Em 10 de abril de 401 D.C., nasceu Flavius Theodosius Junior(Teodósio II), em Constantinopla , filho do Imperador Romano do Oriente Arcádio, e neto de Teodósio, o Grande, o último imperador a reinar sobre as duas metades do Império Romano.
A mãe de Teodósio II, Aelia Eudoxia (Eudóxia), era filha de Flávio Bauto, um general Franco, na verdade, um chefe bárbaro assimilado à serviço de Roma, que chegou ao posto máximo de Magister Militum (Comandante do Exército), durante o reinado do imperador Graciano, e foi Cônsul em 385 D.C.
A ancestralidade germânica por parte de mãe parece que não retirou o “pedigree” dinástico de Teodósio II como descendente de Teodósio, o Grande, apesar de Eudóxia ter sido rotulada como possuindo “um grau não desprezível de arrogância bárbara” pelo historiador eclesiástico Philostorgius.
Antes mesmo de completar um ano de idade, Teodósio II foi nomeado Augusto, e, portanto, formalmente, co-imperador, por seu pai Arcádio, em 402 D.C, sendo, assim, o imperador mais jovem em toda a História do Império Romano.
Em 1º de maio de 408 D.C, o imperador Arcádio morreu e Teodósio II foi reconhecido como Imperador Romano do Oriente, tendo apenas sete anos de idade.
Consequentemente, quem exerceu de fato o poder na qualidade de regente foi o Prefeito Pretoriano Antêmio, que foi o responsável pela construção da grande obra que marcaria o reinado de Teodósio: as espetaculares Muralhas Teodosianas de Constantinopla, completadas em 413 D.C , as quais garantiriam a sobrevivência do Império Romano do Oriente por mais de mil anos, até serem penetradas pelos turcos otomanos, em 1453 D.C. Entretanto, pouco depois da conclusão dessa impressionante obra, Antêmio não seria mais mencionado nas fontes, não se sabendo se ele morreu de causas naturais, se foi demitido ou executado.
Enquanto isso, Teodósio II recebia esmerada educação em grego e latim, além de aulas de Gramática e Retórica, e treinamento em equitação, esgrima e arco e flecha.
Durante o início do reinado de Teodósio II, contudo, aprofundou-se a divisão e a rivalidade entre as duas metades do Império Romano, ou, para sermos mais precisos, entre a Corte de Constantinopla e a aristocracia senatorial da velha Roma, concentrada no Senado Romano.
Com efeito, o regente Antêmio vinha adotando uma política anti-germâmica e de intervenção nos assuntos do Ocidente, e por isso, ele entrava frequentemente em choque com a sua contra-parte na corte ocidental, o general Estilicão, que, por sua vez, exercia o poder de fato por trás do Imperador Honório, irmão de Arcádio.
Entretanto, após a execução de Estilicão, em 408 D.C., o qual teve seu prestígio solapado junto a Honório devido à grande invasão bárbara que atravessou o Reno em 406 D.C. e pelo insucesso dele em lidar com os Godos alojados no interior do Império, houve, enfim, uma reaproximação política entre Constantinopla e Ravenna.
Em 414 D.C, Pulquéria, a irmã mais velha de Teodósio II, foi proclamada “Augusta” e assumiu a regência do Império do Oriente, bem como a tutela e criação do imperador, que estava ainda em sua pré-adolescência. Cristã devota, Pulquéria tomou voto de castidade perpétua e esta condição, provavelmente fruto de um cálculo político, assegurou-lhe autoridade moral para adotar uma política de promoção da ortodoxia católica, a qual resultou também na perseguição do paganismo, das heresias cristãs e do judaísmo, mas que acabou acirrando as disputas religiosas no seio do Império do Oriente, degenerando no brutal assassinato da filósofa pagã Hypathia, em Alexandria.
(Estudiosos acreditam que o relevo de marfim representa Teodósio II e Pulquéria em procissão trazendo relíquias para Constantinopla)
Graças à intervenção de Pulquéria, Teodósio II conheceu a jovem grega Athenais, uma brilhante filha de um filósofo de Atenas, originalmente pagã, que se tornaria a sua esposa, adotando como imperatriz o nome deEudocia. Não obstante, Eudocia se tornaria no futuro a grande rival de Pulquéria e ambas disputariam o posto de maior influência sobre Teodósio II. O casal imperial teve três filhos, porém somente a mais velha, Licínia Eudocia, chegaria à idade adulta e se casaria com os imperadores romanos do Ocidente, Valentiniano III e Petrônio Máximo.
