Em 27 de fevereiro de 380 D.C, o imperador romano do Oriente, Teodósio I, promulgou, em conjunto com seus colegas da parte ocidental do Império, Graciano e Valentiniano II, o Decreto de Tessalônica, declarando o Credo Niceno-Trinitário como a única religião legítima do Império Romano e a única passível de ser considerada “católica” (universal), bem como determinando que cessasse todo apoio estatal às demais religiões politeístas.
Embora décadas antes, o imperador Constantino I tenha favorecido muito a fé cristã e a Igreja Católica, que passou a receber propriedades, verbas e apoio do Estado Romano, é equivocada a ideia de que ele tenha tornado o Cristianismo a religião oficial do Império, pois o chamado Edito de Milão, de 313 D.C., formalmente apenas havia estabelecido a tolerância do Estado em relação a todas as religiões.
Obviamente, em uma sociedade que se caracterizava pela opressiva presença do Estado em todos os setores, como era Baixo Império Romano no século IV D.C., a preferência da Corte por uma religião específica e o seu fomento estatal, como ocorreu durante toda a dinastia constantiniana, a partir do Édito de Milão, com a breve exceção do reinado de Juliano, o Apóstata, só poderia resultar num avanço muito grande dessa religião em detrimento de todas as outras, mais ainda quando essa religião gozava de uma estrutura hierarquizada paralela, que, inclusive, sobrevivera a séculos de clandestinidade.
Outra contribuição fundamental de Constantino I para o Cristianismo foi patrocinar o Concílio de Nicéia, em 325 D.C., o primeiro concílio ecumênico da Igreja, com o objetivo de homogeneizar e unificar o entendimento sobre diversas questões doutrinárias e onde foi chancelada a natureza divina de Cristo como Deus-Filho e sua relação com o Deus-Pai, resultando no chamado Credo Niceno, refutando-se versões alternativas da fé cristã, especialmente o “Arianismo” (assim chamado porque baseado nas doutrinas do bispo Ário), que pregava, a grosso modo, que Cristo tinha sido criado pelo Pai, e portanto, não teria sempre existido (eterno), sendo, por consequência, poderia-se dizer assim, “menos Deus” do que o Pai, do qual derivaria, resultando, por fim, que Ambos não seriam “um só e de mesma substância“.
O Arianismo chegou a influenciar o imperador Constâncio II e também se espalhou entre os povos bárbaros, especialmente os germânicos Godos, Vândalos e Lombardos, que foram convertidos pelo missionário Ulfilas, um adepto de Ário.
Teodósio era um cristão ortodoxo niceno muito devoto, oriundo da Hispânia, onde o Credo Niceno, como de resto no Ocidente e na importante Igreja de Alexandria, dominava. Já o Arianismo prevalecia no Oriente. Teodósio foi nomeado imperador do Ocidente pelo imperador Graciano, também ele um cristão ortodoxo niceno, após a morte do imperador do Ocidente, Valente, na Batalha de Adrianópolis, em 378 D.C, sendo que Valente foi um adepto do Arianismo.
Teodósio e Graciano, comungando do mesmo Credo, sentiram-se à vontade para favorecer a ortodoxia cristã do Concílio de Nicéia, e, consequentemente, no dia 27 de fevereiro de 380 D.C, eles promulgaram, juntamente com o colega de Teodósio no Ocidente, Valentiniano II (que tinha apenas 8 anos), o decreto imperial “Cunctos populos“, chamado de “Édito de Tessalônica, pelo fato de Teodósio se encontrar nessa cidade, quando de sua edição.
