A BATALHA DE MUNDA

No dia 17 de março de 45 A.C, na planície de Munda, próximo ao atual vilarejo de Lantejuela, na Andaluzia, os exércitos liderados pelo Ditador de Roma, Caio  Júlio César, e pelos líderes da facção senatorial dos Optimates, Cneu Pompeu e Publius Attius Varus, bem como pelo general ex-partidário de César, Tito  Labieno, se enfrentaram em uma terrível batalha, que seria a última travada no contexto da Guerra Civil.

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Após a morte de Pompeu Magno, no Egito, os Optimates (os defensores dos privilégios da aristocracia senatorial) resolveram continuar a guerra contra César. Assim, eles conseguiram reunir, na África, um exército de 40 mil soldados liderado pelos velhos inimigos de César: Catão, o Jovem e Metelo Cipião, e pelo inimigo mais recente, Tito Labieno, que, surpreendentemente, abandonara seu antigo líder e se bandeara para o lado dos Optimates. Foram se juntar a eles,  na atual Tunísia, os dois filhos de Pompeu, Cneu Pompeu e Sexto Pompeu. E os adversários de César ainda contariam com a ajuda do rei Juba, da Numídia.

César deixou Roma e partiu para a África, conseguindo sitiar os Optimates na cidade de Tapsos.  Na batalha que se seguiu, em 06 de abril de 46 A.C, os Optimates foram derrotados e, em decorrência, Catão, o Jovem e Metelo Cipião cometeram suicídio.

Enquanto isso, Cneu e Sexto Pompeu conseguiram fugir para a Espanha, para onde também escapou Labieno. Na Espanha, os três conseguiram formar um novo exército, incluindo duas legiões que tinham desertado do exército de César e eram formadas por veteranos das campanhas de Pompeu Magno. Vários outros veteranos de Pompeu tinham sido assentados na Espanha e, demonstrando fidelidade a seu falecido comandante, juntaram-se aos Optimates. Com esse exército, totalizando treze legiões, eles tomaram boa parte da Espanha, forçando os dois comandantes das forças leias a César, Quintus Pedius e Quintus Fabius Maximus, a se refugiarem na cidade de Oculbo (distante cerca de 50 km da atual Córdoba). De lá, os sitiados pediram ajuda a César.

César, cuja qualidade mais impressionante como general talvez fosse a velocidade com que conseguia que suas tropas se deslocassem, marchou os 2.400 km que separavam Roma de Oculbo em apenas 27 dias, e, com essa aparição súbita, conseguiu levantar o sítio.

A rapidez com que decidiu agir somente permitiu que César trouxesse consigo as legiões  nas quais ele mais confiava; a X Equestris e a V Alaudae (esta era uma legião formada por gauleses e é considerada a primeira legião romana formada por não-cidadãos), além de duas legiões recém formadas, a III Gallica e a VI Ferrata . Ele também recrutou, entre os cidadãos romanos que viviam na Espanha, mais quatro legiões.

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O exército de César tentou sitiar a importante cidade de Corduba (atual Córdoba) sem sucesso, e Cneu e Sexto Pompeu, aconselhados por Labieno, decidiram adotar uma estratégia defensiva, o que obrigou César a se preparar para passar o inverno na região, o que lhe obrigou a procurar os mantimentos necessários.

Porém, ainda durante o inverno, o exército de César conseguiu capturar a importante cidade de Ategua, obtendo suprimentos e infligindo uma derrota que enfraqueceu o moral do exército dos Optimates, que começou a experimentar deserções.

Assim, com a chegada do fim do inverno, pressionados pela queda do moral de suas tropas, os Optimates resolveram finalmente enfrentar o exército de César em uma batalha campal, em uma planície situada a uma milha das muralhas da cidade de Munda.

O exército dos dos Pompeianos tendo se desdobrado primeiro em ordem de batalha, escolheu uma elevação suave na planície, dando-lhe uma posição mais favorável. Eles comandavam uma força de treze legiões, mais seis mil auxiliares, além de seis mil cavaleiros, em um total de cerca de 70 mil homens.

César comandava oito legiões, com mais oito mil cavaleiros, totalizando cerca de 40 mil homens, sendo que no seu flanco direito, ele posicionou, como de costume, a sua estimada X Legião.

César ordenou que o seu exército parasse a uma certa distância da planície, tentando atrair o inimigo e fazê-lo descer a colina, sem sucesso, já que eles apenas avançaram um pouco, sem deixar a sua posição vantajosa. Suas próprias tropas não gostaram dessa pausa no seu avanço, achando que isso atrasaria a fácil vitória que eles pensavam que iriam obter.

Então, César deu o comando para o ataque, utilizando a senha “Vênus” (a deusa de quem a sua família julgava descender) e suas legiões avançaram soltando um grito de guerra.

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Dessa vez, os Pompeianos estavam dispostos a tudo para vencer, afinal muitos dos seus soldados já tinham sido perdoados por César e, por voltarem a combatê-lo, acreditavam que desta vez não teriam clemência.

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 No calor dos furiosos combates, César teve que desmontar e lutar ao lado da infantaria. Em dado momento, indo para um ponto onde as suas tropas começavam a fraquejar, ele retirou o seu elmo para que os soldados pudessem vê-lo e se sentirem encorajados ou envergonhados por ele ser obrigado a combater junto deles. Não surtindo muito efeito isso, consta que César tirou um escudo das mãos de um legionário e falou para os seus oficiais:

Isto será o fim da minha vida e também das suas carreiras militares“.

Então, César avançou para a frente de batalha, chegando a ficar a apenas três metros do inimigo, que atirou cerca de duzentas lanças em sua direção,  tendo César conseguido desviar da maioria e os outros cravando-se no seu escudo. Nesse momento, todos os tribunos correram para ele, colocando-se ao seu redor e todo o exército avançou.

Mais tarde,  César diria:

Inúmeras vezes, eu lutei pela vitória; em Munda, eu lutei pela minha vida !

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A encarniçada luta se estenderia por oito horas, até que a X Legião começou a prevalecer sobre a ala esquerda do exército dos Pompeianos. Cneu Pompeu, percebendo o perigo, retirou uma legião da sua ala direita para reforçar a sua ala esquerda ameaçada. Porém, o rei Bogud, da Mauritânia, que comandava a cavalaria de César, percebendo o consequente enfraquecimento da ala direita inimiga, ordenou uma carga contra a retaguarda de Pompeu.

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Labieno viu o ataque da cavalaria de César e deslocou várias unidades para contê-lo, todavia o movimento foi mal interpretado pelo seu exército, que pensou, equivocadamente, que se tratava de uma retirada. O exército pompeiano já estava sob forte pressão em ambos os flancos e quando eles viram várias da suas unidades recuando para fazer a manobra ordenada por Labieno, o pânico se instalou e as suas linhas começaram a se dissolver devido a debandada dos soldados pompeianos apavorados.

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Como era frequente nas batalhas da antiguidade, a grande matança se dava após uma debandada. Assim, morreram trinta mil soldados do exército pompeiano, contra apenas mil mortos das tropas de César.

Labieno tombou na Batalha de Munda, recebendo de César o devido funeral, porém, Cneu e Sexto Pompeu conseguiram escapar. No entanto, um mês depois, o primeiro seria eliminado na Batalha de Lauro, onde lutou até a morte. Já Sexto Pompeu ainda lideraria, anos mais tarde, uma rebelião na Sicília, depois do assassinato de César. Ele somente seria morto por Marco Antônio, em 35 A.C.

14 mil soldados pompeianos ainda conseguiram fugir para Munda, sendo sitiados pelo legado de César, Quintus Fabius Maximus. Córdoba já havia caído e Munda acabou se rendendo.

Este foi o último conflito da Guerra Civil iniciada quando César cruzou o rio Rubicão, quatro anos antes. Deve ter parecido a muitos que César e os Populares tinham derrotado completamente os Optimates e que uma nova era iria começar.

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Porém, havia, em Roma, um núcleo duro da facção dos Optimates que ainda estava disposto a resistir, mesmo sem exércitos…

POR QUE ASSASSINARAM CÉSAR?

Para os conspiradores que esfaquearam César no Senado, a resposta para essa pergunta seria muito simples: “Porque ele era um tirano que planejava tornar-se rei e acabar com a República”, provavelmente eles responderiam prontamente. Os autodenominados “Libertadores” inclusive chegaram a alegar que agiram com base em uma antiga lei grega que, não apenas autorizava, mas até exigia,  que qualquer um que tivesse a oportunidade deveria matar o tirano, não sendo, assim, o tiranicídio, um crime, mas, em verdade, um ato em defesa da Democracia.

O estudo da História de Roma, porém, demonstra que a morte violenta de César era uma questão muito mais complexa do que um tiranicídio…

Nosso artigo, escrito nos dias que precedem  o dia 15 de março – os Idos de março de acordo com o calendário romano – e o mais célebre de todos, o dia 15 de março de 44 A.C., quando o Ditador Caio Júlio César foi morto na Cúria do Teatro de Pompeu, em Roma, é tentar contextualizar o assassinato na História da República Romana.

ANTECEDENTES HISTÓRICOS

Desde a sua fundação, surge, em Roma, uma acirrada luta pelo poder,  opondo o restrito grupo de clãs familiares aristocráticos (gens), cujos integrantes foram inicialmente chamados de “patrícios” contra a maioria da população livre que não fazia parte daquele grupo, compreendendo pequenos proprietários de terras, comerciantes e proletários (pessoas que vendiam sua força de trabalho a empregadores), que constituíam a “Plebe”.  Os patrícios julgavam-se os responsáveis pela Fundação da Cidade, pela sua posterior libertação do domínio etrusco e pela expulsão dos reis, ou seja, eles consideravam-se os fundadores da “Respublica Romana“.

Essa distinção Patrício x Plebeu era sobretudo censitária: plebeu era todo aquele que não fora arrolado como patrício pelo Censor, o magistrado encarregado de fazer o censo, naturalmente um patrício.

E assim, a República Romana não tinha ainda 15 anos, quando, em 495 A.C, os plebeus, insatisfeitos com os privilégios dos patrícios, ameaçaram abandonar Roma e fundar outra cidade. Conflitos como esses se repetiriam várias vezes, e, ao final deles, os plebeus conseguiram expandir seus direitos e limitar as prerrogativas dos patrícios, como por exemplo, quando eles impuseram a obrigação de publicação escrita das leis,  ao obterem os direitos de elegerem magistrados com poder de veto (Tribunos da Plebe) e de serem eleitos para todas as magistraturas, e,  finalmente, isso após prolongada luta, conquistarem o reconhecimento da força legislativa das votações de suas assembleias (“Concilium Plebis“, isto é Conselho ou Concílio da Plebe), em 287 A.C.

Comitium_Kontext-601x338(O”Comitium” era o local no Fórum Romano, em frente à Cúria do Senado, onde se realizava o Concilium Plebis, a assembleia dos plebeus. Sua aparência em meados do período republicano devia ser a da reconstrução acima, que foi extraída de http://www.digitales-forum-romanum.de/gebaeude/comitium/?lang=en )

Durante o crescimento e a expansão de Roma pela Península Italiana e pelo Mediterrâneo, houve a incorporação de vários povos italianos e inúmeras cidades e a fundação de colônias, não só na Itália, mas, também no sul da França e na Espanha, assentando-se nas mesmas soldados veteranos e povoando-as com cidadãos romanos que para lá migravam em busca de oportunidades. Aumentou, também, em decorrência dessa expansão,  o influxo de produtos e riquezas para Roma, enriquecendo muitos plebeus.

Esse processo de criação de uma nova classe de plebeus ricos, levou, ao longo de dois séculos, a uma reformulação da classe dos patrícios: O influxo de plebeus “novos ricos” foi absorvido,  ou melhor poderíamos dizer, cooptado, pela antiga elite patrícia, passando todos a fazer parte de uma nova classe informal, porque não reconhecida então pela legislação romana, chamada de “Nobilitas” (nobreza),  a qual incluía os antigos patrícios e vários plebeus muito ricos.

A ascensão social do plebeu rico era possibilitada pela própria evolução democrática da República Romana, fruto da luta secular da Plebe. Com a conquista do direito de serem votados para ocupar quaisquer cargos, eles podiam percorrer integralmente e em ordem crescente todas as magistraturas (ou cargos públicos), carreira que recebia o nome de “Cursus Honorum“, até chegarem ao Senado Romano. O plebeu que conseguisse chegar ao cargo de Cônsul, automaticamente ingressava no Senado e passava a integrar a nobreza (apelidava-se, então, a esses senadores “sem pedigree”, de “Novus Homo” – um “homem novo”).

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Teoricamente, os plebeus, desde o século III A.C, haviam adquirido a proeminência política em Roma, já que somente eles poderiam eleger os Tribunos da Plebe,  os quais tinham o poder de vetar qualquer leis, inclusive as emanadas do Senado (Senatus Consultus) e qualquer ato dos demais magistrados e, também,  de intercederem em qualquer ato em favor dos plebeus (“intercessio“). Porém, os atos do Tribuno da Plebe, ao contrário, não podiam ser objeto de veto. Aos Tribunos da Plebe era conferida a sacrossantidade, significando não podendo serem presos e nem seus passos impedidos, nem seus atos obstaculizados. Para completar, eles podiam convocar um Conselho da Plebe, onde somente os plebeus tinham direito a voto, com o poder de promulgar leis (“plebiscita” ou plebiscito).

Não obstante, todo esse poder conferido aos Tribunos e Concílios da Plebe raramente era usado. Eram tempos em que Roma se achava em quase permanente estado de guerra, os magistrados no front de batalha e a administração e a política eram conduzidas, quase que exclusivamente, pelo Senado, ao qual todos reconheciam o patriotismo e a abnegação pela causa romana.Esse regime, teoricamente democrático, na prática começou a ser erodido pelo Senado Romano, dominado pela nobreza, da seguinte forma: os Senadores, uma vez ingressados naquele Corpo, eram vitalícios e invioláveis. Os demais magistrados, porém, exerciam um mandato temporário, normalmente de um ano. Assim, ao deixarem o cargo,  eles podiam ser processados. Essa vulnerabilidade, ao longo do tempo, acarretou que todos os magistrados evitassem agir em desacordo com o Senado, procurando sempre consultá-lo antes de qualquer ato importante, para se garantir contra eventuais questionamentos futuros.

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(A Cúria Júlia, onde se reunia o Senado Romano, foi erguida por Júlio César e reconstruída diversas vezes durante o Império Romano. O prédio atual data do reinado do imperador Diocleciano)

Considerando que as eleições para as magistraturas exigiam campanhas que eram  bem custosas para a esmagadora maioria dos plebeus, frequentemente os candidatos, inclusive para o cargo de Tribuno da Plebe, endividavam-se, ou, quando exerciam outros cargos públicos, desviavam recursos públicos para as suas campanhas, ficando passíveis de serem processados pelos inimigos ao término de seus mandatos.

O que acontecia, então, era que majoritariamente apenas plebeus ricos ou aristocratas supostamente simpáticos à causa da Plebe concorriam ao cargo de Tribuno da Plebe. As poderosas prerrogativas do cargo eram disputadas em concorridas eleições, onde homens ambiciosos despejavam dinheiro para comprar votos dos eleitores plebeus. Os candidatos também frequentemente recorriam a bandos armados, com o objetivo de intimidar os adversários pela violência.

Logo, o Senado percebeu que poderia controlar os comícios da plebe se controlasse os Tribunos, já que eram eles que convocavam e presidiam essa assembleia popular.  E, não poucas vezes, na História de Roma constata-se que houve Tribunos que,  na realidade, atuavam em favor dos interesses da elite, como se fossem verdadeiros “pelegos“.

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A aparente constituição democrática de Roma, assim, na prática, degenerara em uma disputa parecida com as que hoje vemos em nações do chamado “3º Mundo”, temperada por aspectos de uma guerra entre “famiglias” da Máfia Italiana,  cenário aliás muito bem retratado nos primeiros episódios da minissérie “Roma”.

Enquanto isso, a expansão de Roma exasperava as contradições políticas, econômicas e sociais internas. Era necessário dar participação política às elites das inúmeras cidades incorporadas ou fundadas não só na Itália, mas também no Sul da França, Espanha, Norte da África e na Grécia.

Mais importante, havia a questão da grande extensão de terras agriculturáveis anexadas ao “Ager publicus” e que eram cedidas para um grupo seleto de nobres senadores ou para ricos integrantes da classe equestre. Essas terras eram exploradas em sistema de latifúndios, cultivados em larga escala com o emprego da grande massa de escravos que resultava das vitórias militares. Tal fenômeno expulsava do campo o pequeno agricultor livre, outrora o esteio do poder militar romano, incapaz de competir com os latifúndios operados em grande escala comercial. Esses pequenos agricultores falidos migravam para a Cidade, à procura de trabalho, engrossando as fileiras do Proletariado. Assim, a fenda entre os aristocratas ricos e o resto não parava de aumentar…

Ademais, essa massa de proletários para sobreviver procurava a proteção de nobres poderosos, que assumiam o seu patrocínio, aumentando a sua clientela (sendo o Clientelismo uma instituição particularmente romana,  na qual se instituíam deveres entre Patrão e Cliente). Não demorou para que a aumentada clientela corrompesse o sistema eleitoral, sob a fórmula “distribua uma esmola e reclame um voto“.

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(Na imagem, clientes comparecem ao ritual conhecido como “salutatio”, o comparecimento matinal da clientela à residência do patrono para demonstrar consideração, aproveitando para pedir algum benefício ou oferecer seus préstimos)

O problema atingiu tal dimensão que provocou o surgimento, dentro da própria nobreza senatorial, de um grupo que defendia uma profunda reforma no sistema político e na estrutura socioeconômica romanos. O estreito contato com a cultura grega propiciado pela anexação das cidades fundadas pelos gregos no sul da Itália e, posteriormente, com a anexação da própria Grécia, permitiu a difusão das mais avançadas teorias políticas e filosóficas gregas no seio da elite romana.

Surgiu, consequentemente, na elite romana, uma corrente que percebia que o sistema político de Roma apodrecia, exemplificando o famoso conceito grego sobre os ciclos de degeneração das formas de organização política dos Estados: monarquia/tirania-aristocracia/oligarquia-democracia/demagogia.

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(O denário de prata mostra um eleitor romano depositando o voto na urna)

O primeiro político romano a seriamente propor e executar uma ação visando a reformar esse Sistema foi Tibério Semprônio Graco

Tibério Graco era um jovem político que trilhava a tradicional carreira das magistraturas mas que havia se decepcionado bastante com o Senado, pois este repudiara um tratado que ele havia negociado como Questor na Espanha.

Consta que no trajeto de volta da Espanha, Tibério Graco teria constatado o abandono das pequenas propriedades rurais na Etrúria, substituídas por grandes fazendas escravistas. Ele resolveu concorrer ao cargo de Tribuno da Plebe e ganhou a eleição, em 133 A.C.

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Para lidar com o problema, Tibério Graco propôs a “Lex Sempronia Agraria” – que pode ser considerada  a primeira lei de reforma agrária – prevendo a distribuição das terras devolutas, inicialmente aos soldados veteranos e, depois, ao proletariado romano. As terras que tivessem sido ilegalmente distribuídas aos ricos, em contrariedade à antiga Lex Licínia, que previa uma quantidade máxima de terra pública passível de ser cedida a particulares (mas que era largamente ignorada), deveriam também, segundo a Lex Sempronia, serem redistribuídas para os pobres, mediante o pagamento de uma indenização aos seus atuais possuidores, que, no entanto, ainda poderiam ficar com uma determinada fração delas.

