Calígula, e a ex-esposa de Cláudio, Aelia Petina, chegaram a ser cogitadas.
A pretendente cuja “candidatura” era defendida pelo secretário Pallas acabou sendo a escolhida: Agripina, A Jovem, que, sendo filha de Germânico, era nada menos do que a sobrinha do próprio Cláudio. Além disso, Agripina também era irmã do antecessor dele, Calígula. Segundo as leis romanas, tal união, entre tio e sobrinha, era considerada incesto, mas, em tempos de Principado, obviamente que alterar essa lei não era tarefa difícil, e Senado, induzido pelo imperador, revogou a proibição.
Os relatos acerca da causa do enlace são de que Agripina teria seduzido o tio Cláudio, mas, provavelmente, considerações políticas também pesaram nesta decisão: Cláudio já estava com 58 anos de idade, sendo que seu filho, Britânico, tinha apenas sete. Na hipótese de Cláudio, que nunca havia sido uma pessoa muito saudável, morrer, ou ficar incapacitado, era grande o perigo de que a dinastia dos Júlio-Cláudios terminasse, pois Britânico ainda estava longe de despir a toga pretexta e tornar-se maior de idade, quando poderia assumir cargos públicos.
O Principado ainda estava nas primeiras décadas e, ainda que apenas no aspecto formal, o imperador era considerado como um primeiro-magistrado. A transição legal e cultural para uma monarquia ainda não havia sido feita, e a sucessão de Calígula mostrara que ainda havia anseios republicanos no Senado…
Portanto, Cláudio precisava de um arranjo que lhe permitisse garantir, na sua falta, a continuidade da dinastia no trono, esperançosamente, até que seu filho estivesse apto a governar. Esta era, inclusive, uma situação pela qual Augusto já tinha passado (Com efeito, sendo ele já idoso, e após o falecimento de alguns de seus vários herdeiros prediletos de sangue, sobrinhos e netos, tais como Marcelo, Lúcio e Caio César, Augusto viu-se obrigado a adotar Tibério, filho de sua esposa Lívia).
Assim, quase que imediatamente após a revogação da lei que caracterizava o casamento deles como incesto pelo Senado, em 1º de janeiro de 49 D.C., Cláudio e Agripina se casaram. No ano seguinte, em 25 de fevereiro de 50 D.C., Cláudio a adotou o filho dela, Lucius Domitius Ahenobarbus, que passou a se chamar “Nero Claudius Caesar Drusus Germanicus” (Nero). Novamente, foram os argumentos de Pallas, o grande aliado (e segundo rumores, amante) de Agripina, decisivos para convencer Cláudio a tomar essa medida.
Todos logo perceberam o tamanho da influência de Agripina sobre Cláudio e, pouco a pouco, o nome dela começou a aparecer em inscrições em monumentos, moedas e documentos. Consta que ela recebia embaixadores estrangeiros sentada em seu próprio tribunal, e vestia um manto militar com bordados de ouro em cerimônias oficiais. Segundo o comentário de Suetônio, essas foram umas das cenas mais notáveis daqueles tempos.
Tácito descreve o episódio em que o chefe bretão Carataco, capturado e levado em triunfo pelas ruas de Roma, pediu para si e para seu familiares clemência a Cláudio e Agripina, cada um sentado em seu palanque, e, obtida a graça, os bárbaros libertados demonstraram sua gratidão fazendo reverências em frente ao imperador e a imperatriz, algo inusitado na História de Roma.
O prestígio de Agripina era tanto que o povoado em que ela nasceu, na Germânia, às margens do rio Reno, onde seu pai estava aquartelado, recebeu, em 50 D.C., o nome de Colonia Claudia Ara Agrippinensium, que é a atual cidade de Colônia, na Alemanha. Vale citar que nunca, antes ou depois na História de Roma, uma cidade romana foi batizada em homenagem a uma mulher.

Em 50 D.C., Agripina conseguiu que Cláudio persuadisse o Senado a dar-lhe o título de Augusta, honraria que somente Lívia Drusila, a esposa de Augusto, havia recebido em vida, e, mesmo assim, somente após a morte do marido.