O texto, um tanto sombrio, diga-se de passagem, do Decreto é o seguinte:
“É nossa vontade que todos os diversos povos que são súditos de nossa Clemência e Moderação devem continuar a professar aquela religião que foi transmitida aos Romanos pelo divino Apóstolo Pedro, como foi preservada pela tradição fiel, e que agora é professada pelo Pontífice Dâmaso e por Pedro, Bispo de Alexandria, um homem de santidade apostólica. De acordo com os ensinamentos apostólicos e a doutrina do Evangelho, que nós creiamos em uma só divindade do Pai, do Filho e do Espírito Santo, em igual majestade e em uma Santíssima Trindade. Nós autorizamos que os que obedecerem a essa lei assumam o título de Cristãos Católicos; Porém, para os outros, uma vez que em nossa opinião, são loucos tolos, nós decretamos que recebam o nome ignominioso de heréticos, os quais não deverão ter a presunção de dar aos seus conventículos o nome de igrejas. Eles irão sofrer em primeiro lugar o castigo da condenação divina e, em segundo lugar, a punição que a nossa autoridade, de acordo com a vontade do Céu, decidir infligir.
Publicado em Tessalônica no terceiro dia das calendas de março, durante o quinto consulado de Graciano Augusto e o primeiro de Teodósio Augusto.”
É importante notar que Teodósio estava gravemente doente em Tessalônica, na Grécia, o que o levou inclusive, como era o costume dos cristãos naquele tempo, a se batizar (o batismo acontecia no leito de morte, já que todos os pecados eram perdoados, ficando mais fácil para o batizado entrar no Céu).
(Arco do Imperador Galério, em Tessalônica, Grécia, foto de G.Garitan )
Após a edição do Decreto “Cunctos populos“, Teodósio e Graciano lançaram-se em uma campanha de perseguição às heresias cristãs e a tomaram uma série de medidas visando proibir cerimônias e rituais pagãos. Em poucos anos, a crescente intolerância religiosa por parte do Cristianismo triunfante desaguou na destruição de importantes templos pagãos, como o Serapeum, em Alexandria, entre tumultos que degeneraram em massacres.
(Ruínas do Serapeum, em Alexandria. A imagem dá uma idéia da escala do templo. Foto Daniel Mayer )
Por tudo isso, considera-se o Édito de Tessalônica como o ato que reconheceu o Cristianismo como a religião oficial do Império Romano.
No dia 23 de fevereiro, o último dia do ano no calendário romano primitivo, celebrava-se o festival em honra do deus Terminus(Término), a divindade que zelava pelas fronteiras e pelos limites das propriedades particulares e, naturalmente, pela harmonia entre os vizinhos.
Ao contrário da maior parte dos deuses do panteão romano, Término não era representado por estátuas antropofórmicas, e sim pelos marcos de pedras que marcavam os limites dos terrenos. Alguns séculos mais tarde, ele passou a ser representado por uma cabeça humana com corpo em forma de marco de limites.
Grey2, Public domain, via Wikimedia Commons
Essas pedras eram ungidas solenemente e adornadas com coroas de flores e encravadas em um buraco, o qual também tinha sido consagrado com o sangue de um animal sacrificado, e onde se colocavam vinho e outras oferendas.
Então, todo dia 23 de fevereiro, os vizinhos cujas propriedades eram delimitadas por Término encontravam-se e sacrificavam um porco ou um cordeiro, cujo sangue era utilizado para salpicar os marcos de limites.
Em Roma, a Terminália, que era como se chamava o festival público em homenagem a Término, tinha como local de celebração o sexto marco da estrada para Laurentum, cidade próxima à Óstia, que nos primórdios da fundação da Cidade, marcava o seu limite.
Entre os diversos festivais religiosos celebrados pelos romanos, as Lupercais (ou Lupercalia) incluem-se entre os mais primitivos, misteriosos e, não obstante, duradouros.
Circle of Adam Elsheimer (1578-1610), Public domain, via Wikimedia Commons
O festival durava três dias, a partir dos Idos de fevereiro (dia 13) e terminava no dia 15.