A maioria conservadora do Senado se aglutinou e se opôs à Lex Sempronia, alegando que a medida abalava os fundamentos da República e fomentava a revolução social. Essa oposição cresceu,  sobretudo depois que  Tibério Graco, passando por cima do Senado, apelou ao Conselho da Plebe para aprovar a nova lei,  uma medida que,  apesar de estar de acordo com o Direito Romano, era incomum.

O Senado conseguiu convencer o outro Tribuno da Plebe, Otávio, a vetar a Lex Sempronia. Tibério Graco, entendendo que o veto de Otávio contrariava a própria finalidade do cargo de Tribuno – a de defender a Plebe contra a opressão dos nobres – submeteu  à questão ao Conselho da Plebe, pedindo que votasse pela deposição do colega. Após a votação ter começado, Otávio vetou o próprio ato que determinara a votação de seu afastamento. Graco, então, teria mandado retirar Otávio à força da assembléia e a votação prosseguiu, decidindo pelo seu afastamento.

Segundo outra versão, do historiador Apiano, quando a 18ª Tribo de Plebeus, de um total de 35, votou pela deposição do seu colega, Tibério Graco apenas cumpriu a decisão, removendo Otávio porque ele não era mais Tribuno. A diferença entre as versões é relevante, pois, como vimos, um Tribuno da Plebe era sacrossanto, e, portanto, a ação de Graco teria sido formalmente ilegal, caso a primeira delas seja a verdadeira.

O povo saudou Tibério Graco como um verdadeiro herói e, pressionado, o Senado autorizou a formação de uma comissão agrária para implementar a Lex Sempronia. Porém, desde o início, os senadores conservadores tentaram sabotar a execução da lei, liberando apenas uma pequena verba para a instalação dos trabalhos da comissão, alegando a insuficiência de fundos no Tesouro.

Entretanto, naquele mesmo ano de 133 A.C, o Rei Átalo III, de Pérgamo, aliado romano, morreu sem herdeiros, legando toda a sua vasta fortuna (e o próprio reino) à Roma.Tibério Graco viu nisso uma chance de executar seus planos e, invadindo a competência que o costume conferira ao Senado de deliberar sobre o orçamento e os assuntos estrangeiros, determinou que parte da herança de Átalo fosse usada para financiar a implementação de sua lei agrária, valendo-se dos seus poderes tribunícios.

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(Átalo III admirava os romanos e deixou o Reino de Pérgamo como herança para Roma)

O acirramento do confronto entre a maioria conservadora do Senado e Tibério Graco atingiu uma proporção incontornável. Ele foi acusado por Quinto Pompeu, um senador que era seu vizinho, o qual alegava que, nesta condição, soube que Graco havia recebido de presente de um certo Eudemus, de Pérgamo, um manto púrpura e uma coroa de ouro, devido ao fato de este pensar que Graco iria se tornar o Rei de Roma.

Aproximando-se o fim do seu mandato, aumentavam as evidências de que Tibério Graco seria processado pelo crime de violar a sacrossantidade de seu colega Otávio. Assim, Graco decidiu concorrer à reeleição, defendendo a popular plataforma de redução do tempo de serviço militar e de concessão da cidadania romana a povos aliados. Havia rumores de que um amigo seu havia sido envenenado e, por isso, temendo pela sua vida e de sua família, Graco apelou ao povo reunido em assembleia por proteção, e, de fato,  uma multidão passou a acampar em frente a sua casa com o objetivo de protegê-lo, o que lhe granjeou ainda mais simpatia popular.

Tibério Graco foi reeleito. Pouco antes do seu mandato encerrar, ele foi a um comício, apesar de advertido da existência de vários presságios desfavoráveis, estando o povo reunido no Capitólio. Lá ele recebeu a notícia de que os senadores planejavam mata-lo. Seus partidários armaram-se de porretes. Os senadores, já mal dispostos contra Tibério, interpretaram esse gesto como uma insurreição na qual seus partidários pretendiam coroá-lo rei, e exigiram que o cônsul enviasse as tropas para reprimi-la. Com a recusa deste, os próprios senadores, acompanhados de sua clientela, armaram-se de porretes e foram atacar o grupo de Tibério.

Na confrontação que se seguiu,,Tibério Graco e 300 de seus seguidores foram mortos a porretadas e pedradas e seus corpos jogados no Rio Tibre. Consta que o primeiro golpe contra a cabeça de Tibério Graco foi dado por seu novo colega, o Tribuno Publius Satyreius. Segundo Plutarco, esta foi a primeira vez que um conflito político entre cidadãos em Roma degenerou em um banho de sangue. Em seguida, vários partidários de Graco foram exilados, presos e até executados sem julgamento.

Temendo a reação do povo indignado, o Senado informou que iria implementar a Lex Sempronia, mas na prática, ele continuou impondo várias dificuldades para a sua execução.

As tensões e contradições políticas e sociais que Tibério Graco tentou solucionar não morreram com ele. Uma década mais tarde, seu irmão, Caio Graco tentou aprovar um programa ainda mais radical do que o de Tibério. Considerado então o melhor orador de Roma,  Caio foi eleito Tribuno da Plebe em 123 A.C. Em uma trajetória parecida a do seu falecido irmão, ele também acabou sendo falsamente acusado de crimes e morto em um conflito sangrento entre facções.

Eugene_Guillaume_-_the_Gracchi(Escultura “Os Gracos”, de Eugene_Guillaume)

Com a morte de Caio Graco, em 121 A.C, torna-se explícita a divisão da política e do Senado romanos em duas facções: a maioria conservadora aglutinou-se em um grupo que foi batizado de “Optimates” (literalmente, os “Muito Bons” ou “Melhores”), que entendiam que a República deveria ser conduzida pelo Senado, mantendo-se as leis e costumes tradicionais (mos maiorum) em benefício dos cidadãos romanos tradicionais, sobretudo os Nobres; Por sua vez, aqueles que defendiam que o poder deveria emanar dos Concílios da Plebe, limitando o poder do Senado, que a cidadania deveria ser estendida aos povos aliados e que a maior parte dos recursos do Estado deveria ser empregada em benefício dos cidadãos mais pobres, foram chamados de “Populares“. Optimates e Populares não devem, entretanto, ser considerados partidos políticos no sentido moderno.

Death_of_Gaius_Gracchus(A morte de Caio Graco, pintada em 1792. Por François Topino-Lebrun )

A partir de então, a oposição entre Optimates e Populares, quase sempre degenerando em violência e guerra civil, marcaria a política romana até o fim da Guerra Civil do 2º Triunvirato e a ascensão de Augusto como primeiro imperador, em 27 A.C.

Quinze anos depois da morte de Caio Graco, a questão social, segundo Plutarco, havia piorado ainda mais e as reformas dos Gracos tinham sido abandonadas pelo Senado. Aumentava sem parar a massa de pequenos proprietários expulsos de suas terras e cada vez mais o número de cidades e territórios controlados pelo Estado Romano, sem que os aliados tivessem qualquer participação política e gozassem dos inúmeros direitos conferidos aos cidadãos romanos.

Esse período é marcado pela ascensão de Gaius Marius (Caio Mário), um brilhante general sem estirpe que conseguiu ser eleito Cônsul, tornando-se um “Homem Novo” (Novus Homo). Mário era hostil ao Senado e  também é considerado um integrante da facção dos Populares.

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A principal reforma de Mário, fundamental na História de Roma, foi reorganização do Exército Romano. Até então, somente cidadãos livres que fossem proprietários de terras podiam ser recrutados como soldados, já que eles deveriam pagar o seu próprio uniforme e equipamento. Porém, o aumento demasiado dos latifúndios cultivados por escravos levou a uma grande diminuição do número de pequenos proprietários rurais (proletarização), prejudicando o recrutamento militar. Mário instituiu que o Estado deveria pagar um salário e fornecer armas e vestuário para os soldados, criando um exército permanente que recrutaria, basicamente, os proletários urbanos de Roma e das cidades italianas. Terminava, assim, a era da milícia de cidadãos e inaugurava-se o período, ainda embrionário, do primeiro exército profissional moderno da História.

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( Um típico legionário romano após as Reformas de Mário. Os soldados ficariam conhecidos como “Mulas de Mário” por terem que carregar todo o seu equipamento)

Mário era casado com Júlia, irmã do pai de Caio Júlio César, e portanto, era tio deste. Ele seria cônsul por 7 vezes, entre 107 A.C. e 86 A.C., frequentemente entrando em atrito com a maioria conservadora do Senado Romano. Mário seguiu uma linha de atuação política que pode ser descrita como “populista”.

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(Denário de Mário. Difícil não associar a imagem do agricultor lavrando o solco com as políticas defendidas pelos Populares)

Os Optimates encontraram seu campeão na pessoa do ultraconservador e tradicionalista Lucius Cornelius Sulla (Lúcio Cornélio Sila), membro de uma antiga família patrícia, ele também um prestigiado general.

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O conflito entre Mário e Sila ecoava a disputa entre os Populares e os Optimates. No momento em que ambos disputaram importantes comandos militares, Mário, ilegalmente, ignorou a designação de Sila pelo Senado, levando este a se insurgir militarmente.

Após derrotar as forças de Mário em combate, Sila marchou contra a própria Roma e entrou, à testa de suas forças, no “Pomerium“(fronteiras sagradas da cidade de Roma), o que era expressamente proibido pela lei romana. Ele foi o primeiro general romano a ousar praticar esse fato, considerado como um grande sacrilégio. Sila perseguiu os partidários de Mário e revogou a maior parte dos seus atos. Mas Mário conseguiu escapar e se exilou na África.

Entretanto, Sila foi obrigado a deixar Roma e ir combater Mitridates, poderoso Rei do Ponto, na atual Turquia, que havia ordenado o massacre de milhares de civis romanos naquela região (as fontes relatam que 80 mil romanos foram mortos).

Aproveitando a situação, Mário voltou da África e conseguiu assumir de novo o governo, sendo eleito para o seu sétimo consulado. Mas, sendo ele já velho e estando muito doente, Mário acabou morrendo no meio do primeiro mês de seu mandato, em 86 A.C., aos 70 anos de idade, deixando no poder seu colega de consulado, Cina, um correligionário político que apoiava a facção dos Populares. Deve-se observar que esta última volta ao poder de Mário também foi marcada pela perseguição sangrenta aos seus inimigos políticos.

Com a morte de Mário, Cina ficou no poder, ocupando sucessivos consulados até 84 A.C,. Nesse período, ele adotou medidas que faziam parte do ideário dos Populares, como por exemplo, a concessão de cidadania aos italianos, até ele ser morto pelas suas próprias tropas quando elas se preparavam para ir lutar contra Sila.

Neste mesmo ano de 84 A.C., Caio Júlio César casou-se com Cornélia, filha de Cina, o que demonstra a plena inserção do jovem sobrinho de Mário na facção dos Populares.

Quando Sila retornou à Itália e assumiu o governo, sendo nomeado Ditador, ele desencadeou uma grande perseguição aos simpatizantes de Mário e da facção dos Populares, chegando a executar 1.500 nobres e 9 mil pessoas no total, além de exilar outros tantos. E um dos que tiveram que fugir para preservar a vida foi o jovem Júlio César. Logo, familiares e conhecidos do rapaz apelaram a Sila para que ele fosse poupado. Porém, quando o Ditador exigiu que César se divorciasse de Cornélia, o rapaz, galantemente, recusou-se. Sila, mesmo assim, vencido pela insistência dos pedidos, concordou em poupar o rapaz, não sem antes advertir aos senadores:

Há vários Mários em César“…

Como Ditador, as leis e decretos instituídos por Sila ordenaram a restauração dos privilégios do Senado e a restrição do poder legislativo dos Concílios e dos Tribunos da Plebe, que foram transformados praticamente em meros defensores públicos de indivíduos de condição humilde. Ele também regulamentou o Cursus Honorum e o número das magistraturas, aumentando em consequência o número de senadores de 300 para 600 membros, com a finalidade de cimentar a coesão da elite e proporcionar que o Senado pudesse executar mais funções administrativas. Por fim, ele também declarou MárioInimigo do Estado“, mandando banir quaisquer referências à sua memória (damnatio memoriae).

Surpreendentemente, acreditando ter restaurado o poder do Senado, Sila decidiu voluntariamente se retirar da vida pública e voltar para suas propriedades, em 81 A.C, falecendo, provavelmente de cirrose ou úlcera gástrica, em 78 A.C.

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Mesmo que essa não fosse a intenção deles, na prática, Mário e Sila implodiram as fundações da República Romana, pois as ações de ambos demonstraram que as assembleias políticas, tanto a dos plebeus (Concílios), quanto a dos nobres (Senado), não tinham mais o poder de solucionar e arbitrar os conflitos de interesses entre os grupos políticos e as classes sociais.

Agora, o palco estava montado para um tipo diferente de espetáculo e para que os atores pudessem atuar nos papéis principais,  não bastava que eles tivessem talento político, mas, além disso,  deveriam também ser bons generais…

De fato, após Mário e Sila, seria aos generais ambiciosos que as duas facções políticas do Senado iriam recorrer, e as disputas políticas  agora seriam resolvidas no campo de batalha.

Mário de fato criara as condições para isso, ao conceber um exército de soldados profissionais recrutado entre proletários desempregados que deviam seu emprego e sua lealdade ao Cônsul que os recrutara. E fora Sila o primeiro a se valer de um exército como esse para entrar em Roma à força com o objetivo de derrubar o governo, realmente criando o precedente, e também inaugurando o costume de recompensar regiamente os seus veteranos com as terras confiscadas dos adversários políticos proscritos.

Um desses generais ambiciosos foi Gnaeus Pompeius (Cneu Pompeu). O Senado, sem dispor de meios militares, já tinha se valido do jovem e talentoso general para derrotar as forças contrárias a Sila , na Sicília e na África, e depois as de Lépido, que pretendia restaurar o poder dos Tribunos e realizar outras reformas de interesse dos Populares.

Pompey the Great. Marble. Beginning of the 1st century A.D. Inv. No. 733. Copenhagen, New Carlsberg Glyptotek.(Cabeça de mármore de Pompeu, o Grande)

Em um indício de que a ordem tradicional estava com os dias contados, o Senado, quebrando todos os precedentes, concedeu a Pompeu a honra de celebrar dois triunfos, apesar de ele  sequer ser um magistrado e, em 70 A.C, ignorando todas as normas, ele foi nomeado Cônsul, embora não fosse um senador.

Ironicamente, Pompeu conseguiu compelir o Senado a fazer isso aliando-se com ninguém menos do que os Populares, os quais, até então, ele havia perseguido. Para obter o apoio deles, Pompeu comprometeu-se a revogar os decretos de Sila que retiraram os poderes dos Tribunos da Plebe e dos Concílios.

Foi nessa época que Caio Júlio César entrou oficialmente na política, e a sua adesão à causa dos Populares ficou explícita quando, em 69 A.C, ele, no funeral de sua tia Júlia, a viúva de Mário, pronunciou um discurso fúnebre, onde exaltou a memória de seu tio Mário, discursando a frente de uma imagem do grande general falecido, coisa que não era vista em Roma desde o governo de Sila,  por força da damnatio memoriae.

E foi, de fato, como integrante da facção dos Populares que César seguiu a carreira política, em um período de acirramento da oposição entre eles e os Optimates. O astuto César, contudo, também procurou mostrar-se palatável para os conservadores, como ilustra o fato dele, tendo recém ficado viúvo de Cornélia, ter se casado com Pompéia, que era neta de ninguém menos do que Sila, o inimigo figadal dos Populares, sendo que o casamento ocorreu em 67 A.C.

Contudo, para ganhar eleições e atingir os cargos mais altos, César, como todos os demais políticos romanos, precisava de muito dinheiro, e ele já tinha se endividado bastante para se eleger para o cargo de Questor. Portanto, de muita utilidade tornou-se a sua recente amizade com o aristocrata Marco Licínio Crasso, um dos homens mais ricos de Roma, que disputava a primazia política com Pompeu (eles tinham sido colegas de consulado, em 70 A.C.). Note-se que Crasso também apoiara, como Cônsul, a restauração dos poderes dos Tribunos da Plebe, apoio este que o afastou da facção dos Optimates, aproximando-o dos Populares.

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(Cabeça de mármore de Crasso, foto de Gautier Poupeau )

Com o apoio financeiro de Crasso, César conseguiu se eleger para o cargo de Edil, em 65 A.C. Os Edis eram magistrados encarregados de vários serviços urbanos em Roma, incluindo a promoção de jogos públicos, e César aproveitou este cargo para agradar a Plebe promovendo espetáculos suntuosos, o que obviamente tornou-o muito popular. Começava, assim, a nascer a política do “Pão e Circo” (“Panem et Circensis“)…

Depois de exercer a edilidade, César gastou rios de dinheiro na eleição para o prestigioso posto de “Pontifex Maximus“, o chefe dos cultos oficiais do Estado e, apesar dele não ser o favorito, César venceu o certame, em 63 A.C.

Então, a política em Roma tinha-se tornado altamente violenta e corrupta, e a República em frangalhos convidava os homens ambiciosos a tentarem a sorte na disputa pelo poder supremo, o que, obviamente, encontrava obstáculo no tradicionalismo da elite senatorial. Para ocupar os cargos mais importantes, contudo, os sequiosos de poder ainda precisavam de votos.

O aristocrata Lúcio Sérgio Catilina foi um desses políticos que, através da demagogia e dos subornos, atraía uma grande clientela e seguidores. Como ele não conseguira ser Cônsul, por ter sido barrado por Marco Túlio Cícero (ele também um “Novus Homo“), Catilina uniu-se à facção dos Populares e passou a defender uma nova lei agrária ampliando a Lex Sempronia .

Cicero_(1st-cent._BC)_-_Palazzo_Nuovo_-_Musei_Capitolini_-_Rome_2016(Busto de Cícero, nos Museus Capitolinos, foto de José Luiz Bernardes Ribeiro)

Contudo, não obtendo sucesso nas eleições de 63 A.C, apesar de apoiado por Crasso e César, Catilina arquitetou uma conspiração visando suprimir o próprio Senado Romano, em uma trama que foi descoberta e denunciada publicamente por Cícero em sessão do Senado, em suas famosas “Catilinárias“. Desse modo, Catilina foi facilmente derrotado e morto pelas tropas legalistas.

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César, embora fosse aliado de Catilina, não teve participação na conspiração, chegando até a informar Cícero da trama, Não obstante, César defendeu, nos debates no Senado, que os conspiradores presos não deviam ser executados, como queriam Cícero e o senador ultraconservador Catão, uma vez que a lei não previa nem a pena de morte, nem que a competência para o julgamento fosse do Senado, para aquele tipo de caso. Mesmo assim, os conspiradores foram executados, por ordem ou instigação de Cícero, alegando-se motivos de “Segurança do Estado“.

