GALBA E SEMPRÔNIO, O PRETORIANO FIEL

Em 15 de janeiro de 69 D.C,  em Roma, morreram o imperador romano Galba e o centurião da Guarda Pretoriana, Semprônio Denso.

Origens e Infância

Sérgio Sulpício Galba (Galba), nasceu em 24 de dezembro de 3 A.C., próximo à Terracina, uma cidade litorânea do Lácio, a 76 km de Roma, filho de Gaius Sulpicius Galba, que era corcunda e se destacou como advogado nos tribunais, e de Mummia Achaica, sendo ambos integrantes de famílias muito ilustres da aristocracia romana.

Porém, a mãe de Galba morreu pouco tempo depois do nascimento dele, e seu pai, viúvo, casou-se, então, com Livia Ocellina, que pode ter sido parente da imperatriz Lívia Drusila, que na época era a poderosa esposa do imperador Augusto. Este deve ter sido o principal motivo pelo qual Galba chegou a mudar o seu nome e passar a empregar o sobrenome Ocello, antes de sua elevação ao trono.

Ruínas do teatro romano em Terracina, foto Mænsard vokser, CC BY-SA 4.0 https://creativecommons.org/licenses/by-sa/4.0, via Wikimedia Commons

Quando Galba ainda era apenas um menino, Suetônio conta que, durante uma audiência na qual as crianças da elite romana foram prestar uma homenagem a Augusto, o imperador beliscou carinhosamente a bochecha dele, e disse, em grego:

Tu também, criança, vais ter um bocadinho deste meu Poder”

Galba casou-se uma única vez, com Emília Lépida, também ela membro de uma ilustre família nobre e uma provável descendente do Triúnviro Marco Emílio Lépido. Porém, tanto ela como os filhos que o casal teve morreram quando Galba devia estar na casa dos quarenta anos de idade. Consta até que, ainda antes da esposa morrer, Galba foi ostensivamente cortejado por Agripina, a Jovem, mãe do futuro imperador Nero.

Carreira

Provavelmente, graças ao seu sobrenome ilustre e ao possível parentesco de sua madrasta e mãe adotiva com Lívia, durante o reinado do filho desta, e sucessor de Augusto, o imperador Tibério, Galba teve uma carreira pública de respeito, ocupando os cargos de Pretor, onde presidiu uma extravagante cerimônia na festilidade religiosa da Floralia, e de Cônsul, em 33 D.C. Efetivamente, Suetônio narra que Galba era muito devotado à imperatriz e que foi graças à influência de Lívia que ele obteve cargos tão importantes.

Inclusive, quando Lívia morreu, ela deixou em testamento, em legado a Galba, a fortuna de 5 milhões de sestércios. Porém, o imperador Tibério diminuiu esta disposição testamentária para somente 500 mil sestércios, e, segundo Suetônio, nem isto Galba recebeu. De qualquer maneira, Galba era riquíssimo, e segundo Plutarco, ele seria o homem mais rico que ocupou o trono até os dias do historiador, que escreveu provavelmente no início do século II D.C.

Galba foi também governador da província da Gália Aquitânia, ainda durante o reinado de Tibério.

A proximidade de Galba com a dinastia dos Júlio-Cláudios foi confirmada no reinado de Calígula, quando ele foi escolhido, em 39 D.C, para substituir o governador da Germânia Superior, Gnaeus Cornelius Lentulus Gaetulicus, que caíra em desgraça com Calígula.

A Germânia Superior era um dos comandos militares mais importantes do Império, e no comando das legiões da província, Galba notabilizou-se pela severidade e disciplina inflexível, constantemente ordenando manobras e exercícios, os quais, diga-se de passagem, contribuíram para a excelência das mesmas e eficiência no combate a algumas incursões dos Germanos.. Aliás, parece que este era um traço marcante da personalidade, pois Suetônio relata que ele era fo único em Roma que mantinha um antigo costume de ordenar os que os seus escravos domésticos e libertos diariamente entrassem em formação, uma vez ao amanhecer e outra ao anoitecer, para lhe desejar bom dia e boa noite.

Há até o relato de que Galba, quando Calígula visitou a província, acompanhou por 20 milhas, de escudo na mão, a carruagem do imperador.

Após o assassinato de Calígula, consta que Galba chegou a ser sondado para assumir o trono, mas, mantendo a sua fidelidade à dinastia Júlio-Cláudia, ele declinou, o que lhe valeu também a confiança do novo imperador, Cláudio, passando, assim, a integrar o círculo mais íntimo e o conselho deste monarca.

Em consequência, Galba foi designado governador da província da África, ocupando o cargo por dois anos, sendo especialmente escolhido para restaurar a ordem na província, que enfrentava uma revolta de nativos, provavelmente entre 44 e 46 D.C.. Novamente, no comando das legiões daquela província, são relatados atos de extrema severidade disciplinar por parte de Galba, quando, ao punir um soldado acusado vender parte da sua ração, Galba ordenou que o mesmo fosse impedido de receber comida, depois que as suas rações acabassem, morrendo de inanição.

De qualquer modo, os serviços de Galba na`África foram reconhecidos pela concessão dos ornamentos triunfais (no Império, somente o Imperador poderia celebrar Triunfos), uma grande honraria.

Após ele voltar da África, Suetônio relata que Galba retirou-se da vida pública até que, entre 59 e 60 D.C, já durante o reinado de Nero, sucessor de Cláudio, ele recebeu a oferta de governar a província da Hispânia Tarraconense, ficando neste cargo durante oito anos.

Caminho para o trono

Então, na primeira metade de 68 D.C, enquanto presidia julgamentos em Cargago Nova (atual Cartagena), Galba recebeu notícias de que na província da Gália Lugdunense, o governador Gaius Julius Vindex planejava uma conspiração para destronar Nero, mas consta que Galba, a princípio, manteve-se inerte. Mesmo assim, após deflagrada a revolta, VIndex enviou uma nova carta a Galba, instando-o a se tornar o “Libertador” de Roma e “Líder da Raça Humana“.

Embora Galba não tenha de pronto aceitado a oferta de Vindex, o mero fato dele ter sido procurado pelos revoltosos e não ter delatado a revolta levou Nero a ordenar a sua morte. Entretanto, os emissários enviados com a sua sentença de morte foram interceptados por homens de Galba e ele, então, premido pelas circunstâncias,e instado por Titus Vinius, capitão de sua guarda pessoal, Galba mandou reunir a soldadesca e declarou que assumia o título de “General do Povo e do Senado Romano” e que ele estava “à disposição do Senado para restaurar a liberdade“…

Nero, que aparentemente não tinha dado a devida importância à rebelião de VIndex, quando soube que Galba também tinha aderido à rebelião ficou preocupado, devido às credenciais aristocráticas do seu nome e a boa reputação de que o rival gozava. Consequentemente, Nero, que ainda mantinha algum controle da situação, conseguiu que o Senado declarasse GalbaInimigo Público” e ordenou que todas as suas propriedades fossem confiscadas.

Enquanto isso, a revolta de Vindex foi rapidamente derrotada pelas legiões da Germânia Superior, fiéis a Nero, sob o comando de Lucius Verginius Rufo, nos arredores da cidade de Vesontio (atual Besançon), tendo logo após o líder rebelde cometido suicídio.