No ano seguinte, em 51 D.C., Nero vestiu a toga virilis, alguns meses antes da idade costumeira, pouco antes de completar 14 anos. No mesmo ano ele recebeu o título de Princeps Iuventutis, um título que surgira no reinado de Augusto para honrar os jovens considerados como potenciais herdeiros do trono, e também foi nomeado Proconsul e entrou para o Senado. A partir daí, Nero começou a participar das cerimônias públicas junto com o Imperador, e até moedas foram cunhadas com a efígie de ambos.
Para a surpresa geral, parecia que Nero estava tomando a preferência de Cláudio para ser o seu sucessor. E Agripina começou a eliminar todos que representassem uma ameaça à trajetória de seu filho rumo ao trono. Em 51 D.C, ela ordenou a execução de Sosibius, o tutor de Britânico, que andava reclamando da preferência que vinha sendo dada ao filho de Agripina.
Ainda em 51 D.C, Agripina persuadiu Cláudio a nomear o Sextus Afranius Burrus (Burro) como único Prefeito Pretoriano (Comandante da Guarda Pretoriana), no lugar de Lusius Geta e Rufius Crispinus.
E, em 9 de junho de 53 D.C, sob instigação de Agripina, Cláudio concordou com o casamento entre Nero e sua filha, Claudia Octavia. A noiva antes tinha estado compromissada com Lucius Junius Silanus Torquatus, um nobre ilustre que era tataraneto do imperador Augusto. Porém, Agripina, planejando com bastante antecedência o casamento de Nero com Claudia Octavia, manejou para que Silanus Torquatus fosse acusado falsamente de incesto co sua irmã, Junia Calvina, em 48 D.C, Em função disso, o noivo foi expulso do Senado e, no dia do casamento de Agripina e Cláudio, ele se suicidou.

Enquanto isso, Agripina supervisionava cuidadosamente a preparação de Nero para a futura ascensão ao trono imperial, designando, por exemplo, o afamado filósofo estoico Sêneca, o Jovem, que graças a Agripina havia voltado do exílio, e para quem ela havia conseguido o cargo de Pretor, para ser o tutor do rapaz. Ela também não poupava esforços para fazer o filho querido pelo populacho. Quando Cláudio adoeceu ela organizou em nome de Nero, uma série de magníficas corridas no Circo Máximo como agradecimento pela recuperação do imperador. E, em paralelo, Agripina também espalhava boatos acerca da saúde de Britânico, caracterizando-o como insano e epiléptico.
Porém, a maioria das fontes narra que, nos meses que se seguiram, Cláudio, um tanto descuidadamente, começou a fazer comentários, aqui e ali, lamentando o fato dele ter casado com Agripina e adotado Nero.
Em meados de 54 D.C., faltava menos de um ano para Britânico atingir a idade em que poderia vestir a toga virilis e ser considerado adulto. Suetônio cita que Cláudio mencionou publicamente em algum evento a intenção de antecipar a cerimônia, devido à altura de Britânico, chegando a dizer, na ocasião:
“Para que o Povo de Roma finalmente possa ter um genuíno César“.
Era uma clara advertência de que ele não considerava mais Nero como sucessor. Agora, o ano de 54 D.C. entrava em seus últimos meses e, pela primeira vez, em um discurso no Senado, Cláudio se referiu a Nero e Britânico como iguais em precedência.
Segundo os historiadores Tácito, Suetônio e Cássio Dião, Cláudio somente estaria esperando a maioridade do filho natural para nomeá-lo como seu novo herdeiro, e ele teria declarado isso na presença de outros, sendo esse o fato que levou Agripina a tramar a sua morte.
Em 13 de outubro de 54 D.C., pela manhã, foi anunciado que Cláudio morreu, após um banquete. Nas fontes antigas há um quase consenso de que ele foi envenenado a mando de Agripina, ou até mesmo por ela pessoalmente. Agripina, teria se aproveitado do fato do onipresente Narcissus, partidário de Britânico, estar descansando em sua villa na Campânia (Agripina mandou prendê-lo assim que Nero assumiu o trono, e na ocasião ele se suicidou ou foi executado), e contratou a célebre envenenadora Locusta para preparar o veneno, o qual teria sido administrado em um prato de cogumelos, iguaria muito apreciada por Cláudio, com a cumplicidade de seu provador, o eunuco Halotus. Segundo uma versão, Cláudio ao comer os cogumelos, acabou vomitando, e uma segunda dose lhe foi administrada pelo seu médico Xenofonte, tendo agonizado durante um tempo, e, após ele ter morrido, o seu falecimento ainda foi escondido por um curto período de tempo, durante o qual todos preparativos necessários foram feitos para assegurar a sucessão em favor de Nero, inclusive a destruição do último testamento de Cláudio, no qual ele teria reconhecido Britânico como sucessor.