Apesar da conspiração de Catilina ter colocado em risco a sua carreira política, César conseguiu se eleger para o cargo de Pretor, em 62 A.C. E, segundo a lei romana, após cumprir este mandato, ele fazia jus a ser indicado para governar uma das províncias romanas, no seu caso, a Hispânia, como Propretor. Os costumes romanos admitiam que o governador ficasse com uma parte dos tributos arrecadados dos súditos provinciais, sem falar do produto do que fosse saqueado das tribos ainda rebeldes, desde que não houvesse muitos exageros no processo. Assim, após assumir o governo da província, César, após derrotar várias tribos celtiberas, aproveitou esta oportunidade para conseguir o dinheiro necessário para pagar a sua legião de credores em Roma.

Entrementes, naquele ano, após uma prolongada e vitoriosa campanha militar no Oriente, Pompeu voltou à Roma, e, para a surpresa geral de todos, ele entrou na Cidade como um simples cidadão e sem exército. Provavelmente, foi um gesto politicamente calculado para obter o apoio do Senado e do povo, demonstrando ser ele, Pompeu, um cidadão cumpridor da lei e dos costumes tradicionais.

Contudo, Pompeu não gozava nem da simpatia dos conservadores, devido à revogação das leis de Sila que restringiam o poder tribunício, nem dos Populares, dado o seu histórico de lutas contra os mesmos. Assim,  o Senado decidiu não recompensar os soldados veteranos de Pompeu com terras, deixando-o muito contrariado.

Assim, quando César voltou à Roma, no ano 60 A.C, ele viu a oportunidade de conjugar sua ambição com as dos dois homens mais poderosos de Roma: Pompeu e Crasso, pois ambos estavam insatisfeitos com os Optimates que controlavam o Senado. Eles, então, formaram a aliança política que ficou conhecida como o “Primeiro Triunvirato”.

A aliança política foi cimentada pelo casamento de Pompeu com Júlia, filha única de César. Vale ressaltar que, mesmo se tratando de um casamento arranjado, e apesar da diferença de idade entre os noivos (ele tinha 47 anos e ela, 24), os esposos acabariam se apaixonando, e,  anos mais tarde, Pompeu sofreria muito com a morte prematura de Júlia, no parto de uma menina que também não sobreviveu).

Com a eleição de César para Cônsul, em 59 A.C. o Triunvirato assumiu o poder de fato em Roma. Apesar da violenta oposição dos Optimates, liderados por Catão, o Jovem, e do seu colega de consulado, Bíbulo, também integrante da facção, César conseguiu aprovar uma legislação dando terras na Campânia para os veteranos de Pompeu. Ele também conseguiu perdoar um terço das dívidas de impostos dos agricultores. Por sua vez, o seu correligionário Clódio conseguiu aprovar uma lei especial determinando o exílio de Cícero, como punição pela execução dos conspiradores de Catilina sem julgamento. Essa mesma lei também designou o adversário Catão para governar a distante Chipre, o que equivalia, na prática, a um exílio, afastando-o do Senado. Contudo, muitas dessas iniciativas de César foram executadas em desacordo com a lei romana, algo que o deixaria vulnerável à retaliação dos adversários, em tempos futuros.

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(O chamado “Busto de Tusculum” é considerado pelos especialistas o único busto existente que foi produzido durante a vida de César)

Os Triúnviros também decidiram dividir o governo das províncias romanas entre si e, então, César escolheu controlar as Gálias Cisalpina e Narbonense, além da Ilíria, autonomeando-se Procônsul, com mandato de 5 anos, a partir de 58 A.C.

A escolha da Gália tinha um motivo: César constatara que lhe faltavam as glórias militares de Pompeu , que já havia derrotado Sertório, na Espanha, a rebelião do gladiador Espártaco (junto com Crasso), na Itália, os piratas do Mediterrâneo e o rei Mitridates, anexando o Reino do Ponto à Roma, entre outras vitórias, as quais lhe valeram o apelido de Magno, ou “o Grande” e, ainda, em menor escala, os louros de Crasso.

Assumir o governo da Gália permitiu a César arquitetar o plano que lhe colocaria no mesmo plano dos seus colegas: A anexação da Gália Transalpina, povoada pelos temidos gauleses, que, séculos atrás, em 390 A.C, tinham até saqueado e incendiado Roma. O pretexto foi a necessidade de fazer um ataque preventivo, devido ao fato de tribos aliadas dos romanos terem sido atacadas por gauleses e germânicos que, supostamente, pretendiam migrar para a Gália Cisalpina, ou seja, a parte da Itália que fica ao sul dos Alpes.

Em nove anos de guerra, César derrotou completamente os gauleses e anexou toda a Gália. Para alguns, essa teria sido a maior contribuição de César à História, pois, sem isso, não existiria a França e, consequentemente, a Europa e sua civilização seriam completamente diferentes.

A vitória na Gália deu a César não somente uma aura de herói nacional e de general brilhante, mas também o exército mais disciplinado e bem treinado de Roma, além de muito dinheiro proveniente dos saques, afinal os gauleses eram um povo muito próspero.

Mas, enquanto César lutava na Gália, ele certamente mantinha um olho nos assuntos domésticos…

Com efeito, em Roma, o cimento que mantinha unido o Triunvirato começava a amolecer…Pompeu, aparentemente se ressentia do brilho das conquistas militares de César, as quais ameaçavam ofuscar as suas próprias. Talvez por isso, ele manobrou para trazer Cícero de volta à Roma e os dois acabaram se aproximando.

Em 57 A.C., Pompeu recebeu poderes extraordinários do Senado para cuidar do abastecimento de cereais de Roma, o que o colocava em uma excepcional posição em relação aos outros dois colegas, no que tange a capacidade de angariar as simpatias da Plebe. Já as relações entre Crasso e Pompeu, que nunca tinham sido boas, também iam de mal a pior.

Os nobres conservadores aproveitaram as dissensões entre os Triúnviros e conseguiram eleger um dos seus integrantes como Cônsul para o ano de 56 A.C. Por sua vez, Cícero questionou a legalidade da nomeação de César para o governo da Gália.

Percebendo o risco ao Triunvirato e a si mesmo, César deixou o comando da campanha da Gália com seus lugares-tenentes e convocou Pompeu e Crasso para uma reunião em Lucca, cidade romana na fronteira da Itália com a Gália Cisalpina, em abril de 56 A.C.

Nesse encontro, que passaria à História como a “Conferência de Lucca“, César, Pompeu e Crasso resolveram as suas diferenças, estabelecendo que os dois últimos seriam candidatos a Cônsul no ano seguinte, com o apoio de César. Assegurada a eleição, os novos cônsules promulgariam uma lei prorrogando o mandato do proconsulado de César na Gália por mais 5 anos, sendo que, após o término do consulado de Pompeu e Crasso, eles seriam designados procônsules, respectivamente da Hispânia e da Síria, também pelo prazo de 5 anos.

O adversário de Crasso e Pompeu na eleição para o consulado de 55 A.C, era Lúcio Domício Enobarbo, um fervoroso membro da facção dos Optimates, casado com a irmã do líder Catão, o Jovem. Ele prometeu proibir a prática de compra de votos dos eleitores e revogar o comando de César na Gália. Porém, no dia da eleição, ele foi expulso à força do Campo de Marte pelos partidários dos Triúnviros, com o reforço de mil soldados enviados por César, uma ação que garantiu a vitória de Crasso e Pompeu.

Os novos cônsules executaram os termos do acordo da Conferência de Lucca, através da “Lex Pompeia Licinia“, garantindo a recondução de César para a Gália e o proconsulado da Síria e da Hispânia para Crasso e Pompeu, respectivamente.

O destino, porém, abalaria a recém obtida estabilidade do 1º Triunvirato: no ano de 54 A.C, Júlia, a filha de César e esposa de Pompeu, morreria no parto e, em 53 A.C, Crasso, também ele sedento de obter a glória militar contra os Partos, seria capturado e morto por estes, após a desastrosa Batalha de Carras, no que foi a pior derrota militar sofrida pelos romanos desde a 2ª Guerra Púnica, 150 anos antes…

O Triunvirato estava, assim acabado, antes de tudo, matematicamente, pela simples eliminação de Crasso. Agora, só restavam César e Pompeu. E não havia também mais a doce Júlia, a quem  o seu pai e o seu esposo eram muito devotados e a quem eles deviam muito a existência de uma relação cordial entre ambos.

Enquanto isso, desde 55 A.C, em campanha na Gália, César realizava algumas das maiores façanhas militares que Roma já vira. Ele havia derrotado um enorme horda de tribos germânicas, os Usipetes e Tencteris, e, na fuga, os sobreviventes derrotados, inclusive mulheres e crianças, totalizando cerca de meio milhão de bárbaros, foram aniquilados, a maioria, acredita-se, afogados, após tentarem cruzar a confluência entre os rios Reno e Mosela. Depois, César mandou construir uma espetacular ponte de madeira sobre o largo Reno e cruzou, pela primeira vez na História de Roma, aquele largo rio, marchando, também de forma inédita, por dezoito dias na margem oriental. Ainda naquele ano, César cruzou o Canal da Mancha e invadiu, também pela primeira vez na História, a Britânia, ficando lá também por  18 dias. E ele ainda voltaria àquela Ilha no ano seguinte.

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Pompeu, apesar de ser governador da Hispânia, permanecera todo esse tempo em Roma, recebendo as notícias das façanhas de César e sendo assediado pelos partidários da nobreza conservadora no Senado, sobretudo após a morte de Crasso, em 53 A.C. Ele certamente não se opôs que o ferrenho opositor de César, Lúcio Domício Enobarbo conseguisse se eleger Cônsul no ano anterior.

Mais sintomaticamente ainda, Pompeu recusou a proposta de César para que ambos celebrassem uma nova aliança matrimonial, na qual Otávia, sobrinha-neta de César (e irmã do futuro imperador Otávio Augusto) lhe foi oferecida em casamento. Para reforçar ainda mais o distanciamento, Pompeu, expressando sua evidente oposição à proposta de renovação da aliança política com o seu colega, casou-se, em 52 A.C., com Cornélia Metela, filha de Quinto Cecílio Metelo Cipião, que era um dos mais empedernidos membros da facção dos Optimates e, portanto, um inimigo figadal de César.

Em 52 A.C, as lutas políticas na cidade de Roma degeneraram em anarquia, com repetidos motins nas ruas, culminando no assassinato do ex-Tribuno da Plebe e membro dos Populares, Clódio, violências que resultaram inclusive no incêndio do edifício da Cúria do Senado e impediram a eleição dos cônsules naquele ano (Clódio, a bem da verdade, era um dos políticos que mais se valeram do uso político da violência das verdadeiras gangues de rua em que os “collegia”- corporações de ofício de Roma, haviam se tornado).

A situação caótica em Roma obrigou o Senado à medida extrema de nomear Pompeu como único Cônsul para aquele ano. Imediatamente, Pompeu convocou seus soldados e restaurou a ordem na Cidade. Evidenciando ainda mais a sua aproximação com os Optimates, Pompeu nomeou seu sogro Metelo Cipião como seu colega para o Consulado de 52 A.C.

Embora Pompeu ainda resistisse a tomar a iniciativa do rompimento com César, qualquer um que tivesse o mínimo discernimento político perceberia que isso era apenas uma questão de tempo. Na verdade, o motivo pelo qual Pompeu e o Senado somente ainda não haviam tomado nenhuma medida mais efetiva contra César era porque, ainda naquele ano de 52 A.C, estourara uma rebelião geral das tribos gaulesas, recém conquistadas. Unidos e liderados por Vercingetórix, os gauleses preparavam-se para um confronto definitivo contra as legiões romanas na cidade fortificada de Alésia.

Alesia_8.jpg(Reconstrução das fortificações construídas por César em torno de Alésia, foto de Christophe.Finot )

Contudo, em um mês, César não apenas sitiou Alésia, defendida por 80 mil guerreiros, como ainda derrotou a força gaulesa de 100 mil homens que tentava furar a praça sitiada, que, por sua vez,  tinham cercado os romanos. Foi indubitavelmente uma vitória espetacular que levou o prestígio de César às alturas. Apesar da fonte original sobre a campanha ser os próprios “Comentários” de César, estes são geralmente aceitos como verídicos e acurados, sendo respaldados pelas escavações arqueológicas.

Finalmente, portanto, no final de 51 A.C, após quase 10 anos de luta, César havia submetido a Gália até o Reno, equivalendo à maior parte do território da atual França.

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Terminada a luta na Gália, a facção dos Optimates no Senado imediatamente tratou de tentar decretar o o fim do comando de César para aquela campanha. E tanto os senadores conservadores quanto o próprio César sabiam que, despido ele da condição de governador e sem cargo público, César perderia a sua imunidade, sendo muitos os pretextos para processá-lo e condená-lo, na mais suave das hipóteses, ao exílio.

map 1280px-Europe_-50.png(Terminada a conquista da Gália, o mapa mostra o território da República Romana, em amarelo. Mapa de Cristiano64 / Coldeel)

Com efeito, a iminente perda da imunidade tornava-se aflitiva para César. Assim, em 50 A.C, enquanto ainda na Gália, ele tentou, sem sucesso, concorrer ao cargo de Cônsul, mas sem, contudo, abandonar o Proconsulado da Gália e continuando a comandar seus exércitos na Província, o que era proibido por lei.

César, não obstante as manobras dos Optimates, contava com o apoio do Tribuno da Plebe Caio Escribônio Curião, que, segundo alegava-se, teria sido subornado  por ele mediante o pagamento de suas dívidas por César e, de fato, Curião vetava todos os projetos de lei que pretendiam substituir César na Gália ou terminar o seu mandato.

Curião inclusive propôs uma solução conciliatória entre os partidários de César e a facção dos Optimates: César renunciaria ao comando da Gália, desde que ele recebesse permissão para concorrer às eleições para o Consulado de 49 A.C., com a condição de que Pompeu também renunciasse ao seu comando militar. Essa proposta até encontrou alguma simpatia no grupo de senadores moderados, mas o núcleo conservador do Senado, liderado pelo Cônsul Caio Cláudio Marcelo, se opôs ferozmente a ela e obstruiu a votação de qualquer proposta no mesmo sentido.

Com certeza, os senadores mais sensatos perceberam o risco iminente de uma guerra civil e apoiavam uma solução de compromisso. Assim, quando, na Sessão do Senado do dia 1º de dezembro de 50 A.C., o Cônsul Cláudio Marcelo reapresentou a proposta de substituição de César na Gália, eles, que inicialmente haviam aprovado a remoção, acabaram aprovando, por 370 votos a favor e apenas 22 contra, a emenda substitutiva apresentada por Curião, a qual estabelecia que também o comando de Pompeu deveria ser encerrado.

Marcelo, porém, recusou-se a aceitar o resultado da votação da emenda de Curião e, alegando falsamente que César havia cruzado os Alpes com 10 legiões para invadir a Itália, declarou dissolvida a Sessão, antes da aprovação do texto. Em seguida, rompendo com a ordem institucional, Marcelo e alguns integrantes da facção conservadora partiram para a residência de Pompeu para tentar convencê-lo a assumir o comando de todas as tropas na Itália, implorando que o velho general fizesse o que fosse necessário para “salvar a República”. Pompeu concordou, mas ressalvando que ele faria isso, “a não ser que fosse encontrado um caminho melhor”.

Curião, cujo mandato de Tribuno e consequente inviolabilidade terminariam em poucos dias, prudentemente decidiu fugir de Roma e ir ao encontro de César, que se encontrava em Ravena, fora dos limites da Itália Romana, acompanhado apenas da XIII Legião. Apesar de instado por Curião a marchar sobre Roma, César decidiu fazer uma nova proposta de acordo: Ele seria nomeado governador da Ilíria e manteria sob seu comando apenas uma legião, até a eleição para o consulado de 49 A.C. No entanto, essa proposta foi terminantemente recusada pelos Cônsules.

No dia 1º de janeiro de 49 A.C., César tentou sua última cartada no Senado para manter a sua carreira política: Valendo-se do novo Tribuno da Plebe, Marco Antônio, que, da mesma forma que o seu colega, Longino, eram fiéis colaboradores de César, ele enviou, por Curião, uma carta ao Senado para ser lida em sessão por Antônio. Todavia, quando Antônio começou a ler a carta, após o trecho em que César reiterava a disposição de somente deixar a Gália e desmobilizar o seu exército caso Pompeu fizesse o mesmo, ele foi interrompido aos gritos pelos senadores conservadores, e não conseguiu continuar.

Roman male portrait bust, so-called Marcus Antonius. Fine-grained yellowish marble. Flavian age (69—96 A.D.). Rome, Vatican Museums, Chiaramonti Museum.(Busto de Marco Antônio)

Metelo Cipião, o sogro de Pompeu, propôs que fosse fixada uma data para que César fosse demitido do comando na Gália e dispensasse suas tropas, após o que ele seria considerado “Inimigo Público“. A moção foi aprovada, e os únicos votos contrários foram de Curião e do senador Célio. Muito provavelmente, a explicação para a diferença entre esta votação e aquela ocorrida um mês antes foi a maciça presença de tropas de Pompeu nas cercanias de Roma…

Mas o Tribuno Marco Antônio vetou a moção e apresentou nova proposta para que fosse incluído na lei que o comando de Pompeu também se encerraria na mesma data, sendo essa idéia novamente bem recebida. Porém, novamente, o cônsul Lúcio Cornélio Lêntulo, apoiado por Metelo, dissolveu a Sessão antes que a lei com as modificações propostas  por Antônio fosse aprovada.

Em 7 de janeiro de 49 A.C, o Senado Romano aprovou o “Senatus Consultum Ultimus” declarando Lei Marcial e nomeando Pompeu como “Protetor de Roma“, isto é, na prática, um Ditador. Como era esperado, essa lei também declarou o término do mandato de César na Gália, ordenando que o mesmo entregasse o comando das suas tropas.

Em seguida, os soldados de Pompeu ocuparam Roma e Pompeu expediu uma nota dizendo que “não poderia garantir a segurança dos Tribunos“…

Marco Antônio e Cássio entenderam bem o recado e fugiram de Roma, indo ao encontro de César. Quando lá chegaram, César percebeu que não havia mais espaço para manobras políticas ou negociações. Ele teria que optar entre obedecer o Senatus Consultum Ultimus, e arriscar a sorte como um cidadão comum exposto à sede de vingança dos inimigos, ou tornar-se um rebelde e um fora-da-lei.

Na verdade, como frequentemente acontece nas guerras, revoluções ou golpes de Estado, as partes rivais sempre alegam um bom pretexto para legitimar a sua ação. O fato é que a fuga dos Tribunos da Plebe, ou, como é mais correto, a expulsão deles de Roma, violando a sua sacrossantidade legal, deu a César um bom pretexto para ele para começar a Guerra Civil.

Rimini088(Coluna de César, em Rimini, erigida para marcar o local onde César discursou para as suas tropas exortando-as a entrarem com ele na Itália. Foto de Georges Jansoone (JoJan)

No dia 10 de janeiro de 49 A.C. (data estimada), César, comandando apenas a XIII Legião, cruzou um riacho chamado Rubicão, que marcava a fronteira da Itália com a Gália Cisalpina. Ao entrar na Itália, ele violou a lei romana e era, tecnicamente, autor de um crime de alta traição. Em suas próprias palavras:

A sorte está lançada!” (alea iacta est).

Começava a Guerra Civil!

