TITO, O IMPERADOR QUE SÓ TEVE TEMPO PARA SER AMADO

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Em 30 de dezembro de 39 D.C., nascia, em Roma, Titus Flavius Sabinus Vespasianus (Tito), filho mais velho de Tito Flávio Vespasiano (que trinta anos mais tarde se tornaria o imperador Vespasiano) e de Domitila, a Velha.

Os Flávios eram uma família de origem sabina (povo itálico vizinho dos romanos), proveniente da cidade de Reate, que, no final da República, ingressaram na classe dos Equestres (ou Cavaleiros), que era o segundo nível hierárquico da nobreza romana.

Com efeito, o bisavô paterno de Tito havia sido um mero centurião das tropas de Pompeu, que lutou na Batalha de Farsália, durante a guerra civil entre este e Júlio César, e, depois, coletor de impostos. Já o seu avô paterno, Titus Flavius Sabinus, também foi coletor de impostos na Província romana da Ásia e, depois, banqueiro.

Por sua vez,  família de Domitila, a Velha, mãe de Tito, havia se estabelecido na cidade de Sabratha, na colônia romana da África. durante o reinado de Augusto, sendo o avô materno de Tito um simples secretário de um questor daquela província (Nota: Domitila, a Velha é avó de Flávia Domitila, que foi canonizada pela Igreja Católica como Santa Flávia Domitila e era sobrinha de Tito. As chamadas Catacumbas de Domitila, em Roma, têm esse nome porque as terras pertenciam a ela, que as legou para a nascente comunidade cristã da Cidade, ainda no século I D.C).

Porém o pai de Tito, Vespasiano, e o irmão mais velho deste, Sabino, tiveram sucesso no serviço público e no Exército, durante os reinados de Calígula e Cláudio. Vespasiano, inclusive, conseguiu ingressar no círculo mais íntimo do imperador Cláudio, em função da sua relação amorosa com a influente liberta Antônia Caenis, que era secretária pessoal da mãe de Cláudio, Antônia, a Jovem, e da amizade com o liberto Narcissus, que era um dos principais ministros deste imperador.

Assim, durante o reinado de Cláudio, Vespasiano conseguiu atingir o cume da carreira pública das magistraturas romanas, ao ser nomeado Cônsul, em 51 D.C., também obtendo um importante comando militar na conquista da Britânia.

Por isso,  Tito teve o raro privilégio de ser educado junto com Britânico, o filho natural de Cláudio, e, obviamente, um natural pretendente ao trono, muito embora as maquinações da imperatriz Agripina, a Jovem persuadissem Cláudio a privilegiar o filho desta, Nero, que foi adotado como herdeiro pelo imperador.

Não obstante, vale observar que, anos mais tarde, quando ficou claro que ele seria o herdeiro de Vespasiano, o comportamento de Tito, durante a sua mocidade suscitaria alguns temores naqueles que chegaram a perceber muita semelhança entre ele e Nero, sobretudo no que tange aos prazeres mundanos…

Segundo o historiador Suetônio, o jovem Tito era bonito e forte, apesar dele ser baixo e barrigudo. Ele montava bem à cavalo e era bom no manejo das armas, notadamente o arco e a flecha (inclusive, durante o Cerco a Jerusalém, Tito teria oportunidade de demonstrar esta habilidade). Outro talento que chamou a atenção, embora fosse um tanto mais preocupante, era a sua extraordinária capacidade de imitar perfeitamente a caligrafia dos outros.

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Iniciando a sua carreira militar, entre os anos 57 e 63 D.C, Tito destacou-se como tribuno militar na Britânia e na Germânia.

De volta à Roma, em 63 D.C., Tito casou-se com Arrecina Tertulla, que era filha de um ex-Prefeito da Guarda Pretoriana. Porém, Arrecina  faleceria cedo, em 65 D.C., assim, o viúvo Tito em seguida desposou a nobre Marcia Furnilla, que pertencia a uma distinta família da classe senatorial romana (apesar de, originalmente, no início da República, os Márcios serem uma gens plebeia, eles reivindicavam descender do lendário Rei de Roma Ancus Marcius).

Ocorre que o novo casamento de Tito também teria vida curta, pois ele achou por bem divorciar-se da segunda esposa quando membros da família dela foram acusados de participar da Conspiração Pisoniana, liderada por Caio Calpúrnio Pisão contra o imperador Nero, que ocorreu naquele mesmo ano de 65 D.C.

Tito jamais se casaria de novo.

Pouco depois, Vespasiano, que era um general respeitado, no final do reinado de Nero foi nomeado para comandar as legiões que iriam combater a Grande Revolta Judaica, que estourara em 66 D.C.

Na Guerra contra os Judeus, Tito acompanhou Vespasiano até a Judéia, em 67 D.C., comandando a XV Legião.

Quando estourou a rebelião de Gaius Julius Vindex, na Gália, em 68 D.C., que iniciou a cadeia de eventos que resultaria na deposição e suicídio de Nero, Tito foi enviado à capital por Vespasiano para transmitir o reconhecimento das legiões na Judéia ao novo imperador, Galba. Porém, antes de chegar à Roma, Tito recebeu a notícia de que Galba havia sido assassinado e de que agora Otão era o novo imperador. Ele decidiu, então, retornar para a Judéia para ver o que o pai decidiria diante do novo quadro.

Entretanto, já em 69 D.C., Otão foi derrotado por Vitélio, que, pouco antes,  havia sido aclamado pelas legiões da Germânia, e, com a vitória, foi aclamado como o novo Imperador.

Enquanto isso, Tito teve vital importância e participou diretamente das negociações que levaram Muciano, o Governador da Síria, a jogar a cartada de reconhecer Vespasiano como imperador, desprezando o reconhecimento de Vitélio, que, afinal, tinha menos prestígio que o primeiro.

Vespasiano, assim, partiu para Roma para reclamar o trono e deixou sob o comando de Tito a campanha contra a Grande Revolta Judaica. Consequentemente, ficou sob a responsabilidade de Tito a fase mais difícil da guerra: o cerco e captura de Jerusalém. Em 70 D.C., Jerusalém, após um duro sítio, foi finalmente tomada e saqueada pelos romanos.

Segundo o abrangente relato do historiador Flávio Josefo, que era um líder rebelde judeu que foi capturado e aderiu aos romanos, Tito tinha a intenção de poupar da destruição o Grande Templo de Jerusalém, que teria sido acidentalmente incendiado durante o cerco. Porém, para muitos, essa parte do relato de Josefo não teria muita credibilidade, já o que houve de fato foi uma destruição sistemática do templo, sendo que o referido historiador seria muito propenso a incensar os Flávios, os seus captores e patronos.

O Arco de Tito, em Roma, que foi erguido por seu irmão, Domiciano, após a morte de Tito, comemora a vitória obtida por ele contra a revolta judaica e ilustra em relevos o célebre candelabro de 7 braços (Menorah) sendo transportado na procissão triunfal de Tito em Roma.

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Foi durante a Guerra contra os Judeus que Tito envolveu-se com Berenice, uma bela princesa judia, dez anos mais velha do que ele,  e que era bisneta de Herodes, o Grande, e irmã de Herodes Agripa II, o rei-cliente de Roma que, entre outros territórios, governava a Galileia, situando-se entre seus domínios, a cidade de Cesareia (Nota: Foi em Cesareia, na presença de Berenice, de Herodes Agripa, e do procurador romano Festus, por volta de 59 D.C., que o apóstolo Saulo de Tarso (São Paulo), preso, defendeu sua causa e apelou para ser julgado em Roma (Atos, 26).

O Senado Romano reconheceu Vespasiano como novo Imperador, em 21 de dezembro de 69 D.C.  Em 70 D.C,, enquanto ainda estava no Oriente, Tito foi nomeado Consul junto com seu pai.

Em 71 D.C.Tito recebeu do pai o “Poder Tribunício”, que constituía uma declaração informal de que ele seria o herdeiro e sucessor de Vespasiano (afastando, assim, qualquer pretensão de que seu ambicioso irmão mais novo, Domiciano, pudesse ter de herdar o trono antes dele). Certamente, o sábio Vespasiano quis evitar um dos principais fatores de instabilidade nos reinados dos seus antecessores da dinastia dos Júlios-Cláudios: a pouca clareza quanto à sucessão, pela existência de vários pretendentes dinásticos).

Tito também foi nomeado Prefeito da Guarda Pretoriana, um cargo de grande poder e que demonstrava a confiança que Vespasiano tinha no filho. E, de fato, agindo como comandante da guarnição militar da Capital e Guarda de Honra do Imperador, Tito foi implacável na vigilância e repressão a potenciais ameaças ao reinado do pai, tendo executado sumariamente vários supostos conspiradores.

Em 75 D.C., Tito trouxe sua amante Berenice para viver com ele no Palácio. Porém, a opinião pública romana, sempre suspeitosa contra princesas estrangeiras e não muita afeta à fé judaica, não recebeu bem esta união, talvez amedrontada com um possível paralelo com a união entre Cleópatra e Marco Antônio, que foi considerada prejudicial aos interesses do Estado. Tito, então, teve que se curvar à vontade popular e mandou a princesa judia de volta para o Oriente.

Porém, em 23 de junho de 79 D.C., aos 69 anos de idade, Vespasiano morreu de causas naturais e Tito foi imediatamente aclamado como novo Imperador Romano, aos 38 anos.

Uma das primeiras medidas de Tito foi decretar o fim dos julgamentos por crimes de lesa-majestade (maiestas). Essa antiga lei romana, que originalmente visava processar os responsáveis por conspirações contra a segurança nacional, tinha se tornado, durante o principado, um pretexto para executar qualquer pessoa que desagradasse o trono, até mesmo por uma simples manifestação de desagrado contra os imperadores, inclusive os já falecidos.

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(Estátua de Tito, foto de Sailko)

As palavras de Tito, ao acabar com os processos por maiestas, foram preservadas, e valem ser transcritas:

“É impossível que eu seja insultado ou sofra qualquer tipo de abuso, pois eu nada fiz que mereça censura, e eu não me importo com relatos falsos. No que se refere aos imperadores que já morreram, eles podem se vingar sozinhos se alguém lhes fizer algum malefício, caso sejam eles mesmo semideuses e possuam algum poder…”

A declaração supracitada demonstra que Tito herdou muito da personalidade e das maneiras do pai, Vespasiano, que prezava pela simplicidade, afabilidade e senso de humor. Suetônio assim descreve o comportamento de Tito:

“Ele era muito gentil por natureza, e, considerando que, de acordo com um costume estabelecido por Tibério, todos os Césares que o seguiram recusavam-se a reconhecer favores concedidos pelos imperadores precedentes, a menos que eles próprios os concedessem novamente aos mesmos indivíduos, Tito foi o primeiro a ratifica-los conjuntamente em um simples decreto, não admitindo que fossem requeridos pessoalmente a ele. Ademais, no caso de outros pedidos feitos a ele, a norma que ele adotou foi não deixar ninguém sair sem esperanças. Mesmo quando os seus secretários domésticos advertiam-no que ele estava prometendo mais do que podia cumprir, ele dizia que não estava certo que alguém fosse embora triste de uma audiência com o seu imperador. Em outra ocasião, lembrando-se, enquanto jantava, de que durante aquele dia ele não tinha atendido aos pedidos de ninguém, ele proferiu aquele memorável e louvável comentário: “Amigos, hoje foi um dia perdido

Decorridos cerca de dois meses do reinado de Tito, aconteceu uma das maiores tragédias que já se abateram sobre o Império Romano: a grande erupção do Vesúvio que soterrou Pompéia e Herculano, entre outras cidades.

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Nota: a data da erupção, tradicionalmente considerada como sendo 24 de agosto de 79 D.C., com base em cópias medievais da carta de Plínio, o Jovem, testemunha ocular do fato, descrevendo a erupção, tem sido reconsiderada em função dos achados arqueológicos. Além do estado dos restos de plantas e sementes  encontrados não corresponder a essa estação do ano (verão europeu), indicando mais o outono, recentemente, no final de 2018, nas escavações na chamada Região V da cidade de Pompéia, foi encontrado um grafite feito em carvão em uma parede, contendo a data “17 de outubro” (por ser em carvão, material que se apagaria em pouco tempo ao ar livre, acredita-se que essa inscrição foi feita poucos dias antes da erupção ).

A conduta de Tito após a catástrofe do Vesúvio foi digna de um grande estadista. Ele visitou pessoalmente a região afetada, criou um fundo para assistência às vítimas, tomou medidas para o reassentamento dos sobreviventes e organizou uma comissão do Senado para deliberar sobre medidas adicionais de auxílio.

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(Cabeça de Tito, proveniente de Utica, Museu Britânico, foto de Carole Raddato)

Entretanto, pouco tempo depois, na primavera de 80 D.C., estando o Império ainda traumatizado pela destruição na Itália, uma nova tragédia aconteceria: um novo incêndio de Roma. Novamente, Tito, que ainda estava na Campânia supervisionando as medidas de apoio à população afetada pela erupção do Vesúvio, foi incansável nas ações de assistência aos desabrigados.

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Para alguns dos supersticiosos romanos, e certamente para a maioria dos judeus e cristãos, essas tragédias for consideradas uma punição pela destruição do Templo de Jerusalém.

Mas o reinado de Tito não seria marcado apenas pelas tragédias. Em uma espécie de compensação do destino pelos desastres sucessivos, ficou a cargo de Tito terminar e inaugurar o magnífico e grandioso Amphitheatrum Flavium (Anfiteatro Flávio), que ficaria conhecido popularmente como “Colosseum” (Coliseu). O nome do Coliseu deriva do fato dele ficar ao lado da enorme estátua dourada de Nero (que, segundo os relatos, seria maior do que a moderna Estátua da Liberdade, em Nova York),  conhecida como “Colossus” (Colosso).

A construção do Coliseu foi iniciada por Vespasiano, em cujo reinado a maior parte do edifício foi construída, aproveitando as fundações e parte da estrutura do enorme palácio de Nero (“Domus Aurea“), que foi soterrado.

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(O autor no Coliseu, em 2000)

Foram 100 dias de jogos inaugurais e, portanto, feriados, para deleite da plebe romana, que assistiram a lutas de gladiadores e caçadas de animais (cerca de 9 mil animais teriam sido mortos durante o período desses jogos).

Tito também construiu e inaugurou, no mesmo período que o Coliseu (80-81 D.C.), as suas Termas ou Banhos de Tito) para o uso da população de Roma e que, assim como no caso do Coliseu,  aproveitaram a infraestrutura da Domus Aurea. Embora não fossem muito grandes, comparados com os complexos de banhos que os imperadores construiriam nos séculos posteriores, as Termas de Tito foram as terceiras termas públicas construídas em Roma, após as Termas de Agripa e as Termas de Nero. Segundo Suetônio, nas suas Termas, Tito costumava banhar-se junto com os demais frequentadores do povo.