Todavia, as legiões vitoriosas imediatamente declararam-se em rebelião contra Nero, embora Rufo tenha permanecido leal ao imperador, recusando-se a aderir ao movimento e a aceitar a sua aclamação como imperador pelos seus soldados, que, ao que parece, já começavam a farejar a possibilidade de obterem polpudas recompensas caso o seu comandante assumisse o trono (Nota: A postura de Rufo mostrou-se sábia. No ano seguinte, ele recusaria novamente apelos de soldados para assumior trono, após o assassinato do imperador Otão, e viveria uma vida pacífica em sua propriedade na Etrúria, até ser nomeado novamente Cônsul pelo imperador Nerva, em 97 D.C, mesmo ano em que ele morreria, com a avançada idade de 82 anos!)

Galba, entrementes, fez preparativos para enfrentar a retaliação de Nero, chegando a fortificar uma cidade, mas teve que lidar com uma tentativa de deserção de uma unidade de cavalaria, e quase sofreu um atentado. Ele, além disso, ficou muito preocupado quando chegou a notícia da derrota da rebelião de Vindex, chegando até a cogitar o suicídio.

No meio deste confuso e atribulado quadro, os partidários de Galba no Senado em Roma não ficaram imóveis, e procuraram aliados: Assim, em algum momento entre  o final demaio e o início de junho de 68 D.C., um dos Prefeitos da Guarda Pretoriana, Ninfídio Sabino (consta que o outro Prefeito, Ofonius Tigellinus, que era amigo de Nero, já percebendo a sua iminente ruína, afastou-se alegando uma suposta doença naquele momento), persuadiu os pretorianos, em Roma, de que os rumores de que Nero havia fugido para o Egito eram verdadeiros, induzindo-os a se declararem a favor de Galba.

Para o azar de Nero, a defecção dos Pretorianos ocorrera antes da chegada à Roma da notícia da vitória de Rufo contra Vindex, algo que daria ao imperador certa esperança de readquirir o controle da situação.

Sem a Guarda Pretoriana, o próprio palácio de Nero ficou desguarnecido, fato que ele, desesperado, descobriu quando acordou no meio da noite e não viu ninguém nos corredores desertos. Circulou, então, a notícia de que o Senado tinha declarado NeroInimigo Público“. Assim, o emotivo imperador, apavorado com a situação, após tentar fugir, cometeu suicídio,

Em 8 de junho de 68 D.C., aos 70 anos de idade, Galba foi reconhecido pelo Senado Romano como o novo imperador romano. Era o fim da dinastia dos Júlio-Cláudios, que fundara o Império, em 27 A.C, mas governava Roma há mais de um século, desde que Júlio César havia sido nomeado Ditador Perpétuo e, após o assassinato deste, Otávio Augusto venceu a Guerra Civil.

Busto de Galba no Museu de Antiguidades Gustavo III, em Estocolmo. Foto de Richard Mortel from Riyadh, Saudi Arabia 

Quando a noticia da morte de Nero chegou à cidade de Clunia, na Hispânia, para onde Galba havia se retirado, nova que lhe foi trazida pelo liberto Icelus Martianus, então ele sentiu-se seguro em partir para Roma.

Reinado

Cássio DIão conta que Galba começou a reinar de maneira moderada e, de modo geral, correta. Porém, a excessiva severidade e avareza, que parecem terem sido traços características de sua personalidade, e provavlmente agravados pela velhice (Galba seria um dos homens mais velhos a se tornar imperador em toda história romana), logo o fariam impopular e odiado.

Segundo Suetônio:

Ele condenou a morte homens distintos de ambas as ordens por suspeitas triviais sem julgamento. Ele raramente conferiu a cidadania romana, e os privilégios que deviam gozar os pais de três filhos para raramente um ou dois, e mesmo para estes, por um tempo fixo e limitado. Quando os jurados peticionaram que fosse adicionado uma sexta divisão aumentando o número deles, ele não apenas recusou, mas retirou deles os privilégios conferidos por Cláudio, de não serem convocados a servir nos tribunais durante o inverno e no começo do ano.

Também acreditava-se que ele tencionava limitar os cargos abertos aos senadores e cavaleiros a um período de dois anos, e dá-los somente aos que não os desejassem ou tivessem recusado.

Ele revogou todas as benesses e presentes dados por Nero, autorizando que apenas fosse retida a décima parte deles; e ele cobrou essas devoluções com o auxílio de 50 Equestres, estipulando que mesmo que os atores e atletas já tivessem vendido o que eles tinham recebido, o valor correspondente deveria ser debitado do pagamento, caso os beneficiados tivesem gasto o dinheiro e não pudessem devolver. Por outro lado, não houve nada que ele não tivesse permitido que os seus amigos e libertos vendessem por um preço ou agraciassem como favor: taxas e isenções, a punição de inocentes ou a impunidade de culpados. (…)

Tendo dessa maneira incorrido no ódio de quase todos os homens de todas as classes, ele foi especialmente odiado pelos soldados; porque, embora os oficiais deles tenham-lhes prometido uma recompensa maior do que a usual quando eles juraram fidelidade à Galba, em vez de honrar a promessa, ele declarou que “estava acostumado a recrutar soldados, não comprá-los”; e por conta disso, ele amargurou os soldados ao redor do Império.”(…)

Vida de Galba, em A Vida dos Césares, Suetônio, 15-16

Vale observar que, mesmo antes de Galba adentrar a cidade de Roma, um episódio sombrio prenunciou o seu jeito de ser, embora sua conduta não possa ser condenada em função das circunstãncias: ele foi abordado na estrada por algumas dezenas de marinheiros que tinham sido recrutados por Nero e demandavam o seu alistamento formal como uma unidade militar. Galba, então, disse que trataria do assunto mais tarde. Então, alguns homens começaram a reclamar de maneira mais enfática e alguns teriam at´desembainhado as espadas. Galba, assim, ordenou que a sua cavalaria atacasse os homens, que correram. Mesmo assim, todos foram passados a fio de espada.

Aureus de Galba. Foto Classical Numismatic Group, Inc. http://www.cngcoins.com, CC BY-SA 2.5 https://creativecommons.org/licenses/by-sa/2.5, via Wikimedia Commons

Uma das primeiras medidas de Galba foi condenar a execução vários integrantes do círculo íntimo de Nero, tais como a feiticeira e envenenadora Locusta, após fazê-los desfilar acorrentados pelas ruas, e isso deve ter sido apreviado pela população. Mas outras figuras odiadas, como TIgellinus e o eunuco Haloto, que era suspeito de ter envenenado o imperador Cláudio,, o imperador Galba poupou, e, no caso do segundo, até nomeou-o para um cargo importante e lucrativo, talvez ligado à coleta de impostos, algo que se coaduna com a apontada avareza e sede de tributos que é imputada a este imperador.