Menander_and_New_Comedy_Masks_-_Princeton_Art_Museum.jpg(Relevo do autor grego Menandro, com máscaras de teatro de Comédia. César era grande apreciador da obra de Menandro e a frase “A sorte está lançada”, ou, mais precisametne, “os dados estão lançados’, foi uma citação de uma das peças dele, “Arrhephoros”  – vide Deipnosophistes, livro XIII)

GUERRA CIVIL

Durante a confrontação política que antecedeu a travessia do Rubicão por César, os Optimates cometeram alguns graves erros de avaliação:

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Por exemplo, eles superestimaram a capacidade militar de Pompeu na Itália: Embora Pompeu tenha retido sob seu controle, irregularmente, duas legiões recrutadas por César no sul da Península, elas não eram páreo para a experimentada XIII Legião que lutara com ele na Gália.

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Da mesma forma, os Optimates também levaram em conta a seu favor o fato de que  Pompeu comandaria, teoricamente, todas as forças romanas na Hispânia, África, Egito, Grécia e Oriente, em número bem superior às 8 legiões que César tinha na Gália,

E os Optimates também confiavam  no histórico dos muitos sucessos militares de Pompeu.

Por último, os Optimates acreditavam que, pelo fato de César ter violado a proibição da lei romana de entrar na Itália com um exército,  a maior parte da população da Itália ficaria contra ele, que, ao menos formalmente, tinha se tornado um criminoso.

Mas eles não poderiam estar mais errados….

As legiões da Gália, calejadas por dez anos de guerra cruenta contra os gauleses, naquele momento eram, provavelmente, os melhores soldados do Mundo Antigo; Pompeu era um renomado general, mas estava ficando velho e não comandava uma legião, quanto mais uma campanha, havia vários anos; Ademais, ao contrário do que os Optimates esperavam, no trajeto do norte da Itália em direção a Roma, César foi aclamado triunfalmente em diversas cidades, cujas  respectivas guarnições acabavam por juntar-se ao seu exército.

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Entretanto, nem tudo ia bem para César, pois, durante o avanço sobre Roma, o seu ajudante em mais de 10 anos de luta, o hábil general Labieno, desertou e uniu-se às forças de Pompeu. Não se sabe o motivo exato da defecção de Labieno, sendo que as explicações mais plausíveis são que ele seria um legalista que via a insurreição de César como criminosa ante as leis da República ou, então, o fato de ele estar decepcionado por não ter recebido maiores recompensas por seus serviços, como por exemplo, um consulado, ficando, ainda, talvez enciumado pela predileção que César demonstrava em relação a Marco Antônio.

Pompeu, mesmo assim, concluiu que a sua melhor estratégia era fugir para a Grécia, onde ele poderia reunir um grande exército e, já que controlava a frota romana, interceptar os carregamentos de cereais para Roma, causando ali uma fome cuja responsabilidade seria atribuída a César, enfraquecendo-o perante a Plebe.

Embora esse não fosse um plano ruim, o simples fato de ele ter que abandonar a Itália, demostra o despreparo com que Pompeu foi pego pela rápida ação de César. E isto apesar de terem sido Pompeu e os Optimates que deram o ultimato ao adversário, motivo pelo qual seria de se esperar que eles, ao menos deveriam estar de antemão preparados.

A maior parte da facção dos Optimates acompanhou Pompeu em sua retirada estratégica da Itália . Portanto, ao contrário de César, que era o indiscutível comandante supremo de suas forças, Pompeu, por diversas vezes, tinha que escutar e levar em consideração os palpites militares dos senadores mais proeminentes, muitos deles sem qualquer experiência bélica…

Não é nosso propósito, todavia, aqui narrar pormenorizadamente os eventos da Guerra Civil, mas apenas traçar um quadro explicativo dos eventos que degeneraram no desfecho sangrento dos Idos de março de 44 A.C.

Senhor da Itália, César, ainda desejoso de respeitar as formalidades legais, convocou os senadores que tinham permanecido em Roma para um encontro, realizado em 1º de abril de 49 A.C, mas muito poucos apareceram. Consta que, ofendido com as ausências dos senadores, César teria dito:

Convidei-os para se reunirem a mim na tarefa de governar Roma. Porém, se a timidez faz com que recuem diante da tarefa, não os incomodarei mais. Governarei sozinho“.

Logo depois, porém, César conseguiu convencer (ou compelir) o Senado a autorizar o uso de um fundo de reserva para construir uma frota. Todavia, em uma demonstração de que seus oponentes ainda tinham poder na Cidade, a medida foi vetada pelo Tribuno Lúcio Cecílio Metelo. Não obstante, César ignorou o veto, entrou em Roma e, ameaçando executar Metelo, lançou mão dos recursos, manu militari.

César, então, partiu para enfrentar o exército de Pompeu na Hispânia.  Este, porém, naquele momento encontrava-se na Grécia, reunindo outro exército. Por isso, César assinalou:

Parto para a Espanha para enfrentar um exército sem general e logo seguirei para enfrentar um general sem exército.”

Em Ilerda, na Espanha, César cercou o exército de Pompeu, que se rendeu em 02 de julho de 49 A.C. A partir desta vitória, César principiou um comportamento em relação aos inimigos vencidos que ele repetiria muitas outras vezes durante a Guerra Civil e que se tornaria uma de suas marcas registradas causando admiração em muitos escritores antigos: a “Clementia” de César (clemência), poupando e anistiando os adversários. Com efeito, em Ilerda,  César concedeu aos inimigos derrotados que não quiseram se juntar ao seu exército, a opção de retornarem para casa como civis.

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Esse era um comportamento tão incomum na antiguidade que o próprio exército de César, pela primeira vez desde que ele se tornara um general, amotinou-se. O motivo da revolta era que os seus soldados esperavam saquear os pertences dos vencidos. O motim, contudo, foi reprimido sem muito custo.

Voltando a Roma, César, em apenas 11 dias de estadia na capital, foi nomeado Ditador por um curto período, o que lhe permitiu convocar a eleição para o consulado de 48 A.C, para o qual ele, naturalmente, se candidatou. Ele aproveitou também para colocar seus correligionários em todos os cargos importantes e, além disso, promulgou várias leis, entre elas uma dispondo sobre o pagamento de dívidas, permitindo que fossem dados bens em pagamento, dado o grande número de romanos endividados em função das turbulências políticas. Finalmente, César também restituiu os direitos civis aos cassados durante o governo de Sila e conseguiu que Pompeu fosse declarado fora-da-lei.

De volta à campanha de César na Guerra Civil, seguiram-se o quase-desastre em Dirráquio e a surpreendente vitória em Farsália, em 09 de agosto de 48 A.C., na qual César lutou em desvantagem numérica de 1 x 3 e onde muitos Optimates foram capturados, apesar de Pompeu ter conseguido fugir para o Egito, onde acreditava que iria ser acolhido pelo faraó Ptolomeu XIII, supostamente seu aliado.

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Porém, o jovem faraó, aconselhado a cair nas boas graças do vencedor, mandou prender Pompeu e decapitá-lo, enviando a cabeça dele para César. Quando ele, perseguindo o adversário, chegou em Alexandria, a História registra que César, ao receber, chocado, a cabeça de Pompeu, chegou a chorar, penalizado com o destino do seu ex-genro. E, em verdade, parece mesmo que nunca chegara a haver inimizade pessoal entre os dois grandes homens de Roma.

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Em Farsália, César pode exercer novamente a política de clemência para os adversários. Antes da luta, ele distribuiu aos seus oficiais uma lista dos partidários de Pompeu que deveriam ser poupados. Entre os nomes, estava o de Marco Júnio Bruto, um senador da facção dos Optimates e filho da amante de César, Servília Caepionis, que era irmã de Catão, o Jovem, o senador que pode ser considerado o verdadeiro ideólogo dos Optimates no Senado.

Seguiu-se o envolvimento de César na disputa pelo trono do Egito e o romance com Cleópatra VII, que resultaria no nascimento de seu único filho homem, chamado de Ptolomeu XV Filópator Filómetor César e que foi apelidado de “Cesarion“.

TRIUNFO E PODER ABSOLUTO

#César #Caesar #idosdemarço

Morto Pompeu, o seu único rival pelo poder supremo, César celebrou os seus Triunfos com uma magnificência jamais vista em Roma. Nos festejos pela vitória na Gália, que tinham sido adiados pela Guerra Civil, vinha, no final da procissão triunfal, Vercingetórix acorrentado (o altivo chefe gaulês seria executado após a cerimônia, como era o costume romano). Houve, ainda, uma batalha naval simulada em um lago artificial e 400 leões foram soltos em um Circo, para serem mortos por quem se dispusesse a pagar uma taxa. E em seu novo Fórum construído perto do antigo, César, presença de Cleópatra e Cesarion, desvendou uma bela estátua de ouro de sua amante e rainha do Egito, ao lado do Templo de Vênus Genitrix,  a deusa que a gens Júlia reivindicava como sendo sua ancestral.

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(Denário de prata de 48 A.C.,  com a imagem de Vercingetórix acorrentado, é a única imagem do líder gaulês capturado e executado após o Triunfo de César, em Roma)

Provavelmente esses festejos foram a maior exibição de propaganda política em toda a História de Roma. Mas os Optimates ainda não tinham sido completamente derrotados…Na África, um exército de 40 mil soldados liderado pelos velhos inimigos Catão, o Jovem e Metelo Cipião, e pelo inimigo recente, Labieno, aos quais se juntaram os filhos de Pompeu, contando com a ajuda do rei Juba, da Numídia, ainda constituía uma ameaça respeitável.

César, após as celebrações de seu triunfo, partiu de Roma e sitiou a cidade de Tapsos, na atual Tunísia. Os Optimates foram forçados a aceitar a batalha campal e o exército de César mais uma vez venceu, em 06 de abril de 46 A.C. Os Númidas fugiram e os 10 mil soldados inimigos que quiseram se render foram mortos pelos soldados de César. Esse massacre não era compatível com a política de clemência que ele vinha adotando desde o início da Guerra Civil. A explicação, segundo Plutarco, é que César, durante a Batalha de Tapsos, perdeu os sentidos devido a um ataque, supostamente epilético, e o desfecho sangrento teria acontecido à sua revelia.

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Catão, o Jovem e Metelo Cipião conseguiram fugir de Tapsos. O primeiro, que não era militar e não participara da batalha, se refugiou em Útica, mas acabou cometendo suicídio ao saber do resultado da luta. Consta que César, ao ser informado da morte de Catão, disse:

“Eu lamento a sua morte, Catão, assim como você teria lamentado se eu tivesse poupado a sua vida”.

Cipião também cometeu suicídio, após ser interceptado pela frota de César, quando tentava chegar com um navio até a Espanha, onde esperavam obter auxílio dos numerosos veteranos de Pompeu que viviam naquela Província.

Vale observar que, especialmente Catão, o Jovem, ao tirar a própria vida, tornou-se um símbolo para os Optimates de uma vida virtuosa e de sacrifício em prol da República. Posteriormente, já durante o Império, o nome dele seria sempre evocado como exemplo pelos senadores insatisfeitos como o Principado e por aqueles que , no futuro, conspirariam contra o despotismo dos imperadores.

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(Busto de bronze de Catão, o Jovem, achado na cidade romana de Volubilis, no Marrocos)

Após essa vitória, César foi nomeado Ditador da República Romana por 10 anos, algo inédito. Ele também foi eleito Cônsul para o ano de 46 A.C. (o que se repetiria nos dois anos seguintes).

O último bastião da resistência dos Optimates era agora a Espanha, onde os filhos de Pompeu, Cneu Pompeu e Sexto  Pompeu, valendo-se do grande número de soldados veteranos do falecido general assentados naquela província, conseguiram reunir um grande exército (incluindo duas legiões que tinham desertado do exército de César). Com isso, eles tomaram toda a Espanha, forçando as legiões leais a César a se refugiarem na cidade de Oculbo. De lá, os sitiados pediram ajuda a César.

César, cuja qualidade mais impressionante como general talvez fosse a velocidade com que conseguia que suas tropas se deslocassem, marchou os 2.400 km que separavam Roma de Oculbo em menos de 1 mês, e, com essa aparição súbita, conseguiu levantar o sítio.

Em 17 de março de 45 A.C, na planície de Munda, após uma feroz batalha que durou 8 horas, o exército de César saiu vencedor. Ele assim definiria a Batalha de Munda, segundo suas próprias palavras:

Inúmeras vezes, eu lutei pela vitória; em Munda, eu lutei pela minha vida !

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Trinta mil soldados inimigos foram mortos na batalha, incluindo o general Labieno. Um dos filhos de Pompeu, Cneu, foi capturado um mês após e morto. Já Sexto, sem exército, somente seria morto por Marco Antônio dez anos mais tarde.

César agora era o senhor absoluto de Roma, para onde voltou para implementar seus projetos de governo, que tinham sido interrompidos pela necessidade de combater os últimos focos de resistência senatorial em Tapsos e Munda.

Inicialmente, derrotados os inimigos, é preciso reconhecer que César, ao contrário de Mário e Sila – que tinham sido os únicos que haviam chegado perto de deter tamanha parcela de poder na República e que se aproveitaram disso para eliminar os desafetos – perdoou seus inimigos e permitiu que eles participassem da administração pública e retornassem ao Senado, sendo os exemplos mais ressonantes, os adversários Cícero, Cássio, Marco e Décimo Bruto.

E o que César tencionava fazer com tanto poder?

César nunca escreveu, ou foi registrado para a posteridade, quais eram os seus planos para a República: se pretendia aboli-la ou meramente reformá-la. Ele também não teve tempo, se é que esse era mesmo o seu propósito, de estabelecer para si uma nova posição como monarca de Roma. Somente podemos inferir, das medidas que tomou após alcançar o poder absoluto, algumas linhas gerais:

Uma diretiva inequívoca de seus planos é dada pelo aumento do número de Senadores e renovação da composição do Senado Romano (que havia sido muito desfalcado pelos anos de guerra civil). César aumentou o número de senadores para 900 e nomeou senadores oriundos de províncias fora da Itália, especialmente gauleses. Esse propósito é corroborado pela permissão de que legionários fossem recrutados nas províncias. De fato, César criou legiões compostas por gauleses, espanhóis e súditos do Oriente. Para isso, a cidadania romana e latina foi concedida amplamente na Sicília, na Gália, na Hispânia e até na Criméia.

Tudo isso constitui um indício de que o plano de César era criar um Império Romano universal e mais inclusivo, e não apenas manter uma dominação de Roma e das cidades italianas sobre colônias ao longo do Mediterrânea, em uma dominação etnicamente latina sobre súditos de outras raças. Nisso, talvez César até evocasse os desígnios de Alexandre, o Grande, um herói por ele admirado desde a juventude,  e cujos atos, inclusive os seus casamentos, manifestavam o propósito do rei macedônio de criar um império mundial que unisse  os gregos e outros povos orientais, como os persas e os hindus.

Podemos cogitar que César não tencionava restaurar a velha ordem republicana. Provavelmente, o Senado não seria mais a instância máxima de poder, funcionando como um conselho consultivo e, em seu governo, não apenas os Optimates, mas também os Populares, não encontrariam lugar, pois, já no início de sua Ditadura, os Concílios da Plebe atuavam apenas para referendar as leis promulgadas pelo Ditador, sem maior debate ou discussão. Nessa linha, César havia abolido os “collegia“, as associações corporativas que participavam politicamente das eleições, e que tinham se transformado em milícias violentas utilizadas para influir nos pleitos.

Vale citar como exemplo o fato de César ter sido o primeiro romano a exercer, concomitantemente, diversas magistraturas republicanas, que podem ter sido formalmente mantidas, mas cuja concentração nas mãos de um único homem era um fato inédito e que constitui mais um indício de que se tratava de uma nova ordem.

Assim, César, além de Ditador pelo longo prazo de dez anos (e em 44 A.C, ele seria nomeado “Ditador Perpétuo“) era, respectivamente: Cônsul e Pontífice Máximo (Chefe da religião) e, além disso, em mais uma inovação, mesmo sem ser Tribuno da Plebe, ele recebia, anualmente, o “Poder Tribunício“, ou seja, detinha todos os poderes inerentes a essa magistratura, inclusive o poder de votar todos os atos administrativos ou legislativos, bem como a “sacrossantidade” daqueles magistrados. Essa fórmula, diga-se de passagem,  seria mantida por Augusto e todos os imperadores que o sucederam. Devemos, contudo, observar que, de certa maneira, a menção expressa ao Poder Tribunício não deixava de ser um reconhecimento de que o Poder emanava do Povo.

O virtual fim da República também foi evidenciado pelas leis que deram a César:

a) o novo cargo de “Prefectus Morum“, encampando as atribuições dos Censores. Com esse poder, César podia nomear ou expulsar do Senado quem ele julgasse que obedecesse, ou não, os costumes morais romanos;

b) o direito de nomear os governadores das províncias para um mandato com prazo fixo, e de recomendar ao povo, para referendo, a metade dos magistrados em Roma;

c) o direito de declarar guerra e de celebrar a paz;

d) o direito de votar em primeiro lugar no Senado (assumindo, na prática, o lugar do “Princeps Senatus“, distinção conferida ao Senador mais antigo ou eminente e que seria a inspiração para Augusto batizar a posição ocupada pelo Imperador, dando o nome pelo qual o novo regime por ele inaugurado seria conhecido: “Principado“);

e) o direito perpétuo de comandar o Exército (“Imperium“, atributo do “Imperator“, ou comandante,  e que, futuramente, também acabaria batizando o governante do novo regime que seria inaugurado por Augusto);

f) o direito de dispor dos fundos públicos; e

g) o direito de promulgar Éditos,  que deveriam ser confirmados sem discussão pelo Senado.

Entretanto, devemos anotar que alguns historiadores não têm certeza de que César pretendesse que as reformas supracitadas fossem permanentes, considerando o fato de que ele, antes de morrer, planejava uma grande campanha militar contra a Pártia. Assim,  talvez essas reformas se destinassem apenas a assegurar a estabilidade do governo, enquanto ele estivesse ausente na planejada guerra.

César também reorganizou a estrutura dos governos municipais das cidades italianas e parece que ele tencionava uniformizar os diferentes sistemas de governo por elas adotados. Considerando que ele fundou diversas cidades, inclusive refundando as destruídas Cartago e Corinto, é possível supor que César compreendia que a força do Estado Romano repousava nas cidades e talvez ele até imaginasse o futuro império como uma confederação de cidades autônomas unidas sobre a autoridade de um governo central. Notavelmente, nas renascidas Cartago e Corinto, César determinou que fossem prestigiadas as populações nativas.

O Ditador César promoveu a reforma de várias leis penais, aumentando a punição para crimes violentos. Ele também instituiu um sistema uniforme de taxas alfandegárias e promulgou uma lei proibindo a exibição de luxo excessivo em público, uma preocupação recorrente dos governos desde quando o enriquecimento da aristocracia romana após as Guerras Púnicas atingiu níveis astronômicos. César também iniciou um vasto programa de obras públicas, visando aproveitar a numerosa mão de obra ociosa do proletariado romano, que aumentou muito após a desmobilização das legiões que se verificou com o fim da Guerra Civil.