Nero imperador (e Agripina)
Em seguida a A aclamação de Nero foi tranquila: O Senado reconhecidamente odiava Cláudio e, acima de tudo, Agripina e Nero podiam contar com a lealdade de Sextus Afranius Burrus (Burro), o Prefeito da Guarda Pretoriana indicado por Agripina...

Nero fez a eulogia (oração fúnebre) em honra de Cláudio, que depois foi “deificado” pelo Senado, isto é, após a sua morte, decretou-se que ele tinha sido elevado ao panteão dos deuses a serem cultuados pelos romanos (apotheosis).
Tendo na ocasião Nero apenas dezessete anos de idade, na prática era Agripina quem efetivamente controlava o governo. Sintomaticamente, no primeiro dia de seu reinado, ao dar a sua primeira senha para o tribuno que chefiava a guarda palaciana, Nero escolheu a seguinte:
“A melhor das mães“…
Foi Agripina também que providenciou os dois principais auxiliares que aconselhariam Nero durante os primeiros anos do seu reinado: o filósofo Sêneca, o Jovem, que, segundo Cássio Dião, redigiu seu primeiro discurso dele ao Senado, e Sexto Afrânio Burro, que foi mantido como Prefeito da Guarda Pretoriana. Os dois asseguraram que o jovem imperador tivesse um começo de reinado promissor, com várias medidas sensatas e racionais.
Vale notar que, ainda durante o reinado de Cláudio, a administração dos assuntos de Estado começou a ser desempenhada cada vez mais pelos escravos libertos do Imperador que trabalhavam nas dependências do Palácio e que passaram a constituir o embrião de verdadeiros ministérios, no sentido administrativo moderno, assumindo tarefas que antes estavam a cargo dos antigos magistrados da República. Nero herdou esse sistema, e muitos libertos de Cláudio continuaram a exercer seus cargos no seu reinado, como por exemplo o grande aliado de Agripina, o liberto Marcus Antonius Pallas, que continuou exercendo o cargo de Secretário do Tesouro, uma circunstância que assegurou certa continuidade administrativa.
Sêneca e Burro, sensatamente, procuraram assegurar que o imperador mantivesse boas relações com o Senado Romano, comparecendo às sessões desta assembleia e levando em consideração as recomendações dos senadores. Os dois preocuparam-se especificamente em abolir o costume implementado por Cláudio, de conduzir julgamentos em sessões privadas realizadas no próprio Palácio (“in camera”), o que era considerado contrário aos princípios jurídicos romanos tradicionais, que previam audiências públicas..
Todavia, os dois conselheiros em questão, percebendo os danos à imagem do reinado que isto vinha acarretando, procuraram diminuir a excessiva intervenção de Agripina nos assuntos do governo, e, com esse propósito, eles chegaram até a incentivar a paixão que Nero nutria pela liberta Acte, que virou amante do Imperador. Dessa forma, além de afastar Nero da influência da mãe, eles também visavam diminuir a inclinação ao desregramento sexual que já se percebia no jovem imperador, impulsos que o casamento com a imperatriz Cláudia Otávia parecia incapaz de arrefecer.
Um episódio narrado por Cássio Dião, mostra um bom exemplo do propósito de Sêneca e Burro:
“Uma embaixada dos Armênios havia chegado e Agripina quis subir na tribuna de onde Nero falava com eles. Os dois homens (Sêneca e Burro), vendo a aproximação dela, persuadiram o jovem imperador a descer e ir ao encontro de sua mãe antes que ela pudesse chegar ali, como se ele fosse cumprimentá-la de alguma maneira especial. Então, tendo feito isso, eles não subiram de novo na tribuna, de modo que aquela fraqueza do Império não se tornasse aparente para os estrangeiros; e, posteriormente, eles trabalharam para prevenir que qualquer assunto público de novo ficasse nas mãos dela.”