Parece que a idade avançada de Galba acabou fazendo com que ele tivesse que confiar e deixar a maior parte da tarefa de governar nas mãos de três auxiliares de confiança: Titus Vinius, Cornelius Laco e o liberto Icelus Martianus. Eles demonstraram ter tanta influência sobre Galba que passaram a ser chamados, sarcasticamente, de “Os Três Pedagogos“…

O braço-direito de Galba no governo passou a ser TItus Vinius, que o imperador escolheu para ser seu colega de Consulado para o ano de 69 D.C. Dar tanto poder a VInius pode ter sido um gesto de gratidão, mas foi uma péssima escolha, pois Vinius era excessivamente ganancioso e desregrado. Aliás, Plutarco conta dois episódios acerca da vida pregressa de Vinius: o primeiro contando que, ainda no início de sua carreira militar, Vinius cometeu adultério com a esposa do comandante da sua unidade, fazendo-a entrar no quartel disfarçada de soldado e praticando o ato sexual em pleno quartel-general. Na segunda passagem, Plutarco conta que Vinius surrupiou uma taça de prata em um banquete no palácio de Calígula, motivo pelo qual este imperador, no banquete seguinte, ordenou Vinius fosse servido apenas com utensílios de cerâmica.

Segundo Plutarco, Vinius teria sido o maior responsável pelo fato de Tigellinus não ter sido punido, devido ao fato dele ter recebido suborno do amigo de Nero.

Cornelius Laco foi nomeado Prefeito da Guarda Pretoriana, e substituição a Tigellinus. A sua nomeação desagradou NInfídio Sabino, que, durante o tempo em que Galba ainda estava a caminho da Itália, exerceu grande poder em Roma e chegou a cogitar de assumir o trono ele mesmo, aspiração que, por sinal, a sua origem humilde obviamente tornava quase impossível naquele tempo. Sabendo desta realidade, Ninfídio tentou espalhar o boato de que ele seria filho ilegítimo do finado imperador Calígula, pelo fato de que sua mãe, que era dotada de beleza e filha de um liberto deste imperador, teria tido com o mesmo um relacionamento íntimo, quando ele ainda era muito jovem.

Não satisfeito, Ninfídio tentou incitar os Pretorianos a demandarem o afastamento de Vinius e Laco, mas os oficiais da Guarda, inicialmente fiéis ao seu Comandante, ficaram desconfiados e temerosos e, mudando de disposição, convocaram Ninfídio para o Quartel da Guarda Pretoriana. local onde, após discussões, os principais soldados decidiram manter-se leais ao imperador e, então, Ninfídio foi morto em uma tenda de um soldado onde ele foi buscar abrigo, sendo depois o seu corpo arrastado, ficando exposto aos que passavam pelos muros do Quartel.

Titus Vinius, foi o responsável pela indicação de seu amigo Vitélio para o importante comando militar das legiões da Germânia Inferior, apesar do segundo não ter a menor experiência militar. Vinius e Vitélio ficaram amigos em virtude do prosaico motivo de ambos torcerem pela facção dos Azuis, uma das quatro que dividiam os torcedores das corridas de quadrigas, no Circo Máximo, em Roma…

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A aceitação da indicação de Vitélio para tão importante comando militar, segundo Suetônio, deve-se ao fato dele ser um notório glutão e bon-vivant, e, portanto, ter sido considerado como uma pessoa incapaz de ameaçar Galba

Porém, algo que o notório temperamento severo e inflexível de Galba não conseguiu perceber, é que as tropas da Germânia estavam muito descontentes pelo fato delas não terem recebido os donativos esperados quando da subida dele ao trono imperial, em recompensa por eles terem derrotado as legiões de Julius Vindex, cuja revolta desencadeara a sucessão de eventos que levou à derrubada de Nero e, logicamente, a coroação do próprio Galba.

O fato é que as credenciais de Vitélio, tendo em vista o seu “pedigree” de filho de um senador que ocupara o consulado por 3 vezes e, ele mesmo, já ter sido Cônsul, não eram de se desprezar como pretendente ao trono, e, depois que ele chegou à Germânia, em novembro de 68 D.C, não muito tempo depois, em 1º de janeiro de 69 D.C., as legiões da província recusaram-se a jurar lealdade a Galba, naquela mesma data tradicional em que os Cônsules indicados assumiam o Consulado, configurando, assim, o estado de rebelião.

Busto de Vitélio

Julgando, não de modo todo incorreto, diga-se de passagem, que a principal causa da instabilidade de seu governo era o fato dele não ter filhos nem herdeiros, Galba adotou, em 10 de janeiro de 69 D.C, como filho e sucessor, o nobre Lúcio Calpúrnio Pisão Frugi Liciniano, na presença da Guarda Pretoriana reunida.

Entretanto, no ato público de adoção de Calpúrnio Pisão, o imperador, seguindo o seu jeito de encarar esse assunto, deixou de fazer a costumeira promessa de donativo às tropas.

A escolha desagradou outro nobre e partidário de Galba na rebelião contra Nero, Marco Sálvio Otão (Marcus Salvius Otho), que julgou-se preterido pelo imperador, uma vez que ele, Otão, quando governava a Lusitânia, havia sido o primeiro governador a declarar apoio a Galba durante a revolta, inclusive enviando dinheiro para apoiar o colega. Otão tinha sido um amigo íntimo do finado imperador Nero, com que chegou a “compartilhar” a própria esposa, Popéia, antes que ela se casasse com Nero.

Em poucos dias, Otão começou a subornar integrantes da Guarda Pretoriana para assassinar o imperador e Calpúrnio Pisão, mas muito mais crucial do que isso para o sucesso da conspiração seria a grande insatisfação contra Galba que grassava entre os Pretorianos.

Então, após realizar um sacrifício religioso, Galba recebeu a notícia de que Otão tinha tomado o controle do Quartel da Guarda Pretoriana. Na verdade, segundo o relato de Plutarco, Otão, após um presságio desfavorável revelado em um sacrifício presidido por Galba, que lhe apontava como causador da morte do imperador, deixou às pressas o Palácio, com medo de ser preso, mas foi recebido por 23 pretorianos, que o aclamaram como Imperador e, rodeando a sua liteira, o levaram até o Quartel, sendo que, no caminho, outros guardas foram se juntando à rebelião).

Alguns auxiliares aconselharam Galba a proceder imediatamente para o Quartel, onde ele poderia debelar a nascente rebelião com sua mera presença e prestígio (provavelmente um conselho mal-intencionado). Não confiando nas recomendações, Galba, vestindo uma couraça de tecido prensado do tipo “linothorax” preferiu juntar um grupo de soldados leais em torno de si e fortificar posições em determinados pontos de Roma.

Contudo, conspiradores ocultos que tinham acesso a Galba fizeram chegar a ele, bem como fizeram circular em Roma, a informação falsa de que Otão havia sido morto pelos Pretorianos no Quartel.

Sentindo-se, assim, confiante, Galba deixou o Palácio e foi com o pequeno contingente da sua guarda pessoal examinar de perto a situação.

Segundo, Suetônio, no caminho, Galba encontrou uma tropa de Pretorianos, da qual um guarda deu-lhe outra falsa notícia: Que Otão havia sido morto por ele, tendo o militar até exibido ao imperador o seu gládio manchado de sangue, ao que Galba, em seu tradicional modo imperativo, respondeu:

“Com a autoridade de quem?”

A liteira de Galba, então, foi avistada, enquanto cruzava o Fórum Romano, por cavaleiros da Guarda Pretoriana, que já estavam à caça do Imperador.