(Eudócia é retratada neste mosaico do séc. XIX, em Sófia, Bulgária)
No plano externo, o reinado de Teodósio II caracterizou-se pela tentativa de conter as ameaças representadas pelo Império Persa e pelos Hunos. Com os Sassânidas, o Império Romano, após uma guerra inconclusiva, conseguiu celebrar um tratado de paz duradouro, que ficaria conhecido como a “Paz dos Cem Anos“.
Durante seu reinado, Teodósio II também procurou auxiliar militarmente o Império do Ocidente contra os Vândalos, infelizmente, sem sucesso
Tentou-se uma política de apaziguamento dos Hunos mediante o pagamento de tributos, com sucesso limitado, já que periodicamente os bárbaros exigiam o aumento do valor, que começou em 350 libras de ouro, aumentou para 700 libras com a ascensão de Átila e Bleda, em 433 D.C e passou para 2.100 libras, em 443 D.C., após os Hunos derrotarem dois exércitos romanos. Mesmo assim, em 447 D.C., os Hunos devastariam os Bálcãs e chegariam aos subúrbios de Constantinopla.
Relativamente às relações com o Império do Ocidente, Teodósio II apoiou seu tio Honório e defendeu a causa do sucessor deste, seu primo Valentiniano II, chegando a abrigá-lo, acompanhado de sua mãe Gala Placídia, em Constantinopla, e depois ajudando-os a reinstalá-los em Ravena, com o auxílio de um pequeno exército oriental.
.Em 425 D.C., Teodósio II fundou o Pandidakterion, que mais tarde seria considerada como a “Universidade de Constantinopla,” uma precursora das universidades medievais europeias, situada na Magna Aula do Palácio (Magnaura).
O outro grande legado de Teodósio II, além das Muralhas de Constantinopla e da Universidade, foi o seu “Código Teodosiano“, uma grande compilação e sistematização do Direito Romano produzido até então e que, cem anos mais tarde, seria a base para o “Código de Justiniano”, contribuindo, assim, para a preservação da herança jurídica romana até os nossos dias. Os trabalhos foram iniciados por ordem de Teodósio II em 429 D.C. e, após muitos anos de trabalhos e a nomeação de duas comissões de juristas, o Código foi promulgado em 438 D.C.
Em 28 de julho de 450 D.C, Teodósio II sofreu uma queda de cavalo enquanto caçava. Ele foi levado para Constantinopla, mas não resistiu e morreu naquele mesmo dia. Segundo a versão oficial, ele teria indicado o general Marciano como seu sucessor, já que não tinha mais nenhum filho do sexo masculino. Na verdade, o nome de Marciano foi imposto pelo marechal Áspar, um militar de origem bárbara (Alano-Gótica) que era o comandante-em-chefe do Exército e homem forte do Império Romano do Oriente, desde meados da década de 20 do século V D.C.
Trinta dias após a morte de Teodósio II, Marciano foi reconhecido como imperador e se casou com Pulquéria, que, contudo, manteve o seu voto de castidade.
CONCLUSÃO
Em tempos mais amenos, Teodósio II poderia ter sido um bom imperador, mas a sua época demandava um governante mais enérgico e determinado, que possuísse mais aptidões e meios militares, coisas das quais ele não dispunha.
Em 29 de maio de 363 D.C, o Exército Romano, comandado em pessoa pelo imperador Juliano I, que mais tarde seria cognominado “O Apóstata“, derrotou, às portas da capital do Império Sassânida, Ctesifonte, parte do exército persa.
Os romanos mataram cerca de 2.500 soldados persas e somente perderam 70 homens.
Seria o coroamento da campanha iniciada em 05 de março daquele mesmo ano pelo imperador romano, que avançou invicto pela Mesopotâmia até as portas da capital persa.
Porém, como várias vezes ocorreu na longuíssima história dos confrontos entre Roma e Pérsia, os segundos, sabedores da superioridade romana em combate aberto, preferiram a tática de fazer emboscadas e limitar a luta a escaramuças, sempre que percebiam que a batalha estava indo contra eles (confira, a esse respeito, nossos artigos sobre a Batalha de Carras e sobre a campanha do imperador Trajano contra o Império Parta).