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Na política externa, o único desafio enfrentado por Tito foi uma revolta das tribos da Britânia, que foi debelada pelo general Agrícola, que levou suas legiões em campanha até a Escócia.

Em 13 de setembro de 81 D.C., o imperador Tito morreu de uma febre súbita, quando visitava a terra natal de seus antepassados, em território sabino, aos 41 anos de idade. A suas últimas palavras teriam sido:

“Cometi senão um erro”.

O real significado da frase derradeira de Tito sempre suscitou muita discussão entre os historiadores. Para alguns, ele se referia ao fato de não ter executado o irmão Domiciano, cujo caráter já há tempos já dava mostras de ser tirânico e que, segundo alguns relatos, teria conspirado para derrubar Tito. Houve também quem acreditasse que o erro lamentado teria sido um romance adúltero que Tito teria mantido com a mulher do irmão, Domícia Longina.

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(Quadro “O Triunfo de TIto“, de Sir Lawrence Alma-Tadema (1885). Na cena, Vespasiano é seguido por Domiciano, de mãos dadas com sua esposa Domícia Longina, que olha sugestivamente para Tito)

O reinado de Tito somente durou dois anos. Apesar das catástrofes ocorridas, o seu comportamento afável e generoso, a ausência de perseguições durante o seu governo, a sua procupação com a sorte das vítimas dos desastres e as obras públicas e espetáculos grandiosos, granjearam-lhe a estima do povo e dos historiadores, que lhe retrataram de maneira favorável.

Nas palavras de SuetônioTito foi:

“O querido e a delícia da raça humana”.

CONCLUSÃO

Tito é um daqueles exemplos em que a morte de uma celebridade jovem no auge da fama preserva a mitifica a sua boa imagem.

Ademais, o reinado do sucessor de Tito, Domiciano, mais autocrático e centralizador, desagradou boa parte dos senadores, que acabaram engendrando algumas conspirações para derrubá-lo. Após o assassinato de Domiciano, a história do reinado dele foi contada por historiadores ligados à classe senatorial, hostis a Domiciano, e os relatos dos mesmos tendem a classifica-lo como um “mau” imperador, cujo reinado intercala-se entre os reinados dos “bons” imperadores, Tito e Nerva.

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DIOCLECIANO – O RECONSTRUTOR DO IMPÉRIO ROMANO

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(Cabeça de Diocleciano, foto de Giovanni Dall’Orto)

Origem

Em 22 de Dezembro de 244 D.C., nasceu, em Salona, na província romana da Dalmácia, próximo à atual cidade de Split, na Croácia, Gaius Aurelius Valerius Diocletianus (Diocleciano).

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(Ruínas romanas de Salona)

O nome verdadeiro de nascença de Diocleciano era Diocles Valerius e ele era filho de um humilde escriba de um senador chamado Anulinnus. Com efeito, acredita-se que o pai de Diocleciano era provavelmente um escravo liberto ou então filho de um liberto.

Embora não saibamos nada sobre a infância e juventude de Diocleciano, é certo que ele alistou-se no Exército Romano e, como muitos conterrâneos de origem ilíria, foi sendo promovido até as mais altas patentes.

Assim, quando a História começa a mencionar a carreira de Diocleciano, ele já ocupava o importante posto militar de Duque da Moésia (Dux Moesiae), no baixo Danúbio.

Ascensão

Em 282 D.C., Diocleciano foi promovido pelo imperador Caro ao prestigioso posto de Comandante dos “Protectores Domestici”, o corpo de cavalaria de elite que funcionava como uma espécie de Guarda Imperial. Nesta condição, Diocleciano acompanhou Caro na guerra contra a Pérsia.

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Aclamação

Após a morte de Caro no Oriente, em 283 D.C. (segundo consta, ele foi atingido por um raio enquanto travava a bem sucedida campanha contra os Persas), os seus filhos Carino e Numeriano, assumiram o trono, sendo que o primeiro assumiu, informalmente, o governo da metade ocidental do Império, e o último, o do Oriente.

Porém, no decorrer do ano seguinte, Numeriano morreu, acometido de uma misteriosa inflamação nos olhos, quando voltava da Pérsia (algumas fontes levantem a suspeita de que ele foi assassinado pelo Prefeito Pretoriano, Lucius Flavius Aper (Áper).

Verdadeira ou não a participação de Áper na morte de Numeriano, o seu suposto crime não lhe trouxe o proveito esperado, pois, quando o exército imperial alcançou os subúrbios de Nicomédia (atual Izmir, na Turquia), um conselho de generais escolheu Diocleciano como sucessor, em 20 de novembro de 284 D.C.

Na presença das tropas reunidas para a sua aclamação, Diocleciano imediatamente acusou Áper de ter assassinado Numeriano e, em seguida, executou-o com a própria espada, na frente dos soldados estupefatos (há quem defenda que Diocleciano estava implicado na trama que assassinou o imperador e a morte de Áper teria sido na verdade uma “queima de arquivo”).

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Eliminando o rival

Ao assumir o seu primeiro consulado, Diocleciano escolheu como colega Lúcio Cesônio Basso, um experiente político de uma ilustre família romana, e, não, como seria natural, o outro imperador, Carino, o filho de Numeriano que reinava em Roma. Este ato representava uma na prática uma declaração de rompimento com Carino, prenunciando uma guerra civil.

Todavia, a disputa entre Carino e Diocleciano foi breve: Diocleciano avançou para o Oeste em direção à Itália e foi confrontado pelas forças de Carino na província da Moésia, no rio Margus, próximo a Viminacium, que ficava no território vizinho à atual Belgrado. No começo da batalha, Aristóbulo, o prefeito pretoriano de Carino desertou para o campo inimigo. Antecipando a derrota, os próprios soldados de Carino, mataram o seu imperador e aclamaram Diocleciano, em julho de 285 D.C.

Consolidando o poder

Contrariando o que se esperava de um imperador romano do século III D.C, o vitorioso Diocleciano não perseguiu os partidários de Carino, mantendo nos cargos muitos dos auxiliares deste, o que emulava, de certa forma a célebre clemência de Júlio César. Por sua vez, Aristóbulo foi mantido como Prefeito Pretoriano e Basso foi nomeado Prefeito Urbano de Roma.

Um dos primeiros atos de Diocleciano no trono foi escolher um colega para governar em conjunto com ele e o escolhido foi seu velho amigo e companheiro de armas, o general e conterrâneo de origem ilíria, Marcus Aurelius Valerius Maximianus (Maximiano). Embora os amigos compartilhassem a origem humilde, Maximiano, ao contrário de Diocleciano, era um homem muito mais áspero e implacável. Não obstante, Diocleciano mantinha sobre o amigo uma perceptível ascendência moral e intelectual. Assim,em 1º de abril de 286 D.C., Maximiano foi elevado do posto de “César” para  o de “Augusto”, que correspondia ao de Imperador.

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(Cabeça de Maximiano

Sintomaticamente, os dois Augustos concederam-se os títulos de “Júpiter” (Diocleciano) e de “Hércules”(Maximiano). Com efeito e não por acaso, os títulos e os atributos das divindades escolhidas visavam ilustrar o papel de ambos no Império Romano, onde Diocleciano aparecia como o sábio pai dos deuses e chefe do Olimpo e Maximiano como o guerreiro encarregado das tarefas militares. Desse modo, embora os dois fossem juridicamente iguais, Diocleciano mantinha para si, na prática, o status de “imperador sênior”.

Campanhas internas e externas

Diocleciano, desde logo o início do seu reinado, demonstrou uma certa rejeição à cidade de Roma. Muitos historiadores até acreditam que ele sequer chegou a visitar a velha capital quando de sua ascensão ao trono, ou, segundo outros, ele passou por lá tão brevemente que, em novembro de 285 D.C., ele já estava nos Bálcãs em campanha contra os Sármatas, os quais foram batidos, embora não esmagados.

Enquanto isso, Maximiano lidava com os bandos de fora-da-lei conhecidos como bagaudas, no norte da Gália. Submetidos estes, foi a vez dele combater a insurreição de seu subordinado Caráusio, o comandante da frota do Mar do Norte, que chegou a ser aclamado “Imperador da Britânia”. Porém, Caráusio estava firmemente estabelecido na Ilha e lá ele conseguiu resistir por sete anos, cunhando moedas em que ostentava o título de imperador e “irmão” de Diocleciano e Maximiano e louvava a concórdia (paz) entre eles.

Maximiano resolveu lutar contra os Alamanos, na fronteira do Reno, os quais ele combateu inicialmente sozinho, recebendo, posteriormente, a ajuda do colega Diocleciano. Essa campanha foi bem sucedida, e Diocleciano pode voltar sua atenção para o Oriente, onde os Persas criavam problemas crescentes.

Estabelecido em Nicomédia, as iniciativas de Diocleciano asseguraram a assinatura de um tratado de paz com os persas bastante favorável a Roma, que conseguiu instalar um rei-cliente no trono da Armênia. No Oriente, Diocleciano ainda combateu invasores árabes (sarracenos) na Palestina.

Na virada do ano de 290 D.C para 291 D.C, Diocleciano voltou para a Itália, onde encontrou com seu colega Maximiano em Milão, que tinha passado a ser a capital do Ocidente. 

Outras questões externas que ocupariam Diocleciano foram novos ataques dos Sármatas, um povo de origem iraniana, em 294 D.C., que foram derrotados de modo mais duradouro. O imperador decidiu reforçar a fronteira do Danúbio construindo uma cadeias de fortes abrangendo as cidades de Aquincum (atual Budapeste), Bononia (atual Vidin, na Bulgária), Ulcisia Vetera, Castra Florentium, Intercisa (atual Dunaújváros, na Hungria) e Onagrinum (atual, Begec, na Sérvia), que se tornaram parte de uma nova linha defensiva chamada de Ripa Sarmatica. Em 295 e 296 D.C., foi a vez dele dar combate à tribo bárbara dos Carpi, os quais também foram derrotados.

A Tetrarquia

A vivência da eclosão de crises simultâneas em diferentes partes do Império certamente contribuiu para estimular Diocleciano a idealizar a medida mais revolucionária do seu reinado: a chamada Tetrarquia, em 293 D.C.

Em 1º de março de 293 D.C., Diocleciano resolveu nomear o general Flávio Constâncio “Cloro”, genro de Maximiano e Prefeito Pretoriano da Gália, e recentemente encarregado da campanha contra Caráusio, como “César“, o que caracterizava, na prática, o posto de imperador “júnior”, e de herdeiro de Maximiano. Provavelmente, na mesma data ou um pouco depois, Diocleciano nomeou seu genro, o general Galério, marido de sua filha Valéria (Diocleciano não teve filhos homens), para o posto de César, passando a ser o seu herdeiro.

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Bloco de pórfiro entalhado com a representação dos Tetrarcas, trazido de Constantinopla pelos venezianos e colocado na lateral da Basílica de San Marco

Diocleciano considerava o Império Romano grande demais para ser governado por apenas um monarca, motivo pela qual instituiu a Tetrarquia, onde ele seria administrado por quatro governantes imperiais, sendo dois mais graduados, que teriam o título de “Augusto“, inicialmente com as respectivas capitais em Milão e Nicomédia, e dois, em plano um pouco inferior e subordinados a eles, nomeados “César“, instalados em Trier e Sirmium. A escolha dos “Césares”, pelos “Augustos”, visava assegurar uma sucessão tranquila e automática, teoricamente baseada no mérito, sendo que, quando o trono ficasse vago, o “César”, já previamente nomeado e experimentado na tarefa de governar, assumiria o posto vago de “Augusto” e, por sua vez,  este escolheria o novo “César”.

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(Embora a ilustração retrate Maxêncio, os trajes dele certamente são os mesmos que os tetrarcas deviam usar, incluindo o tradicional gorro ilírio,  costumeiramente utilizado pelos militares originários daquela região e que também foi retratado na escultura existente na Basílica de São Marcos).

Reformando o Império

Outra grande reforma administrativa promovida por Diocleciano foi a redivisão das cerca de 50 províncias romanas em 100 unidades menores, agrupadas em doze “Dioceses”, governadas por “Vigários”(Vicarii). Esses Vigários deixaram de ter funções militares, que foram transferidas para dezenas de “Duques” (Duces), mas retendo funções administrativas, judiciárias e fiscais. Dessa forma, Diocleciano tencionava diminuir a possibilidade de revoltas, tão frequentes durante o período imperial, dividindo e diminuindo o poder de que disporiam esses administradores.

Diocleciano também praticamente dobrou o número de funcionários públicos civis e também os efetivos do Exército Romano.

O consequente aumento da despesa pública gerado pelo aumento do tamanho do funcionalismo público e dos militares foi enfrentado com uma grande reforma no sistema tributário imperial. Após a realização de um abrangente e detalhado censo, foram estabelecidas duas unidades fiscais chamadas de “jugum” e de “caput”, a primeira levando em consideração uma determinada área de terra em função do tipo e da quantidade de produção agrícola que ela seria capaz de sustentar, num conceito um tanto parecido com o do módulo rural, e a segunda, o número de pessoas que neles viviam, podendo variar em função do sexo e idade. Em decorrência, os impostos passaram a serem calculados em função da quantidade de “jugera” e “capita” atribuídos a cada região ou cidade integrante do Império. E os impostos agora passavam a ser pagos não apenas em dinheiro, mas também em gêneros (conferir a esse respeito a obra The Later Roman Empire, de A.H.M. Jones)

Para combater a crescente inflação, Diocleciano determinou duas medidas:

1- Uma reforma monetária, estabelecendo três tipos de moeda: de ouro (aureus), de prata (argenteus) e de cobre (follis), fixando os percentuais de metais nas ligas com  as quais elas seriam cunhadas.

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(Um “Antoniniano” de Diocleciano, moeda anterior a reforma monetária, foto de Sosius11)

2- Entretanto, como a inflação não cedia, Diocleciano baixou o seu célebre “Édito de Preços Máximos”, em 301 D.C., que se tratava de uma verdadeira lei de congelamento de preços, bem similar às tão conhecidas dos brasileiros em tempos não tão distantes e que, da mesma maneira que as leis brasileiras, não deu certo, gerando desabastecimento…

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(lápide contendo parte do Édito de Preços Máximos, de Diocleciano)

Uma outra medida de Diocleciano, e que, para muitos historiadores, teria influência duradoura na Europa Medieval, foi a lei que obrigava aos camponeses e seus descendentes a trabalharem permanentemente nas terras agrícolas, tornando compulsória e hereditária esta atividade, além de outras profissões, entre as quais as de soldado, padeiro e até mesmo a função de membros das câmaras municipais, uma política que muitos veem como uma das origens do sistema feudal.