Cássio Dião, Epítome do Livro XLI
Observe-se que Suetônio acusa diretamente Nero e Agripina de manterem uma relação incestuosa, mencionando até que isso costumava ocorrer quando os dois viajavam pelas ruas romanas em liteiras, um comportamento que seria denunciado pelas manchas suspeitas na toga do filho…Outros autores, de fato, também citam este costume que ambos tinham de andar na mesma liteira, mas muitos historiadores consideram que a obra de Suetônio, em muitas passagens, tende a reproduzir e aumentar boatos escandalosos, sem muita preocupação com a verdade histórica.
A tônica, porém, em todas as fontes, é de que Nero não nutria muito entusiasmo pelas tarefas governamentais, preferindo dedicar-se ao canto, ao teatro e às competições esportivas, sobretudo corridas de cavalos. Progressivamente, também, o poder absoluto lhe permitiu experimentar as mais variadas práticas sexuais.
Assim, a falta de aptidão para o cargo, a juventude e a onipotência uniram-se para empurrar Nero para uma ilimitada devassidão. Por outro lado, o avanço dos anos deu-lhe confiança para cada vez mais afirmar a sua vontade e ignorar os conselhos de Sêneca e Burro, ao passo que a repetida intromissão de Agripina em sua vida começou a lhe parecer insuportável, notadamente a oposição que a mãe externava em relação ao seu romance com Acte.
Aparentemente, Agripina se ressentia de não ser mais a figura feminina principal na vida do filho, e da perda de poder e influência que isso acarretava. Assim, ela se referia a Acte como: “minha competidora, a liberta” e “minha nora, a camareira“…
A insistência de Nero em continuar a relação amorosa com Acte irritou tanto Agripina que, segundo Cássio Dião, certa vez ela se irritou e disse na cara do filho:
Fui eu que te fiz Imperador!
Cássio Dião, Epítome do Livro LXI, 7
Por sua vez, farto da interferência da mãe, Nero, com o fim de diminuir o poder de Agripina, demitiu Pallas do cargo de secretário.
Outro fator de discórdia entre mãe e filho, e talvez mais importante, foi o fato de Agripina, certa vez, ter insinuado que Britânico aproximava-se da maioridade, dando a entender a Nero que ela poderia apoiar o rapaz como sendo o legítimo herdeiro de Cláudio. Por isso, em 55 D.C., Nero demitiu o liberto Pallas, que tinha sido um fiel aliado de Agripina desde os tempos de Cláudio, e, segundo algumas fontes, ambos seriam amantes.
Ainda em 12 de fevereiro de 55 D.C., Britânico morreu, de maneira suspeita, no dia exato em que ele completaria a maioridade. Segundo os autores antigos, ele foi envenenado a mando de Nero, que teria também recorrido aos serviços da envenenadora Locusta.
Após a morte de Britânico, aparentemente Nero sentiu-se confiante para se livrar da influência da mãe e dos conselheiros que ela havia escolhido.
O estranhamento entre Nero e Agripina ficou evidente quando o imperador ordenou que a Guarda Pretoriana retirasse a escolta que até então acompanhava a mãe pelas ruas, o que foi imediatamente percebido pela população.
Mas a relação de Nero com a mãe azedou de vez quando, em 58 D.C., a nobre Popéia Sabina, a Jovem, esposa de seu amigo Marcus Sálvio Otão (o futuro imperador Otão) tornou-se amante dele. Agripina, opondo-se ao romance, aproximou-se da imperatriz Cláudia Otávia, que, em oito anos de casamento com Nero, não tinha gerado filhos, muito em função do desinteresse do marido pela esposa.

Popéia Sabina, em vingança à oposição de Agripina ao seu romance com o imperador, teria aconselhado Nero a assassinar a mãe, segundo Tácito e Cássio Dião (Nota: Popéia seria natural de Pompéia, e a sua magnífica Villa, na cidade vizinha de Oplontis, foi soterrada pela erupção do Vesúvio e descoberta em excelente estado de conservação -vide fotos abaixo).
Morte de Agripina
Para evitar que o público desconfiasse da morte de Agripina, bem como para atraí-la para a armadilha, Nero fingiu uma reaproximação, voltando a ser amistoso e atencioso com a mãe
Os historiadores narram que Nero engendrou vários esquemas engenhosos para matar Agripina, que iam desde o naufrágio em um navio previamente sabotado para se desmanchar no mar (ideia do liberto Anicetus, preceptor de Nero na infância e que odiava Agripina) ao desabamento provocado do teto de um aposento que ela ocupava.