Segundo o detalhado relato de Plutarco, a liteira de Galba foi alcançada na altura da Basílica Emília, e o galope da cavalaria rebelde espantou os transeuntes, que, não obstante, correram para os prédios e monumentos próximos e ficaram observando o desfecho, como se fosse um espetáculo. Os pretorianos, então, lançaram os seus dardos contra a liteira, sem alcança-la (ou, segundo outra versão, atingindo, porém sem matar, o Imperador). Então, chegando mais perto, desmontaram e desembainharam a espada, aproximando-se cada vez mais.

Ruínas da Basílica Emília, no Fórum Romano, foto daryl_mitchell from Saskatoon, Saskatchewan, Canada, CC BY-SA 2.0 https://creativecommons.org/licenses/by-sa/2.0, via Wikimedia Commons

A Morte de Galba e o heroísmo de um Centurião

Ao estudar a História do Império Romano, ficamos pasmos com a quantidade de vezes em que imperadores foram assassinados pela Guarda Pretoriana, que, afinal, era uma unidade militar de elite que, em tese, deveria existir para proteger o soberano.

Entretanto, nem todos os Pretorianos eram venais e subornáveis, como mostra o exemplo do centurião Semprônio Denso.

De fato, os relatos dão conta de quando os pretorianos que faziam a escolta de Galba, quando viram o grupo armado dos colegas rebeldes, a maioria fugiu e a outra parte juntou-se aos atacantes.

Porém, o centurião Semprônio Denso manteve-se ao lado do imperador.

Plutarco conta que Semprônio levantou a sua vara de centurião, feita de videira e costumeiramente usada para castigar os soldados faltosos, ordenando que não tocassem o imperador. Não sendo isso suficiente para afastar os colegas renegados, o fiel centurião desembainhou a sua espada (ou, na versão de Tácito, um simples punhal) e enfrentou em combate homem-a-homem vários inimigos, até receber um golpe nas pernas, que o levou ao chão, onde ele foi morto.

A bravura de Semprônio permitiu que o seu herdeiro Calpúrnio Pisão Liciniano, que fazia parte do cortejo de Galba, conseguisse escapar do atentado e se refugiar no Templo de Vesta, onde contudo, ele foi posteriormente capturado e morto a mando de Otão, em um ato de desrespeito ao santuário sagrado. O mesmo destino que sofreram VInius e Laco.

O feito de Semprônio também foi registrado pelo historiador Cássio Dião, como sendo o único ato de bravura ocorrido naqueles dias,  e, por isso,  ao terminar de narrar em sua História o caso do infeliz centurião, ele fez questão de afirmar:

“É por isto que eu registrei o seu nome, pois ele é muito merecedor de ser mencionado”

Guardas Pretorianos no chamado Relevo de Cancelleria, foto Eleven Explorer, Public domain, via Wikimedia Commons

De acordo com Plutarco, no chamado Lacus Curtius, ainda no Fórum Romano, a liteira de Galba foi virada, o imperador rolou para o chão e ficou prostrado de armadura, sendo alcançado pelos soldados. Quando levou o primeiro golpe, Galba ofereceu o pescoço para seus algozes, dizendo:

“Faça isso, se for o melhor para o Povo Romano”

Já segundo Cássio Dião, as últimas palavras de Galba foram:

“Por que? Que mal eu fiz?”

Seja como for, após receber vários golpes, Galba foi morto, teve a sua cabeça cortada e levada até Otão, que chegou a dizer:

“Isto não quer dizer nada, meus caros soldados, mostrem-me a cabeça de Calpúrnio Pisão!”

Epílogo

O Senado, aterrorizado com a procissão de várias cabeças decepadas no interior da própria Cúria, no mesmo dia aclamou Otão como novo imperador romano. Porém, o seu reinado também seria curto, pois o exército de VItélio já se encontrava em marcha para a Itália, para derrotá-lo na Batalha de Cremona. Enquanto isso, no Oriente, o prestigiado general Vespasiano estava em vias de também dar a sua cartada pelo trono. Por isso, 69 D.C ficaria conhecido na História como “O Ano dos Quatro Imperadores“.

A cabeça de Galba foi levada em parada pelo acampamento da Guarda Pretoriana. Depois, um liberto de Patrobius Neronianus, o qual havia sido executado por ordens de Galba, comprou-a por 100 moedas de ouro e a jogou no local de execução do seu Patrono. Porém, pouco depois, o liberto Argivus reuniu todos os restos de Galba e sepultou-o em um mausoléu nos Jardins que o finado imperador tinha na Via Aureliana.

Conclusão

De acordo a opinião do historiador romano Tácito sobre Galba:

Ele pareceu grande demais para ser súdito enquanto foi súdito, e todos teriam concordado que ele estava à altura do cargo de Imperador, caso ele nunca o tivesse exercido”

Histórias, 1, 49

É um diagnóstico preciso e contundente sobre o imperador Galba, que não entendeu que o poder imperial repousava sobre um tripé que tinha que ser mantido em equilíbrio no que se refere às demandas de seus três pilares: o Povo, o Exército e o Senado.

Assim, de um Imperador Romano esperava-se que assistisse e entretesse o Povo, mantivesse bem pago, treinado e vitorioso o Exército, e fosse deferente e respeitoso com o Senado.

Galba não entreteve o Povo e nem pagou o Exército, então seu governo, restrito a apenas um pé, logo foi ao chão.

FIM

FONTES;

1- Quem foi Quem na Roma Antiga, Diana Bowder, Ed. Círculo do Livro, 1980

2- The Lives of the Twelve Caesars, by C. Suetonius Tranquillus

3- Roman History, by Cassius Dio

4-The Parallel Lives, by Plutarch

VESPASIANO – O BOA-PRAÇA DURÃO QUE CONSOLIDOU O IMPÉRIO

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I- Nascimento, família e juventude

Em 17 de novembro do ano 9 D.C, nasceu, na cidade de Falacrinae, a sudoeste de Roma( https://phys.org/news/2009-08-archaeologists-unearth-birthplace-roman-emperor.html), Titus Flavius Vespasianus (Vespasiano), integrante de uma família de origem sabina, proveniente de Reate (atual Rieti), que, recentemente, havia ingressado na classe Equestre, que era o segundo nível hierárquico da nobreza romana.

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(Piso de uma villa romana que estudiosos acreditam ter pertencido à família dos Flávios, vide http://news.bbc.co.uk/2/hi/europe/8190955.stm)

Com efeito, Titus Flavius Petro, o avô de Vespasiano havia sido um simples centurião das tropas de Pompeu, em Farsália, durante a guerra civil entre este e Júlio César, que depois virou coletor de impostos. E o pai de Vespasiano, Titus Flavius Sabinus (I), também seria coletor de impostos (publicano), na Província romana da Ásia, e banqueiro. Segundo o historiador Suetônio, na primeira função, Titus Sabinus destacou-se pela retidão, um traço que era tão incomum entre os publicanos romanos, que os provinciais chegaram a erguer uma estátua em sua honra ostentando a inscrição:

A um coletor de impostos honesto“…

Acredita-se que, devido à ausência dos seus pais enquanto eles serviam na Ásia, Vespasiano deve ter sido educado pela avó, Tertulla, a quem ele ficou muito apegado e de quem se lembraria pelo resto da vida, mesmo depois de virar imperador.