A maior parte do que se sabe acerca daLupercalianos foi transmitido pelo historiador romano Tito Lívio. Vale observar, contudo, que é bem provável que o festival seja anterior à fundação de Roma, fazendo parte dos costumes dos povos itálicos ancestrais. O seu nome indica uma associação com o animal lobo (lupus, em latim) e acredita-se que ele pode ter surgido como um ritual para afastar os lobos, que no passado remoto infestavam as florestas do Lácio, dos rebanhos dos pastores. Posteriormente, os Romanos associaram o ritual com a lenda da Fundação de Roma, em que os gêmeos recém-nascidos Rômulo e Remo, filhos de Reia Sílvia, filha do rei deposto de Alba Longa, Numitor, engravidada pelo deus Marte, após serem jogados no Rio Tibre, sobrevivem e são amamentados por uma loba, em uma caverna.
Fragmentos do relevo reconstituído da fachada da Ara Pacis, mostrando cena relacionadas com lenda de Rômulo e Remo, que estão sendo amamentados pela loba na Lupercal. Foto: Amphipolis, CC BY-SA 2.0 https://creativecommons.org/licenses/by-sa/2.0, via Wikimedia Commons
Depois de dois dias de festa e procissões, no dia 15 de fevereiro, dois grupos de rapazes, que recebiam o nome de “Luperci“, membros das famílias patrícias da Cidade, partiam para a entrada de uma caverna na colina do Palatino, chamada de “Lupercal“, que, acreditava-se, seria a referida caverna onde a loba cuidou dos lendários fundadores de Roma, Rômulo e Remo. Neste local, eles sacrificavam bodes e um cachorro (que era uma vítima inusitada para os romanos).
O sangue que ficava na faca devia ser passado na testa de dois dos Luperci, bem como em pedaços de lã encharcados de leite. Nesse momento, ambos deveriam rir, ainda que não soubessem o motivo.
Então, os dois rapazes deveriam entrar na caverna e fazer um banquete, acompanhado de bastante vinho. Ao saírem da caverna, nus, a não ser por um cinto de couro de cabra, apesar de estarem no frio inverno de fevereiro, os rapazes carregavam tiras, também de couro de cabra, e passavam no meio da multidão reunida para o evento, que os assistia correr ao longo de um percurso marcado no sopé do Palatino, correspondendo a um dos primitivos ajuntamentos romanos.
Durante a corrida, os jovens açoitavam as pessoas da multidão com as tiras de couro, mirando especialmente as mulheres, porque acreditava-se que essas chicotadas tornariam as mulheres mais férteis e curariam as que fossem estéreis. A finalidade da corrida em torno do Palatino também era a de afastar os maus espíritos dos antigos limites sagrados da cidade de Roma (Pomerium).
Andrea Camassei, (1635) Public domain, via Wikimedia Commons
É bem possível que os romanos, já no final da República e durante o Império, nem soubessem mais exatamente a origem da cerimônia, mas as Lupercais estavam tão arraigadas na memória coletiva que elas continuaram sendo celebradas, inclusive mesmo depois da Queda do Império Romano do Ocidente, somente tendo sido proibidas por um decreto do Papa Gelásio, que cujo pontificado durou de 492 a 496 D.C.
Para alguns, as Lupercais teriam sido o embrião do nosso moderno Carnaval.
Em um episódio célebre da História de Roma, o triúnviro Marco Antônio, quando já era um homem público, uma vez participou da celebração, nu como um Lupercal, sendo muito criticado por isso e inclusive sendo ridicularizado por Cícero. Foi, aliás, nesta Lupercalia que Antônio ofereceu uma tiara de ouro ao Ditador Júlio César, por três vezes, tendo esta sido recusada pelo Ditador em todas as oportunidades, encenação que teria sido um dos pretextos para a conspiração senatorial que resultou no seu assassinato, com o objetivo de evitar que ele se tornasse rei.