Diocleciano procurou assegurar a estabilidade política do trono promovendo uma verdadeira sacralização da pessoa do imperador, algo que ele fez, não por vaidade, mas para impedir as reiteradas conspirações para derrubar os imperadores romanos, tão comuns ao longo da história imperial. Assim, o cerimonial da corte tornou-se altamente ritualístico, estabelecendo-se como dever de todos que chegassem à presença do imperador prostrar-se no solo (“adoratio”), como se estivessem na presença de um deus. Do mesmo modo, somente o monarca poderia usar a cor púrpura. O título imperial de “Príncipe”, que tinha origem na expressão “primeiro senador”, foi substituído pelo de “Dominus” (Senhor).

O Conselho do Imperador (“Consilium”), que tradicionalmente tinha entre seus componentes algum senador ou figura pública, foi substituído pelo Consistório, um nome que denotava uma assembleia particular e privada.

A ênfase no culto ao imperador, decorrente da política acima citada, levou inevitavelmente à exigência de demonstrações públicas de devoção. Não surpreende, assim, que os Cristãos, que admitiam adorar apenas um Deus, tenham sido alvo de uma perseguição implacável por Diocleciano, decretada em 303 D.C, e que seria batizada pela Igreja Católica como “A Grande Perseguição”. Não obstante, não se pode afirmar que Diocleciano, pessoalmente, nutrisse ódio ou inimizade pelo Cristianismo.

Com efeito, as medidas de Diocleciano contra a fé cristã parecem decorrer mais de sua vontade dele ser o restaurador da velha grandeza do Império Romano, o que também incluía o fortalecimento da religião tradicional romana, do que a um ódio particular contra esta religião. Consta que o seu colega Galério é que era radicalmente avesso aos cristãos. Curiosamente, vale notar que, segundo algumas fontes, Valéria, filha de Diocleciano e esposa de Galério, era simpatizante do Cristianismo ou seria até mesmo cristã, o mesmo ocorrendo com sua mãe, Prisca.

Abdicação e aposentadoria

Em 20 de novembro de 303 D.C., Diocleciano finalmente visitou Roma para comemorar o vigésimo aniversário do seu reinado. Foi uma breve estadia, pois o imperador não gostou das maneiras pouco deferentes dos romanos. Um mês depois, ele viajou para Ravena, de onde partiu para uma campanha no Danúbio. Porém, a saúde de Diocleciano começou a piorar e ele resolveu voltar para Nicomédia, onde ficou recluso no palácio, o que fez circular o boato de que ele havia morrido.

Em março de 305 D.C., Diocleciano reapareceu em público. Poucos dias depois, Galério chegou à Nicomédia. Então, em 1º de maio do mesmo ano, Diocleciano reuniu os generais do Exército e anunciou que ele estava doente e que precisava descansar. E, num gesto inédito na história do Império Romano, o imperador comunicou que iria abdicar em favor de um herdeiro mais capaz: Com base no sistema da Tetrarquia, Galério o sucederia como Augusto e Maximiano também abdicaria, fiel e obedientemente, do trono, sendo sucedido por Constâncio Cloro.

A grande surpresa, porém,  foi quando se anunciaram quem seriam os novos Césares…Com efeito, todos pensavam que Maxêncio, filho de Maximiano, e Constantino, filho de Constâncio Cloro, seriam os novos Césares. Porém, os escolhidos foram Maximino Daia, sobrinho de Galério, e Severo, este um velho amigo de Galério. Portanto, a Tetrarquia, que mal começara, já nascia, assim, ameaçada em sua estabilidade pelo preterimento de dois candidatos naturais à sucessão. Tudo indica que isso decorreu da vontade de Galério, que era agora o verdadeiro homem-forte da Tetrarquia.

Diocleciano, após a abdicação, foi viver em seu espetacular palácio-fortaleza na cidade de Salona, em sua terra natal. Boa parte deste palácio ainda existe e, em seu vasto interior, nasceu a atual cidade de Split, na Croácia. De fato, Diocleciano parece ter encontrado a verdadeira felicidade cuidando de suas hortas e jardins. Assim, consta que, durante a guerra civil que logo eclodiu entre os seus sucessores e precipitou o fim da Tetrarquia, Diocleciano foi instado por populares a reassumir o trono, ao que ele teria respondido:

Se vocês pudessem mostrar ao imperador os repolhos que eu plantei com minhas próprias mãos, ele definitivamente jamais sugeriria que eu trocasse a paz e a felicidade deste lugar pelas tormentas de uma insaciável ambição”.

Morte

Diocleciano morreu em 03 de dezembro de 312 D.C., aos 67 anos de idade, em seu palácio em Split, sendo sepultado em um mausoléu octogonal que ele havia mandado construir no interior do mesmo.

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Reconstituição da aparência do Palácio de Diocleciano, em Split

Legado

O principal feito de Diocleciano foi conseguir dar estabilidade ao Império após um século de crises, guerras civis, derrotas militares e tumultos. Efetivamente, fazia mais de cem anos que um imperador não conseguia reinar 20 anos: A média no período tinha sido de cerca de três anos de reinado para cada imperador em 100 anos. Para isso contribuiu, certamente, a sacralização da imagem do Imperador, oficialmente estabelecida como “Dominus et Deos” (Senhor e Deus). Por isso, o reinado de Diocleciano é considerado um marco que divide a História do Império Romano entre os períodos do “Principado” ( a partir de Augusto, o primeiro imperador) e do “Dominado” (a partir de Diocleciano).

As linhas estabelecidas por Diocleciano, foram em grande parte mantidas por Constantino, que derrotou os demais contendores pelo espólio da Tetrarquia (sendo a mais notável exceção a política religiosa) e elas duraram até o final do Império do Ocidente, cerca de 200 anos mais tarde.

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MAXÊNCIO

Em 28 de outubro de 306 D.C, Maxêncio foi aclamado como imperador pela população romana e pelos remanescentes da Guarda Pretoriana.

Cabeça de Maxêncio, foto By shakko – Own work, CC BY 3.0, https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=3273001

Nascido por volta de 278 D.C, em local ignorado, Marco Aurélio Valério Maxêncio era filho do ex-Imperador Maximiano e de sua esposa Eutrópia, que tinha origem síria.

Maximiano, era filho do dono de uma pequena venda próximo a Sirmium, na Panônia (atual Sérvia) e, como tantos outros compatriotas ilírios, fez uma brilhante carreira no Exército Romano, ascendendo aos mais altos postos da hierarquia.

O mais importante dos generais ilírios desse período foi Diocleciano, que reorganizou militar e administrativamente o Império Romano, a partir da sua coroação, em 284 D.C. Entre as inovações introduzidas por Diocleciano estava a divisão do poder imperial, antes centralizado na pessoa de um monarca que governava o Império a partir da cidade de Roma, entre quatro governantes, sendo dois mais graduados, com o título de “Augusto”, com as respectivas capitais em Milão e Nicomédia, e dois, em plano um pouco inferior e subordinados a eles, nomeados “César”, instalados em Trier e Sirmium.

Cabeça de Diocleciano

Esse novo regime de quatro governantes imperiais recebeu o nome de “Tetrarquia“. De acordo com o plano de Diocleciano, a sucessão se daria naturalmente entre os Augustos e os Césares que lhes eram subordinados, pela aposentadoria dos primeiros, após o que os novos Augustos nomeariam novos Césares.

Grupo de pórfiro representando os Tetrarcas, hoje inserido na lateral a Catedral de São Marcos, em Veneza

Diocleciano escolheu seu amigo e colega de generalato, Maximiano, como Augusto, ou co-imperador, em 286 D.C. Posteriormente, ele indicou, em 293 D.C, Galério e Constâncio Cloro como Césares. Garantida pela incansável energia e enorme prestígio de Diocleciano, a Tetrarquia, inicialmente, pareceu funcionar bem…

Em um matrimônio arranjado com finalidade política, Maxêncio casou-se com Valéria Maximila, fllha de Galério, também Tetrarca como o seu pai, por volta de 293 D.C. Eles teriam dois filhos, Valério Rômulo, nascido por volta de 295 D.C., e um outro, cujo nome não é conhecido.

Porém, em 305 D.C, Diocleciano, doente e cansado aos 60 anos de idade, resolveu se aposentar, abdicando em favor de Galério e partindo para viver em seu espetacular palácio-fortaleza na cidade de Salona, em sua terra natal. Boa parte do palácio ainda existe e em seu vasto interior nasceu a atual cidade de Split, na Croácia.

Reconstituição artística do Palácio de Diocleciano, em Split

Maximiano, obediente ao sistema criado por Diocleciano, também abdicou em prol de Constâncio Cloro.

Todos pensavam que Maxêncio, filho de Maximiano, e Constantino, filho de Constâncio Cloro, seriam os novos Césares. Porém, grande foi a surpresa quando Maximino Daia, sobrinho de Galério, e Flávio Valério Severo, este um velho amigo de Galério, foram nomeados. A Tetrarquia, que mal começara, já nascia, assim, ameaçada em sua estabilidade pelo preterimento dos dois candidatos naturais à sucessão.

Segundo o historiador antigo Lactâncio, o imperador Galério, já nessa época, teria passado a detestar Maxêncio, por motivos não muito bem esclarecidos.

Entrementes, em 25 de julho de 306 D.C.,na cidade de Eburacum (atual York), Constâncio Cloro morreu, e seu fiho Constantino foi aclamado Augusto pelas tropas comandadas por ambos, em campanha na Britânia, sendo reconhecido, entretanto, por Galério apenas para o posto menor de César.

Para suceder o falecido Constâncio, Galério nomeou seu amigo Severo como Augusto, tornando-o, assim, oficialmente coimperador, ainda durante o verão daquele ano de 306 D.C.

Quando o populacho de Roma soube que Galério planejava acabar com a isenção do imposto pessoal per capita (“capitatio“) de que gozavam os cidadãos da antiga capital, eles se revoltaram e aclamaram Maxêncio, um pretendente óbvio ao trono, Imperador, em 28 de outubro de 306 D.C.

A ascensão de Maxêncio na vetusta Roma foi relativamente pacífica: Apenas o Prefeito da Cidade, Abellius, que se opôs à aclamação, foi assassinado. Dois tribunos militares, Marcellianus e Marcellus, que provavelmente comandavam a Guarda Pretoriana, e, Lucianus, funcionário encarregado da distribuição de carne suína gratuita, apoiaram Maxêncio.

Maxêncio foi reconhecido como imperador pelas províncias da África e na parte central e meridional da Itália, além das ilhas da Córsega, Sardenha e Sicília, mas não no norte da Península, onde ficava Milão, uma das capitais do Império Romano no sistema da Tetrarquia, que era a sede do governo do imperador Severo, o Augusto do Ocidente.

Aureus de Maxêncio, foto By British Museum – British Museum, CC BY-SA 4.0, https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=122653079

Todavia, Maxêncio inicialmente se absteve de usar os títulos de Augusto ou César e se autodenominou Princeps Invictus (“Príncipe Invicto”), na esperança de obter o reconhecimento de seu reinado pelo imperador sênior, Galério.

Enquanto isso, Galério ordenou que Severo deixasse a sua capital em Milão e fosse com seu exército até Roma para sufocar a rebelião. Ocorre que a maioria dos soldados que compunham este mesmo exército tinham sido comandados anteriormente pelo imperador-aposentado Maximiano, pai do revoltoso Maxêncio

Premido pelas circunstâncias, Maxêncio, pediu ajuda ao seu ilustre pai e propôs dividir com ele o trono. Então, quando Severo e seu exército chegaram às muralhas de Roma, com a intenção de sitiar a cidade, as tropas dele desertaram e se uniram ao seu antigo comandante e seu filho Maxêncio.

Cabeça de Maximiano

Frustrado, Severo acabou fugindo para Ravena, entregando-se, depois, a Maximiano, terminando por ser executado, segundo consta, por ordens de Maxêncio (Em outra versão, Severo teria sido forçado a cometer suicídio), em 16 de setembro de 307 D.C., na localidade de Tres Tabernae.

Com a morte de Severo, Maxêncio e Maximiano conseguiram estender seus domínios para o norte da Itália até o norte dos Alpes e a Ístria e Maxêncio sentiu-se confiante para reclamar o título de Augusto.

Enquanto isso, vendo o insucesso de seu amigo e colega Severo, Galério tentou intervir na Itália, invadindo a península à frente de seu exército, mas, após alguns de seus homens também desertarem devido ao prestígio de Maximiano, ele acabou sendo obrigado a se retirar da Itália.

Maximiano então, partiu para a Gália para obter o apoio de Constantino. Lá, na capital Trier, um pacto de amizade foi simbolizado pelo casamento de Constantino com Fausta, a filha de Maximiano e irmã de Maxêncio, no final de 307 D.C. Na mesma oportunidade, Maximiano também reconheceu Constantino como o Augusto do Ocidente. Este. contudo, manteria-se neutro no conflito entre Maxêncio e Galério.

Cabeça de Fausta, foto By anonymous – (User:Mbzt), 2012, CC BY 3.0, https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=18368658

Entretanto, com o retorno de Maximiano à Roma, ele e o filho entraram em atrito. No início de 308 D.C, Maximiano atacou Maxêncio perante uma assembleia de soldados, denunciando seus maus atos no governo. Surpreendentemente, os soldados ficaram do lado de Maxêncio e, humilhado, Maximiano foi obrigado a fugir de Roma, indo procurar abrigo na corte de Constantino, em Trier (na atual Alemanha).

Por sua vez, ainda em 308 D.C., Galério, contando com a ajuda de Diocleciano, tendo em vista a situação caótica que a Tetrarquia se encontrava, convocou os rivais para uma conferência, em Carnuntum, no sudeste da atual Áustria.

A Conferência de Carnuntum resultou em um acordo um tanto precário: Maximiano, que formalmente ainda mantinha o título de Augusto, foi compelido a se aposentar novamente, e Maxêncio foi declarado um usurpador. Por sua vez, Constantino, que tinha se aliado com Maximiano e Maxêncio, foi confirmado, apenas com o título de “César”, o mesmo ocorrendo com Maximino Daia, no Oriente, para o desagrado de ambos, que reivindicavam o título de Augusto (que Constantino considerava já haver conseguido). Todavia, Galério nomeou outro amigo e companheiro de armas seu, Licínio, para ser o Augusto do Ocidente, o que, em vez de dirimir as controvérsias, acabaria aumentando a instabilidade. E somente em 310 D.C, Constantino e Maximino seriam “promovidos” a Augusto.