Foi o irmão mais velho de Vespasiano, também chamado de Titus Flavius Sabinus  (II)(Sabino), quem realmente começou uma carreira militar e pública de sucesso, sendo nomeado Tribuno na Trácia e, depois, conseguindo eleger-se para os cargos públicos (magistraturas) de Questor, Edil e Pretor.

Vespasiano seguiu os passos do irmão, e até o precedeu no exército romano, sendo nomeado, antes dele, Tribuno, também na Trácia, voltando à Roma por volta do ano 30 D.C.

O primeiro cargo público de Vespasiano,  ainda durante o reinado de Tibério, no entanto, foi servir entre os Vigintiviratos, um colégio de vinte magistrados menores, encarregados, dentre outras coisas, da limpeza das ruas de Roma,

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No início do reinado de Calígula, Vespasiano ainda continuava servindo no Colégio dos Vigintiviratos. Em sua “Vida de Vespasiano“, Suetônio, inclusive, chega a mencionar que aquele imperador, certa vez, insatisfeito com o serviço de limpeza urbana da Cidade, mandou que os seus guardas jogassem lama na toga de Vespasiano,  um gesto, sem dúvida, humilhante, e que poderia até ter terminado pior para Vespasiano, tendo em vista os crescentes episódios de insanidade de Calígula.

Depois disso, Vespasiano serviu como Questor na ilha de Creta, retornando para assumir o cargo de Edil em 38 D.C. Neste mesmo ano, ele se casou com Flávia Domitila, a Velha, nascida na cidade de Sabratha (na atual Líbia) filha de um simples secretário de um Questor, originário da cidade italiana de Ferentium, que servia na província da África.

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(Denário de prata com a efígie de Flávia Domitila, a Velha, cunhado após a sua morte e deificação)

II- Sucesso na carreira pública

Foi no reinado do sucessor de Calígula, o imperador Cláudio, que a carreira dos irmãos Flávios, sobretudo a de Vespasiano, decolou. Ele foi muito ajudado pelo fato de ser amante de Antonia Caenis, uma mulher muito inteligente que tinha sido escrava, e, depois de, alforriada, já na condição de liberta, virara secretária pessoal da influente Antônia, a Jovem, mãe de Cláudio (Antônia, a Jovem era filha de Marco Antônio e Otávia, irmã de Augusto). Vale citar que, antes de Vespasiano se casar com Domitila, ele e Antonia Caenis viviam em “contubernium“, uma espécie de concubinato admitido pela lei romana).

Muito provavelmente por injunção de Antonia Caenis, Vespasiano caiu nas graças de Narcissus, o poderoso liberto de Cláudio, que então ocupava o importante cargo de Secretário de Correspondência Imperial (Praepositus ab Epistulis) na Corte Imperial, e exercia forte influência sobre o imperador.

Assim, Vespasiano foi nomeado general da II Legião Augusta (Legatus Legionis II Augustae), sediada em Argentorarum ,na província da Germânia (a atual Estrasburgo) em preparação para a campanha militar mais importante do reinado de Cláudio: a Conquista da Grã-Bretanha. Nesta guerra, Vespasiano, servindo sob as ordens do comandante-geral Aulus Plautius, ficou responsável por subjugar a maior parte do sul da atual Inglaterra, bem como a Ilha de Wight.

Como recompensa pelas suas vitórias na Britânia, Vespasiano recebeu a honraria dos “ornamentos triunfais“, regalias destinadas aos generais vitoriosos durante o Império e que substituíram as procissões triunfais, que foram reservadas apenas para os Imperadores.

Em 51 D.C, Vespasiano foi escolhido para o cargo de Cônsul, a mais alta magistratura da antiga República, sendo ainda o ápice da carreira política em Roma. Todavia, logo depois disso, a posição dele sofreria uma grande reviravolta, pois Narcissus, o seu protetor, havia conspirado contra Agripina, a Jovem, a poderosa e vingativa nova esposa (e sobrinha) de Cláudio, e seu filho, Lucius Domitius Ahenobarbus (o futuro imperador Nero), que havia sido adotado, em 50 D.C,  por Cláudio, em detrimento do seu próprio filho natural, Britânico, que era apoiado por Narcissus.

III- Ostracismo e reabilitação

Cláudio morreu em 54 D.C., provavelmente envenenado por Agripina e o filho, desta, Nero, assumiu como novo Imperador. A seguir, Narcissus e Britânico também foram, no espaço de alguns meses, assassinados.

Assim, prudentemente, Vespasiano passaria os próximos 12 anos na obscuridade.

Esse “retiro” de Vespasiano só terminaria em 63 D.C, quando ele, agora um veterano e respeitável Senador, foi indicado para ser Procônsul na província romana da África. Consta que ali, Vespasiano fez uma boa administração, marcada pela honestidade, numa época em que os governadores romanos só pensavam em espoliar as províncias e encherem a bolsa de dinheiro.

Não demorou muito para que o respeitável senador e general fosse admitido de volta na Corte Imperial, passando a integrar o círculo íntimo de Nero, chegando até a integrar a comitiva do imperador, quando da sua acalentada viagem à Grécia, em 66 D.C,  ocasião em que Nero apresentou-se em competições artísticas e esportivas, no seu afã de seguir a trajetória de um herói grego.

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(O ator Peter Ustinov foi indicado ao Oscar de melhor ator em 1951 pela sua magistral interpretação de Nero, no filme Quo Vadis)

Contudo, um fato, que hoje para nós é até cômico, quase acabaria com a sorte de Vespasiano: Durante um dos intermináveis recitais de Nero, ele cochilou enquanto o imperador cantava (ou tocava a lira), deixando o vaidoso artista furioso. De acordo com Suetônio,  em punição pela afronta, Vespasiano foi excluído da Corte e teve que ir viver em uma cidade pequena, onde ele chegou a temer, justificadamente, pela própria vida.

Foi por volta dessa época que Vespasiano ficou viúvo, após a morte de sua esposa Flávia Domitila, a Velha, que havia lhe dado três filhos: Tito, Flávia Domitila, a Jovem e Domiciano. Ele nunca mais se casaria novamente, mas logo voltou a viver junto com Antonia Caenis, que, nas palavras dos historiadores antigos, “de esposa de Vespasiano só não tinha o nome“.

Domiciano, o  filho caçula de Vespasiano, porém, jamais aceitou a madastra.

Por sua vez,  Flavia Domitila, a Jovem casou-se com o grande general Quinto Petílio Cereal, mas ela morreria jovem, com pouco mais de vinte anos.  O casal teve uma filha, também chamada Flávia Domitila, que, de acordo com a tradição católica, é a Santa Flávia Domitila, que se converteu ao cristianismo e por isso foi banida de Roma, e que também teria sido a responsável pela doação à Igreja das terras onde seriam escavadas as chamadas Catacumbas de Domitila.

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(Pintura do “Bom Pastor” existente nas Catacumbas de Domitila)

Mas a aflição de Vespasiano duraria pouco, porque, naquele mesmo ano de 66 D.C, o estouro de uma séria revolta na sempre turbulenta Judéia obrigou Nero a se valer dos seus melhores generais.