Os Persas sabiam que o tempo estava do lado deles, pois a campanha nos desertos da Mesopotâmia, quando se afastava do curso dos rios Tigre e Eufrates, impunha grande esforço logístico aos romanos, que marchavam sempre ameaçados pela sede.
Para piorar, Juliano não se preocupou em trazer consigo material em quantidade suficiente para a construção de muitas máquinas de assédio (ele inclusive mandou precipitadamente queimar a frota que acompanhava o avanço romano pelo rio Tigre). Assim, apesar da vitória tática no campo de batalha, ele fracassou em tomar Ctesifonte.
Àssim, o Shainshah (Rei dos Reis) Sapor II (Shapur) que tivera a cautela de colocar a maior parte do seu exército à distância, quando viu os Romanos serem obrigados a suspender o Cerco e marchar de volta pelo deserto, aproveitou a oportunidade para voltar a atacar os romanos durante o trajeto.
Em 26 de junho de 363 D.C, quando avisado que a retaguarda do Exército Romano estava sendo atacada pelos Persas, próximo à Samarra, Juliano deixou a vanguarda das tropas, com tanta pressa que não teve tempo de vestir a sua couraça, correndo para repelir o ataque.
Porém, durante os combates, uma lança foi atirada e atingiu seu dorso. Juliano foi levado ferido para sua tenda, agonizando, e morreu antes da meia-noite. Os comandantes romanos em conselho de guerra resolveram eleger o relativamente jovem general Joviano (32 anos) como sucessor.
Detalhe de relevo Sassânida em Naq i Rostan, mostrando o imperador Juliano morto (foto: Philippe Chavin, CC BY-SA 3.0)
Joviano tentou retirar o restante do Exército Romano dos domínios do Império Sassânida, porém, na cidade de Dura, os Persas conseguiram impedir que os Romanos cruzassem o rio Tigre e retornassem para o seu território.
Assim, Joviano foi obrigado a assinar um Tratado de Paz humilhante, abrindo mão de várias províncias e das estratégicas cidades de Nísibis e Síngara, além da predominância sobre a Armênia.
Como se sabe, Juliano foi o último imperador da dinastia inaugurada por Constâncio Cloro e seu filho Constantino, o Grande (ele era filho de Julius Constantius, meio-irmão deste imperador) que tornou o Cristianismo uma religião legal, refundando a cidade de Bizâncio como Constantinopla, fazendo dela uma capital essencialmente cristã e favorecendo muito a Igreja, que a partir de então começou a predominar no Estado Romano.
Porém, Juliano (que foi elevado ao trono em novembro de 361 D.C) resolveu reverter todas as medidas pró Cristianismo de seus antecessores, voltando a prestigiar as religiões pagãs, reinstaladas como cultos oficiais do Império, motivo pelo qual foi cognominado de “O Apóstata”, pelos historiadores cristãos.
Portanto, podemos considerar que o resultado não conclusivo da Batalha de Ctesifonte e a resultante morte precoce de Juliano foi também um evento decisivo na História de Roma.
Em 24 de janeiro de 76 D.C, nasceu Publius Aelius Hadrianus (Adriano), em Roma, ou, segundo algumas fontes, em Itálica, uma cidade na província romana da Hispania Betica, a 9 km da atual Sevilha, que foi fundada por Cipião, o Africano ainda durante a 2ª Guerra Púnica, onde foram assentados colonos romanos de origem italiana, entre os quais provavelmente estava a família dos Élios.
O pai de Adriano, Publius Aelius Hadrianus Afer, era um senador romano e primo de Marcus Ulpius Trajanus, seu conterrâneo de Itálica que se tornaria, em 98 D.C, o imperador Trajano (o primeiro imperador nativo de uma província fora da Itália;) já a sua mãe, Domícia Paulina, também vinha de uma família da classe senatorial radicada na Espanha.
Quando Adriano tinha apenas 10 anos de idade, no ano de 86 D.C, os seus pais faleceram e ele ficou sob a tutela de Trajano e de Publius Acilius Attianus, um conterrâneo de seu pai.