Para piorar a situação de Maxêncio, uma insurreição militar ocorreu na África, e as tropas aclamaram o vigário (governador) Domício Alexandre como imperador, também em 308 D.C. Esta usurpação, que chegou a controlar além das Dioceses da África, a ilha da Sardenha, durou até 310 D.C. e ameaçou consideravelmente o suprimento de cereais para a cidade de Roma. Ela somente foi debelada com a chegada de tropas comandadas pelo Prefeito Pretoriano Gaius Ceionius Rufius Volusianus, que derrotaram e capturaram Domício Alexandre, que foi estrangulado. A província foi impiedosamente pilhada pelas forças de Volusianus e as propriedades dos revoltosos foram confiscadas, propiciando a Maxêncio uma grande soma de recursos. Porém, em 310 D.C, ele perderia também a Ístria para seu rival Licínio.

Em 310 D.C, Maximiano tentou liderar uma rebelião contra seu anfitrião Constantino, que estava em campanha contra os Francos, espalhando a falsa notícia de que este teria morrido e oferecendo suborno aos soldados, que, no entanto, mantiveram-se, em sua maioria, leais. Constantino abandonou a campanha e retornou para a Gália, conseguindo capturar Maximiano. Contudo, devido ao grande prestígio de que Maximiano ainda gozava no Império, ao invés de executá-lo, Constantino perdoou-o publicamente, mas, em segredo, compeliu Maximiano a cometer suicídio, o que ele fez em julho daquele ano, enforcando-se.

Reinado de Maxêncio

Apesar das ameaças de seus rivais imperiais e da insurreição na África, Maxêncio conseguiu construir algumas obras monumentais na cidade de Roma. Ele construiu o Circo de Maxêncio, na Via Ápia, e a Basílica de Maxêncio, no Fórum Romano, que somente seria concluída e inaugurada por seu inimigo Constantino, o Grande.

Ruínas da Basílica de Maxêncio, no Fórum Romano

Um dos monumentos de Maxêncio que sobreviveram em melhor estado até os dias de hoje foi o Templo de Rômulo, no Fórum Romano, dedicado a seu filho Valério Rômulo, que morreu em 309 D.C, com cerca de 14 anos de idade e foi divinizado.

O Templo de Rômulo, no Fórum Romano

Inicialmente, as relações de Maxêncio com o Senado Romano pareciam boas. Mas, devido ao fato dele ter necessitado instituir tributos para financiar suas obras, inclusive na Itália, devido à perda de suas outras províncias, ele acabou ficando mal-visto na classe senatorial.

Parece que Maxêncio também procurou, ao menos inicialmente, ser tolerante com o crescente número de cristãos em Roma, permitindo até que eles elegessem um novo Bispo, o Papa Eusébio.

Quando Galério morreu, em 311 D.C, Maximino Daia, que já governava o Egito e a Síria, e Licínio, dividiram entre si as províncias do Oriente sobre as quais reinava o falecido. Este pacto contudo, teve vida curta, porque Licínio preferiu aliar-se a Constantino. Esta aliança entre Constantino e Licínio foi reforçada pelo casamento da irmã do primeiro, Constância, com o segundo. Em resposta, Maximino foi obrigado a enviar uma embaixada à Roma oferecendo o reconhecimento de Maxêncio como Augusto, em troca do apoio militar deste a Maximino.

O cenário agora estava armado para o início das guerras civis que colocariam em cheque a Tetrarquia.

Nominalmente, Maxêncio tinha a sua disposição, no Ocidente, um exército maior que o de seu oponente, Constantino, que não podia arregimentar todo o seu exército para uma expedição contra a Itália pelo fato de ter que deixar as fronteiras guarnecidas contra os bárbaros germânicos além do Reno.

Não obstante, Constantino resolveu atacar primeiro e se dirigiu para a Itália, comandando entre 25 mil e 40 mil homens, e atravessou os Alpes, na primavera de 312 D.C.

O primeiro combate sério ocorreu nas cercanias de Augusta Taurinorum (a atual Turim), quando a cavalaria couraçada (clibanários) de Maxêncio tentou cercar a infantaria de Constantino, que habilidosamente alongou sua linha para contê-los e contraatacou com a sua própria cavalaria que, armada de maças, aniquilou o inimigo com poderosos golpes. Ao constatar a derrota das tropas de Maxêncio, a cidade de Turim fechou seus portões, impedindo a entrada dos sobreviventes, e, após estes serem massacrados, recebeu os vitoriosos de portas abertas.

Porta Palatina, o Portão das muralhas romanas de Turim, foto By Godromil – Own work, Public Domain, https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=7596252

O avanço rápido e bem-sucedido de Constantino fez com que outras cidades do norte italiano, incluindo a capital Milão, aderissem a sua causa. Assim, após passar parte do verão na cidade, Constantino resolveu atacar Maxêncio diretamente em Roma.

A estratégia de se entrincheirar atrás das formidáveis Muralhas Aurelianas havia funcionado para Maxêncio nos conflitos anteriores contra Severo e Galério, entretanto, desta vez, talvez estimulado porque o seu exército era mais numeroso, reforçado pelo fato de que a chegada do exército de Constantino às cercanias de Roma ocorria justamente na data em que ele celebraria o aniversário de seu reinado (dies imperii), Maxêncio resolveu enfrentar o rival em uma batalha campal fora da proteção dos Muros de Roma. Segundo um relato, ele também teria consultado os vetustos Livros Sibilinos, coleção de profecias oraculares da época da monarquia, e obtido um verso profético para o dia 28 do mês de outubro daquele ano, o qual lhe soou como um bom presságio (“O inimigo que atacar Roma morrerá uma morte miserável”).

Trecho das Muralhas Aurelianas, em Roma

Dias antes da Batalha, fontes cristãs relatam que Constantino teria visto um sinal de luz no céu, em forma de cruz, acompanhada dos dizeres : “In hoc signus vinces” (Neste sinal, vencerás) e, após, em um sonho, no dia seguinte, que pode ser o da véspera, o próprio Cristo terai aparecido para ele, em um sonho, e explicado que ele deveria usar aquele sinal contra os seus inimigos.

La Vision de Constantine, de Jacques Punel, séc. XVII, via Wikimedia Commons

A Batalha da Ponte Mílvio

No dia 28 de outubro de 312 D.C, que marcava o sexto aniversário do seu reinado, Maxêncio comandando suas forças deixou as Muralhas de Roma e marchou para enfrentar o exército de Constantino, que se encontrava acampado na Via Flamínia, nos arredores ao norte da Cidade, próximo à Ponte Mílvio. Esta ponte possibilitaria que os inimigos cruzassem o rio Tibre e se dirigissem à cidade, e por isso, havia sido previamente, nesta ou em oportunidades anteriores, construída tendo a parte central feita de madeira, para poder ser recolhida quando necessário, ou, segundo outras fontes, para poder ser preparada para ceder aos pés de um invasor.

A Ponte Mílvio, estado atual

O Exército liderado por Maxêncio cruzou a ponte em direção à margem norte, ficando com o rio às suas costas. O espaço entre as tropas e o rio era estreito, e portanto, em eventual necessidade de recuar, esta seria uma manobra problemática. Na verdade, Maxêncio era 11 anos mais novo que Constantino, que tinha bem mais experiência militar, e isto, mais do que tudo, deve ter influenciado o resultado.

Constantino ordenou que sua cavalaria atacasse a cavalaria de Maxêncio, obtendo sucesso em dispersá-la. A seguir, a infantaria avançou e um combate encarniçado seguiu-se. Maxêncio resolveu ordenar que seu exército recuasse para o lado sul do rio, em direção às muralhas. Porém, quando cruzavam a Ponte Mílvio, ela desabou, caindo todos que nela se encontravam no rio, morrendo muitos afogados, incluindo o próprio Maxêncio, sendo levados pela correnteza. O resto das tropas de Maxêncio, incluindo a Guarda Pretoriana, ainda tentaram resistir bravamente na margem norte, mas, em menor número, acabaram sendo dizimadas.

A Batalha da Ponte Mílvio, por Giulio Romano, c. 1520

Inicialmente, o povo e o senado se recusaram a acreditar nas noticias da derrota de Maxêncio, mas, no dia seguinte, o corpo dele foi encontrado e a sua cabeça exibida aos cidadãos na ponta de uma lança. Depois, ela seria enviada a Cartago, para que os locais tivessem certeza de que o reinado de seu monarca estava acabado. Toda a família de Maxêncio foi prontamente executada.

Ao entrar na Cúria do Senado Romano, Constantino, emulando um gesto que vários dos seus antecessores fizeram ao longo dos séculos anteriores, prometeu que as prerrogativas dos senadores seriam restauradas, e aquela assembleia, também repetindo um antigo costume, declarou a damnatio memoriae de Maxêncio. Com a vitória na Batalha da Ponte Mílvio, Constantino agora se tornara o indisputado Imperador do Ocidente.

As Insígnias Imperiais

Em 2006, arqueólogos italianos anunciaram a descoberta, na colina do Palatino, em Roma, de uma coleção de um cetro e lanças porta-estandarte imperiais, propositalmente depositadas em um buraco escavado no chão, sendo que a datação de carbono, o estilo e o contexto em que os artefatos foram encontrados permitem considerar que se tratam das insígnias imperiais do imperador romano Maxêncio, provavelmente escondidas por partidários fiéis do Imperador, talvez esperançosos de que ele tivesse sobrevivido à Batalha da Ponte Mílvio (leia nosso artigo sobre essa descoberta clicando no link),

Mas, talvez pior que a damnatio memoriae decretada pelo Senado Romano, para o nome de Maxêncio tenha sido a sua imagem como retratada pelos escritores cristãos que escreveram sobre ele estimulados pela conversão de seu rival e sucessor Constantino ao Cristianismo, pintando-o como um tirano sanguinário, brutal e incompetente, que perseguia a Igreja, algo que outras fontes sobreviventes não parecem dar suporte.

NERO, UM IMPERADOR ARTISTA

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Nascimento e infância 

Em 15 de dezembro de 37 D.C., nasceu, em Anzio, Itália, Lucius Domitius Ahenobarbus (II), que passaria a História com o nome de Nero, filho de Gnaeus Domitius Ahenobarbus e de Agripina Minor (Agripina, a Jovem).

A gens dos Domícios (Domitii), que nos primórdios da República era plebeia, atingiu, ainda durante a fase de expansão de Roma pela península itálica, uma grande proeminência política, ocupando  a magistratura do Consulado e fornecendo ao Estado destacados generais.

Já no final do período republicano, o ramo da gens Domitia dos Ahenobarbus (literalmente,  os “barbas ruivas”) apoiou a facção senatorial dos Optimates (nobres) contra Júlio César. E, após o assassinato do Ditador, durante o Segundo Triunvirato, eles estiveram associados com o triúnviro Marco Antônio.

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(Busto colorizado de Nero, mostrando os cabelos e a barba ruiva, característica da família dos Ahenobarbus)

Apesar de ter apoiado Marco Antônio, a família acabaria ingressando no círculo familiar do grande rival dele na disputa pelo poder supremo – Otaviano (o futuro imperador Augusto), uma vez que o bisavô de Nero, que também se chamava Lucius Domitius Ahenobarbus (I), casou-se com  Antonia Major (Antônia, a Velha) que era filha de Antônio e Otávia,  a irmã de Otaviano.

Os laços com a dinastia imperial dos Júlios-Cláudios (nome que deriva do fato de Augusto, sobrinho-neto e herdeiro de Júlio César, ter adotado como sucessor o filho de sua terceira esposa, Lívia Drusila, Tibério Cláudio Nero) foram reforçados quando Gnaeus Domitius Ahenobarbus, o pai de Nero, casou-se com Agripina, a Jovem, que era irmã do futuro Imperador Calígula, em um casamento arranjado pelo próprio tio deste, o Imperador Tibério).

Agripina, a Jovem, por sua vez, era neta de Augusto (a mãe dela, Agripina, a Velha, era filha de Júlia, a filha única de Augusto com sua segunda esposa Escribônia). Portanto, Nero era descendente direto do primeiro imperador, por parte de mãe, e também era parente de Augusto, por parte de seu pai, Gnaeus Domitius Ahenobarbus.

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Todavia, a despeito de possuir tão ilustre ascendência, a princípio não parecia que o destino de Nero prometia muito. Com efeito, o seu pai, que tinha sido Cônsul em 32 D.C.,  foi acusado de traição, assassinato e adultério no final reinado de Tibério e ele somente se safou graças à morte do velho imperador, em 37 D.C., alguns meses antes do nascimento do próprio Nero. Todavia, Gnaeus Domitius Ahenobarbus acabaria morrendo poucos anos depois, de um edema, em janeiro de 40 ou 41 D.C.

O historiador romano Suetônio escreveu que Gnaeus Domitius Ahenobarbus era um homem cruel e desonesto. Talvez por isso, ao receber os cumprimentos dos amigos pelo nascimento de Nero, o historiador registra que ele teria dito:

“Nada que não seja abominável e uma desgraça pública pode nascer de Agripina e de mim”

A sorte de Agripina, a mãe de Nero, não foi melhor no período. Embora ela fosse irmã do novo imperador, Gaius Julius Caesar Germanicus, mais conhecido como Calígula, (ambos eram filhos de Germânico, o falecido sobrinho e herdeiro de Tibério, adorado pelo povo e supostamente envenenado a mando de Lívia, viúva de Augusto e mãe de Tibério), este logo entrou em um processo de paranoia e loucura que o levou a suspeitar e perseguir de quase todos, inclusive os integrantes de seu círculo mais íntimo.

Assim, em 39 D.C., Agripina foi acusada de fazer parte de uma conspiração, fictícia ou verdadeira, contra o seu irmão, sendo condenada ao exílio nas ilhas Ponzianas, ao largo da Itália. Então, Calígula aproveitou esse pretexto para confiscar a herança do seu jovem sobrinho Nero.

Nero, portanto, no espaço de dois anos, quando ainda era uma criança de tenra idade, além de ter sido afastado do convívio com a mãe, exilada, teve a sua herança confiscada e também perdeu o pai. Ele foi então morar com sua tia, Domícia Lépida, que era irmã de seu pai.

Reabilitação de Agripina e Nero

Todavia, a sorte de Agripina e Nero mudaria com o assassinato de Calígula pelo centurião Cássio Queréa, em 41 D.C., em uma conspiração engendrada pela Guarda Pretoriana. Logo após o tiranicídio, os guardas descobriram, escondido atrás de uma cortina, o tio da imperial vítima, Cláudio, até então tido como imbecil e incapaz de ocupar qualquer cargo público, e o aclamaram como novo Imperador.

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Cláudio era irmão de Germânico e, portanto, não surpreende que uma das primeiras medidas de Cláudio tenha sido chamar de volta do exílio a filha deste, Agripina, que era sua sobrinha. Assim reuniram-se, novamente, Nero e sua mãe. O novo imperador mandou também devolver ao seu sobrinho-neto, Nero, a herança confiscada por Calígula.