O poder absoluto de César e a aura de semi-divindade que ele assumira perante boa parte da opinião pública acarretaram que lhe fossem concedido um sem número de honrarias inauditas, como por exemplo: O 5º mês do calendário romano, “Quintilis“, foi rebatizado de “Julius” (Julho), em sua homenagem. Aliás, a reforma do antiquado e astronomicamente impreciso calendário romano, pelo muito mais acurado “Calendário Juliano“, foi uma das grandes contribuições de César para a Civilização Ocidental. E, pela primeira vez na História de Roma, a efígie de um governante foi cunhada nas moedas, a dele. Finalmente, muitos templos e estátuas foram erguidos em sua homenagem.

Surpreendentemente, César, apesar do pouco tempo decorrido desde a derrota militar da facção aristocrática do Senado, em Munda. mantinha seus exércitos fora da Itália e, na cidade de Roma,  ele era protegido apenas por uma pequena guarda pessoal. E mesmo este destacamento foi afastado pouco antes de março de 44 A.C.

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(Busto de César, retratado em seus últimos anos)

OS IDOS DE MARÇO – O ASSASSINATO DE CÉSAR

Nos meses anteriores ao assassinato de César, as fontes antigas narram um certo descontentamento com o seu comportamento soberbo e arrogante, ao menos por parte da elite governante. Suetônio narra que surgiram rumores acerca de conspirações para derrubá-lo e que tais informações tinham chegado anteriormente aos ouvidos de César, que se limitou apenas a advertir publicamente que ele  tinha ciência das mesmas.

A conspiração que resultou no assassinato de César, como não é de surpreender, em vista de tudo que narramos desde a primeira parte de nosso artigo, nasceu no seio dos remanescentes da facção dos Optimates no Senado Romano. O número de conspiradores, nas fontes antigas, varia entre 60 e 90 senadores. Os líderes da conspiração eram Caio Cássio Longino, Marco Júnio Bruto e Décimo Bruto.

Marco Júnio Bruto era filho do pai do mesmo nome e, supostamente, ele era descendente direto do fundador da República Romana, Lúcio Júnio Bruto, que expulsara o último rei de Roma e se tornaria o 1º Cônsul da República. Bruto era filho de Servília Caepionis, que também era meia-irmã de Caio Cássio Longino e que, desde longa data, era notória amante de ninguém menos do que Júlio César. Alguns suspeitavam até que Bruto pudesse ser filho ilegítimo de César, mas isto é altamente improvável, pois ele tinha apenas 15 anos quando Bruto nasceu. Além disso, Bruto era genro do finado Catão, o Jovem, que se suicidara em Útica após uma vida de lutas contra César. A presença de Bruto entre os líderes da conspiração conferia legitimidade ideológica e histórica ao movimento.

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Bruto sempre foi um integrante da facção dos Optimates no Senado Romano e acompanhou Pompeu na Guerra Civil. Poupado por ordens expressas de César na Batalha de Farsália, Bruto, em seguida, foi admitido no círculo mais íntimo do Ditador e nomeado por ele Governador da Gália, em 46 A.C.

O historiador Nicolau de Damasco, uma das fontes antigas que escreveu em época mais próxima aos Idos de Março de 44 A.C, narra que o círculo de conspiradores foi crescendo, atraindo pessoas que tinham sido prejudicadas pela guerra civil com a perda de seu patrimônio ou de sua posição social, bem como antigos aliados de César que se sentiam preteridos em favor de inimigos perdoados, e, não menos importante, aqueles idealistas que achavam que César estava destruindo a República e, ainda, pessoas incomodadas com a idolatria a César.

Não há dúvida de que a Guerra do 1º Triunvirato havia deixado feridas abertas na aristocracia romana. Temos um exemplo parecido com o que ocorreu após a Guerra Civil Americana (1861-1865). Aliás, o assassino de Abraham Lincoln, o ator John Wilkes Booth, assumidamente reivindicou ter se inspirado em Bruto e, de fato, após atirar em Lincoln, ele repetiu a frase célebre atribuída a Bruto na cena do assassinato de César, em meio às punhaladas:

Sic semper tiranus!” (Sempre assim com os tiranos!).

A aristocracia senatorial romana era um clube fechado de umas centenas de famílias que se consideravam fundadoras da República, as únicas com direito a exercer o governo, em benefício não só da nação, mas também em seu próprio proveito e, não menos importante, julgavam-se merecedoras de especiais deferência e privilégios. Não é a toa que a carreira política do homem de Estado romano era chamada de “Cursus Honorum“…O direito a essas “honras” era inerente ao papel do aristocrata na sociedade romana. Em muitos aspectos, e não apenas o semântico, em Roma, “Respublica“, na prática, assumia um significado mais parecido com “Cosa Nostra“…

Como vimos no início de nosso estudo, essa aristocracia já havia reagido com violência à perspectiva de perda de seus poderes e privilégios,  inclusive assassinando os líderes da facção dos Populares que ameaçaram a sua posição privilegiada, como ocorreu com Tibério e Caio Graco.

Indiscutivelmente, a nomeação de César como Ditador Perpétuo, em 15 de fevereiro de 44 A.C deve ter desencadeado a conspiração para assassinar César.  E, neste mesmo mês, ocorreu o episódio que muitos historiadores consideram que forneceu o pretexto para o assassinato do Ditador – a acusação de que César pretendia ser coroado Rei.

Com efeito, foi na festa religiosa da Lupercalia que Marco Antônio, um dos celebrantes, completamente nu, colocou, por três vezes, um diadema de ouro sobre a cabeça de César, e sendo, por três vezes, repelido pelo Ditador. É bem possível que esse ato de Marco Antônio tenha sido encenado de comum acordo para demonstrar que César não tencionava ser coroado rei. Há quem acredite, por outro lado,  que aquela encenação foi um ardil para sondar o sentimento popular,  um teste para verificar se a massa reprovaria o gesto. O  fato é que alguns na multidão realmente aclamaram César como rei, o que deve ter aterrorizado os Optimates.

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Diante disso, a decisão de executar a conspiração de matar César dependia apenas de se decidir sobre o dia, o local e o modo. Os conspiradores logo concordaram que, considerando que César comparecia ao Senado sem escolta, lá seria o local mais fácil de executar o Ditador, além de  poderem facilmente ocultar os punhais sob suas togas, traje obrigatório para o comparecimento às sessões.

No dia 15 de março de 44 A.C, César acordou e ficou em dúvida se deveria ir ao Senado. Sua esposa Calpúrnia tinha tido um pesadelo em que aparecia uma poça de sangue e implorou para que César ficasse em casa. César. que não era nada supersticioso, decidiu ir. O adivinho Surinna também teria lhe advertido para ter cuidado com os Idos de  Março, mas César fez pouco caso. E, já na rua, em direção ao Senado, ele chegou a receber um rolo de papiro em que alguém delatava a conspiração, porém, guardou o manuscrito sem ler.

A reunião do Senado ocorreria em um recinto existente no Odeon do magnífico teatro construído por Pompeu, chamado de “Cúria de Pompeu”, já que a Cúria tradicional do Senao tinha sido danificada nos tumultos da guerra civil e estava em reparos.

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 (A Cúria de Pompeu, local onde César foi assassinado, seria o edifício em forma de templo no meio do semicírculo do Teatro.Computer generated image of the Theatre of Pompey by the model maker, Lasha Tskhondia – L.VII.C)

No caminho para a Cúria de Pompeu, César estava acompanhado de Marco Antônio, mas os conspiradores, sabendo que ele era um sujeito parrudo e com experiência militar, acharam que ele poderia dificultar o assalto a César, e, assim, conseguiram distraí-lo a pretexto de um assunto e separá-lo do Ditador. César entrou sozinho na Cúria.

Os conspiradores esperaram César se sentar e se aproximaram, fingindo apresentar alguns requerimentos, até que o senador Cimber, em um sinal previamente combinado, arrancou a túnica do pescoço do Ditador, que, chocado, reclamou:

“Por quê? Isto é uma violência!”

Então o Senador Casca desferiu o primeiro golpe, mas, devido ao seu nervosismo, este apenas pegou de raspão no pescoço de César, que se virou e segurou a mão de Casca, dizendo:

Casca, seu vilão, o que estás fazendo?

Aterrorizado, Casca gritou, em grego :

Adelphi, boethei !” (“Irmãos, ajuda!”)

Nesse momento, vários conspiradores atenderam ao apelo de Casca, desferindo sucessivos golpes de adaga em César. Segundo Suetônio, quando César percebeu que Bruto estava entre os que o atacavam, ele falou, em grego:

Kai su, teknon?” (“Tu também, criança?”)

Segundo os relatos, César tentou se evadir dos seus atacantes como um leão ferido, mas, quando percebeu que estava perdendo forças, ele deixou-se cair e apenas cobriu a sua cabeça, tentando morrer com alguma aparência de dignidade (durante toda a sua vida, César sempre fora preocupado com sua imagem).

Bruto, em seguida, tentou fazer a sua proclamação, mas todos os senadores, aterrorizados, fugiram da Cúria.

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Foram contadas 23 feridas de punhaladas em César. De acordo com Suetônio, na opinião de um médico, que, pode-se dizer, autopsiou César, apenas uma delas, no peito, tinha sido fatal.

O corpo de César, ironicamente, ficou caído aos pés da estátua de seu maior rival, Pompeu, e jazeu ensanguentado por três horas no chão frio da Cúria, até ser recolhido por seus escravos.

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Bruto e os demais conspiradores se auto-intitulariam “Os Libertadores“. Eles tentaram imediatamente alguma conciliação com os Populares, oferecendo a preservação de todos os atos de César como Ditador e o direito a um funeral público.

Porém, na cerimônia pública de cremação, no Fórum Romano, um discurso de Antônio inflamou a massa e uma turba saiu à caça de qualquer um que fosse suspeito de participação na conspiração contra César.

Os “Libertadores” tencionavam restaurar a República, mas em três anos, todos eles seriam mortos, e o resultado da ação deles foi apenas causar outra Guerra Civil, primeiro para vingar César e depois para decidir quem seria o seu sucessor. É mais ou menos como se alguém tivesse tentado fazer recuar os ponteiros do relógio da História, mas apenas conseguisse segurá-los por 14 anos (até a vitória de Otaviano, o futuro Augusto, em Actium, em 31 A.C.)

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(Denário cunhado pelos “Libertadores” ostentando os punhais usados para assassinar César, o tradicional capacete associado no Mundo Antigo aos que lutam pela Liberdade e a inscrição abreviada “Idos de Março)

A República já havia morrido antes de César lutar e vencer a Guerra Civil e obter o poder supremo, porém seu sucessor Augusto, seria mais astuto em preservar algumas aparências republicanas e conceder algumas deferências à classe senatorial.

(Templo do Divino Júlio, construído no exato local onde o corpo de César foi cremado, no Fórum Romano. A 2ª foto mostra o estado atual da ruína, com os restos do altar. Normalmente, mesmo nos dias atuais,  sempre há flores colocadas  nas ruínas do altar).

Como brilhantemente constatou Cícero, nos meses que se seguiram ao assassinato:

Matamos o Rei, mas o Reino continua entre nós“.

FIM

CÉSAR – O HOMEM

CÉSAR – O HOMEM

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(Humanização do busto de Tusculum, considerado o único existente que foi feito durante a vida de César, quando ele devia ter cerca de 50 anos de idade. Para mim, o artista conseguiu reproduzir uma expressão carismática e um olhar que eu julgo que pode ser bem fiel ao do estadista)

O nosso propósito neste texto foi discorrer sobre a vida pessoal de César, com base nas fontes históricas e achados arqueológicos que chegaram até nós, porém deixando um pouco de lado os acontecimentos políticos e militares, a não ser quando eles revelem algo sobre o homem Caio Júlio César, tais como: os seus atributos físicos, a sua saúde, a sua personalidade, a sua família, seus gostos, enfim, tudo o que, hoje, como sempre, faz alguém conhecer melhor uma PESSOA. Não se trata, portanto, de um texto sobre a trajetória política dele, embora esta, obviamente, seja diretamente uma consequência de tudo isso.

1- Antecedentes familiares

Consta, para a maior parte dos historiadores, que Caio Júlio César nasceu em 13 de julho do ano 100 A.C., em Roma ( embora haja alguma discordância quanto ao ano e o dia – alguns sustentam que ele pode ter nascido no dia 12 e propõem anos alternativos: 102 ou 103 A.C).

A família de César era uma das que faziam parte da “GensJúlia (“Gens”, ou “gente”, é um termo aproximado a “clã”, devendo ser entendido como um grupo de famílias romanas que era ou se julgava descendente de um ancestral ilustre em comum).

Os Júlios reivindicavam ser descendentes de “Iulus” (também chamado de Ascâneo), filho de Enéias, herói troiano da Guerra de Tróia, e Creusa, filha do rei de Tróia, Príamo.

Segundo a mitologia, Enéias, por sua vez, seria filho de Anquises e da própria deusa Vênus, com quem Anquises teve um caso amoroso.

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(Estátua romana da deusa Vênus)

Conta a lenda que, após a queda de Tróia, Enéas, carregando seu seu pai Anquises, veio para a Itália, sendo os doisrecebidos por Latinus, rei dos primeiros Latinos. Já na Península, Enéas casou-se com Lavínia, filha de Latinus, fundando a cidade de Lavinium, em honra dela, que deu à luz a Ascâneo.

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(Enéas carregando Anquises, estátua romana)

Posteriormente, Ascâneo/Iulus fundou a cidade de Alba Longa, da qual ele foi o primeiro rei, um povoado considerado como sendo o berço ancestral da Gens Júlia. No século VII A.C., o rei de Roma, Tullus Hostilius, destruiu Alba Longa, porém removendo a sua população para a própria Roma, dobrando o número de habitantes e arrolando, entre os patrícios romanos, as principais famílias albanas, entre as quais a dos Júlios.

Os Júlios foram muito importantes no início da República Romana (que se inicia em 509 A.C.), tendo obtido seis consulados entre 489 e 379 A.C.. Em 352 A.C., Gaius Julius Iulus foi nomeado Ditador,  que era um cargo temporário somente concedido por motivos emergenciais.

A gens Júlia, como acontecia com as demais, multiplicou-se em várias famílias que foram adquirindo a sua identidade, marcada por um cognomen. Em algum momento, uma dessas famílias integrantes da gens Júlia recebeu o cognome de “Caesar” (pronuncia-se, “ káisar ”, em latim – ou “César ”, em português.

Segundo Plínio, o Velho, o nome Caesar deriva da palavra latina “caedere”, que significa “cortar“, indicando o procedimento cirúrgico de cortar o ventre da mulher grávida para se dar luz a uma criança,  o qual chegou até nós com o nome de “cesariana”. Assim, o primeiro “César”, séculos antes de seu descendente mais famoso, teria nascido de uma cesariana.

Porém, a “História Augusta” aponta outras três teorias para o nome César: (a) o originador do nome da família seria cabeludo (“caesaris”); (b) ou ele teria “olhos cinzentos” (“oculis caesiis”); ou, então, (c) o nome derivaria da palavra de suposta origem berbere “caesai”, que significa “elefante“, devido ao fato de um integrante da família ter matado um elefante em batalha. Pode ser que esta última seja a explicação mais acertada, pois o primeiro ancestral conhecido da família foi Sextus Julius Caesar (I), que lutou durante a Segunda Guerra Púnica contra Aníbal (que invadira a Itália levando elefantes) e foi eleito Pretor em 208 A.C.. Além disso, seu descendente, Caio Júlio César cunhou vários denários de prata com a imagem de um elefante, talvez evocando a história familiar que ele próprio ouvira sobre a origem do seu nome.

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No período que antecedeu as Guerras Púnicas, os Júlios tinham perdido um pouco da importância, pois, desde a mencionada Ditadura de Gaius Julius Iulus, em 352 A.C., não ocupavam nenhuma magistratura importante, até que Lucius Julius Libo ocupou o consulado, em 267 A.C. obtendo um triunfo contra o povo italiota meridional dos Salentinos.

Provavelmente ajudados pelo prestígio pessoal que Sextus Julius Caesar (I) obteve na guerra contra Cartago (2ª Guerra Púnica), seu filho, Lucius Julius Caesar, obteve o cargo de Pretor, em 183 A.C., e seu outro filho, Sextus Julius Caesar (II), foi eleito Cônsul para o ano de 157 A.C., o posto mais importante até então ocupado pela família dos “Júlios Césares”. Acredita-se, ainda, que houve um terceiro irmão, que além de também senador, era historiador, chamado Gaius Julius Caesar (I) e que seria o bisavô do nosso Caio Júlio César.

O período que sucede esse consulado de Sextus Julius Caesar (II) assiste Roma dominar a Grécia e derrotar definitivamente Cartago. O afluxo de riquezas acelerou as contradições do sistema político romano e a desigualdade entre patrícios e plebeus. A tentativa de reforma empreendida pelos Tribunos da Plebe, Tibério e Caio Graco, foi combatida através da violência pelos nobres, que se aglutinam na facção dos Optimates, os quais, assassinando os dois irmãos, entre 132 e 121 A.C., conseguiram, momentaneamente, obstaculizar os partidários da primazia política pelos Comícios da Plebe, que se reuniram no Senado na facção dos Populares.

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Nesse quadro, que dura uns 50 anos, os “Júlios Césares” novamente perderam posição política, exceto pelo exercício de um cargo de pretor urbano por Sextus Julius Caesar (III), filho do Sextus acima citado, em 123 A.C..

Foi uma época em que a massa de proletários expulsos de suas terras aumentava em decorrência dos latifúndios que utilizavam a mão de obra escrava, acompanhada pelo cada vez maior número de cidades e territórios controlados pela República Romana, sem que, contudo, os aliados italianos, que forneciam uma boa parte do contingente militar, tivessem qualquer participação política, além dos mesmos não poderem gozar de inúmeros direitos conferidos aos cidadãos romanos.

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Esse período é marcado pela ascensão de Caio Mário, um brilhante general, que, sem pertencer a nenhuma família nobre, devido aos seus feitos militares conseguiu ser eleito Cônsul pela primeira vez, em 107 A.C., tornando-se, assim, um “homem novo ” (novus homo). Mário era hostil ao Senado e é considerado um integrante da facção dos Populares.

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A principal reforma de Mário, fundamental na História de Roma, foi a reorganização do Exército Romano. Até então, somente cidadãos livres proprietários de terras podiam ser recrutados como soldados, porém, Mário instituiu que o Estado deveria pagar um salário e fornecer armas e vestuário para os soldados, criando um exército permanente que recrutaria, basicamente, os proletários urbanos de Roma e das cidades italianas.

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Em 113 A.C., quando Mário era Pretor, e após ter exercido o cargo de governador na província da Hispânia, ele se casou com Júlia, que era filha de Gaius Julius Caesar (II), que havia ocupado um cargo de Pretor, e de Márcia, filha do Pretor Quintus Marcius Rex, que, em 144 A.C., havia sido encarregado da obra do aqueduto que posteriormente levou o seu nome, a Acqua Marcia.

Júlia, a esposa de Mário, tinha como irmãos, Gaius Julius Caesar (III) e Sextus Julius Caesar (IV). Provavelmente, o casamento de Mário com uma integrante de uma das famílias mais ilustres da nobreza, ainda que, naquele momento, pouco poderosa, deve ter facilitado a sua ascensão política.