Aos 14 anos de idade, Adriano, que estava em Itálica, foi chamado para ir morar em Roma por Trajano. Na capital do Império, Adriano recebeu uma esmerada educação, em companhia de outros rapazes da alta aristocracia romana.
Consta que, ainda na infância, chamava a atenção o grande interesse de Adriano pela cultura grega, chegando ele a receber o apelido de”graeculus” (“greguinho”), não se olvidando que esse termo também era, entre os romanos, por vezes usado como uma forma jocosa de chamar alguém de efeminado ou “gay”.
Com cerca de 18 anos, Adriano entrou para o serviço militar na condição de tribuno, mas sem muito destaque. Ele serviu por cerca de três anos em legiões na Mésia, na Dácia e na Germânia.
INGRESSO NA FAMÍLIA IMPERIAL DE TRAJANO E INÍCIO DA CARREIRA PÚBLICA
Em 98 D.C, o imperadorNerva (que, ao assumir o trono, havia adotado Trajano como sucessor), faleceu. Adriano, assim que soube da notícia, fez questão de ser o primeiro a comunicar o momentoso fato a Trajano, que estava em campanha, e, cavalgando com velocidade espantosa para a época, conseguiu chegar na frente do emissário oficial. Trajano ficou muito grato e, assim, a carreira de Adriano começou a decolar.
Fortalecendo seus laços com a casa imperial, Adriano, em 100 D.C, casou-se com Víbia Sabina, que era filha de Matídia, a sobrinha de Trajano, que foi criada como se fosse filha do imperador (que, aliás, nunca teve filhos naturais). Este foi um casamento arranjado por Matídia e pela própria imperatriz Plotina, duas mulheres que sempre demonstraram um grande afeto por Adriano. E, com efeito, os estreitos laços emotivos entre Plotina e Adriano ainda favoreceriam muito o jovem no futuro…
(Busto da Imperatriz Plotina, a protetora de Adriano)
Pouco depois do casamento, Adriano acompanhou Trajano na primeira grande empreitada militar deste imperador: A Primeira Guerra contra a Dácia(101-102 D.C).
Contudo, no decorrer desta campanha, Adriano foi dispensado para assumir os cargos de Questor, em 101 D.C, e, posteriormente, de Tribuno da Plebe, em 105 D.C., seguindo os passos da tradicional carreira das magistraturas romana (cursus honorum).
E, na Segunda Guerra contra os Dácios (105-106 D.C), Adriano também integrou a comitiva de Trajano e recebeu o comando da I Legião Minervia.
Novamente, Adriano deixou essa campanha em seu desenrolar e foi para a Roma assumir o cargo de Pretor, em 106 D.C. Em seguida, Adriano foi nomeado governador da Panônia Inferior. Não obstante, Adriano recebeu menções honrosas do Imperador pelo seu desempenho na referida segunda campanha na Dácia.
Posteriormente, em 108 D.C, Adriano foi nomeado cônsul suffectus (equivalente a cônsul substituto), um posto somente inferior ao consulado ordinário (Um cônsul suffectus era designado para completar o período do consulado ordinário quando este ficava vago).
(Relevo da Coluna de Trajano, em Roma, com cena da Guerra contra os Dácios)
Depois do consulado, Adriano integrou os colégios sacerdotais dos setêmviros e dos sodalis augustales, este último um prestigiado ofício religioso encarregado do culto a Augusto.
Nos anos seguintes, que parecem ter sido “sabáticos”, sabemos que Adriano viajou para a sua adorada Grécia, onde ele estudou com o filósofo estóico Epicteto, na Hélade. Nesse período, em mais um exemplo do seu amor pela civilização grega, Adriano conseguiu ser eleito cidadão de Atenas e ocupou o cargo de Archon, uma magistratura ateniense, entre 112 e 113 D.C.
(Arco de Adriano, em Atenas, foto de Carole Raddato)
Nesse ponto, certos historiadores questionam por que a carreira pública de Adriano ficou em segundo plano em relação à sua viagem existencial pela Grécia.
Eles acreditam que Trajano nunca tenha tido muito entusiasmo pela possibilidade de Adriano tornar-se seu sucessor: Se por um lado, a sucessão de cargos ocupados por ele (bem como o seu casamento com Sabina) demonstra que Adriano era bem considerado e próximo ao Imperador, por outro é certo que até então ele ainda não tinha recebido nenhuma distinção inegável para que fosse considerado um herdeiro escolhido, tal como, por exemplo, o Poder Tribunício, a adoção oficial ou, mesmo, a designação para sucessivos consulados ordinários.