Ao contrário das expectativas, Cláudio mostrou-se um administrador competente das questões de Estado. Todavia, o mesmo não se pode dizer quanto à sua vida conjugal… Após dois casamentos fracassados, Cláudio casou-se com Valéria Messalina (filha de Domícia Lépida), esposa que se mostrou dominadora e notabilizou-se pela infidelidade e promiscuidade sexual, segundo os relatos antigos, que talvez sejam um tanto exagerados (ver Tácito, Suetônio, Plínio e Juvenal).

O fato importante é que Messalina deu a Cláudio, em 41 D.C., um filho, que recebeu o nome de Britânico, e a nova imperatriz imediatamente percebeu que o jovem Nero era uma ameaça às pretensões do seu filho natural ao trono. Consta, inclusive, que Messalina, certa vez, teria encomendado a morte de Nero a assassinos que chegaram a entrar no quarto do menino, e somente não completaram a tarefa porque se assustaram com o que eles pensaram ser uma cobra.

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(Messalina segurando Britânico, estátua no Museu do Louvre, foto de Ricardo André Frantz)

A grande popularidade de Agripina e Nero foi atestada quando, durante os concorridos Jogos Seculares, em 47 D.C., eles foram ovacionados pelo povo, que demonstrou por eles muito mais simpatia do que em relação a Messalina e Britânico, que também estavam presentes no evento.

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(Estátua de Nero criança, foto de Prioryman )

Se a conduta pretensamente escandalosa de Messalina foi ou não a causa da sua desgraça, o fato é que ela foi sentenciada à morte em 49 D.C., supostamente por ter se casado secretamente com um senador, Gaius Silius, no que seria uma conspiração para assassinar o seu marido e imperador. Há relatos de que, ainda assim, Cláudio teria relutado em ordenar a execução dela, que somente teria sido levada a cabo por iniciativa de seus auxiliares.

Agripina, imperatriz

Naquele mesmo ano de 49 D.C., Cláudio casaria com sua sobrinha, Agripina, a Jovem. Este pode muito bem ter sido um casamento político, já que nenhuma mulher, naquele momento, tinha linhagem mais ilustre. Há, contudo, quem acredite que Agripina, valendo-se da intimidade familiar que a condição de jovem e bonita sobrinha lhe propiciava, tenha astuciosamente seduzido o seu velho tio.

Em verdade, para os romanos, o casamento de Cláudio e Agripina tinha um caráter incestuoso, já que o casamento de tio e sobrinha era quase tão inaceitável como o de um pai com a filha.

Portanto, o custo político dessa união deve ter sido considerável e é possível que somente o fato de Cláudio ter sido seduzido explique ele ter descartado as consequências políticas negativas de mais esse escândalo em sua vida conjugal. O passado do velho imperador nos inclina para essa última hipótese, pois houve episódios anteriores nos quais ele parece ter sido emocionalmente manipulado por mulheres dominadoras…

Seja como for, o fato é que Agripina não titubeou em tratar de se tornar a pessoa mais poderosa na corte imperial, afastando aqueles que não lhe parecessem leais e, sobretudo, os concorrentes de seu filho Nero à sucessão de Cláudio.

Ainda em 49 D.C., a imperatriz Agripina recebeu o título de “Augusta“, sendo esta a primeira vez que esse título era conferido a uma mulher em vida (as suas duas antecessoras, Lívia e Antônia, o receberam como honra fúnebre). Neste mesmo ano, Cláudio batizou em sua homenagem uma cidade recém-fundada na Germânia, que recebeu o nome de Colonia Claudia Ara Agrippinensis ( a atual Colônia, na Alemanha – Agripina nasceu ali, quando o local ainda era um quartel militar comandado por seu pai, Germânico).  Vale citar que nunca, antes ou depois  na História de Roma, uma cidade romana foi batizada em homenagem a uma mulher.

Nero, herdeiro do trono

Em 50 D.C., Lucius Domitius Ahenobarbus (Nero) foi adotado por Cláudio, tornando-se oficialmente seu herdeiro, passando a se chamar Nero Claudius Caesar Drusus Germanicus. No ano seguinte, Nero, então com 14 anos, foi declarado maior de idade (assumindo a “toga virilis”), foi nomeado Proconsul e entrou para o Senado. A partir daí, ele começou a participar das cerimônias públicas junto com o Imperador, e até moedas foram cunhadas com a efígie de ambos.

Antecipando a necessidade futura de Nero contar com o apoio da Guarda Pretoriana para alcançar o trono, Agripina persuadiu Cláudio a nomear o militar Sextus Afranius Burrus (Burro) como único Prefeito Pretoriano (Comandante), no lugar de Lusius Geta e Rufius Crispinus.

Agripina supervisionava cuidadosamente a preparação de Nero para a futura ascensão ao trono imperial,  designando, por exemplo, o afamado filósofo estoico Sêneca, o Jovem para ser o tutor do rapaz. Ela também não poupou esforços para fazer o filho querido pelo populacho. Além disso tudo, Agripina manobrou para que Cláudia Otávia, a filha de Cláudio e irmã de Britânico, e Nero se casassem, em 9 de junho de 53 D.C.

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(Cláudia Otávia, primeira esposa de Nero)

A adoção de Nero por Cláudio é um episódio que suscita muita discussão entre os historiadores, já que Cláudio tinha um filho natural do sexo masculino, Britânico, que era apenas quatro anos mais novo do que Nero.  E não há nada que indique, fora, obviamente, esse fato, que Cláudio não nutrisse pelo rapaz o amor paternal.

Seja como for, as fontes relatam que, à medida que Britânico ia chegando à idade de assumir a “toga virilis”, Cláudio começou a dar seguidas demonstrações de afeto pelo filho natural. Segundo os historiadores Tácito, Suetônio e Cássio Dião, Cláudio somente estaria esperando a maioridade do filho natural para nomeá-lo como seu novo herdeiro, e ele teria declarado isso na presença de outros, sendo esse o fato que levou Agripina a tramar a sua morte

Cláudio morreu em 13 de outubro de 54 D.C., aos 63 anos – uma idade avançada para a época – no que pareceu ser uma indisposição gástrica após ele ter comido um prato de cogumelos, o qual lhe ocasionou vômitos. As fontes antigas dão crédito a versão de que aqueles cogumelos, comida muito apreciada por Cláudio, teriam sido envenenados, por uma poção preparada pela famosa envenenadora Locusta, que tinha sido contratada por Agripina. O motivo para o assassinato era óbvio: impedir que Britânico fosse nomeado herdeiro pelo pai.

Imperador Nero – primeiros anos

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(Agripina, personificada como a deusa Ceres, coroa Nero. A mensagem devia ser evidente para todos)

No mesmo dia em que Cláudio morreu, Nero foi saudado imperador pela Guarda Pretoriana, e, em seguida, ele foi reconhecido como tal pelo Senado Romano. Nero não sabia, mas seria o último imperador da dinastia dos Júlios-Claúdios.

O reinado de Nero começou promissor. Ele tinha apenas 17 anos, mas era aconselhado pelo filósofo Sêneca (que, segundo Cássio Dião), redigiu seu primeiro discurso ao Senado), e por Burro, que foi mantido como Prefeito da Guarda Pretoriana, e, de fato, as suas primeiras medidas como imperador suscitaram aprovação geral.

Vale notar que, ainda durante o reinado de Cláudio, a administração dos assuntos de Estado começou a ser desempenhada cada vez mais pelos escravos libertos do Imperador que trabalhavam nas dependências do Palácio e que passaram a constituir o embrião de verdadeiros ministérios, no sentido administrativo moderno, assumindo tarefas que antes estavam a cargo dos antigos magistrados da República. Nero herdou esse sistema, e muitos libertos de Cláudio continuaram a exercer seus cargos no seu reinado, como por exemplo o liberto Marcus Antonius Pallas, que ocupava um cargo equivalente ao de Secretário do Tesouro, uma circunstância que assegurou certa continuidade administrativa.

Sêneca e Burro, sensatamente, procuraram assegurar que o imperador mantivesse boas relações com o Senado Romano, comparecendo às sessões desta assembleia e levando em consideração as recomendações dos senadores. Os dois preocuparam-se especificamente em abolir o costume implementado por Cláudio, de conduzir julgamentos em sessões privadas realizadas no próprio Palácio (“in camera”), o que era considerado contrário aos princípios jurídicos romanos tradicionais, que previam audiências públicas..

Foram promulgados decretos visando prevenir que os governadores extorquissem demasiadamente as províncias e também outros relativos à ordem pública e urbana. Nero também postulou, sem levar em consideração as despesas públicas, abolir vários tributos, sendo, entretanto, demovido desse propósito pelo Senado. Muitas das medidas de Nero, aliás, demonstravam um grande desejo dele aumentar a sua popularidade.

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Os dois conselheiros procuraram, ainda, diminuir a excessiva intervenção de Agripina nos assuntos do governo, e, com esse propósito, eles chegaram até a incentivar a paixão que Nero nutria pela liberta Acte, que virou amante do Imperador. Dessa forma, além de afastar Nero da influência da mãe, eles também visavam diminuir a inclinação ao desregramento sexual que já se percebia no jovem imperador, impulsos que o casamento com a imperatriz  Cláudia Otávia parecia incapaz de arrefecer.

Observe-se que Suetônio acusa diretamente Nero e Agripina de manterem uma relação incestuosa, mencionando até que isso costumava ocorrer quando os dois viajavam pelas ruas romanas em liteiras, um comportamento que seria denunciado pelas manchas suspeitas na toga do filho… Outros autores, de fato, também citam este costume que ambos tinham de andar na mesma liteira, mas muitos historiadores consideram que a obra de Suetônio, em muitas passagens, tende a reproduzir e aumentar boatos escandalosos, sem muita preocupação com a verdade histórica.

A tônica, porém, em todas as fontes, é de que Nero não nutria muito entusiasmo pelas tarefas governamentais, preferindo dedicar-se ao canto, ao teatro e às competições esportivas, sobretudo corridas de cavalos. Progressivamente, também, o poder absoluto lhe permitiu experimentar as mais variadas práticas sexuais.

Assim, a falta de aptidão para o cargo, a juventude e a onipotência uniram-se para empurrar Nero para uma ilimitada devassidão. Por outro lado, o avanço dos anos deu-lhe confiança para cada vez mais afirmar a sua vontade e ignorar os conselhos de Sêneca e Burro, ao passo que a repetida intromissão de Agripina em sua vida começou a lhe parecer insuportável, notadamente a oposição que a mãe externava em relação ao seu romance com Acte.

Morte de Britânico e Agripina. Nero governa por conta própria

Outro fator de discórdia entre mãe e filho, e talvez mais importante, foi o fato de Agripina, certa vez, ter insinuado que Britânico aproximava-se da maioridade, dando a entender a Nero que ela poderia apoiar o rapaz como sendo o legítimo herdeiro de Cláudio. Por isso, em 55 D.C., Nero demitiu o liberto Pallas, que tinha sido um fiel aliado de Agripina desde os tempos de Cláudio.

Ainda em 12 de fevereiro de 55 D.C., Britânico morreu, no dia exato em que ele completaria a maioridade. Segundo os autores antigos, ele foi envenenado a mando de Nero, que teria também recorrido aos serviços da envenenadora Locusta.

Mas a relação de Nero com a mãe azedou de vez quando, em 58 D.C., a nobre Popéia Sabina, a Jovem, tornou-se amante dele. Agripina, opondo-se ao romance, aproximou-se da imperatriz Cláudia Otávia, que, em oito anos de casamento com Nero, não tinha gerado filhos, muito em função do desinteresse do marido pela esposa.

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(Popéia Sabina, segunda esposa de Nero)

Popéia Sabina, que era casada com Marcus Salvius Otho (o futuro imperador Otão), grande amigo de Nero, em vingança à oposição de Agripina ao seu romance com o imperador, teria aconselhado Nero a assassinar a mãe,  segundo Tácito (Nota: Popéia seria natural de Pompéia, e a sua magnífica Villa, na cidade de Oplontis, foi soterrada pela erupção do Vesúvio e descoberta em excelente estado de conservação -vide fotos abaixo).

Os historiadores narram que Nero teria engendrado vários esquemas engenhosos para matar Agripina, que iam desde o naufrágio em um navio previamente sabotado para se desmanchar no mar, ao desabamento provocado do teto de um aposento que ela ocupava, todas sem sucesso.

Finalmente, em 23 de março de 59 D.C., Nero conseguiu que a mãe morresse, embora não seja claro de que forma ela foi morta. Aparentemente, após sobreviver ao naufrágio, Nero enviou assassinos para matar a mãe. Segundo um relato, quando o executor ergueu a espada, Agripina teria dito, como se lamentasse ter parido o filho, apontando para o próprio ventre:

“Fira o meu útero!”

Afastada a influência, diga-se de passagem, raramente benigna, da mãe, Nero sentiu-se livre para fazer tudo o que lhe apetecesse. Ele entregou-se totalmente à sua paixão pelas artes, apresentando-se publicamente cantando e tocando a lira. Ocorre que os recitais dele eram intermináveis, e Tácito comenta que, em algumas ocasiões, mulheres chegaram a dar à luz e pessoas chegaram a falecer enquanto assistiam os longos espetáculos. Ficou famoso o caso do futuro imperador Vespasiano, que, apesar de ser um militar de prestígio, caiu em desgraça após dormir durante um recital de Nero.

É importante ressaltar que, segundo os padrões de conduta morais vigentes na aristocracia romana à época, um nobre apresentar-se publicamente como artista ou esportista era considerado degradante.

Em 62 D.C., Burro faleceu, e Sêneca foi obrigado a se afastar do governo devido a acusações de enriquecimento ilícito (que aparentemente eram verdadeiras), as quais vieram somar-se à suspeita, já existente, de que Sêneca teria mantido relações amorosas com Agripina.

Naquele mesmo ano de 62 D.C., Popéia ficou grávida de Nero, que finalmente decidiu divorciar-se de Cláudia Otávia, sob o pretexto de infertilidade da imperatriz. Assim, doze dias depois do divórcio, Nero casou-se com Popéia.

A infeliz Cláudia Otávia foi exilada na ilha de Pandatária, mas a opinião pública protestou e exigiu que Nero a trouxesse de volta à Roma. Logo em seguida, porém, ela morreria, tendo apenas cerca de 23 anos de idade, assassinada a mando do imperador, embora os executores tenham tentado fazer a morte dela parecer um suicídio.

Em 21 de janeiro de 63 D.C.Popéia deu à luz a uma menina que recebeu o nome de Cláudia Augusta e ela seria o único descendente que Nero teria na vida. Porém, a menina morreria com somente quatro meses de idade.

Conflitos nas fronteiras

Nos assuntos de política exterior, o principal desafio enfrentado pelo Império no reinado de Nero foi a disputa pela Armênia com a Pártia. O general Gnaeus Domitio Corbulo (Corbulão) obteve inicialmente sucesso militar, mas a campanha não foi concluída. Em 63 D.C., porém, o Império obteve um bom acordo com a Pártia, em que Roma teria a palavra final sobre a escolha do rei da Armênia, Foi um bom tratado e que garantiria a paz na região até 114 D.C.