Com efeito, começara a Grande Revolta Judaica, com o massacre de toda a guarnição romana de Jerusalém e a destruição da XII Legião Fulminata, que havia sido mandada da Síria para esmagar a rebelião, onde, inclusive esta unidade militar teve o seu icônico estandarte-águia capturado pelos revoltosos. Vespasiano, assim, recebeu de Nero o comando especial do formidável exército de 60 mil soldados que havia sido reunido para  para esmagar a rebelião e partiu para a província rebelde. Lá chegando, ele rapidamente conquistou a Galiléia, que era o celeiro da Judéia, e começou os preparativos para o cerco a Jerusalém.

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Durante o avanço pela Judéia, Vespasiano tomou a cidade de Jotapata, uma das praças-fortes judaicas, e capturou vivo um dos líderes da defesa da cidade, um judeu que, anos mais tarde, escreveria o relato dessa terrível guerra, e ficaria conhecido como o grande historiador Flávio Josefo. Durante o seu cativeiro, Josefo teria predito que Vespasiano se tornaria Imperador, o que o fez cair nas graças do general.

Enquanto isso, na distante Gália, o governador Gaius Julius Vindex e suas legiões revoltaram-se contra Nero, mas essa insurreição foi rapidamente derrotada pelas legiões da Germânia. Todavia, o governador da Hispânia, Servius Sulpicius Galba, que fora sondado por Vindex para aderir a revolta, não relatou de pronto a conspiração a Nero e, por isso, ele foi condenado pelo imperador à morte. Galba, que pertencia ao ilustre clã dos Sulpícios, então, emitiu uma declaração de que ele estava “à disposição do Senado para restaurar a liberdade“…

Estimulados, os partidários de Galba em Roma conseguiram a adesão do comandante da Guarda Pretoriana, Ninfídio Sabino, que se juntou à rebelião, e, em decorrência disso, os guardas do palácio de Nero debandaram. Circulou a notícia de que o Senado tinha declarado Nero como “Inimigo Público“. Assim, o emotivo imperador, desesperado com a situação, cometeu suicídio, em junho de 68 D.C. Galba foi aclamado o novo imperador. Era o fim da dinastia dos Júlio-Cláudios, que fundara o Império e o governava há praticamente um século.

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IV- Candidato à sucessão e o “Ano dos Quatro Imperadores”

O reinado de Galba, que já tinha 70 anos de idade, porém, não duraria muito. O seu comportamento extremamente severo desagradou muito aos soldados que o apoiavam, e esperavam polpudas recompensas, bem como a todos aqueles que tinham sido beneficiados durante o reinado anterior e, agora, sentiam-se espoliados.

Assim, passados apenas dois meses da ascensão de Galba, as descontentes legiões da Germânia proclamaram, no dia 2 de janeiro de 69 D.C., o seu comandante Aulus Vitelius (Vitélio), como Imperador. Enquanto isso, em Roma, o rico senador Marcus Salvius Otho (Otão), insatisfeito pelo fato dele não ter sido escolhido como o sucessor de Galba, subornou a Guarda Pretoriana, que, ainda em janeiro de 69 D.C., assassinou o imperador.

O Senado, que não podia confrontar a Guarda Pretoriana, imediatamente reconheceu Otão como o novo Imperador Romano.

Ocorre que Vitélio e suas experimentadas legiões da Germânia já estavam entrando na Itália e marcharam em direção à Roma, derrotando com facilidade as tropas reunidas por Otão, na Primeira Batalha de Bedríaco, após o que, este, resignadamente, cometeu suicídio, dois dias depois, em 16 de abril de 69 D.C.. O reinado dele durara apenas três meses.

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(Mapa do Império Romano no “Ano dos Quatro Imperadores”, imagem de Steerpike e Andrei nacu)

Enquanto tudo isso ocorria na Europa Ocidental, Vespasiano comandava a campanha contra os Judeus. Quando as notícias da morte de Nero chegaram à Judéia, Vespasiano prontamente declarou lealdade a Galba. Depois, ele chegou a fazer o mesmo quando soube da aclamação de Vitélio. Porém, o caos gerado pela rápida sucessão de deposições violentas e nomeações de imperadores acabou por gerar nos auxiliares de Vespasiano a convicção de que  ele tinha melhores qualidades e tropas suficientes para aspirar ao trono imperial.

Assim, Gaius Licinius Mucianus (Muciano), o Governador da Síria,  encontrou-se com Vespasiano na fronteira com a Judéia. Provavelmente, nesse encontro, eles decidiram que Vespasiano deveria tentar tomar o cetro imperial para si.

Então, no dia 1º de julho de 69 D.C., as legiões estacionadas em Alexandria, no Egito, instadas pelo Prefeito do Egito, Tiberius Julius Alexander, que era de origem judaica, aclamaram Vespasiano Imperador. Poucos dias depois, elas foram seguidas pelas legiões comandadas pelo próprio Vespasiano, em Cesaréia.

V- O caminho para o trono

Em seguida, os líderes arquitetaram um plano: Muciano se dirigiria para a Itália com um contingente de 20 mil soldados para atacar Vitélio, enquanto Vespasiano iria para o Egito, para ordenar um bloqueio aos vitais carregamentos de trigo egípcio que alimentavam a enorme metrópole de Roma, ação que provavelmente forçaria Vitélio à rendição. No comando das tropas que ficariam na Judéia, para dar prosseguimento à guerra contra a Revolta Judaica e manter o cerco à Jerusalém, Vespasiano deixou o seu filho Tito.

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Durante essa incursão no Egito, Suetônio conta uma história curiosa, a de que Vespasiano teria feito dois milagres, bem comparáveis aos das narrativas bíblicas: Segundo o historiador, enquanto estava em Alexandria, Vespasiano teria curado um cego e um côxo, após os dois, avisados pelo deus Serápis, aproximarem-se dele e pedirem que ele os tocasse. Suetônio também narra a existência de uma profecia entre os Judeus, a de que um homem vindo da Judéia seria o senhor do mundo, concluindo Suetônio que a profecia dizia respeito ao próprio Vespasiano. Esse mesmo episódio, com pequenas diferenças, é relatado por Tácito e Dião Cássio.

Cogito que esses intrigantes relatos talvez já demonstrem a influência das narrativas cristãs nos autores romanos pagãos que escreveram as suas obras entre quarenta (Tácito) e cento e cinquenta anos (Cássio) após os fatos narrados.

Todavia, antes que o citado plano de Vespasiano começasse a ser executado, as legiões da Panônia se declararam em revolta a favor de Vespasiano e partiram por si próprias para invadir a Itália, com 30 mil homens. Vitélio tentou resistir, mas as suas forças foram derrotadas na Segunda Batalha de Bedríaco,  em 24 outubro de 69 D.C.. Outro exército foi enviado por Vitélio, logo em seguida, mas, ao invés de combater os insurretos, uniu-se a eles. Vitélio, assustado, tentou  abdicar, sem sucesso, pois os seus assessores e soldados partidários o proibiram.

Apostando na luta, os soldados leais a Vitélio mataram Sabino, o irmão de Vespasiano, que então era o Prefeito Urbano de Roma e havia tentando tomar o controle da cidade. Porém, quando as tropas leais a Vespasiano começaram a entrar em Roma, Vitélio foi assassinado e o seu corpo, segundo Suetônio, foi jogado ao Tibre, ou, segundo Dião Cássio, ele foi decapitado e a sua cabeça desfilada nas ruas da Cidade.