Nessa linha de raciocínio, até se cogita que o fato de Adriano ter ficado tanto tempo em Atenas para se dedicar a estudos filosóficos, quando já tinha mais de 35 anos de idade e sem ocupar nenhum cargo de cúpula, equivaleria à nossa expressão: “ficar na geladeira”…
Não obstante, eu entendo que não há dúvidas de que Adriano jamais deixou de gozar da confiança de Trajano, pois, quando, em 114 D.C. este embarcou em sua campanha contra a Pártia, ele integrou a comitiva imperial, e, no decorrer da guerra, foi nomeado governador da importantíssima província da Síria. Esse cargo tornava Adriano virtualmente o comandante militar do Exército Romano no Oriente, pois Trajano, gravemente doente, teve que deixar a campanha e partir para Roma, em 117 D.C.
ASCENSÃO AO TRONO
Assim, foi enquanto era governador da Síria que Adriano recebeu, em Antióquia, a notícia de que Trajano havia falecido, na viagem de retorno à Roma, em Selinos, na Cilícia, ainda na Ásia Menor, em 8 de agosto de 117 D.C, nomeando-lhe como sucessor.
As fontes antigas atribuem a investidura de Adriano à imperatriz Plotina, que, contando também como o auxílio de seu velho tutor Attianus, teriam mantido a morte de Trajano em segredo por alguns dias, aproveitando para forjar os documentos em que Trajano designava Adriano como o herdeiro que deveria sucedê-lo no trono do Império Romano. A História Augusta até menciona que Trajano pretendia nomear o famoso jurista Neratius Priscus como sucessor, mas isso é altamente improvável, até porque, posteriormente, Priscus ocupou importantes cargos durante o reinado de Adriano e foi encarregado de várias reformas legais. Ocorre que certamente Priscus teria sido logo eliminado por Adriano, caso a escolha dele por Trajano como sucessor tivesse mesmo ocorrido.
O fato é que Adriano era o parente vivo mais próximo de Trajano e ocupava o importante governo da Síria, o que o colocaria, mesmo na ausência de testamento, como o comandante militar mais poderoso do Império naquele momento.
Assim, ainda que Trajano não tenha expressamente designado Adriano como sucessor, essa condição era natural pelas circunstâncias, e não se pode condenar a “interpretação” que, supostamente, Plotina deu à vontade do marido falecido…
REINADO
Uma das primeiras ações de Adriano após assumir o trono foi livrar-se de quatro importantes senadores, que tinham sido grandes colaboradores de Trajano. Contudo, as fontes relatam que ele depois sempre se ressentiria dessa “mancha” na sua, em geral, reputação de monarca tolerante e ilustrado.
A desagradável tarefa foi executada pelo seu ex-tutor Attianus, que havia sido nomeado Prefeito Pretoriano, ainda por Trajano, em Roma. Adriano sempre colocaria a culpa desses assassinatos políticos em Attianus, alegando que ele mesmo de nada sabia, chegando até a removê-lo do cargo, mas essa alegação não se coaduna com com o fato de, logo após a essa “punição”, Adriano ter nomeado Attianus para o Senado Romano e lhe honrado com os ornamentos consulares…
Entrementes, logo ficou claro que Adriano promoveria uma guinada de 180° em relação à política exterior de Trajano.
Todas as conquistas no Oriente duramente obtidas por Trajano, mas onde já espoucavam revoltas, foram abandonadas, inclusive a província da Mesopotâmia, o que gerou certa insatisfação na opinião pública. Esse sentimento é compreensível, sobretudo porque o domínio romano na Mesopotâmia evocava de certo modo as conquistas de Alexandre, o Grande na Pérsia, mas as evidências são de que esta decisão de Adriano foi correta, pois dificilmente os romanos conseguiriam mantê-la, já que a revolta dos locais havia se iniciado ainda no reinado de seu antecessor.
Adriano entendia que o Império devia fortalecer as fronteiras estabelecidas na época de Augusto, com exceção a rica Dácia, que também estabelecia um colchão de segurança para a estratégica fronteira do Danúbio.