Nero também teve que enfrentar a séria revolta da rainha dos Icenos, Boudica (Boadicéia), na Britânia, que foi derrotada pelo general Gaius Suetonius Paulinus (Suetônio Paulino), em 61 D.C.

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(Estátua da rainha Boudica, dos Icenos, em Londres)

O Grande Incêndio de Roma

Em julho de 64 D.C., ocorreu o Grande Incêndio de Roma, que durou seis dias e causou uma grande destruição.  Com efeito, dos 14 distritos de Roma, somente 4 foram poupados do fogo.

A responsabilidade de Nero pelo incêndio é muito debatida. Algumas fontes antigas citam boatos de que Nero teria mandado provocar o incêndio, visando sobretudo reconstruir a cidade de acordo com a sua vontade, e, especialmente,  para possibilitar a construção de sua espetacularmente enorme e suntuosa “Domus Aurea“, cujas ruínas ainda hoje impressionantes dão uma ideia do seu esplendor.

Consta que Nero, após o palácio ficar pronto, teria dito :

“Finalmente, agora eu posso morar como um ser humano” 

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(Domus Aurea, reconstituição)

Tácito e Cássio Dião também relatam, o primeiro expressamente como sendo um boato, que, enquanto Roma queimava, Nero teria subido no telhado do Palácio e cantado a ode grega “A Destruição de Tróia“.

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(Tela “O incêndio de Roma”, de Hubert Robert, (1785)

Porém, eu acredito que, provavelmente, essa tragédia foi apenas o mais catastrófico dos frequentes e periódicos incêndios que assolavam uma Roma que havia crescido demasiada e desordenadamente.

Diga-se de passagem, os posteriores decretos assinados por Nero relativos ao ordenamento urbano, especialmente visando evitar a repetição de incêndios, descritos por Tácito e Suetônio, são muito razoáveis, na verdade, excelentes até (eles dispõem sobre o espaço entre os prédios de apartamentos, do uso de materiais de construção resistentes ao fogo e da previsão de reservatórios de água, entre outras coisas).

Após o incêndio, Tácito relata que Nero abriu os jardins dos palácios para abrigar os flagelados pelo incêndio, em abrigos temporários. Vale a pena citar o seguinte trecho do historiador:

Nero, naquele momento, estava em Antium, e não retornou à Roma até o fogo aproximar-se de sua casa, que ele havia construído para conectar o palácio com os jardins de Mecenas. Não foi possível, entretanto, impedir o fogo de devorar o palácio, a casa e tudo em volta deles. Todavia, para aliviar o povo, que tinha sido expulso desabrigado, ele mandou que fossem abertos para eles o Campo de Marte e os edifícios públicos de Agripa, e até mesmo os seus próprios jardins, e ergueu estruturas temporárias para receber a multidão despossuída. Suprimentos de comida foram trazidos de Óstia e das cidades vizinhas, e o preço do grão foi reduzido para três sestércios. Essas ações, embora populares, não produziram nenhum resultado, uma vez que espalhou-se por todo lugar um rumor de que, enquanto a cidade estava em chamas, o imperador apresentou-se em um palco particular e cantou a destruição de Tróia, comparando os infortúnios presentes com as calamidades da antiguidade”. (Anais, XV, 39)

Um episódio notório, ainda relativo ao incêndio, foi o martírio da nascente comunidade cristã de Roma, que teria sido apontada oficialmente como bode expiatório pelo incêndio. Hoje, há opiniões de que esta perseguição não teria ocorrido, a despeito dela também fazer parte da tradição cristã. Há, no entanto, uma bem fundamentada tese de que o número 666, que seria o nome da besta do Apocalipse citado no Evangelho, seria o código alfanumérico relativo ao nome de Nero, de acordo com um antigo jogo comum na época romana, numa vinculação que o evangelista João poderia ter feito em função da referida perseguição.

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(Tela de Henryk Siemiradzki, retratando o martírio dos cristãos, que, segundo o relato de Tácito, foram utilizados como tochas humanas)

O fato é que as excentricidades e os crimes de Nero, somados à desconfiança pública de que o incêndio estava relacionada à construção da magnífica Domus Aurea, começaram a minar o reinado dele.

Some-se a isso a morte de Popéia, ocorrida em 65 D.C., tendo se espalhado o boato de que a morte dela fora causada após a imperatriz levar um pontapé de Nero na barriga, quando estava grávida, o que causou indignação no povo (curiosamente, a mesma acusação seria feita, milênios mais tarde, ao imperador D. Pedro I, e,  igualmente, ela contribuiu para agravar o clima que resultou na abdicação de nosso primeiro imperador)

A Conspiração Pisoniana

Ignorando todo esse quadro de insatisfação, Nero começou a retirar o que restava das prerrogativas do Senado. Isso deflagrou, também em 65 D.C., a denominada “Conspiração Pisoniana“, assim chamada porque liderada pelo respeitado senador Gaius Calpurnius Piso, e que visava derrubar o imperador. Porém, essa conspiração, que envolvia senadores e membros da guarda pretoriana, foi denunciada a tempo, e Nero mandou executar os participantes. Entre os punidos, estava o seu ex-tutor e conselheiro, o filósofo Sêneca, apesar de não haver certeza se ele estava mesmo envolvido.

Outro que teria sido executado na repressão à Conspiração foi o poeta Lucano. Mas a morte mais sentida pela aristocracia romana foi a do senador Públio Clódio Trásea Peto, um crítico contumaz do  reinado de Nero, que também foi obrigado a cometer suicídio, em 66 D.C., após ser condenado pelo Senado com base em acusações vagas em uma sessão  de julgamento na qual a Cúria foi cercada pelos Pretorianos.

Para poupar Sêneca, e a própria imagem do imperador, perante a opinião pública, do embaraço de uma execução, Nero ordenou que ele cometesse suicídio. O mesmo ocorreu com outro implicado no esquema, o escritor satírico Petrônio (A cena da morte de Petrônio, em uma banheira, com o sangue esvaindo-se das veias cortadas enquanto conversava rodeado dos  seus melhores amigos, está brilhantemente retratada no filme “Quo Vadis“).

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(O Suicídio de Sêneca, tela de Manuel Domínguez Sánchez (1871), no Museu do Prado)

Quem teve atuação implacável na repressão à referida conspiração foi Ofonius Tigellinus, o sucessor de Burro como Prefeito da Guarda Pretoriana, que era um amigo e parceiro de Nero no desfrute de corridas de carros e orgias,  e que fora nomeado para o cargo em 62 D.C.

O início do fim

Em 66 D.C., Nero casou-se com sua terceira esposa, Statilia Messalina (não confundir com a esposa de Cláudio).

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(Statilia Messalina, terceira esposa de Nero)

A Conspiração Pisoniana, não obstante tenha sido debelada, marcou o início da queda de Nero. Deve ter havido uma percepção geral entre as lideranças do Senado e do Exército de que o reinado dele não iria durar muito e que o caos se aproximava. As despesas com a reconstrução de Roma tinham exaurido o Tesouro do Estado e, em decorrência, a moeda teve que ser desvalorizada e os impostos aumentados.

Ainda em 66 D.C., estourou uma grande revolta na Judéia, No meio dessa grave crise, Nero resolveu fazer uma excursão triunfal pela Grécia, visitando os pontos turísticos mais célebres, apresentando-se como artista e participando dos Jogos Olímpicos de 67 D.C., como competidor. Para os gregos, a visita foi um sucesso, pois Nero chegou a proclamar a liberdade das cidades gregas, mas para a elite em Roma, ela deve ter sido percebida como mais uma prova da insanidade do Imperador.

Logo, outras rebeliões começariam a pipocar nas províncias…

Em 67 D.C., Nero enviou o respeitado general Titus Flavius Vespasianus (o futuro imperador Vespasiano) para combater a Grande Revolta Judaica. Nessa ocasião, suspeitando da lealdade do general Corbulão, o imperador o convocou-o à sua presença na Grécia, e ordenou que ele cometesse suicídio para não ser executado, sendo fiel e surpreendentemente obedecido.

Porém, em março de 68 D.C., o governador da importante província da Gália Lugdunense, Gaius Julius Vindex, revoltou-se contra os pesados tributos impostos à província. Em seguida, Vindex tentou, sem êxito, convencer o governador da Hispânia, Servius Sulpicius Galba (o futuro imperador Galba), a se juntar à rebelião. No decorrer da rebelião, em maio, as legiões da Germânia, sob o comando de Lucius Verginius Rufo, seguindo as ordens de Nero, derrotaram Vindex, na Batalha de Vesontio (atual Besançon), que, em razão disso, cometeu suicídio.

Todavia, as legiões vitoriosas imediatamente declararam-se em rebelião contra Nero, embora Rufo tenha permanecido leal ao imperador, recusando-se a aderir ao movimento. Parece que nesse momento, os soldados já começavam a farejar a oportunidade de, como em ocasiões anteriores, obterem polpudas recompensas caso um novo imperador assumisse o trono.

Enquanto isso, Nero, que havia voltado para Roma em janeiro de 68 D.C., recebeu a notícia de que, além das legiões de Vindex, as legiões da África também tinham se revoltado.

Galba, entretanto, aguardava cautelosamente o desenrolar dos acontecimentos, mas os seus partidários em Roma não ficaram imóveis. Assim, em algum momento entre maio e junho de 68 D.C., o outro Prefeito da Guarda Pretoriana, Ninfídio Sabino (consta que Tigellinus estaria doente naquele mometo), persuadiu os pretorianos em Roma a se declararem a favor de Galba. Para o azar de Nero, isso ocorreu antes da chegada da notícia da vitória de Rufo contra Vindex, o que daria ao imperador certa esperança de readquirir o controle da situação.

A morte de Nero

Em 9 de junho de 68 D.C., em uma villa suburbana, situada a apenas 6 km de Roma, chegou um mensageiro galopando à  toda velocidade. O cavaleiro desmontou e entrou no luxuoso átrio da propriedade, sendo recebido por Phaon, um  liberto do Imperador Nero que exercia o cargo de Secretário de Finanças imperial.

Acompanhado de outros três homens, Phaon ingressou na área privada da residência e, pouco tempo depois, ouviu-se um um grito desesperado, acompanhado da frase:

“Que grande artista o mundo irá perder!”

Um dos homens pergunta que notícia o mensageiro havia trazido e o outro respondeu que o Senado Romano havia declarado Nero  era um “Inimigo Público“.

Aquele era, sem dúvida, o ponto culminante da tensão que Nero vinha vivendo nas últimas semanas, desde que soube que Julius Vindex havia sido aclamado imperador pelas tropas dele, em março, e iniciara sua marcha para a Itália, e o Prefeito Pretoriano Ninfídio Sabino manifestara o seu apoio a Galba, deixando o imperador totalmente indefeso dentro da Capital.

Ao saber da adesão de Ninfídio Sabino ao general Galba, Nero chegou a deixar o Palácio e tentar fugir para o porto de Óstia, onde ele planejava embarcar em um navio da frota, que ele esperava que tivesse se mantido leal, e partir para as províncias do Oriente, onde ele tinha certeza de que ainda era muito popular e poderia organizar um contra-ataque.

Todavia, Nero, temeroso, concluiu que era grande a possibilidade dele  não conseguir chegar ao porto ileso, e, assim, deu meia-volta e voltou para o Palácio, onde ele até tentou dormir um pouco. O sono contudo, seria breve. Com efeito, durante a meia-noite, já na virada do dia 08 para o dia 09 de junho de 68 D.C., o Imperador acordou e, aterrorizado, constatou que não havia sequer um guarda na porta dos aposentos imperiais.

Nero percorreu, então, esbaforido, os corredores desertos do palácio, sem encontrar viva alma, gritando:

“Não terei eu amigos ou inimigos?

Até que, alertados pela gritaria,  finalmente acudiram os mais próximos e fiéis libertos de Nero: Epafrodito, Phaon, Neophytus e Esporo (Nota: Esporo (Sporus) era um garoto que se tornou favorito de Nero por ter uma notável semelhança com a falecida imperatriz Popéia Sabina. Segundo Suetônio, Nero mandou castrar Esporo e chegou até a casar com o rapaz, por volta de 67 D.C.).

Phaon, então, ofereceu a Nero a sua villa nos arredores de Roma,  para que o imperador se escondesse lá, pois ainda havia a esperança de que o Senado não reconhecesse os usurpadores, tendo em vista que outros comandantes ainda não haviam aderido à rebelião. A villa não era longe e o grupo deve ter chegado lá ainda antes do amanhecer.

Porém, no decorrer do dia 09 de junho, a referida chegada do mensageiro tirou todas as esperanças de Nero. Ele, então, implorou que um dos quatro fiéis libertos tirasse a própria vida primeiro, alegando que isso lhe daria coragem para fazer o mesmo, além de lhe ensinar o método, mas nenhum deles topou a proposta.

Então, enquanto o imperador relutava, ouviu-se o galopar de vários cavalos, e, premido pelo temor da chegada da tropa que estava vindo para lhe prender ou executar,  Nero ordenou que Epafrodito o ajudasse a se matar. Assim, Nero, com a ajuda de Epafrodito, enfiou uma faca na própria garganta.

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Quando os cavaleiros entraram no aposento, Nero já havia perdido muito sangue. Um dos soldados tentou colocar um pano na garganta dele, à guisa de estancar o sangue,  e Nero ainda teve forças para balbuciar, dramático como ele sempre fora durante toda a vida:

“Tarde demais. Isso é que é fidelidade!” 

Nero morreu aos 30 anos de idade. O corpo dele foi cremado à maneira tradicional romana e as cinzas depositadas no Mausoléu dos Domícios,  então situado nos limites da cidade de Roma e onde hoje, ironicamente, fica um templo da arte, a Galeria Borghese.

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(Villa Borghese, que hospeda a Galeria Borghese e onde ficava o Mausoléu dos Domícios, lugar do sepultamento das cinzas de Nero)

As fontes relatam que, várias décadas depois de sua morte, pessoas do povo ainda adornavam a tumba de Nero com flores…

Conclusão

A ascensão e queda de Nero são expressões gritantes das contradições do sistema inaugurado por Augusto.

Com efeito, o Império nasceu como fruto da incapacidade das instituições republicanas de moderar os conflitos de poder  e as disputas políticas  decorrentes da tensão entre a defesa da manutenção dos privilégios da nobreza (facção política dos “Optimates“) e a afirmação das vontades e consideração das necessidades dos cidadãos plebeus livres, mal arbitradas por regras criadas originalmente para se gerir uma Cidade-Estado, sem contudo, adaptar-se à existência de um crescente proletariado não-proprietário em Roma, e que também eram inapropriadas  para acomodar os anseios de uma enorme população de colonos romanos e cidades aliadas, muitos dos quais estavam espalhadas por um enorme território fora da Itália, (anseios e interesses esses que encontravam algum acolhimento na facção senatorial dos chamados “Populares“).