John Clark Ridpath (1894), Public domain, via Wikimedia Commons
O episódio foi eternizado por Shakespeare, no começo da peça “Júlio César“, quando o Ditador pede a Marco Antônio que chicoteie sua esposa Calpúrnia, com o fim de livrá-la da infertilidade.
Anunciou-se, em 2007, que a caverna Lupercal foi redescoberta em Roma, na colina do Palatino, exatamente sob as ruínas da residência erguida no local pelo imperador Augusto, que provavelmente pretendeu com isso ligar o seu nome ao de Rômulo, o mítico fundador de Roma (vide link abaixo).
Em 8 de fevereiro de 421 D.C., o Comandante em Chefe do Exército do Império Romano do Ocidente, Flávio Constâncio, foi coroado Augusto pelo Imperador Honório, tornando-se, assim, ele também, Imperador Romano do Ocidente, com o nome de Flavius Constantius Augustus, tendo passado à História como Constâncio III.
Flávio Constâncio foi um militar de carreira no Exército Romano, e, como tantos outros colegas seus que ingressaram na carreira militar na segunda metade do século IV, ele nasceu nos Bálcãs, mais especificamente em Naissus (atual Nîs, na Sérvia), cidade natal do imperador Constantino, o Grande, em honra de quem, provavelmente, ele foi batizado. Constâncio devia ser de origem Trácia e/ou Ilíria.
(Ruínas do Palácio de Constantino, nos arredores de Naissus, foto de J tomic m)
Não se sabe a data do nascimento de Flávio Constâncio, mas as fontes nos contam que, durante o reinado do Imperador Romano do Ocidente, Honório, ele alcançou o posto de Magister Militum (Marechal do Exército), por volta de 410 D.C (ou talvez até um pouco antes disso), ocasião em que ele deveria possuir uma idade entre 40 e 50 anos, aproximadamente. Portanto, Flávio Constâncio deve ter nascido na década de 350/360 D.C., em uma época na qual, provavelmente pela última vez, o Império do Ocidente conseguiu reunir um exército composto de um núcleo principal de romanos, e não de bárbaros, até a desastrosa Batalha de Adrianópolis, em 378 D.C, que foi vencida pelos Godos.
Ele é descrito como sendo um homem de olhos grandes, cabeça larga e pescoço comprido, que, em público, mantinha uma expressão sisuda, mas em particular tinha um comportamento afável.
No início do seu longo (393 a 423 D.C), mas fraco, reinado, Honório (que aos 9 anos de idade, havia sido elevado a co-imperador, cerca de dois anos antes da morte de seu pai, Teodósio), teve como tutor – e homem-forte do governo – o general de ascendência vândala (por parte de pai)Estilicão (Stilicho), o comandante-em-chefe do Exército Romano do Ocidente, e maior responsável pela estratégia defensiva da metade ocidental do Império, no período.
(um dos dois painéis de um díptico de marfim, representando o general Estilicão)
O maior desafio enfrentado por Estilicão foi a crescente ameaça dos Godos, que após serem assentados em terras romanas e apaziguados por Teodósio, voltaram a agir militarmente contra o Império. Porém, para ser combater essa ameaça com eficiência, ele necessitava da cooperação entre as metades ocidental e oriental do Império Romano, o que Estilicão, que era visto com suspeitas em Constantinopla, não conseguiu lograr, tanto devido à rejeição de sua origem semi-bárbara, como também por causa das suas reiteradas tentativas de intervenção nos assuntos da corte oriental.
O fato é que Estilicão falhou nas duas oportunidades que teve para liquidar os Godos no campo de batalha, deixando – intencionalmente ou não, ninguém pode afirmar – o rei deles, Alarico, escapar.