O Império, assim, embarcou na construção de uma rede de muralhas, torres fortificadas, quartéis e paliçadas visando assegurar essas fronteiras. O exemplo mais famoso desse programa são as Muralhas de Adriano, na Grã-Bretanha (construída entre 122 e 125 D.C – vide foto abaixo).
Não obstante, Adriano cuidou para que o Exército Romano fosse cuidadosamente mantido em estado de excelência, seja em equipamentos, disciplina e prontidão, tendo este sido extensivamente empregado em projetos de construção e manobras militares constantes. Com efeito, uma das grandes preocupações de Adriano era o evidente relaxamento da disciplina militar pelo excesso de confortos e luxos nos quartéis, situação que ele combateu.
Já na esfera social, Adriano expandiu o programa dos “Alimenta” (fornecimento gratuito de gêneros alimentícios aos cidadãos pobres da Itália), implantado por Trajano.
Adriano declarou publicamente que seu propósito era visitar todas as províncias do Império Romano, a fim de verificar pessoalmente as condições dos cidadãos romanos, conhecer os problemas das províncias e fiscalizar a administração regional.
E com efeito, Adriano visitou a Gália e o Reno (120-121 D.C), a Bretanha (121-122 D.C), a Espanha (122 D.C), a Ásia (123 D.C), a Grécia (125D.C), e, após voltar à Roma, a África (128D.C), novamente a sua amada Grécia (Atenas, 128D.C), a Cária, Cilícia, Capadócia e Sìria (129D.C) e o Egito (130 D.C), voltando à Roma em 131 D.C.
Todas essas viagens, a nosso ver, demonstravam uma visão do Império Romano como uma comunidade de povos que compartilhavam a civilização helenística, ao invés de ser meramente um território conquistado pelos romanos e governado por Roma para os de origem italiana.
Aliás,foi muito provavelmente durante a estadia de Adriano na Bitínia que ele conheceu o belo adolescenteAntinoos, ou Antinous, que foi enviado para Roma para ser educado como pajem e que se tornaria seu notório amante.
Outra reforma importante implementada por Adriano foi a designação de integrantes da classe equestre para os cargos da burocracia imperial (Trajano, ao contrário, deu preferência aos membros da classe senatorial), assegurando-lhes, a partir daí, a promoção para os mais altos cargos da magistratura. Esse passo foi seguido pela profissionalização do Conselho do Imperador (Consilia Princeps), corpo consultivo que passaria a ser integrado por conselheiros pagos e não mais por libertos ou servos domésticos do Imperador.
No campo do Direito, Adriano foi o primeiro a editar um Código de Leis publicado para ser conhecido para todos os cidadãos. Esse Código, elaborado pelo célebre jurtsta Sálvio Juliano, chamado de Édito do Pretor (depois conhecido com Editum Perpetuum), marcou uma profunda alteração no sistema jurídico-legal romano, pois, até então, tradicionalmente, os juízes (pretores) publicavam seus éditos com a sua interpretação jurídica das leis e costumes romanos, que era considerada como uma fonte do Direito.
Agora, todos os éditos anteriores ao Editum Perpetuum estavam sendo fixados no Código e, a partir daí, somente o Imperador poderia alterar a legislação mediante a expedição de decretos ou de leis ratificadas pelo Senado. Esta era uma mudança revolucionária: do sistema de direito de precedente judiciário e judge men’s law (direito dos juízes) para o direito codificado ou legislado, que, ainda hoje, marca a divisão entre os sistemas jurídicos existentes no mundo.
Adriano foi também um grande construtor, e os edifícios mais famosos em Roma construídos durante o seu reinado foram: o Templo de Vênus e Roma, o seu próprio Mausoléu (que ainda existe, na forma do Castelo de Santo Ângelo), e o muito bem preservado Pantheon, no qual, pretendendo demonstrar humildade, Adriano manteve a inscrição ostentada na fachada do prédio antecessor, que havia sido destruído havia tempos, declarando que havia sido construído por Marcus Agrippa. Espetacular também foi a sua Villa, em Tìvoli, que constituía praticamente um grande parque temático sobre o mundo helenístico.