2- Nasce Caio Júlio César

Em 100 A.C., Mário foi eleito para o seu sexto consulado, o quinto seguido, um fato sem precedentes na História de Roma. Naquele mesmo ano de 100 A.C., no dia 13 de julho, nascia, em uma casa (domus), no bairro popular da Suburra (Subura), em Roma, o primeiro filho homem de seu cunhado Gaius Julius Caesar (III), o irmão mais velho de sua esposa Júlia.

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O recém-nascido era filho de Gaius Julius Caesar (III) com Aurelia Cotta, filha de Lucius Aurelius Cotta, Cônsul no ano de 119 A.C., e cujo avô paterno também havia sido Cônsul, em 144 A.C. Eles deram ao menino o mesmo nome do pai, Gaius Julius Caesar (IV), o nosso Caio Júlio César, que foi o terceiro filho do casal, que já tinha então duas filhas, ambas chamadas Julia, que, para distinguir uma da outra, eram chamadas de Julia Major e Julia Minor.

Nos primeiros anos da infância de Júlio César, o Senado Romano havia conseguido confrontar um pouco o poder de Mário, mas a eclosão da chamada “Guerra Social”, uma revolta dos aliados italianos de Roma (socii) contra as leis que lhes impediam de ter cidadania romana plena, obrigou os senadores a recorrerem novamente a Mário, dando-lhe o comando da campanha contra os rebeldes, sendo que esta guerra durou de 91 a 88 A.C.

Assim, não surpreende que os “Júlios Césares”, que agora eram parentes do homem mais poderoso da República, prosperassem no período que vai de 103 A.C. a 90 A.C. Sextus Julius Caesar (III), tio do menino César e cunhado de Mário, foi Pretor, em 94 A.C., e Cônsul no ano seguinte. Depois disso, exerceu, ainda o cargo de Procônsul. Gaius Julius Caesar (III), pai de César e cunhado de Mário, foi também Questor, Pretor em 92 A.C. e Procônsul da Ásia.

A facção dos Optimates encontrou o seu campeão na figura de Lucius Cornelius Sulla (Lúcio Cornélio Sila), um general ultraconservador e tradicionalista general que também havia se destacado na Guerra Social. Os Optimates conseguiram eleger Sila Cônsul, no ano de 88 A.C.

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O conflito entre Mário e Sila espelhava a disputa entre os Populares e os Optimates. E, quando ambos disputaram o importante comando da Campanha contra Mitridates, Rei do Ponto, na atual Turquia, Mário, ilegalmente, ignorou a designação de Sila pelo Senado, levando o rival a se insurgir, e logo as forças militares de ambos entraram em conflito.

Após derrotar as forças de Mário em combate, Sila marchou contra a própria Roma e entrou, à testa de suas forças, no “pomerium” (fronteiras sagradas da cidade), conduta que era expressamente proibida pela lei romana. Em seguida, Sila perseguiu os partidários de Mário e revogou a maior parte dos seus atos. Mário conseguiu escapar e se exilou na África.

Porém, Sila foi obrigado a deixar Roma e ir combater a Mitridates que havia massacrado milhares de civis romanos no Ponto.

Aproveitando a situação, Mário voltou da África e, apoiado por seus veteranos, conseguiu assumir de novo o governo, sendo eleito para o seu sétimo consulado. Mas, já velho e doente, ele morreu no meio do 1º mês de seu mandato, em 86 A.C., deixando no poder seu colega de consulado, Cina, um correligionário que apoiava a facção dos Populares. A última volta ao poder de Mário foi marcada pela perseguição sangrenta aos seus inimigos políticos.

Com a morte de Mário, Cina ficou no poder, ocupando sucessivos consulados, até 84 A.C.. Neste período, ele adotou medidas que faziam parte do ideário dos Populares, como a concessão de cidadania aos italianos, até ser morto pelas suas próprias tropa, quando eles se preparavam para ir lutar contra Sila.

Curiosamente, a divisão política do Senado Romano em duas facções não poupou sequer a família dos Júlios Césares, pois sabemos que Lucius Julius Caesar e seu irmão, Gaius Julius Caesar Strabo Vopiscus, apoiaram Sila (Sulla), motivo pelo qual eles seriam mortos pelos partidários de Mário, em 87 A.C. Sabemos que a irmã dos dois, também chamada Júlia, foi a primeira esposa de Sila, de cerca de 110 A.C. até a morte dela, em 104 A.C., o que provavelmente explica a divisão no meio da família

3- Infância/Educação do jovem César

Essa era a posição social e política de sua família quando Caio Júlio César nasceu, no dia 12 ou 13 de julho do ano 100 A.C., na casa de seu pai, no bairro romano da Suburra, em um imóvel que, segundo observou Suetônio, era modesto.

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(A casa dos pais de César na Suburra era modesta, segundo Suetônio. Talvez fosse um antigo exemplo de  primitiva domus itálica, imagem por Tobias Langhammer )

A Suburra era um bairro habitado por pessoas de baixa classe social, que viviam em ínsulas ( Insulae – prédios multi-familiares de cômodos alugados), algumas das quais talvez pertencessem à própria família de César. A região era também conhecida em Roma como zona de prostituição, onde se instalaram vários lupanares, ou bordéis, muitos, quem sabe, talvez também explorados, direta ou indiretamente, pelos próprios “Júlios Césares”, já que as escavações em Pompéia mostram que muitas domus aristocráticas tinham lojas (tabernae) voltadas para a rua, as quais eram alugadas para a exploração de vários negócios, incluindo, comprovadamente, casas de prostituição.

Certamente, em sua modesta casa na Suburra, o pai de César deveria, frequentemente pela manhã, receber dezenas de clientes, cidadãos pobres que viam lhe pedir favores e prestar reverência. Assim, desde o início, o menino César deve ter tido contato com humildes plebeus que constituíam o eleitorado da facção popular, à qual, a partir da união familiar com Mário, o seu clã estava intimamente ligado.

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Quando César nasceu, seu pai, Gaius Julius Caesar (III), e sua mãe, Aurélia Cotta já eram pais, como já dito, de duas meninas, ambas chamadas de Júlia, sendo a mais velha, apelidada de Major (“A Maior” ou “A Velha”), para diferenciá-la da mais nova, apelidada de Minor (“A Menor” ou “A Jovem”), que nasceu um ano antes de César, em 101 A.C.

Júlia, a Jovem casou-se, por volta de 86 A.C, com Marcus Attius Balbus, primo de Cneu Pompeu, então um jovem partidário de Sila. Júlia teve com Attius Balbus três filhas, sendo que a segunda, Attia Balba Secunda, em 63 A.C deu à luz a Gaius Otavius, fruto de seu casamento com o Questor do mesmo nome. Assim, Gaius Otavius, filho de Attia, era sobrinho-neto de Júlio César, o qual, décadas mais tarde, em seu testamento, adotaria o rapaz e o nomearia herdeiro, ocasião em que este passaria a se chamar Caio Júlio César Otaviano, e, mais tarde, receberia o título de Augusto, o primeiro imperador romano.

Segundo sabemos, e nos confirma Tácito, era costume das famílias romanas deixar os cuidados com a criança e a educação infantil dos filhos a cargo da mãe e o grande historiador cita, como um dos melhores exemplos dos benefícios dessa prática, a criação de César por Aurélia. Ainda segundo Tácito (que nesta passagem pretende criticar as famílias da sua época, o final do século I D.C, quando os filhos da nobreza eram desde o nascimento cuidados somente por escravas e tutores), César, como os demais “filhos-família” de seu tempo, estudava em casa, supervisionado e dirigido pela mãe, que determinava não apenas os estudos e ocupações da criança, mas também suas brincadeiras e jogos, O normal é que esse papel preponderante da mãe durasse até os oito anos de vida, quando a tarefa passava para o pai.

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É bem possível que Aurélia tenha cuidado quase que sozinha da educação do filho, pois os relatos apontam que o pai de César deve ter ficado fora por um tempo considerável, principalmente após ele ter sido nomeado Procônsul na Ásia.

Assim, provavelmente foi Aurélia que contratou o grande gramático e professor de retórica, Marcus Antonius Gnipho (Gnifo) para ser tutor do menino César. Gnifo era um gaulês que foi abandonado pelos pais no nascimento e, depois de ganhar a liberdade, estudou em Alexandria, tendo grande conhecimento de latim e grego. Após trabalhar na casa de César, Gnifo fundou uma famosa escola que, posteriormente, como prova da excelência do tutor, chegou a ser frequentada pelo maior orador romano, Cícero, quando este foi Pretor, em 66 A.C. (época em que César então já tinha mais de 30 anos).

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Sabemos, devido a Suetônio, que o ensino esmerado que César recebeu de Gnifo fez nascer no primeiro, já na adolescência, o amor pelas letras. César teria, ainda menino, composto um texto chamado de “Louvores a Hércules”, uma tragédia com o título de “Édipo” e uma “Coleção de Apotegmas” (Aforismos).

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César também escreveu alguns poemas, mas, de acordo com a observação sarcástica de Tácito, felizmente eles não chegaram a ser lidos por muitos.

Não descurando do famoso ditado romano, “mens sana in corpore sano”, César também se empenhava nas atividades físicas. Ele aprendeu a montar e se tornou, desde menino, um grande cavaleiro. Tudo indica que, de fato, ele provavelmente deve ter sido muito incentivado a se exercitar. Com efeito, sabemos que César, mesmo em sua maturidade, era um grande nadador, capaz de verdadeiras proezas, como, por exemplo, constatamos que ocorreu ao ser cercado pelo exército egípcio em Alexandria, ocasião em que ele pulou na água e nadou com apenas uma das mãos, segurando na outra papiros valiosos, para que não se molhassem. Portanto, essa prática deve ter começado já em sua infância ou adolescência, quando César também começou a aprender a manejar as armas romanas mais usadas, nas quais ele também era muito hábil, segundo Suetônio e Plutarco.

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4- Adolescência e juventude/Aparência, saúde e costumes de César

Quando Mário voltou para o seu último consulado, seu sobrinho César tinha entre 14 e 15 anos de idade e estava entrando na idade de abandonar a sua “toga praetexta” para vestir a “toga virilis”, cerimônia que marcava para os meninos romanos o fim da infância e o início da idade adulta (não existia, por assim dizer, adolescência na antiguidade; isso, aliás é uma criação contemporânea, a partir do segundo quarto do século XX). Quem decidia tal momento era o pai da criança (pater familiae), que, segundo o costume, podia retardar a referida cerimônia até os 16 anos.

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Não sabemos a data exata em que César vestiu a “toga virilis” e virou adulto, e nem sequer sabemos se isto foi por vontade do seu pai, uma vez que, em 85 A.C., Gaius Julius Caesar (III) morreu subitamente, em Roma, quando se abaixava para calçar suas sandálias.

Curiosamente, Plínio, o Velho, que é quem nos conta como o pai de César morreu, escreveu também que um outro “César”, ex-pretor (muito provavelmente o avô de Júlio César), morreu exatamente da mesma forma, em Pisa.

Como depois veremos, é muito provável que ambos sofressem de uma doença hereditária, talvez um aneurisma ou tumor cerebral, o que explicaria os vários episódios de ataques e desmaios de César que foram considerados, pelos autores antigos, como uma manifestação de epilepsia.

Aos 16 anos, já adulto e órfão de pai, César tornou-se, assim, formalmente, não apenas o chefe da sua família nuclear, constituída dele, da mãe Aurélia e das irmãs, e de todo o patrimônio herdado do pai como primogênito, mas também de toda a família dos “Júlio Césares”, já que seu tio, Sextus Julius Caesar (III) também já havia anteriormente morrido de doença, quando comandava o cerco à cidade de Asculum, em 89 A.C.

No ano seguinte, 84 A.C., sendo Lúcio Cornélio Cina ainda Cônsul, e, portanto, estando os integrantes da facção dos Populares no poder, César foi nomeado “flamen dialis”, ou seja, um dos quinze sacerdotes de Júpiter, que era uma posição de muito prestígio para os jovens.

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(Relevo romano mostrando uma procissão dos flamen dialis, com o seu característico chapéu, chamado apex)

Naquele mesmo ano, conta Suetônio, César rompeu seu compromisso com Cossutia, uma jovem da classe equestre que lhe tinha sido arranjada por seu pai ainda na infância e que era de família muito rica. Não se tem certeza se o casamento de César com Cossutia chegou realmente a se consumar, ou se apenas houve o rompimento de uma promessa de casamento celebrada por seu pai.

Não obstante, essa menção de Suetônio à união ou compromisso de César com Cossutia é muito relevante para confirmar um fato: Quando César nasceu, e durante a sua infância, a situação financeira do seu pai devia ser mesmo muito ruim, pois sendo César neto e bisneto de Cônsules e pertencendo a uma das famílias mais tradicionais da nobreza romana, o casamento dele com uma integrante da classe equestre representava uma diminuição do prestígio de seu pai, o que somente pode ser explicado pela necessidade do dinheiro que adviria do dote da rica Cossutia

De qualquer forma, todavia, não temos dúvidas sobre o motivo do fim da ligação de César com Cossutia: pouco tempo depois ele próprio decidiu se casar com Cornélia, filha do Cônsul de Roma, Lúcio Cornélio Cina, o chefe da facção dos Populares, da qual os “Júlio Césares” eram integrantes. Assim, claramente, César demonstrava ter ambições muito maiores do que as preocupações financeiras do seu pai…

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Mas o futuro do jovem César, que parecia radiante e promissor, ficou completamente nublado quando, como já vimos, o Cônsul Cina, seu sogro, mais ou menos na mesma época de seu casamento com Cornélia, em 84 A.C., foi morto em um motim do exército que ele reuniu para ir para a Ilíria para interceptar Sila, que havia obtido uma trégua com Mitridates.

Quando soube da morte de Cina, após estabilizar a situação no Oriente, Sila partiu para a Itália, conseguindo derrotar o exército dos partidários de Cina e dos Populares na Batalha de Porta Collina, em novembro de 82 A.C. Sila, imediatamente, assumiu o governo, sendo nomeado Ditador, e desencadeou uma grande perseguição aos simpatizantes de Mário e aos Populares, chegando a executar 1.500 nobres e 9 mil pessoas no total, além de exilar outros tantos.

Um dos que tiveram que fugir para preservar a vida, apesar de ser apenas um rapaz de 17 anos, foi o próprio Júlio César. Neste momento, Aurélia, a mãe de César, cuja família era ligada às Virgens Vestais, sacerdotisas da deusa Vesta, conseguiu que elas, em caravana, a acompanhassem para apelar a Sila que poupasse a vida do filho. Sila, enfim, cansado de ouvir as súplicas de tantas mulheres ilustres, desistiu de mandar matar o jovem. Porém, tendo em vista que César era casado com a filha de seu grande inimigo Cina, o implacável Ditador exigiu que César se divorciasse de Cornélia.

Para a surpresa geral, inclusive dos autores antigos, César recusou a exigência de Sila e decidiu continuar casado com Cornélia. Furioso, Sila demitiu César do posto de sacerdote de Júpiter (flamen dialis), decretou a perda da herança paterna de César e a perda do dote de Cornélia. Consta que, dessa vez a muito custo, Sila foi novamente demovido da idéia de executar César, sem deixar, entretanto, de fazer a famosa advertência aos que advogavam pela vida do rapaz:

há vários Mários em César “…

Em outra alusão à César, consta que Sila costuma também advertir os senadores para que eles “desconfiassem do rapaz mal cingido”, devido ao gosto que César de usar um cinto frouxo na cintura.

Esse episódio evidencia uma das facetas da personalidade de César: a sua extrema preocupação com a sua aparência,  ainda desde bem jovem, o que mostrava ser ele muito vaidoso.

Com efeito, César, em seu tempo, pode ser comparado ao que, no século XIX, chamava-se de “dândi”: um jovem aristocrata ou burguês sofisticado, que gostava de se vestir com roupas caras, perfumar-se e enfeitar-se com penteados, tudo de forma um tanto extravagante, um rapaz que hoje também poderia ser classificado como um “It boy”.

Suetônio nos transmitiu a seguinte descrição de César:

Afirma-se que César era alto, de pele clara, com membros bem proporcionados, rosto algo redondo, olhos negros de olhar penetrante, e tinha boa resistência física, ainda que, no final de sua vida, ele tenha sido acometido por desmaios repentinos e pesadelos noturnos que lhe perturbavam o sono. Experimentou também duas vezes ataques de epilepsia, enquanto desempenhava suas funções públicas. Dava muita importância ao cuidado do seu corpo e não satisfeito em ter o cabelo cortado e ser barbeado com frequência, ainda se fazia depilar, mesmo sendo criticado, e não suportava pacientemente a calvície, que, mais de uma vez, o deixou exposto a gozações de seus inimigos. Por este motivo, ele penteava para frente o cabelo ralo da parte posterior; e por isso, de tantas honrarias que lhe foram concedidas pelo Senado, nenhuma lhe agradou mais do que a de usar constantemente uma coroa de louros. Preocupava-se também com a sua roupa; ele usava uma túnica laticlava guarnecida de mangas, que lhe chegavam até as mãos, e colocava sempre sobre esse traje um cinto bem frouxo. Sobre esse costume, Sila costumava dizer, dirigindo-se aos nobres: “Desconfiem desse rapaz tão mal cingido.”

Cícero, mais tarde, também, implicaria com a vaidade de César, como se viu em um discurso no Senado, que assim foi preservado:

Quando eu considero essa cabeleira tão bem penteada e tão esquisitamente cheia de adereços, e o vejo coçar a cabeça, apenas com a ponta de um dedo, eu imagino o contrário, que tal homem jamais poderia ter imaginado um infeliz empreendimento como o de querer destruir toda a República Romana”.

A descrição que Plutarco faz de César prende-se mais à descrição de algumas características físicas, saúde, dieta e preocupação com a forma física:

“Ele era magro, de pele macia e clara; era sujeito a dores de cabeça e, às vezes, era atacado de epilepsia, que contraíra, pela primeira vez, conta-se, em Córdoba, cidade da Espanha; mas ele não usou a sua saúde frágil como desculpa para uma vida preguiçosa, mas, ao contrário, usou o serviço militar como um remédio para ela, uma vez que, mediante longas caminhadas, dieta sóbria, frequente sono ao relento e aguentando o cansaço, ele lutou contra a sua enfermidade e tornou o seu corpo resistente aos ataques dela”.

Não existem imagens sobreviventes de César na infância ou juventude. Dos bustos que restaram, quase todos foram produzidos após a sua morte, quando ele já tinha mais de 50 anos.

Os especialistas de fato acham que o único retrato produzido em vida foi o chamado Retrato de Túsculo, um busto de mármore, que seria cópia de um original em bronze, achado nesta cidade italiana e que se acredita ter sido produzido por volta de 45 A.C. ( E, possivelmente, uma cabeça de estátua encontrada em 2007, no Rio Ródano, na França).

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( O Retrato de Túsculo, considerado o único busto existente de César feito em vida)

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(Os especialistas concordam que as efígies de César nas moedas cunhadas durante o seu governo devem ser as imagens mais fiéis à sua verdadeira aparência)
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(Esta cabeça foi descoberta no fundo do Rio Ródano, em 2007, e, segundo uma tese, é um retrato de César, feito ainda durante a vida do Ditador)

Com relação à saúde de César, tanto Suetônio quanto Plutarco afirmam que os ataques de desmaios dos quais ele sofria, tradicionalmente descritos como epiléticos, apareceram na idade madura, provavelmente a partir dos 50 anos de idade, ou seja, nos últimos anos da vida de César, como diz Suetônio. Segundo Plutarco, os primeiros desmaios teriam aparecido durante o cerco à Córdoba. Esta cidade, quando mencionada na vida de César, aparece relacionada à Batalha de Munda, em 45 A.C., na guerra civil contra os partidários de Pompeu e do Senado (época em que César tinha cerca de 55 anos de idade), muito embora o próprio Plutarco relate um episódio ocorrido na Batalha de Thapsus, um ano antes.