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Vespasiano foi oficialmente reconhecido como imperador pelo Senado em 22 de dezembro de 69 D.C., in absentia, pela “Lex de imperio Vespasiani“. Ele tinha, então, 60 anos de idade. Todos os seus atos foram ratificados, e, portanto, a lei tinha o efeito retroativo de reconhecer a aclamação feitas pelas tropas em 1º de julho.

Terminava, assim,  o turbulento ano que ficaria conhecido como “O Ano dos Quatro Imperadores“. O novo imperador somente chegaria a Roma em outubro de 70 D.C. Nesse período, quem administrou o Império em seu nome foram Muciano e Domiciano, o  filho mais novo de Vespasiano.

Consta que, durante esses meses, Domiciano agiu com tanto voluntarismo e independência que, Vespasiano, com o seu peculiar senso de humor, teria enviado a ele uma carta na qual constava o seguinte cumprimento:

“Obrigado, meu filho, por me permitir manter o meu cargo e por ainda não ter me destronado”

VI- O reinado de Vespasiano

O reinado de Vespasiano começou com a questão premente de sufocar a perigosa Revolta dos Batavos, na região do Delta do rio Reno, no território da atual Holanda. Os Batavos eram um povo germânico que vinha sendo recrutado como tropas auxiliares do Exército Romano. O comandante desses regimentos, Gaius Julius Civilis, um príncipe batavo, insatisfeito com  a conduta dos seus superiores, havia se rebelado e foi preso, mas ele acabou sendo solto por Vitélio, o governador da província da Germânia que havia se rebelado contra Galba e precisava das tropas batavas para invadir a Itália.

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Os Batavos lutaram na Primeira Batalha de Bedríaco, mas quando voltaram para suas terras e foram novamente convocados, eles acabaram rebelando-se novamente. Encorajados após a notícia da morte de Vitélio, os Batavos chegaram a derrotar duas legiões, fazendo com a revolta se espalhasse por algumas tribos do norte da Gália,  onde Julius Sabinus, um nobre gaulês romanizado que se dizia descendente de Júlio César, declarou a independência da Gália, autonomeando-se imperador. Duas legiões romanas, a  I Germanica e a XVI Gallica, aderiram à revolta.

Essa rebelião de Sabinus, entretanto, foi facilmente derrotada pela tribo gaulesa romanizada dos Sequanos, aliada dos romanos. Como curiosidade, as fontes relatam a estória de que Sabinus, foragido, ficou nove anos escondido em uma câmara embaixo de um monumento, junto com a mulher, com quem ele chegou a ter dois filhos durante o tempo que ficou no esconderijo.

Para lidar com a Revolta dos Batavos, Vespasiano enviou o general Quintus Petilius Cerealis  no comando um exército de oito legiões. A aproximação deste poderoso exército foi o suficiente para dispersar boa parte dos que apoiavam Civilis e ele teve que recuar para o território dos Batavos. Ali ele chegou a empregar táticas de guerrilha, porém, quando Civilis soube que Jerusalém foi saqueada e a Revolta Judaica virtualmente derrotada, ele percebeu que em breve todo o peso do Exército Romano voltaria-se contra si e, então, ele decidiu render-se.

Os romanos exigiram que os Batavos cedessem mais tropas para o Exército Romano e destruíram Naviomagus (Nijmegen), a capital batava, no final de 70 D.C.

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(Busto de Vespasiano, detalhe, foto Shakko)

O reinado de Vespasiano foi um governo de reconstrução e de reconciliação, muito ajudado pelo seu caráter íntegro, pela sua índole moderada e pelo seu senso de justiça. De certa forma, era uma retomada das linhas estabelecidas por Augusto, onde o Príncipe deveria se pautar pela retidão, moralidade e espírito público, permitindo ao Senado ter algum papel na administração pública e, principalmente, receber alguma deferência do Imperador.

Essas intenções ficaram implícitas na “Lex de Imperio Vespasiani“, que alguns consideram a primeira tentativa de regular por escrito as relações entre o Imperador e o Senado, com base nos precedentes dos reinados anteriores, até Augusto. É interessante notar que, pelo que denota a sua redação, trata-se de um Senatus Consultum (Decreto do Senado) que foi submetido à sanção da Assembleia (ou Comício) das Centúrias (Comitia Centuriata), obedecendo à uma formalidade republicana que na época, tudo indica, era sobretudo cerimonial.

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(Tábua de bronze contendo o texto da Lex de Imperio Vespasiani, achadas  em Roma por Cola de Rienzo em 1347. Hoje as tábuas estão nos Museus Capitolinos).

Após décadas de expurgos e perseguições pelos imperadores Júlio-Cláudios, a aristocracia romana, que fornecia a maior parte dos quadros do serviço público, estava dizimada. Por isso, Vespasiano deu ênfase, valendo-se do cargo de Censor, à recomposição dos quadros da nobreza, promovendo plebeus capazes, de preferência nascidos na Itália.

Foi Vespasiano quem primeiro instituiu a contratação pelo Estado de professores, pagos pelo Erário, para ministrarem o ensino público às crianças romanas, estando entre os primeiros mestres a serem contratados, o grande retórico Quintiliano.

Vespasiano também restaurou as finanças estatais, estabelecendo uma série de novos tributos. Essa medida, que poderia ser tomada como antipática, foi de certo modo contrabalançada pelo estilo de vida frugal e modesto que o imperador adotava, e que bem poderia servir de exemplo aos governantes atuais…

Esse traço austero de Vespasiano, que lhe rendeu em algumas passagens dos historiadores da época a pecha de avaro, é ilustrada por uma historia contada por Dião Cássio:

Certa vez,  alguns cidadãos  ilustres tomaram a iniciativa de erguer uma estátua de Vespasiano que custaria um milhão de sestércios. Quando eles foram dar a notícia a Vespasiano, o imperador estendeu a mão e disse-lhes:

“Deem-me o dinheiro! Aqui está o pedestal!”

A vitória contra a Revolta Judaica e o saque de Jerusalém, especialmente do Segundo Templo, que também funcionava  como tesouro, rendeu um espólio valioso que foi utilizado por Vespasiano para construir várias obras públicas em Roma.

A mais famosa, evidentemente, é o grandioso Anfiteatro Flávio, que ficaria popularmente conhecido como  o  “Coliseu” (Colosseum), pelo fato de ficar ao lado da enorme estátua dourada do imperador Nero, que era chamada de “Colossus” (Colosso). A espetacular arena começou a ser construída sobre o terreno onde ficava a enorme “Domus Aurea“,  o espetacular palácio de Nero, que serviu como fundação para uma parte da construção. Politicamente, isso foi um gesto muito hábil, pois devolvia ao povo da cidade uma área que Nero havia tornado privada.

A construção do Coliseu  foi iniciada por volta de 72 D.C., mas somente seria concluída em 80 D.C., já sob o reinado de Tito, que o inaugurou. A sua capacidade é estimada entre 55 mil e 80 mil espectadores. Milhares de cativos judeus, entre os 100  mil capturados e trazidos para Roma, trabalharam como escravos na construção do edifício.