(Pantheon e Templo de Vênus e Roma – este reconstituído por Franck devedjian)
PERSONALIDADE
A personalidade de Adriano era certamente refinada, complexa e contraditória. Ele queria ser visto como, e, tudo indica, se esforçava mesmo para ser, um monarca esclarecido, humano, tolerante, pio e dedicado ao serviço público, mas Adriano também era excessivamente vaidoso, de temperamento colérico e emotivo.
Os seguintes casos preservados pelas fontes podem dar uma idéia:
Sabe-se que Adriano publicou leis visando melhorar a condição dos escravos. Contudo, consta que certa vez, irritado com um seu escravo doméstico, Adriano cravou o seu estilete de escrita no olho do infeliz escravo. Logo depois, tomado de remorso, Adriano pediu perdão ao escravo e, visando reparar essa violência, disse que o escravo poderia pedir qualquer coisa que quisesse, que ele, Adriano, lhe daria. Resposta do escravo: “Só quero o meu olho de volta“.
Outra vez, quando Adriano viajava, uma mulher abordou a comitiva imperial para fazer um pedido, ao que ele respondeu: “Não tenho tempo para te ouvir“. A mulher então, ousadamente, replicou: “então, não seja imperador!“. Adriano, envergonhado, parou e ouviu o requerimento da mulher .
Cássio Dião descreve Adriano como sendo um homem agradável de se encontrar e dotado de um certo charme. Segundo a História Augusta, ele tinha muito interesse em poesia e nas letras e era expert em aritmética, geometria e pintura. Adriano sabia tocar bem a flauta e cantar. Porém, ele excedia-se ao satisfazer seus desejos e escreveu muitos versos aos objetos de suas paixões. Adriano também sabia manejar diversas armas.
Ainda, segundo Cássio Dião, Adriano:
“na mesma pessoa, era austero e genial, solene e brincalhão, ativo e preguiçoso, sovina e generoso, dissimulado e direto, cruel e compassivo e, sempre, em todas as coisas, volúvel“.
Certamente, Adriano era muito vaidoso intelectualmente, o que deu margem a algumas estórias sobre a inveja que sentiria de outros homens admirados pelo talento. Consta que até que ele teria mandado matar o arquiteto Apolodoro de Damasco porque este debochara de seus desenhos e desdenhara das suas sugestões para o Pantheon e o Templo de Vênus e Roma. Mas alguns duvidam que essa narrativa seja verdadeira.
Sobre a vida afetiva de Adriano, parece que o casamento com a imperatriz Sabina era de fachada, Ela inclusive teria tido um relacionamento amoroso com o célebre historiador Suetônio. Em todo caso, o casamento imperial não gerou filhos e ela morreu um pouco antes do imperador, em 136 ou 137 D.C.
(Busto da imperatriz Víbia Sabina)
O relacionamento amoroso mais conhecido de Adriano foi com o belo jovem bitínio Antínoo, natural da cidade de Claudiópolis, que ele deve ter conhecido em 123 D.C, durante a sua viagem pelas províncias da Ásia. O menino deveria ter, então, cerca de 13 anos e foi levado para Roma para ser educado. Sendo ele grande admirador da cultura grega, é provável que a relação íntima de Adriano com o rapaz tenha se desenvolvido como a relação entre as figuras do “eraster” e do “eromenos“, onde um homem adulto assume o papel de mentor educacional de um pupilo, ocasião em que se admitia, na Grécia, o relacionamento sexual entre eles (pederastia). Considerando que a elite romana, no período, era fortemente influenciada pelo helenismo, provavelmente a relação entre Adriano e Antinoos, naquele momento, não foi considerada escandalosa, ao menos enquanto o rapaz era adolescente.
Porém, em 130 D.C, durante a viagem de Adriano pelo Egito, quando eles navegavam pelo Nilo, a flotilha imperial parou na cidade de Hermópolis e durante essa parada, Antinoos afogou-se no rio. Consta que Adriano chorou copiosamente a perda do amante. Pouco depois, Adriano conseguiu que os gregos deificassem Antinoos e ordenou que uma cidade no Egito fosse construída no local da morte do amante, batizando-a de Antinoopolis. Inúmeras estátuas do jovem foram espalhadas pelo Império (muitas ainda existem).