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De qualquer modo, esses relatos parecem afastar que a causa seja uma epilepsia congênita ou adquirida na juventude, ou, ainda, alguma doença infecciosa. Caso se tratassem mesmo de ataques epiléticos, então eles possivelmente teriam sido causados por traumas, tumores ou condições extremas enfrentadas durante a idade madura de César.

Não devemos ignorar que o pai e o avô de César faleceram subitamente na idade madura exatamente em circunstâncias idênticas: enquanto calçavam suas sandálias, algo que requer um certo esforço e posição que, sem dúvida, podem contribuir para um derrame ou AVC, decorrentes de uma predisposição hereditária a ter aneurismas cerebrais, que pode muito bem ter sido transmitida a César.

Seja como for, vários autores antigos comentam que César tinha um intelecto privilegiado, valendo citar as menções feitas por Cícero, em sua oração Filípicas, contra Marco Antônio, e, especialmente, a afirmação de Plínio, o Velho, que, ao tratar da memória do ser humano, em seu tratado “História Natural”, citou César como exemplo extraordinário de capacidade da mente:

O exemplo mais impressionante de vigor mental inato eu considero ser do Ditador César; e eu não estou cogitando de valor ou resolução, mas de vigor nativo e rapidez alada como se estivesse propelida pelo fogo. Conta-se que ele costumava escrever ou ler, ditar ou ouvir simultaneamente, e ditar de uma vez, quatro cartas para os seus secretários acerca de assuntos importantes – ou, se não estivesse ocupado com outras coisas, sete cartas de uma vez”.

De fato, a memória excepcional de César lhe seria muito útil na sua carreira política e militar. Por exemplo, ele, em várias ocasiões, costumava se lembrar imediatamente do nome dos eleitores mais humildes e de simples soldados que havia brevemente conhecido décadas antes, e estes, obviamente, ficavam lisonjeados com o fato.

Sobretudo, o seu raciocínio rápido fazia com que César não vacilasse em decidir e executar imediatamente um plano para qualquer circunstância espinhosa que se apresentasse, como ocorreu centenas de vezes durante a sua carreira, notadamente na Guerra das Gálias e na Guerra Civil, antecipando-se sempre a seus inimigos, que, quase sempre, eram pegos de surpresa pelas suas ações.

A frugalidade da dieta de César também chamou a atenção de vários historiadores antigos, como é o caso de Veleio Patérculo, que narrou que:

César comia muito pouco e sempre comidas triviais. Gostava de pão recheado, de pescados pequenos, queijos feitos à mão e de figos frescos, da espécie que dá frutos duas vezes por ano; que ele beliscava antes da hora tradicional das refeições, em qualquer hora e lugar, segundo as necessidades do seu estômago”.

Veleio Patérculo narra, ainda, que César uma vez escreveu: Comi na carruagem pão e passas” e, em outra carta: “Ao voltar do palácio de Numa para minha casa, comi em uma liteira uma onça de pão (cerca de 30 g) e algumas passas.

Em outra carta, dirigida a um certo Tibério, César escreveu:

Não existe judeu que respeite com maior rigor o jejum do que eu observei hoje: até a primeira hora da noite não comi senão duas porções no banho, antes que me perfumassem”.

Patérculo conta, ainda, que César somente comia de acordo com o seu apetite: às vezes jantando sozinho, antes ou depois de seus convidados, permanecendo durante os banquetes sem provar nada.

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Quanto à bebida, César também era moderado. De fato, sobre isso, Suetônio escreveu:

“Que ele bebia pouquíssimo vinho, nem mesmo os seus inimigos contestam: Há o dito de Marco Catão de queCésar foi o único homem que tentou derrubar a República enquanto estava sóbrio”.

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Após a retaliação de Sila, as fontes narram que César achou mais prudente fugir de Roma, valendo-se de um disfarce, e tendo que subornar o líder dos soldados de Sila, chamado Cornélio, pela quantia considerável de 2 talentos, não precisando se eram de ouro ou prata. Nesta fuga, Suetônio conta que César chegou a ser acometido de uma “febre quartã”, termo que na antiguidade se referia a uma febre que durava quatro dias. Provavelmente, isso foi apenas um resfriado ou virose, facilitados pelo estado de stress e pelo cansaço decorrente de uma súbita viagem desconfortável (há, contudo, quem defenda que essa febre era efeito de malária e que essa doença mais tarde explicaria os ataques, supostamente epiléticos, de César).

Plutarco narra que após fugir de Roma, César ficou escondido no antigo território dos Sabinos, não muito longe de Roma.

5- Auto-exílio e início da carreira militar

César, então achou mais prudente afastar-se para valer de Roma e procurar alguma colocação nas colônias, já que, ao menos formalmente, ele havia sido perdoado por Sila das Proscrições de 82 A.C. Talvez, na minha opinião, o suborno de 2 talentos,  anteriormente referido como tendo sido feito por César ao líder dos soldados de Sila, Cornélio, para permitir que ele fugisse de Roma, refira-se, na verdade, ao valor pago por César para não ser incluído na lista dos proscritos, já que sabemos que a execução das Proscrições de 82 A.C. ficou a cargo do liberto de Sila, Lucius Cornelius Chrisogonus…(Nota: um talento de ouro equivale a cerca de 70 libras de ouro, e hoje isso valeria mais de 1 milhão de dólares; já um talento de prata valeria hoje cerca de 22 mil dólares – assim, dois talentos de ouro, ou mesmo, de prata, parece ser uma soma muito grande para  subornar um simples líder de um bando de soldados para ele fazer vista grossa para um fugitivo, porém, não para se obter um favor legal do braço direito de um Ditador…)

Isso explicaria como foi possível que César, pouco depois de sua saída de Roma, conseguisse se alistar nas tropas sob o comando do Pró-Pretor romano para a Província da Ásia, Marcus Minucius Thermus, que, logicamente, não se arriscaria a alistar um fugitivo desafeto de Sila

Servindo sob o comando de Thermus, César se destacou no cerco à cidade grega de Mitilene, que havia se rebelado contra Roma. Nesse cerco, ocorrido em 81 A.C., César, que então tinha, apenas, entre 18 e 19 anos de idade, destacou-se nas operações de assalto às muralhas da cidade sitiada, quando chegou a salvar a vida de um colega, razão pela qual ele foi condecorado com a prestigiosa “Coroa Cívica”, honraria concedida àqueles que salvassem a vida de um cidadão romano em batalha.

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Logo depois, no ano seguinte, Thermus encarregou o seu jovem comandado, César, de ser o emissário que levaria ao rei aliado Nicomedes IV, da Bitínia, um pedido para que este monarca contribuísse com navios e recursos para a Guerra Contra os Piratas que infestavam a região.

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O rei Nicomedes tinha sido obrigado a se asilar em Roma, em 88 A.C., durante a guerra que lhe moveu o rei Mitridates VI, grande inimigo de Roma. Após Mitridates pedir a trégua aos romanos, Nicomedes voltou para assumir o seu reino na Bitínia, em 84 A.C.

6- Sexualidade de César

As fontes não contam se, no período que passou em Roma, Nicomedes chegou a conhecer o jovem César, mas isso não seria impossível, já que César assumiu o posto de sacerdote de Júpiter em 84 A.C., e ambos podem ter se conhecido em alguma cerimônia pública, da qual ambos participaram.

Nicomedes era famoso por ter inclinação sexual por jovens rapazes, dos quais ele se fazia rodear em sua corte na cidade de Nicomédia.

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As fontes contam que César ficou um tempo considerável na Bitínia, talvez mais do que fosse esperado, e foi admitido no círculo mais íntimo da Corte de Nicomedes. E, certa vez, em um banquete no Palácio, segundo os autores antigos, César teria aparecido publicamente como parte da “entourage” de jovens rapazes que rodeavam a mesa real, servindo o rei como copeiros.

Quando, posteriormente, o fato se tornou conhecido em Roma, César foi muito criticado por esse fato, e, pelo resto da vida, jamais se livraria das insinuações, ironias e acusações diretas de seus inimigos políticos, e até de piadas do povo em geral, de que ele tivesse sido um dos amantes de Nicomedes. O tom dos ataques e pilhérias era sempre depreciativo, pois, naqueles tempos, considerava-se humilhante para o homem livre romano praticar sexo com outro homem na condição de sujeito passivo da relação sexual.

Tirando esse episódio, que seus antagonistas políticos fizeram questão de perpetuar para a posteridade (Cícero, especialmente, que era famoso pela língua ferina, comprazia-se em relembrar o episódio em discursos no Senado), todos os demais relatos da vida sexual de César o mostram como sendo um contumaz mulherengo (womanizer), daquele tipo que não podia ver “um rabo de saia”.

Suetônio, historiador romano que por vezes mais parece um colunista de revista de fofocas, relaciona várias amantes de César, além de suas esposas legítimas Cornélia, Pompéia e Calpúrnia, nas três passagens abaixo:

Que César era desenfreado e extravagante em seus casos amorosos é a opinião geral, e ele seduziu muitas mulheres ilustres, entre elas Postumia, esposa de Servius Sulpicius, Lollia, esposa de Aulus Gabinius, Tertulla, esposa de Marcus Crassus, e até mesmo a esposa de Pompeu, Mucia. (…) Mas, acima de todas, César amou Servília, a mãe de Marcus Brutus, para quem, em seu sexto Consulado, ele comprou uma pérola no valor de seis milhões de sestércios. Durante a Guerra Civil também, junto com outros presentes, ele adquiriu alguns ótimos imóveis em um leilão público pelo preço estipulado e, quando alguns expressaram surpresa pelo pequeno valor pago, Cícero espirituosamente comentou: “é um negócio ainda melhor do que você pensa, pois é ainda uma terça parte menor do que isso…” e de fato acreditava-se que Servília estaria prostituindo a sua própria filha, Tertia, para César”.

(…)

“E que ele não se abstinha de casos amorosos nas províncias é evidenciado em particular por esse coro, que também era cantado pelos soldados em seu Triunfo da Gália: “ Homens de Roma, aqui vem um adúltero careca, mantenham suas esposas trancadas!; Você gastou na Gália em namoros, as bolsas de ouro que em Roma pegou emprestadas! ”.

(…)

“Ele também teve casos com rainhas, incluindo Eunoe, a Moura, esposa de Bogudes, para quem ele deu vários presentes esplêndidos, como escreve Naso; mas acima de todas com Cléopatra, com quem ele frequentemente festejava até o amanhecer e com quem ele teria ido, através do Egito, na sua barcaça real até a Etiópia, se os seus soldados não tivessem se recusado a segui-lo. No final, ele a chamou para Roma e não deixou-a ir até que ele a enchesse de honras e ricos presentes, e ele permitiu que ela desse o nome dele à criança que ela concebeu. De fato, de acordo com certos autores gregos, esta criança parecia muito com César, fisicamente e no jeito de andar. Marco Antônio declarou ao Senado que César tinha realmente reconhecido o menino e que Gaius Matius, Gaius Oppius e outros amigos de César sabiam disso”.

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É verdade que Marco Antônio, após a morte de César, quando disputou a primazia política em Roma com Otaviano, o sobrinho-neto e filho adotivo nomeado pelo Ditador como sucessor em seu testamento, acusou o rival de prestar favores sexuais ao tio, enquanto ainda adolescente. Esta acusação certamente tinha o objetivo de desmoralizar Otaviano, pois, de acordo com a moral da época helenística, paulatinamente adotada pelas classes altas romanas, o adulto mais velho (“erastes”), que no caso seria César, assumia a condição de ativo em um relacionamento com um adolescente (“eromenos”) não tinha a sua masculinidade comprometida.

Tudo indica, porém, que esse ataque de Antônio não tinha nenhum fundamento, tendo o mero intuito de difamar Otaviano, pois esta acusação só foi feito muito tempo depois da morte de César, e não encontrou respaldo em nenhuma outra fonte que não fosse o próprio Antônio. O mesmo pode ser dito no que se refere ao alegado reconhecimento de Cesarion.

Desse modo, pensamos que a inclinação de César era heterossexual, sendo que o episódio com Nicomedes IV na Bitínia pode ter alguma dessas três explicações:

a) uma aleivosia inventada pelos seus políticos rivais Optimates, já que desde a juventude, César identificava-se com a facção dos Populares, com o objetivo de desmoralizar o jovem político, que, ademais, era conhecido pelo excesso de vaidade no vestir, o que poderia ter lhe granjeado a fama, de acordo com os preconceitos de todas as épocas, de afeminado, mentira que, ainda, obteve credibilidade devido ao fato de Nicomedes ser notório pederasta; b) César, efetivamente, chegou a ter relações sexuais com o rei, para obter dele algum favor, seja a cessão da frota de Nicomedes, ou alguma vantagem financeira, sem que ele tivesse, de fato, inclinações homossexuais; ou c) César seria, efetivamente, bissexual (neste último caso, procederia o famoso comentário de seu inimigo político Gaio Escribônio Curião, de que César seria “o marido de todas as mulheres e a mulher de todos os maridos”).

7- Morte de Sila e cativeiro em Pharmacusa

Na Ásia, César, agora, estava servindo sob as ordens de Publius Servilius Isauricus, um correligionário de Sila, que havia sido apontado como cônsul no ano anterior e, em 78 A.C., estava comandando a Guerra Contra os Piratas, os quais infestavam a costa da Cilícia, na qualidade de Procônsul.

Enquanto servia na Cilícia, ocorreu um episódio que contribuiu para a fama de César como homem de temperamento inquebrantável: O barco que o levava foi interceptado por piratas, próximo à ilha de Pharmacusa (atual Farmakonisi, um território grego na costa da Turquia) e ele foi feito refém.

César, durante o cativeiro, mostrou-se altivo e zombeteiro, chegando a exigir que os piratas elevassem o preço do seu resgate de 20 para 50 talentos de prata, para que o mesmo estivesse de acordo com a importância da sua pessoa, e, ainda, prometendo crucificá-los depois que eles o libertassem. E, de fato, assim que foi libertado, após 38 dias de cativeiro, com o pagamento do resgate, César, valendo-se de recursos próprios, armou uma pequena frota, perseguiu, capturou e, cumprindo a sua promessa, crucificou os piratas. Porém, como sinal de sua compaixão (para os padrões da época), que mais tarde se tornaria célebre, César ordenou que eles fossem degolados, antes de serem colocados na cruz, para que não sofressem as agruras daquela terrível forma de execução.

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Não sabemos quanto tempo durou essa perseguição aos piratas, que, penso eu, pode ter ocorrido como parte da campanha de Servilius Isauricus e não, exclusivamente, da sua iniciativa individual, como contam Plutarco, Suetônio e Veleio Patérculo.

Durante a sua ditadura, Sila decretou a restauração dos privilégios do Senado e a restrição do poder legislativo dos Comícios e dos Tribunos da Plebe, que foram transformados praticamente em defensores públicos dos indivíduos de condição humilde. Ele também regulamentou o cursus honorum e o número das magistraturas, aumentando em consequência o número de senadores de 300 para 600, com a finalidade de cimentar a coesão da elite e proporcionar que o Senado pudesse executar mais funções. E Sila também declarou Mário, “Inimigo do Estado“, mandando banir quaisquer referências à sua memória.

Todavia, para a surpresa geral, acreditando ter restaurado o poder do Senado, Sila decidiu voluntariamente se retirar da vida pública e voltar para suas propriedades em 81 A.C., falecendo, provavelmente de cirrose ou úlcera gástrica, em 78 A.C.

Quando Sila morreu, César ainda estava na Cilícia, e, com a morte do Ditador e algoz da facção dos Populares, ele sentiu-se seguro para voltar à Roma. Segundo Suetônio, o retorno de César também foi estimulado pelo fato do cônsul para o ano de 78 A.C., Marco Emílio Lépido (pai do Triúnviro de mesmo nome), após a morte de Sila, ter tomado uma série de medidas revertendo as leis do Ditador, bem como adotando outras em favor da causa dos Populares.

Aliás, a cronologia desses eventos é confusa, entre Suetônio e Plutarco. De acordo com a “Vida de César”, de Suetônio, César retornou a Roma e tornou-se acusador público, como  uma espécie de promotor, destacando-se na acusação ao político Dolabela, partindo, depois, para Rodes para estudar, sendo, então, capturado pelos piratas. Já Plutarco adota a narrativa mais próxima a que fazemos neste texto, colocando a chegada de César à Roma posteriormente à sua captura pelos piratas da Cilícia, sendo que, antes de voltar à Cidade, ele foi estudar em Rodes.

Entretanto, a narrativa de Suetônio é mais plausível geograficamente, já que uma rota marítima de Roma para Rodes, beirando a costa, que é como os antigos costumavam navegar, passaria antes por Pharmacusa, onde o navio de César foi interceptado. Os textos contam que os barcos utilizados pelos piratas eram pequenos e, portanto, o grupo que capturou César não devia ser muito grande. Logo, não é impossível que a versão de Suetônio seja a correta, colocando o episódio no contexto da viagem particular de César para Rodes, após sua volta para Roma e atuação como acusador de Dolabela. Em qualquer caso, estaria ao alcance de César, após a sua soltura, armar alguns barcos e liderar uma pequena expedição particular para capturar e punir os piratas.

8- Término de sua formação em Rodes, volta à Roma e atuação como “Promotor Público”

Feita essa pequena digressão, nos parece mais plausível que a atuação de César na acusação contra Dolabela, a qual lhe granjeou fama pela eloquência apurada, tenha ocorrido após o aprofundado estudo da arte da retórica em Rodes, onde aprimorou suas habilidades de oratória e argumentação para uso nos tribunais romanos.

Em Rodes, César foi estudar com Apolônio Molon, um célebre retórico que também foi professor daquele que é considerado o maior orador romano de todos os tempos, Marco Túlio Cícero (Cícero era seis anos mais velho do que César e ambos parecem ter, algumas vezes, compartilhado os mesmos mestres, como Gnifo eApolônio).

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Concluídos os seus estudos, César finalmente regressou à Roma, atendendo ao insistente chamado dos amigos, que estavam estimulados pela morte de Sila e a consequente melhoria das perspectivas políticas para os partidários dos Populares.

Seus dons e a sua recém-adquirida formação conduziram naturalmente César para o exercício do cargo de acusador público. Não havia, entre os romanos, a figura do Promotor Público, como funcionário do Estado encarregado da acusação. Assim, eram advogados privados especializados que exerciam a tarefa de acusar as pessoas suspeitas de crimes perante o tribunal. Essa era uma função que dava muito prestígio popular, já que os julgamentos contra pessoas importantes eram públicos, realizados no Fórum Romano, e os mesmos atraíam multidões para assisti-los.

César resolveu fazer, por volta do ano 77 A.C., a acusação pública de Gnaeus Cornelius Dolabella (Dolabela), um partidário de Sila que havia sido Cônsul, em 81 A.C., que, durante o seu governo como Procônsul da Macedônia, entre 80 A.C. e 78 A.C., foi acusado de extorsão contra os provinciais e de malversação de fundos.