Para piorar a situação, depois que os Godos invadiram a Itália, Estilicão, sabedor da precariedade da situação militar ocidental, defendeu que as vultosas exigências que os Godos estavam fazendo para deixarem a península italiana fossem atendidas. Daí, os adversários políticos de Estilicão no Senado, integrantes da tradicional nobreza romana, pretextando indignação, aproveitaram a contemporização defendida pelo general para estimular um motim do Exército da Itália, razão pela qual Estilicão acabou sendo deposto e executado ordens de Honório, em 408 D.C. Contudo, a execução de Estílicão teve como único resultado prático fazer minguar as fileiras do exército ocidental, majoritariamente compostas de mercenários bárbaros, que ele tinha reunido em razão do seu prestígio militar e político.
A situação militar do Ocidente se deteriorava rapidamente, valendo lembrar que, em 406 D.C., os bárbaros Vândalos, Alanos e Suevos aproveitaram o congelamento do Reno para invadir a Gália em grande número. O fato de Ravenna não ter sido capaz de organizar nenhuma ação militar em resposta, levou o governador da Britânia, Flavius Claudius Constantinus (Constantino III) a se autoproclamar imperador romano, para, em seguida, atravessar o Canal da Mancha, levando consigo todo o exército romano da Britânia e desembarcando na Gália, em 407 D.C., sendo que, no ano seguinte, ele conseguiu estabelecer a sua capital na cidade de Arles.
Flávio Constantino conseguiu guarnecer durante algum tempo a fronteira da Gália e exercer autoridade sobre a Hispânia, mas ali teve que lidar com uma incursão de Visigodos liderados por Sarus, agindo a serviço do imperador Honório, e, apesar de ter sido sitiado por Sarus em Valência, os bárbaros foram obrigados a se retirar ante a chegada de um contingente comandado por Gerontius e Edobichus, dois generais subordinados a Flávio Constantino. Não possuindo outras alternativas militares para combater o usurpador, Honório, ao receber os emissários enviados por Flávio Constantino, em 409 D.C. reconheceu-o como “Augusto” e, portanto, seu colega imperial, ficando ele conhecido como Constantino III. Este, em seguida, também elevou seu próprio filho à condição de Augusto, que reinou com ele adotando o nome de Constante II (não confundir com o imperador bizantino do mesmo nome)
(Solidus de Constantino III, foto de Classical Numismatic Group)
Entretanto, Constantino III, logo em seguida, teve que enfrentar uma rebelião do seu próprio subordinado, o general Gerontius, que, provavelmente insatisfeito o envio de Constante II para a Hispânia, ali aclamou o usurpador Maximus como imperador. Desse modo, os reduzidos domínios de Constantino III ficaram sob ataque por todos os lados, pois, Gerontius, após derrotar as tropas de Constante II, na cidade de Vienne, em 410 D.C, matando este, sitiou o próprio Constantino, em Arles. Simultaneamente, uma nova horda de bárbaros cruzou o Reno, enquanto a Britânia, que havia ficado indefesa, estava sob ataque dos Saxões. A ilha nunca mais voltaria ao controle do Império e, em resposta a uma petição dos cidadãos romanos locais, suplicando por tropas para a sua defesa, Honório respondeu que eles deveriam procurar se defender valendo-se dos próprios meios…
Enquanto isso, depois de saquearem Roma, também em 410 D.C, os Godos permaneceram ao largo na Itália, levando com eles, como refém, a irmã de Honório, a princesa Gala Placídia, sem, contudo, serem capazes de tomar a capital ocidental, Ravenna.
Foi nesse quadro que Flávio Constâncio surgiu em cena como o Comandante em Chefe (Magister Militum) do Exército Romano do Ocidente e, liderando as tropas da Itália, em 411 D.C., ele entrou na Gália e alcançou Arles, onde, ao constatarem a sua chegada, a maior parte das tropas de Gerontiusdesertou e se juntou a ele, obrigando Gerontius a fugir para a Espanha, onde mais tarde ele seria cercado e cometeria suicídio. Contudo, Constantino III, não se beneficiou em nada da desgraça de Gerontius, pois, imediatamente, FlávioConstâncio passou a sitiar Constantino III, em Arles. Após FlávioConstâncio derrotar um contingente liderado por Edobichus, que tentou inutilmente levantar o cerco, Constantino III, constatando que era inútil a resistência, acabou se rendendo e, inicialmente, ele recebeu salvo-conduto para se retirar da cidade, sob a condição de se ordenar padre. Porém, pouco depois, ele acabou sendo executado por ordens de Honório, quando já se encontrava próximo à Ravenna.