Nero, então, convidou a mãe para ir até a Campânia, região onde a elite romana frequentava o afamado balneário de Baiae, onde ela embarcaria em um navio adredemente preparado para ter uma seção que, posteriormente, em um momento determinado, se romperia, deixando Agripina cair no mar. Desse modo, quando o dispositivo fosse acionado, durante viagem, o público não desconfiaria da morte da mãe por afogamento.
Após embarcar no navio, algum dispositivo foi acionado e uma carga de barras de chumbo caiu em cima de Agripina, mas ela e sua amiga Acerronia Pollia foram protegidas pela cabeceira de madeira maciça da cama onde viajavam. Como o dispositivo não funcionou direito, os marinheiros tentaram virar o navio e Agripina e Acerronia caíram no mar. Na confusão, Acerronia, que estava se debatendo, procurando se salvar, achando que desta maneira ela seria ajudada pelos marinheiros, gritou que ela era Agripina, sem saber que os marinheiros eram partícipes do atentado. Então, acreditando que Acerronia era Agripina, os marinheiros começaram a bater nela com os remos, terminando por matá-la. Agripina, por sua vez, apesar de também receber uma remada, que a machucou, conseguiu nadar até a costa, ou segundo outra versão, foi resgatada por um barco de pesca.
Segundo Tácito e Cássio Dião, já a salvo em sua Villa em Bauli, nas proximidades, para onde os populares a haviam levado, Agripina concluiu que o naufrágio havia sido uma tentativa de assassiná-la, mas decidiu que a melhor estratégia seria fingir que acreditava que o naufrágio era um acidente e enviou um mensageiro a Nero contando do sucedido e que ela havia sobrevivido.
Contudo, a sorte de Agripina já estava lançada e Nero, ao receber a notícia, após consultar Burro e Sêneca, que disseram não ser recomendável confiar na lealdade da Guarda Pretoriana no que se referia à execução da filha do adorado Germânico ordenou que Anicetus fosse até Bauli e terminasse a tarefa.
Anicetus reuniu um grupo de marinheiros armados, possivelmente os mesmos que tripulavam o navio-armadilha e foi até a Villa de Agripina. Quando eles entraram, ela imediatamente percebeu o motivo da presença deles. Era 23 de março de 59 D.C.
Então, quando o executor ergueu a espada, Agripina rasgou a sua roupa, e como lamento por ter parido o filho, apontou para o próprio ventre, dizendo:
“Acerte aqui!”
Tácito, Anais, Livro XIV, 8
Ao receber a notícia da morte da mãe, Nero quis conferir pessoalmente, seja para certificar de que ela estava mesmo morta, ou por desejo de vê-la pela última vez.
De acordo com Cássio Dião, quando Nero chegou ao local, ele despiu o cadáver da mãe, percorreu todo o corpo dela com os olhos e examinou os ferimentos dela, “fazendo um comentário mais abominável que até o próprio assassinato“:
“Eu não sabia que eu tinha uma mãe tão bonita”
Cássio Dião, Epítome do Livro LXI, 14
O corpo de Agripina foi cremado na mesma noite. Em seu funeral, Nero manteve-se mudo e aparentemente apavorado, mas a morte da mãe não causou muita comoção e os aduladores de plantão até o congratularam pela morte da mãe, pelo fato dele agora estar livre das maquinações de Agripina. Entretanto, os relatos são de que Nero viveu o resto da vida tendo pesadelos sobre a mãe e sendo consumido pela culpa.
Após o reinado de Nero, as cinzas de Agripina foram depositadas em um mausoléu simples, em Miseno, providenciado por seus antigos serviçais.
Consta que Agripina escreveu suas memórias, hoje desaparecidas, que chegaram a ser consultadas pelo historiador Tácito e pelo escritor e naturalista Plínio, o Velho, que escreveram respectivamente, cerca de 20 (o segundo) e 60 anos (o primeiro) após a morte dela.
CONCLUSÃO
A vida de Agripina, a Jovem é notável porque mostra como, a despeito de viver em uma sociedade patriarcal e até certo ponto misógina, ela conseguiu influenciar o curso da História de Roma e exercer poder de fato, como poucas mulheres na Antiguidade e até mesmo além. Apesar disso, ela não deixou uma imagem virtuosa, passando a História como mulher manipuladora e cruel.
De qualquer forma, a trajetória dela demonstra as mazelas e contradições do regime inaugurado por seu bisavô Augusto.
FIM