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Dolabela acabou sendo absolvido, mas o libelo acusatório de César foi aclamado como uma brilhante peça de oratória. Outras cidades gregas resolveram contratar César para acusar outros governantes romanos corruptos e, pouco a pouco, César foi ficando famoso entre o público romano, pela eloquência e pela sua empostação de voz, de tom agudo, bem como o seu gestual elaborado nos tribunais.

Cícero, ao discorrer sobre os oradores romanos, disse não ver nenhum para quem César tivesse que abrir mão do troféu de melhor orador, afirmando que “o estilo dele era ao mesmo tempo elegante e transparente, grandioso e, de certo modo, nobre”. E o mesmo Cícero, que foi considerado o maior orador romano, também escreveu sobre César, em uma carta a Cornélio Nepos:

“Agora, que orador você classificaria à frente dele, daqueles que não devotaram sua vida a outra atividade? Quem tem epigramas mais inteligentes ou frequentes? Quem é mais descritivo, ou mais seletivo em sua fala?”

9- Ingresso na política e vida familiar: o César pai e esposo e o seu Estilo de Vida

Agora César já tinha se tornado conhecido pelo povo de Roma, não só pela brilhante oratória, mas também pelo estilo de vida glamuroso, evidenciado pelas roupas elegantes e, sobretudo, pelo jeito afetuoso de tratar os possíveis eleitores e, não menos ainda, pela generosidade nos presentes e banquetes que ele frequentemente oferecia. Assim, ele resolveu concorrer, e foi eleito, para o seu primeiro cargo público, o de Tribuno Militar. Esse cargo, após as reformas militares de Mário, representava o primeiro passo na carreira das magistraturas da República Romana (cursus honorum), sendo elegíveis jovens da nobreza romana.

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Por volta de 76 A.C., Cornélia, a jovem esposa de César, que tinha apenas 21 anos, deu à luz a primeira filha, que seria a sua única descendente oficialmente reconhecidauma menina que recebeu o nome de Júlia.

A menina cresceria e, futuramente, se tornaria uma mulher linda e, tudo indica, de personalidade encantadora, e muito devotada ao pai. Ela não hesitaria em se casar, em 59 A.C., quando tinha apenas 17 anos, com Pompeu, então 30 anos mais velho, em obediência às conveniências políticas do pai. Porém, apesar disso, as fontes relatam que esta foi uma união bem-sucedida, e que ambos se amavam. As delícias de um casamento feliz teriam até afastado Pompeu da política.

Quando Júlia morreu, devido a complicações no parto de seu primeiro filho (ou filha, não se tem certeza), o viúvo, Pompeu, e o pai  ela, César, publicamente deram demonstrações de sua tristeza. (Nota: É possível que, antes de se casar com Pompeu, Júlia estivesse prometida a Marco Júnio Bruto (que passou a usar o nome de Quintus Servilius Caepio, após ser adotado por seu tio, de mesmo nome) e quem, ironicamente, seria, muitos anos mais tarde, o líder da conspiração que assassinaria o pai dela).

Após o nascimento de Júlia, César, no exercício do cargo de Tribuno, teria, por volta de 73 A.C, segundo Veléio Patérculo, diligenciado para que fosse votada a Lex Plautia, uma lei que visava anistiar os romanos que tinham sido exilados por Sila (outros autores mencionam que isso teria ocorrido mais tarde).

Em 69 A.C., ano em que vários eventos significativos em sua vida ocorreriam, César concorreu e venceu a eleição para o importante cargo de Questor, que era um cargo com atribuições judiciárias e militares. Nessa eleição, ficou evidenciado que ele não costumava medir gastos para cair nas boas graças dos eleitores.

Eleito César Questor, em 69 A.C., em seguida,  morreram naquele mesmo ano, praticamente ao mesmo tempo, a sua esposa Cornélia e a sua tia Júlia, viúva do Ditador Mário, o grande campeão da causa dos Populares e a quem a sua família devia o retorno aos altos escalões da política romana.

César aproveitou a oportunidade para fazer do velório público das duas mulheres um ato político combinado com uma manifestação de veneração pela esposa, esta um fato pouco comum em uma sociedade patriarcal e machista como a romana.

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A procissão e os discursos que acompanharam o funeral ocorreram nos “Rostra” – o célebre palanque público situado no coração do Fórum Romano, adornado com os esporões dos navios inimigos capturados em batalha (“rostrum”).

Apesar de Mário haver sido declarado “Inimigo Público” por seu inimigo e sucessor, Sila, estando proibida qualquer alusão pública à sua memória, César mandou que a efígie de cera do marido de sua falecida tia integrasse a procissão fúnebre dela. Era, evidentemente, uma declaração política de apoio à causa dos Populares, o que muito irritou os Optimates (facção aristocrática do Senado), mas, talvez,  tão desafiadora quanto isso tenha sido a apologia que ele fez à própria família. Suetônio preservou uma parte do discurso laudatório de César à sua tia Júlia:

“A família de minha tia Júlia descende, por parte de mãe, dos reis e, por parte de pai, é aparentada com os deuses imortais; pois os Márcios recuam até Anco Márcio (rei mítico de Roma), e os Júlios, dos quais nossa família é um ramo, até Vênus. Nosso sangue, consequentemente, tem ao mesmo tempo a santidade dos reis, cujo poder é supremo entre os mortais, e o direito à reverência que se prende aos deuses, que reinam sobre os próprios reis”.

A multidão que acompanhou o cortejo aplaudiu entusiasticamente o discurso, e recebeu com simpatia a oração e as preces do viúvo César pela falecida Cornélia, apesar de não ser costume fazer discursos fúnebres em homenagem a mulheres jovens, sendo que, segundo as fontes, César foi a primeira pessoa importante a fazer isso, o que lhe granjeou a fama de homem sensível e de bom coração.

Assumindo as funções de Questor, César, ainda no ano de 69 A.C., acompanhou Gaius Anstitius Vetus à Hispânia, Província para a qual este havia sido nomeado Pró-pretor.

Voltando para Roma, ainda viúvo, César, por volta do ano 67 A.C., casou-se pela segunda vez, escolhendo como sua nova esposa, Pompéia, filha de Quintus Pompeius Rufus e de Cornélia Sila, filha mais velha do finado Ditador Sila. Vale notar que o pai de Pompéia havia sido assassinado pelos partidários de Mário, em um tumulto, no ano de 88 A.C.

Não há como negar que o casamento de César com a neta de Sila foi também um ato político que visava a uma conciliação com os Optimates e melhorar a aceitação do jovem César, que era um herdeiro político presuntivo de Mário, pela facção dos aristocratas.

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Se o casamento efetivamente rendeu algum resultado político proveitoso para César é difícil saber. O fato é que, em 65 A.C. ele conseguiu ser eleito, sucessivamente, Curador da Via Ápia e Edil Curul, dois cargos importantes que lhe permitiram administrar verbas públicas, realizar obras e, no caso do último, oferecer espetáculos ao povo.

Como Curador da Via Ápia (“curator”), César mandou fazer vários reparos e embelezamentos nesta importante estrada, pagando-os de seu próprio bolso.

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Já no exercício da edilidade, César manteve a consistência de sua adesão à causa dos Populares e determinou a restauração ou reconstrução dos monumentos erguidos em homenagem ao seu tio Mário.

No entanto, o que realmente chamou a atenção e agradou à plebe foi a magnificência dos espetáculos que César bancou como Edil. Plutarco nos conta que ele custeou 320 pares de gladiadores, além de apresentações de teatro, procissões e banquetes públicos, superando todos os seus antecessores, caindo assim nas graças do povo.

De fato, Cássio Dio conta que, durante a edilidade de César, ele apresentou os Jogos Romanos (“Ludi Romani”) e os Jogos Megalenses em uma escala suntuosa. As lutas de gladiadores provavelmente foram oferecidas  por ele em homenagem à memória do falecido pai (esse era um costume etrusco que foi herdado pelos romanos – as lutas, ou jogos funerais, faziam parte das homenagens aos falecidos).

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Plínio, o Velho, de fato, relata que César, quando Edil, nos jogos funerais que ofereceu em honra do pai, foi a primeira pessoa a apresentar todo o aparato dos gladiadores em prata, sendo também a primeira vez que criminosos enfrentaram animas selvagens, também adornados com prata, na arena, sendo que, mais de um século depois, esta prática continuava a ser imitada até mesmo nas cidades das províncias.

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Toda essa “generosidade” de César, no entanto, começava a agravar um problema inevitável para quem não nascera no seio das famílias mais ricas de Roma…Dívidas!

Com efeito, para poder fazer tudo isto o que ele fazia, em escala poucas vezes vista anteriormente, com o propósito de obter prestígio popular, César teve que pegar dinheiro emprestado. E os cargos públicos exercidos na cidade de Roma, não permitiam, como ocorria nas Províncias, que os seus ocupantes extorquissem o dinheiro dos provinciais via tributos, ficando com uma parte deles para si, renda com a qual contavam para pagar as liberalidades que tinham feito para obter o cargo. E, mais importante, a acirrada política da Cidade Eterna fazia com que os adversários aproveitassem qualquer irregularidade para processar sem piedade o oponente apanhado em alguma malversação.

Aliás, segundo Plutarco, antes mesmo que César exercesse qualquer cargo público, os débitos dele já alcançavam a estratosférica soma de 1.300 talentos!

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E, para isso, certamente, concorria o estilo de vida glamuroso que César fazia questão de cultivar. Parece-nos que César fazia isso não porque ele não conseguisse viver sem conforto (embora ele apreciasse as coisas belas), mas, sobretudo,  como parte da imagem pública de “superstar” que ele fazia questão de ostentar.

Por exemplo, sabemos que, segundo Suetônio, César, quando ele ainda era pobre (para os padrões dos grandes aristocratas romanos), e endividado, após construir e decorar a casa de campo dele (ou villa), às margens do Lago de Nemi, mandou demolir tudo de uma vez apenas porque ele não gostou de como ela havia ficado depois de pronta.  E, ainda de acordo com o historiador citado, César, quando em campanha, levava em sua bagagem pisos de mármore e de mosaico para forrar seus aposentos!

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Suetônio também conta que César era um colecionador de pedras preciosas, gravuras, estátuas e pinturas de artistas antigos,  sendo, assim, podemos dizer, um apreciador de Arte e de antiguidades. Segundo o historiador, até os escravos dele eram escolhidos entre aqueles de melhor aparência e treinamento.

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Obviamente que o apreço de César pelas coisas belas e valiosas aumentou junto com a sua ascensão aos cargos mais altos da República.

Como exemplo, consta, segundo Plínio, o Velho, que César, quando já era Ditador, comprou duas pinturas, “Medéia” e “Ajax”, do pintor Timomachus, por 80 talentos, para colocá-las no Templo de Vênus Genitrix, que ele construiu para honrar a divindade de quem a sua família reivindicava descendência.

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E Plínio conta também que, para os seus banquetes triunfais, César comprou 6 mil peixes da rara espécie Murena. Para esses mesmos banquetes, ele mandou colocar, em cada mesa, uma ânfora cada dos afamados vinhos Falérnio, Quiano, Lésbio e Mamertino, sendo esta considerada a primeira vez em Roma que quatro tipos diferentes de vinho foram servidos na mesma refeição!

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César também era perfeccionista e detalhista no que se refere as regras de etiqueta então vigentes na sociedade romana, preocupando-se sempre se os eventos que patrocinava atendiam os ditames da arte de bem receber.

10 – Pontifex Maximus e César, o bom filho.

Com a popularidade em alta após o exercício da edilidade, César decidiu concorrer, em 63 A.C, ao posto de Pontifex Maximus (Sumo Pontífice), que era o chefe da religião romana, e, além disso, verificava a legalidade dos casamentos, adoções, enterros e funerais, sucessão testamentária, regulava o calendário e também supervisionava a moralidade pública. Era um cargo tão importante que foi um dos últimos a serem franqueados aos plebeus, sendo, até 254 A.C., exclusivo dos patrícios.

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Consta que, no dia da eleição, segundo Plutarco, a mãe de César, Aurélia Cota, em lágrimas, acompanhou-o até a porta da casa onde eles moravam na Subura, ocasião em que César, despedindo-se,  beijou a mãe, dizendo-lhe:

“Mãe, hoje tu verás o teu filho Pontífice Máximo… ou um exilado”.

Para a surpresa de muitos, César, apesar de ser bem mais jovem e ilustre do que os dois outros concorrentes, ganhou a eleição, onde também gastou muito dinheiro, razão pela qual disse a frase dramática com a qual se despediu da mãe no dia do pleito (se ele perdesse, teria que se exilar para escapar dos credores). Um dos derrotados era Quinto Lutácio Catulo, chamado de “Capitolino”, porque ele havia cuidado da restauração do Templo de Júpiter Optimus Maximus na colina do Capitólio. Este era um velho partidário de Sila e inimigo dos Populares. Já o principal contribuinte para a campanha de César ao Pontificado foi Marco Licínio Crasso, então o homem mais rico de Roma.

No aspecto privado desse episódio, podemos constatar que César, aos 37 anos, ainda morava junto com Aurélia. Com efeito, essa cena do dia da eleição para Sumo Pontífice é mais uma das que demonstram a forte ligação entre César e sua mãe. Já vimos, por exemplo, como ela ousadamente fez a defesa do filho junto ao Ditador Sila.

Aurélia Cota morreria, ironicamente, em 31 de julho de 54 A.C (mês do nascimento de César e que, posteriormente, recebeu esse nome em homenagem ao filho dela), na casa em que ambos moravam. Ela então deveria ter cerca de 65 anos de idade.

Assumindo o cargo de Pontífice Máximo, César mudou-se para a Domus Publica, uma habitação destinada aos Sumos Pontífices, que era um venerável ex-palácio dos reis de Roma e que teria sido construído pelo rei Numa Pompílio. A Domus Publica ficava entre a Casa das Virgens Vestais e a Via Sacra, no Fórum Romano.

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(Ruínas da Domus Publica, no Fórum Romano)

Aurélia, após César se casar com Pompéia, foi com eles morar na Domus Publica na Régia e, como sempre havia feito, continuou administrando ali a casa do filho.

A afeição e os laços estreitos que César tinha com a mãe, mesmo depois de já ter uma longa carreira de homem público, também eram manifestados com os parentes e amigos em geral. Com efeito, César, segundo Cássio Dio:

“César possuía uma forte afeição por todos os seus parentes, exceto os mais ímpios. Por isso, ele não ignorou nenhum deles nas suas vicissitudes, nem invejou aqueles que gozavam de boa fortuna, e sim, ajudou a estes a aumentarem as posses que eles já tinham, e deu para os outros o que lhes faltava, dando a alguns deles dinheiro, algumas terras, alguns cargos e alguns sacerdócios. Novamente, a sua conduta em relação aos seus amigos e outros aliados foi notável. Ele jamais escarneceu deles ou insultou-os, mas sempre foi cortês com todos.

Suetônio, igualmente, escreveu sobre isso:

“Ele tratava seus amigos com invariável gentileza e consideração. Quando Gaius Oppius acompanhou-o em uma viagem através de uma região selvagem e florestada, e ficou subitamente doente, César lhe deu o único abrigo que havia”.

O fato acima também foi relatado por Plutarco, que especifica que ele ocorreu durante uma tempestade, sendo que César deixou Oppius dormir dentro de uma pobre cabana, onde somente cabia uma pessoa, enquanto ele e o resto de sua comitiva foram dormir ao relento. Segundo Plutarco, naquela ocasião, César disse aos amigos:

As honrarias devem ser concedidas aos mais fortes, mas o que é de necessidade, aos mais fracos

Em dezembro de 62 A.C, ocorreu o famoso episódio dos ritos da Bona Dea (a Boa Deusa), celebrados na casa do Pontifex Maximus, organizados pelas Virgens Vestais e pelas anfitriãs, Pompéia, a esposa de César, e Aurélia Cota, sua mãe.

Somente mulheres podiam participar da celebração (na verdade, sequer o nome da deusa poderia ser pronunciado por homens, daí o eufemismo “Boa Deusa”), porém o senador Públio Clódio Pulcher, um partidário dos Populares que tinha fama de devasso, conseguiu entrar na casa de César, disfarçando-se de mulher, supostamente com a intenção de seduzir Pompéia.

Clódio foi descoberto e o escândalo público que se seguiu foi tão grande que César viu-se obrigado a se divorciar de Pompéia, apesar de aparentemente a esposa não ter culpa de nada. Os Optimates, adversários políticos de César e dos Populares, não perderam a oportunidade de aproveitar ao máximo o fato, e um processo criminal por “incestum” foi instaurado contra Clódio. Pompéia e Aurélia, inclusive, prestaram depoimento como testemunhas. César tentou defender seu correligionário político, ao mesmo tempo alegando que nada tinha ocorrido. Quando os adversários lhe perguntaram porque motivo então ele tinha se divorciado de Pompéia, César disse a célebre frase: “A mulher de César tem que estar acima de qualquer suspeita”, que acabou sendo imortalizada como:

“À mulher de César não basta ser honesta, tem de parecer honesta”.

Com esse último episódio, que demonstra que a característica mais prevalente da personalidade dele era a de ser um “animal politico” nato, terminamos este texto sobre Júlio César.

Depois do cargo de Pontífice Máximo e o grande impulso que o exercício dessa função deu em sua carreira política, César foi para a província da Hispânia como governador (Procônsul), o que além de lhe dar a experiência de comando militar, lhe permitiria obter os recursos para saldar suas vultosas dívidas. Então, ele já tinha quase quarenta anos de idade e todos os aspectos de sua personalidade já estavam delineados.

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CUIDADO COM OS IDOS DE MARÇO!

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Adivinho:    —    César!!!!
César: —              Ei! Quem me chama?
Casca: —              Silêncio, novamente! Pare tudo!
César: —              Quem dentre a multidão disse meu nome?
                               Ouvi uma voz, mais alta do que a música, bradar por César…
                               Fala! César se acha disposto para ouvir-te!
Adivinho: —         Tem cui­da­do com os idos de março!
César: —              Que homem é esse?
Brutus: —            Um adivinho. Manda que tu tomes cuidado com os idos de março.

(Ato I, Cena II, Júlio César, de William Shakespeare)

Os idos de março, no antigo calendário romano, correspondiam ao dia 15 de março.

A passagem acima, ocorrida no dia 15 de março mais importante da História da Humanidade, aqui contada nos versos magistrais de Shakespeare, segundo o historiadores romanos, aconteceu realmente. Suetônio preservou até o nome do adivinho, Surinna, , e Plutarco e Cássio Dio também narram o mesmo fato.

No dia 15 de março de 44 A.C, Caio Júlio César, Ditador Perpétuo de Roma, o homem mais poderoso que governara a República Romana em seus 465 anos de existência, acordou e passou a manhã pensando se deveria ou não comparecer a uma sessão do Senado Romano.

Foi um momento em que o destino do Mundo se equilibrou à maneira de uma bola de tênis em cima de uma rede, como na célebre cena do filme Match Point, de Woody Allen…

Na semana dos idos de março, vamos republicar nossa série sobre o drama político que resultou no assassinato de César.

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(Cena do clássico “Julius Caesar” (1953) dirigido por Joseph L. Mankiewicz)