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Um ano antes do Coliseu, e também com os recursos provenientes do Saque de Jerusalém, Vespasiano construiu o chamado Templo da Paz, que ficava próximo ao Fórum de Augusto. No Templo da Paz ficavam em exibição os tesouros mais relevantes saqueados do Templo de Jerusalém, como por exemplo o célebre candelabro de 7 braços (Menorah), de ouro puro. O templo era circundado por um grande pórtico que circundava uma área aberta com jardins e fileiras de espelhos d’água retangulares. Parece que a sua função era funcionar como uma área para passear, entre as estreitas e congestionadas ruas que ligavam os apinhados fóruns.

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(Foto superior; Maquete do Templo da Paz, de E. Gismondi, no Museu da Civilização Romana; foto inferior: Relevo no Arco de Tito, retratando a chegada em Roma dos despojos do Saque de Jerusalém)

Uma orientação pouco abordada nos livros sobre o seu reinado é a clara política adotada por Vespasiano de racionalização militar e ordenamento das fronteiras do Império Romano:

A importante fronteira com a Germânia Magna, seguia o curso do rio Reno e prosseguia pelo curso do rio Danúbio, formando uma perigosa reentrância ou saliência, como se fosse uma cunha encravada e que facilitava o deslocamento das tribos. Essa área, com tamanho comparável ao da atual Suíça, era conhecida como os “Agri Decumates” (campos que pagam o dízimo). Vespasiano ordenou a ocupação da região, que foi anexada ao Império Romano, e a construção de uma cadeia de fortes para defendê-la.

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Na Britânia,  o rei Venutius, da tribo celta dos Brigantes, que habitava o norte da atual Inglaterra, aproveitando a convulsão do Império Romano durante o “Ano dos Quatro Imperadores“, iniciou uma rebelião e depôs a sua ex-esposa e rainha dos Brigantes, Cartimandua, que era aliada dos romanos.

Em 71 D.C., Vespasiano designou o general Quinto Petílio Cereal como novo governador da Britânia, e ele começou o processo de conquista dos Brigantes. Em 74 D.C., Cereal foi substituído por Sextus Julius Frontinus, que subjugou a tribo dos Silures, no sudeste do atual País de Gales. Em 77 D.C., o novo governador, Gnaeus Julius Agricola assumiu e, no ano seguinte, iniciou uma campanha que levaria as legiões romanas até a Caledônia, estabelecendo alguns fortes no Firth of Tay (firth é uma palavra inglesa que denomina estuários escavados que adentram profundamente uma massa de terra), em 79 D.C. que era uma fronteira mais facilmente defensável. Essa campanha comandada por Agricola prosseguiu até 84 D.C., bem depois da morte de Vespasiano, mas o plano geral parece ter sido delineado durante o reinado dele.

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Outra importante medida de Vespasiano no campo militar, certamente influenciada pelas já mencionadas rebeliões na Germânia e na Gália, foi a exigência de que os contingentes de tropas auxiliares recrutadas entre os povos estrangeiros não podiam servir na região de origem, devendo serem deslocadas para outros pontos do Império.

Os historiadores preservaram muitos relatos de episódios nos quais  Vespasiano demostrou tolerância com opositores e respeito à posições divergentes dos senadores, mas em pelo menos duas oportunidades, os atritos acabaram degenerando em punições:  o primeiro caso foi o do senador Helvídio Prisco, um empedernido republicano que era hostil a Vespasiano, foi exilado, por volta de 75 D.C., e, posteriormente, assassinado, apesar de Vespasiano negar ter ordenado a execução dele. Posteriormente, no final do seu reinado, por volta de 78 D.C., o senador Éprio Marcelo e o general Aulus Caecina Alienus conspiraram contra o principado, aparentemente para evitar que Vespasiano fosse sucedido por Tito, e foram julgados culpados pelo Senado, sendo que o primeiro suicidou-se e o segundo foi executado por Tito.

Vespasiano tinha um grande senso de humor e as suas deliciosas tiradas ficaram célebres:

Ao filho Tito, que lhe repreendera por instituir um tributo sobre as latrinas públicas nas cidades (elas lucravam com a venda de urina para ser usada como alvejante nas lavanderias), algo que estaria abaixo da dignidade do Estado Romano, Vespasiano, então, deu a Tito uma moeda e mandou que o herdeiro a cheirasse e disse o que sentia: “Não cheira” (em latim, “non olet), respondeu o filho, ao que Vespasiano lhe respondeu que aquela moeda era fruto do  imposto questionado. Graças a esse episódio, o princípio tributário que prevê que qualquer tipo de renda, inclusive as oriundas de atos ilícitos, podem ser tributadas pelo Estado foi batizado de “non olet“). Esse imposto foi tão marcante que, até hoje, Vespasiano, em italiano, quer dizer “penico” ou “urinol”.

Ao receber uma carta do rei dos Partos, dirigindo-se ao imperador romano dessa forma: “De Vologeso, Rei dos Reis, a Vespasiano“, que foi considerada por todos como uma afronta passível de retaliação. Vespasiano, todavia, achando graça no título grandiloquente do estrangeiro, ao responder a carta, simplesmente endereçou-a assim: “De Vespasiano a Vologeso, Rei dos Reis“.

VII – Morte de Vespasiano

Enquanto estava na Campânia, Vespasiano contraiu uma doença cujo sintoma principal era diarreia. Ele teve que voltar para Roma, mas logo partiu para a estação de águas minerais de  Aquae Cutiliae, onde passaria o verão, como era de seu costume, e que ficava em antigo território sabino, na sua região natal de Reate. Lá ele ainda tentou por algum tempo cumprir as obrigações do cargo de imperador, recebendo até embaixadas enquanto estava acamado, mas a crise de diarreia piorou.

Contudo, nem no leito de morte, o humor de Vespasiano se abateu. Quando ele sentiu que as suas forças se esvaíam, ele, fazendo graça com o costume romano de divinizar os imperadores que morriam , disse:

“Oh, penso que agora estou me tornando um Deus!”

No dia 24 de junho de 79 D.C., sentindo que o fim estava realmente  próximo, Vespasiano, com muito esforço tentou levantar-se, dizendo:

“Um imperador deve morrer de pé!”

E acabou falecendo nos braços dos que estavam ao seu redor, tentando ajudá-lo.

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(Ruínas da piscina dos Banhos de Vespasiano, 13 km de Rieti, antiga Reate)
VII- Conclusão

Vespasiano foi um governante consciencioso, justo e diligente. As suas numerosas boas medidas poderiam ser condensadas sob o lema “restauração do Império Romano às linhas traçadas por Augusto”. Podemos dizer, assim, que ele consolidou o Principado, cujo prestígio, bem como a confiança (ou, ainda, adesão) da elite naquele sistema de governo, estavam abalados pelos desmandos havidos no final dos reinados de Tibério, Calígula e Nero, pela extinção da dinastia fundadora (Júlio-Cláudios) e pela guerra civil travada durante o “Ano dos Quatro Imperadores“. A economia, sobretudo as finanças públicas, e as fronteiras foram organizadas com coerência e afinco. Por outro lado, ele conseguiu evitar as vicissitudes e ambiguidades que Augusto experimentou quanto à questão da sucessão, que ficou firmemente estabelecida pelo princípio dinástico, nas mãos de seus filhos, Tito, e, depois, Domiciano.

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