Essas crises degeneraram na resolução das disputas pela guerra entre generais-políticos filiados as referidas facções representadas no Senado, que recrutavam cidadãos entre o proletariado, os quais eram mais leais aos seus comandantes do que ao Estado. O conflito parecia ter se resolvido na concentração de poderes em torno do vencedor da guerra civil, o líder dos Populares, Caio Júlio César, que, contudo, foi assassinado antes de poder implementar uma nova constituição politica (se é que ele tinha mesmo essa intenção), tarefa esta que foi retomada por seu sucessor Augusto.

Como se fosse uma “marca de nascença” do principado, o assassinato de César sempre pairou sobre o regime imperial. César, alegadamente, foi morto por se acreditar que ele queria ser rei e os seus assassinos, integrantes dos Optimates, reivindicaram a restauração da República. Vencidos os Optimates por Augusto, herdeiro de César, ele, por sua vez, da mesma forma se apresentou como o “Restaurador da República“.

Desse modo, o Império por séculos seria assombrado pelo paradoxo de ser uma “Monarquia que não ousa dizer o seu nome“.

Contudo, a constituição não-escrita elaborada por Augusto padecia de duas graves contradições:

1) A ambiguidade de, formalmente, querer-se restaurar a República, concentrando as mais importante das antigas magistraturas republicanas nas mãos do “Princeps“, mas dividindo, ao menos na aparência, o governo do Estado com o Senado, sem contudo, jamais delimitar precisamente qual o papel e o poder desta assembleia. Isto se tornaria um grande fator de instabilidade.

A prática inaugurada por Augusto, e seguida em parte e confusamente por Tibério, de simular que o poder continuava com o Senado, sendo o poder de fato exercido no Palácio, propiciava que, quando personalidades imperiais menos afetas às aparências e deferências devidas ao Senado ocupassem o trono, eles fossem percebidas como tiranos, situação que deu margens a inúmeras conspirações, reais ou imaginárias.

2) A já aludida “marca de nascença” (assassinato de César), que expressava a prevalência da tradicional repulsa cultural romana à monarquia, impediu que Augusto estabelecesse uma regra clara quanto à sucessão imperial. Como o regime não podia e não devia ser considerado uma monarquia, jamais o princípio dinástico foi formalmente estabelecido. Embora o costume fosse que o imperador escolhesse o seu herdeiro, a existência de descendentes ou parentes próximos ameaçava a legitimidade do escolhido, sendo isso uma nova fonte de conspirações, e de temor da existência delas por parte do imperador.

A incerteza quanto ao critério sucessório também gerava instabilidade. Os imperadores Júlios-Cláudios costumavam nomear os parentes sanguíneos ou afins mais velhos como herdeiros formais ou presumidos, quando aqueles mais próximos ainda eram muito jovens. Mas, quando estes iam crescendo, os títulos e honrarias que caracterizavam a condição de herdeiro eram retirados dos primeiros e conferidas aos mais novos. O temor ou a insatisfação dos inicialmente escolhidos normalmente resultava na eliminação dos rivais mais novos ou na do próprio imperador. Tal fato ocorreu com Augusto, com Tibério e com Cláudio, e somente não ocorreu com Calígula devido ao seu reinado ter sido muito curto, e com Nero, porque ele não tinha herdeiros.

Somente a partir do reinado de Nerva começou a ser implantada uma regra consuetudinária, com bases filosóficas, de que o governante deveria adotar como sucessor o melhor homem público, ainda que este fosse seu parente, de quem se esperava que demonstrasse a sua competência, costume que também não sobreviveu à morte de Marco Aurélio.

A avaliação do reinado de Nero é controversa na visão dos historiadores. A visão tradicional, de de que ele seria um louco e um monstro, hoje é temperada pela leitura crítica que se faz dos historiadores Tácito e Suetônio, tidos como membros da classe senatorial, nostálgica da República e antipática ao Principado, dando destaque às perseguições do monarca contra os senadores e enfatizando boatos ou, mesmo, fofocas, de teor escandaloso sobre os hábitos privados dos imperadores.

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Sintomaticamente, essas mesmas fontes relatam que, para uma boa parte da massa de cidadãos pobres e das províncias, a imagem de Nero era diferente. Como já observamos, Suetônio narra que, décadas após a morte de Nero, populares adornavam a sua tumba com flores e que, nas províncias,  chegou a surgiu uma lenda, ao estilo de Dom Sebastião de Portugal, de que Nero, um dia, iria retornar.

Essa também é a opinião de muitos historiadores, valendo transcrever as palavras da historiadora clássica Mary Beard (“SPQR”, pág. 398):

Vários historiadores modernos têm apresentado Nero, particularmente, mais como uma vítima da propaganda da dinastia Flaviana, que começa com Vespasiano, seu sucessor, do que como um piromaníaco assassino da própria mãe, a quem se atribui ter iniciado o grande incêndio de 64 D.C., não só para apreciar o espetáculo, mas também para limpar a área e poder construir seu novo palácio, a Casa Dourada (Domus Aurea). Mesmo Tácito admite, apontam os reabilitadores, que Nero foi o patrocinador de medidas de ajuda efetivas para os desabrigados após o incêndio; (…). Além disso, nos vinte anos após a morte e Nero, em 68 D.C., pelo menos três falsos Neros, com lira e tudo, apareceram nas regiões orientais do Império, reivindicando o poder e apresentando-se como o imperador em pessoa, ainda vivo, apesar de todas as notícias do seu suicídio. Foram todos rapidamente eliminados, mas o engodo sugere que, em algumas áreas do mundo romano, Nero era lembrado afetuosamente: Ninguém buscaria alcançar o poder fingindo ser um imperador odiado por todos.”

FIM

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Os 10+ (Teatros)

O Teatro, em sua acepção como uma manifestação cultural envolvendo declamações de texto, interpretação de papéis e canções, execução de músicas e, às vezes, de danças coreografadas, normalmente seguindo um roteiro, realizadas em um espaço determinado (cena ou palco), frequentemente tendo como pano de fundo imagens pintadas, objetos e esculturas relacionados com a história contada, e performado na presença de espectadores, foi inventado na Grécia Antiga (embora manifestações semelhantes tenham surgido em outras regiões, como a Índia e a China).

“Importante observar, no entanto que a palavra grega “Theatron” não se refere à atividade artística em si, mas sim ao local onde ela era apresentada. Assim, teatro, em grego, significa “lugar de ver”. Portanto, a palavra teatro refere-se, especificamente, ao local onde os espectadores se sentavam, em arquibancadas geralmente escavadas, em formato semicircular, em uma encosta mais alta em relação ao espaço circular onde os artistas encenavam as tragédias gregas (chamado de “orchestra“, ou “orquestra”). Normalmente, atrás da orquestra, ficava uma parede onde se colocavam murais e objetos que ajudavam a contextualizar a ação que os artistas interpretavam, e que recebia o nome de skené, ou “cena”, de onde deriva a palavra “cenário”. E a parede da cena também servia para que os artistas se trocassem atrás dela, escondidos dos olhares do público. Mais tarde, com o aumento da complexidade das peças, os teatros gregos também passaram a ter um muro separando a orquestra da cena, que era chamado de “paraskenia“, normalmente decorado com imagens em relevo. Isso criou um espaço elevado elevado exatamente atrás da orquestra, que recebeu o nome de “proskenium” (proscênio, com o significado literal de “em frente à cena”). Esses, então, eram os componentes básicos da arquitetura de um teatro grego. Vale observar que havia construções similares, porém menores e geralmente fechadas, destinadas a recitais de poesia e exibições de canto ou de instrumentos musicais, chamadas de odeons””Importante observar, no entanto que a palavra grega “Theatron” não se refere à atividade artística em si, mas sim ao local onde ela era apresentada. Assim, teatro, em grego, significa “lugar de ver”. Portanto, a palavra teatro refere-se, especificamente, ao local onde os espectadores se sentavam, em arquibancadas geralmente escavadas, em formato semicircular, em uma encosta mais alta em relação ao espaço circular onde os artistas encenavam as tragédias gregas (chamado de “orchestra“, ou “orquestra”). Normalmente, atrás da orquestra, ficava uma parede onde se colocavam murais e objetos que ajudavam a contextualizar a ação que os artistas interpretavam, e que recebia o nome de skené, ou “cena”, de onde deriva a palavra “cenário”. E a parede da cena também servia para que os artistas se trocassem atrás dela, escondidos dos olhares do público. Mais tarde, com o aumento da complexidade das peças, os teatros gregos também passaram a ter um muro separando a orquestra da cena, que era chamado de “paraskenia“, normalmente decorado com imagens em relevo. Isso criou um espaço elevado elevado exatamente atrás da orquestra, que recebeu o nome de “proskenium” (proscênio, com o significado literal de “em frente à cena”). Esses, então, eram os componentes básicos da arquitetura de um teatro grego.

Vale observar que os gregos também erguiam construções similares, porém menores e geralmente fechadas, destinadas a recitais de poesia e exibições de canto ou de instrumentos musicais, chamadas de “odeons” (do grego, “aeido”, ou seja, canto, de onde surgiu a palavra “ode”).

Os Romanos, ao entrarem em contato com a cultura grega, introduziram o teatro ainda durante os primeiros séculos da República. Lívio Andrônico, um dramaturgo nascido em Tarento, cidade da chamada “Magna Grécia!, no sul da Itália, foi o maior expoente do teatro romano, no século III A.C. Nessa época, Plauto também destacou-se como autor de comédias, tendo algumas peças dele sobrevivido até os nossos dias.. E, já no Império, o filósofo Sêneca, o Jovem, escreveu várias tragédia, que influenciaram até mesmo dramaturgos europeus, como Shakespeare e Racine. Porém, ainda durante o Império, a popularidade de tragédias e comédias elaboradas diminuiu, e o público preferia assistir mimes (comédias burlescas escrachadas).

Após os Romanos conquistarem a maior parte da Grécia, durante os séculos II e I A.C, vários artistas e dramaturgos foram trazidos para Roma. Inicialmente, os teatros romanos eram de madeira e, de acordo com a lei romana, eles destinavam-se a serem estruturas temporárias, mas com o enriquecimento da República, surgiu a necessidade de edifícios permanentes, que foram construídos seguindo o modelo grego, mas adaptado a peculiaridades romanas.

A ausência de colinas com a topografia adequada para abrigar as arquibancadas na cidade de Roma, somada à maestria dos romanos em erguerem construções sobre arcos e à tecnologia do concreto romano permitiram que os engenheiros romanos preferissem construir os teatros romanos sobre uma estrutura apoiada em arcadas.

As arquibancadas, isto é, o setor semicircular elevado onde o público sentava em degraus, era chamado pelos romanos de “cavea“. O fato desta ser construída sobre arcadas favorecia que a cena (em latim, scaenae frons) fosse mais alta que nos teatros gregos, e formasse um espaço fechado com a cavea, resultando que os teatros romanos podiam ser inteiramente contidos dentro de um muro exterior contínuo. E essas são as duas principais características que distinguem os teatros romanos dos gregos, muito embora os romanos, algumas vezes continuassem construindo, quando o terreno permitia, arquibancadas apoiadas em encostas. O muro que separava a orquestra do palco, frequentemente decorado com elaborados relevos, era chamado de “pulpitum. Era comum que os espectadores sentados na cavea fossem protegidos do sol inclemente por uma estrutura retrátil que estendia uma cobertura de tecido ou lona (velarium), que também era utilizada nos anfiteatros. Outra característica encontrada nos teatros romanos, compartilhada com os anfiteatros, possibilitada pela sua estrutura construída em alvenaria, era que o acesso dos espectadores poderia se dar pelo interior da mesma, com a entrada e saída da cavea por meio de passagens e aberturas, chamadas de “vomitoria“.

Dito isso, sem mais delongas, vamos àqueles que eu considero os templos romanos sobreviventes mais bem preservados e/ou impressionantes (OBS: trata-se de uma seleção discricionária minha, e a posição na lista não indica primazia. Aceitamos outras sugestões nos comentários).

1- Teatro de Aspendos (Aspendos, Turquia)

Considerado por muitos o teatro romano em melhor estado de conservação, o Teatro de Aspendos foi construído durante o reinado do imperador romano Marco Aurélio (161-180 D.C), e a sua construção foi providenciada pelos irmãos Curtius Crispinus e Curtius Auspicatus, que provavelmente deviam ser magistrados integrantes do conselho municipal. O seu arquiteto foi Zenão. Infelizmente, não sabemos mais detalhes sobre os personagens citados. A capacidade do teatro é estimada entre 7 mil e 13 mil espectadores. Parte da cavea repousa sobre uma colina, seguindo o estilo grego, mas toda a construção está dentro de muros de alvenaria, como é característico dos teatros romanos. Sobreviveram alguns orificios onde ficavam os postes para o velarium.

patano, CC BY-SA 3.0 https://creativecommons.org/licenses/by-sa/3.0, via Wikimedia Commons
Saffron Blaze, CC BY-SA 3.0 https://creativecommons.org/licenses/by-sa/3.0, via Wikimedia Commons

2- Teatro de Amã (Jordânia)

Na minha opinião, o Teatro de Amã disputa com o de Aspendos e o de Bosra o título de teatro romano melhor conservado. Durante o período romano, a cidade tinha o nome de Philadelphia. Ele foi construído durante o reinado do Imperador Antonino Pio (138-161 D.C), em nome de quem foi dedicado. Estima-se sua capacidade em 6 mil lugares. Este teatro foi construído seguindo o modelo grego, e toda a sua cavea assenta-se sobre a colina.

Bernard Gagnon, CC BY-SA 4.0 https://creativecommons.org/licenses/by-sa/4.0, via Wikimedia Commons
Dosseman, CC BY-SA 4.0 https://creativecommons.org/licenses/by-sa/4.0, via Wikimedia Commons

3- Teatro de Bosra (Síria)

O Teatro de Bosra foi construído no século II D.C, provavelmente durante o reinado do imperador Trajano (98-117 D.C). Aliás, durante o reinado dele, a cidade recebeu o nome de Nova Traiana Bostra. Com capacidade estimada de 17 mil espectadores, é um dos maiores teatros construídos durante o Império Romano. Durante o período islâmico, o teatro foi convertido em uma fortaleza, razão pela qual o seu muro externo foi integrado e envolvido por muralhas e torres. No entanto, o primeiro andar da sua scaenae frons (com três andares) preserva quase que totalmente a colunata decorativa. Infelizmente, consta que o teatro sofreu alguns danos durante a Guerra Civil da Síria, ainda em andamento.