As fontes antigas divergem sobre a causa da morte de Antinoos. As versões variam entre suicídio, assassinato, sacrifício e acidente. Para alguns, o próprio rapaz, percebendo que em breve a relação terminaria devido á sua condição de homem adulto, já que a relação amorosa aberta entre homens adultos livres não era aceita pela sociedade romana, teria se matado. Esse também seria o motivo pelo qual ele poderia ter sido assassinado. Para outros, Antínoo teria se oferecido voluntariamente para ser sacrificado em prol da vida ou saúde de seu amante, em algum misterioso ritual religioso, ou, ainda, ele teria sido apenas vítima de um infeliz acidente. O fato é que as homenagens prestadas pelo imperador a Antinoo foram consideradas excessivas e expuseram Adriano ao ridículo, ao menos segundo nos conta a História Augusta.
O conflito militar mais importante do reinado de Adriano foi a revolta judaica liderada por Simão Bar-kohba, entre 132 e 136 D.C, que foi implacavelmente reprimida, com a destruição de Jerusalém, a morte estimada de 580 mil judeus e a deportação de grande parte da população judaica , vendida como escrava, episódio chamado pelo povo hebreu de “A Grande Diáspora“. Sobre as ruínas de Jerusalém, Adriano ordenou a construção de uma nova cidade, batizando-a de Élia Capitolina.
MORTE
O final da vida de Adriano foi atormentado por uma grave doença que lhe causou muito sofrimento, ao ponto de seus assessores mais íntimos se preocuparem em evitar que ele tivesse qualquer instrumento potencialmente letal à sua disposição, por medo de que ele se matasse.
Adriano escolheu como sucessor Lucius Ceionus Commodus, em 136 D.C, um senador que era filho de um dos quatro consulares que ele havia executado no início do seu reinado. Porém, Lucius, que adotou o nome de Lucius Aelius Caesar, morreu no início de 138 D.C. Adriano, então, adotou Titus Aurelius Fulvus Boionius Arrius Antoninus (o futuro imperador Antonino Pio), que era casado com Faustina, uma sobrinha da imperatriz Sabina e filha de Marco Ânio Vero, grande amigo de Adriano e membro de uma família conterrânea da Hispânia, como novo herdeiro.
Segundo a História Augusta, em seu leito de morte, Adriano compôs o célebre poema Anima, Vagula, Blandula (Pequena alma terna e flutuante), uma belíssima peça lírica que ilustra a riqueza do espírito do moribundo Imperador:
“Pequena alma terna e flutuante,
hóspede e companheira de meu corpo,
vais descer a lugares pálidos, duros, nús,
onde renunciarás aos jogos de outrora.“
(Lápide moderna em mármore com o poema de Adriano em latim, colocada no interior do seu Mausoléu, hoje Castello Sant’Angelo, em Roma. Foto: Carole Raddato)
Em 10 de julho de 138 D.C., o coração de Adriano parou de bater em sua villa no tradicional balneário de Baiae. Ele tinha 62 anos de idade e seu reinado durou 21 anos, um dos mais longos da História, então somente superado por seus predecessores Augusto e Tibério. Adriano inicialmente foi sepultado em uma villa que havia pertencido a Cícero, e depois seus restos foram trasladados para Roma, onde foram cremados e depositados no seu magnífico Mausoléu de Adriano, juntamente com os de sua esposa Sabina e seu filho adotivo Lúcio Élio, pelo seu sucessor Antonino, que, por ter conseguido convencer o relutante Senado Romano a deificar Adriano, recebeu o cognome de “Pio“.
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(O Festival da Colheita, tela de Sir Lawrence Alma-Tadema, 1871)
No dia 7 de julho, os romanos comemoravam as Nonas Caprotinas, ou Caprotinia, também chamadas, ainda, de Nonas dos Figos Selvagens, que era o festival em honra de Juno Caprotina, a divindade protetora das mulheres escravas.
(Estátua de Juno Caprotina)
Segundo a lenda, uma virgem romana chamada Philotis, que tinha sido capturada pelos gauleses, ou, segundo outra versão, por uma tribo latina adversária dos romanos, subiu em uma figueira selvagem (Caprificus) existente no acampamento inimigo e acendeu uma tocha, assinalando para os romanos o local onde eles deveriam atacar os adversários.
Durante o festival da Caprotinia, do qual só participavam mulheres, as escravas deveriam correr se batendo com os próprios punhos ou com pedaços de pau, e depois elas banqueteavam-se sob uma figueira.