الشجاع المقداد, CC BY-SA 4.0 https://creativecommons.org/licenses/by-sa/4.0, via Wikimedia Commons

4- Teatro de Orange (França)

O Teatro de Orange foi construído durante o reinado do imperador Augusto (27 A.C – 14 D.C) e era um dos primeiros teatros romanos a serem construídos na província da Gália, quando a cidade era uma colônia romana de nome Arausio. Estima-se que a sua capacidade variava entre 5.800 e 7.300 espectadores. Vale notar que, em um nicho central em sua cena, uma estátua de Augusto sobreviveu até os nossos dias. O muro externo à cena é construído com uma bela estrutura de alvenaria, fato que levou o rei Luís XIV a considerá-la “O muro mais belo do meu Reino”. Note-se que esse muro preserva as bases onde os postes do velarium eram encravados.

Gromelle Grand Angle, CC BY-SA 3.0 http://creativecommons.org/licenses/by-sa/3.0/, via Wikimedia Commons
Suwannee.payne, CC BY-SA 3.0 https://creativecommons.org/licenses/by-sa/3.0, via Wikimedia Commons

5- Teatro de Mérida (Espanha)

Este teatro foi construído pelo Cônsul Marco Vipsânio Agripa, o braço-direito do imperador Augusto, em Emerita Augusta (atual Mérida), a capital da província da Lusitânia, entre os anos 15 e 15 A.C., mas foi renovado algumas vezes ainda durante o Império Romano. Abrigava cerca de 6 mil espectadores. É um dos teatros romanos sobreviventes cuja scaenae frons está mais bem preservada, com seus dois andares decorados com colunas.

Benjamín Núñez González, CC BY-SA 4.0 https://creativecommons.org/licenses/by-sa/4.0, via Wikimedia Commons
Xosema, CC BY-SA 4.0 https://creativecommons.org/licenses/by-sa/4.0, via Wikimedia Commons

6- Teatro de Sabratha (Líbia)

Outro teatro cuja cena frontal está muito bem preservada, incluindo o terceiro andar. o Teatro de Sabratha provavelmente foi construído no período que compreende o reinado dos imperadores Cômodo (180-192 D.C) e Septímio Severo (193-211 D.C), época em que a província romana da África Proconsular desfrutou de sua maior prosperidade. Quando intacto, hospedava cerca de 5 mil espectadores. O pulpitum é um dos mais ricamente ornamentados e bem preservados dos teatros antigos que sobreviveram.

Franzfoto, CC BY-SA 3.0 https://creativecommons.org/licenses/by-sa/3.0, via Wikimedia Commons
Ursus, CC BY-SA 4.0 https://creativecommons.org/licenses/by-sa/4.0, via Wikimedia Commons

7- Teatro de Hierapolis (Turquia)

A antiga cidade de Hierapolis é contígua a Pamukkale, destino turístico turco famoso pelos seus terraços de travertino, em intrincadas formações naturais que formam piscinas de águas termais. Acredita-se que o seu teatro romano tenha sido construído durante o reinado do imperador Adriano (117-138 D.C), e ganhado uma grande restauração no reinado do imperador Septímio Severo. Abrigava cerca de 15 mil espectadores. Uma curiosidade é o fato de ser um dos únicos que apresenta, no meio de sua cavea, um camarote imperial em formato semicircular. Há indícios de que foi adaptado, já no período do Baixo Império Romano, para ser palco de espetáculos de caçadas (venationes).

A.Savin, FAL, via Wikimedia Commons
Herbert Weber, Hildesheim, CC BY-SA 4.0 https://creativecommons.org/licenses/by-sa/4.0, via Wikimedia Commons

8- Teatro Sul e Teatro Norte de Jerash (Jordânia)

A antiga cidade de Gerasa passou a fazer parte do Império Romano como resultado das campanhas de Pompeu, o Grande, em 63 A.C, inicialmente como uma das dez cidades helenísticas integrantes da chamada Decapolis. Durante os séculos I e II D.C, Gerasa experimentou grande prosperidade, o que lhe possibilitou abrigar três teatros. Os mais notáveis são os assim denominados “Teatro Sul” e “Teatro Norte”. O Teatro Sul começou a ser construído durante o reinado do imperador Domiciano (81-96 D.C) a quem foi dedicado pelo governador Lappius Maximus. Tinha a capacidade de 4.700 lugares. O primeiro andar da sua scaenae frons está bem restaurado, mas resta apenas um pequeno trecho do segundo andar. Já o Teatro Norte data do período entre 135-140 D.C, sendo ampliado no reinado dos imperadores Lúcio Vero e Marco Aurélio (161-169 D.C), quando ele foi remodelado para funcionar como um odeon, com capacidade para 1.600 espectadores. Este odeon foi utilizado até o século VI D.C.

Teatro Sul de Gerasa, By Zairon – Own work, CC BY-SA 3.0, https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=30354378
Teatro Norte de Gerasa, Zairon, CC BY-SA 3.0 https://creativecommons.org/licenses/by-sa/3.0, via Wikimedia Commons

9- Teatro de Termessos (Turquia)

Escolhemos o Teatro de Termessos principalmente pela sua localização fantástica. Termessos foi fundada pelos Pisídios, um povo que habitava a região da Pisídia, na Ásia Menor. A cidade foi construída a mais de 1.000 metros de altitude, encravada no meio de picos integrantes das Montanhas Taurus. Alexandre, o Grande tentou conquistá-la, sem sucesso, mas ela acabou se integrando aos reinos helenísticos que sucederam o conquistador macedônio. Mais tarde, Termessos se tornou aliada de Roma, que, em reconhecimento, concedeu-lhe o status de cidade autônoma. O Teatro de Termessos, em sua forma atual, deve ter sido construído por volta do século II D.C, tendo uma capacidade de 4 mil espectadores, que, das arquibancadas, podem apreciar uma vista maravilhosa da planície da Panfília, centenas de metros abaixo.

Dosseman, CC BY-SA 4.0 https://creativecommons.org/licenses/by-sa/4.0, via Wikimedia Commons
Capyusuf, CC BY-SA 4.0 https://creativecommons.org/licenses/by-sa/4.0, via Wikimedia Commons

10- Teatro de Plovdviv (Bulgária)

A cidade búlgara de Plovdiv teve uma história conturbada, sendo destruída e reconstruída várias vezes. Durante a Antiguidade Clássica, Plovdiv chamava-se Philippopolis, uma vez que foi fundada pelo rei Filipe II, da Macedônia, pai de Alexandre, o Grande, no lugar de um assentamento trácio. Com a derrota da Macedônia pelos Romanos, na Terceira Guerra Macedônica, Philippopolis tornou-se a capital da Província Romana da Trácia. As ruínas soterradas do teatro somente foram descobertas na década de 1970, devido a um deslizamento de terra. Um cuidadoso trabalho arquitetônico usando a técnica da anastilose (na qual utilizam-se todos os elementos originais encontrados, suprindo-se as lacunas com reproduções modernas de partes idênticas às antigas), transformou o Teatro de Plovdiv em um dos mais bem preservados. Estima-se que tinha a capacidade de cerca de 7 mil lugares e que foi construído durante o reinado do imperador Domiciano.

By Plamen Agov • studiolemontree.com, CC BY-SA 3.0, https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=13133568
By Dennis Jarvis from Halifax, Canada – Bulgaria-0785 – Roman Theatre of Philippopolis, CC BY-SA 2.0, https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=45848615

Bônus: Teatros na antiga cidade de Roma

Mesmo após a introdução dos espetáculos teatrais em Roma, os teatros construídos para a sua encenação eram estruturas provisórias de madeira, ainda que elas pudessem acomodar milhares de espectadores. Porém, a construção de teatros permanentes dentro do Pomério (limites sagrados da cidade de Roma) era proibida, refletindo a controvérsia que havia no seio das elites em relação à importação de costumes gregos.

Foi somente em 55 A.C que Pompeu, o Grande inaugurou o primeiro teatro permanente construído em Roma, e que seria o modelo para os demais teatros construídos pelos romanos por todo o Império. Sabe-se que as peças encenadas foram “Clitemnestra“, escrita pelo poeta Ácio, e “O Cavalo de Tróia“, atribuída a Lívio Andrônico. O renomado ator trágico Clódio Esopo, que estava aposentado, foi chamado para atuar na inauguração.

O Teatro de Pompeu prenunciou a prática adotada por seus sucessores imediatos no poder supremo de Roma, Júlio César e Augusto, bem como os imperadores subsequentes, de erguer e dedicar obras monumentais na Cidade de Roma à glória de seu próprio nome. E de fato, podemos considerar que, quando ele começou a ser construído, em 61 A.C, nenhum edifício da Urbe podia ser comparado a ele em tamanho e magnificência. No alto e no centro da cavea foi construído um templo dedicado a Vênus Victrix, o que, inclusive, permitiu a Pompeu contornar a proibição legal acima citada. E o teatro fazia parte de um vasto complexo, estando conectado a um enorme quadripórtico, abrigando entre suas colunas, salas para a exibição dos troféus e obras de arte que Pompeu amealhara no Oriente Grego, o qual rodeava uma praça quadrada adornada por jardins. Na outra extremidade do quadripórtico, ficava um edifício construído para abrigar assembleias e reuniões políticas, denominado Cúria de Pompeu. Aliás, poucos anos depois da sua inauguração, a Cúria Hostília, o prédio do Senado Romano no Fórum Romano, foi incendiado nos tumultos que se seguiram ao assassinato do político demagogo Clódio. Então, o Senado passou a se reunir na Cúria de Pompeu e foi exatamente ali que, no ano de 44 A.C, Júlio César foi assassinado por seus adversários no Senado Romano, falecendo aos pés da estátua do próprio Pompeu, a quem havia derrotado anos antes.

A capacidade do Teatro de Pompeu foi estimada, ainda na Antiguidade, em 22.800 espectadores. A cavea, cujos bancos eram revestidos de mármore, apoiava-se em uma estrutura de concreto. Ao longo dos séculos, o Teatro de Pompeu sofreu incêndios e foi restaurado várias vezes. Após às Guerras Góticas, em meados do século VI, a população de Roma caiu consideravelmente, e o edifício foi abandonado, tornando-se fonte de materiais de construção e sendo transformado em fortaleza. Ao fim da Idade Média, o Teatro já se encontrava coberto por vários edifícios, entretanto, parte da forma semicircular do teatro foi preservada pela Via de Grottapinta e um conjunto de prédios erguidos nesta rua. O artista Piranesi, em meados do século XVIII ainda conseguiu retratar em uma gravura o que restava do Teatro, sob os edifícios.

Modelo do Teatro de Pompeu e seu complexo, com o Templo de Vênus Victrix em primeiro plano e, no extremo do quadripórtico, a Cúria de Pompeu. Foto: A derivative work of a 3D model by Lasha Tskhondia – L.VII.C., CC BY-SA 3.0 https://creativecommons.org/licenses/by-sa/3.0, via Wikimedia Commons
A Via de Grottapinta e prédios que preservam o traçado do semicírculo do Teatro. Foto: Lalupa, CC BY-SA 3.0 http://creativecommons.org/licenses/by-sa/3.0/, via Wikimedia Commons
Gravura de Piranesi com os vestígios do Teatro de Pompeu

O vencedor de Pompeu na Guerra Civil do Primeiro Triunvirato, Caio Júlio César, era um notório entusiasta da cultura grega e, por diversas vezes, usa citações de peças gregas em seu discurso. Uma de suas mais famosas frases : “A sorte está lançada“, na verdade foi retirada de uma comédia do autor grego Menandro, chamada “Arrhephoros“.

Por isso, não surpreende o fato de que César também planejou erguer um teatro em Roma. O Ditador inclusive chegou a escolher e mandar limpar o terreno onde seria construído o seu teatro, mas os Idos de Março de 44 A.C vieram e ele foi assassinado antes que pudesse executar o seu projeto.

Augusto, o herdeiro e sucessor de César, resolveu dar andamento à construção do teatro planejado por seu pai adotivo e, no ano de 17 A.C., as obras estavam suficientemente avançadas para que os Jogos Seculares fossem celebrados no teatro, que foi completado em 13 A.C. No ano seguinte, o teatro foi dedicado a Marco Cláudio Marcelo, sobrinho e, inicialmente, o herdeiro escolhido por Augusto, que, infelizmente, havia morrido de doença em 23 A.C., ficando conhecido como “Teatro de Marcelo”.

O Teatro de Marcelo, segundo uma fonte do século IV D.C, tinha capacidade para 17.580 espectadores, sendo o segundo maior de Roma. Deixou de ser utilizado no século IV D.C, e, ainda durante o Império Romano, teve parte de seus blocos de construção retirados para serem utilizados em outros edifícios. Durante a Idade Média, residências foram construídas dentro e acima de suas estruturas e ele foi convertido em uma fortaleza. Graças a isso, parte de sua fachada sobreviveu, podendo se observar dois andares de arcadas, sendo que no primeiro andar, os arcos são separados por colunas dóricas, e, no segundo, por colunas jônicas (e provavelmente o terceiro, desaparecido, tinha colunas coríntias, como ocorre no Coliseu, construído posteriormente).

By Geobia – Own work, CC BY-SA 3.0, https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=18942534
O Teatro de Marcelo, em 1º plano, na Maquete de E. Gismondi, no Museu da Civilização Romana, Roma. Foto Alessandro57, Public domain, via Wikimedia Commons

Em 13 A.C, o terceiro teatro permanente da cidade de Roma foi inaugurado por Lúcio Cornélio Balbo, o Jovem, um político e general de origem púnica que havia sido partidário de Júlio César na juventude e que exerceu vários cargos importantes durante os primeiros anos do reinado de Augusto. Balbo escreveu um livro e uma peça teatral, e provavelmente era entusiasta de teatro, erguendo o edifício com recursos próprios. No dia da inauguração, as fontes relatam que o rio Tibre transbordou devido a uma enchente e Balbo teve que entrar no teatro de barco. O Teatro de Balbo foi construído próximo ao Teatro de Pompeu e podia abrigar cerca de 8 mil espectadores, sendo que o Teatro de Marcelo também não estava longe. Com isso, a área do Campo de Marte converteu-se em um verdadeiro “Theater District”. Em 1561, alguns restos do teatro ainda podiam ser vistos e foram retratados por Giovanni da Sangallo em uma gravura.

Teatro de Balbo, reconstrução na maquete de Roma de E. Gismondi.

Recentemente, foram descobertos em Roma os vestígios de um quarto teatro, citado pelas fontes como Teatro de Nero. Seria um teatro para o desfrute particular do imperador Nero (54-68 D.C) e seus amigos. Vide https://www.cnnbrasil.com.br/internacional/teatro-do-imperador-nero-de-2-mil-anos-e-desenterrado-em-roma-apos-seculos-perdido/