Os bárbaros Burgúndios e Alanos, aproveitando a divisão entre os Romanos, juntaram-se a alguns nobres galo-romanos que apoiaram Constantino III e aclamaram Jovinus, um senador da Gália, como imperador. Com isso, os Burgúndios, liderados pelo rei Gundahar (ou Gunther), conseguiram se estabelecer também na margem ocidental do rio Reno (eles já controlavam um trecho do outro lado do rio), na região onde ficavam as cidades de Vormatia (atual Worms), Noviomagus (atual Speyer) e Argentorarum (atual Estrasburgo), que posteriormente ficaria conhecida como Borgonha, em função do nome da tribo, fundando o Reino da Borgonha, que seria incorporado pelo Reino dos Francos, em 534 D.C.
Enquanto isso, de volta à Itália, após derrotar Gerontius, Flávio Constâncio aumentou a pressão militar sobre os Godos, que foram obrigados a deixar a Itália, possivelmente com o incentivo de alguma quantidade de ouro, e foram se instalar no sul da Gália, em 412 D.C.
Não obstante, Jovinusseria derrotado pelos Visigodos liderados pelo rei Ataulfo, que chegou na Gália, tencionando, a princípio, aliar-se a Jovinus. Porém, concomitantemente, seu inimigo mortal, o Godo Sarus, que havia rompido com Honório, também ingressara na Gália, com o mesmo propósito. Na primeira oportunidade que teve de alcançar o inimigo, Ataulfo atacou e matou Sarus. Nâo se sabe ao certo, mas a ação de Ataulfo de alguma forma deve ter contribuído para atrapalhar sua aproximação com Jovinus. Quando este nomeou seu próprio irmão, Sebastianus, como Augusto, Ataulfo, que provavelmente estava de olho no posto para ali colocar algum fantoche, entrou em contato com Dardanus, o Prefeito Pretoriano da Gàlia, que ainda se mantinha fiel a Honório, e este enviou uma mensagem ao seu imperador, informando que Ataulfo propunha uma aliança contra Jovinus, mediante certos termos. Aceita a proposta, Ataulfo atacou e derrotou Sebastianus e Jovinus fugiu para Valência, mas foi capturado e enviado a Dardanus, em Narbonne, onde foi executado e decapitado, em 413 D.C. As cabeças dele e de Sebastianusforam enviadas à Ravenna. Honório depois as mandou para Cartago, para advertir outros usurpadores, como veremos a seguir.
(Relevo em marfim, retratando Flávio Constâncio (Constâncio III), como Cônsul)
Em recompensa aos seus bons serviços, Flávio Constâncio foi nomeado Cônsul para o ano de 413 D.C.
O motivo pelo qual Constâncio não enfrentou diretamente a rebelião de Jovinus foi devido ao fato de que, em 412 D.C, outro usurpador, Heraclianus, o Conde da África, insatisfeito com a nomeação de Flávio Constâncio como Magister Militum, revoltou-se e declarou-se imperador. Em seguida, ele suspendeu o envio de grãos da África para Roma (como o Egito fazia parte do Império Romano do Oriente, a província era a principal fonte de trigo para a cidade de Roma) e armou uma frota, com a qual desembarcou na Itália, no comando de seu exército.
Provavelmente, Heraclianus agiu dessa forma por acreditar que Honório não dispunha mais de tropas suficientes, pois as fontes relatam que ele ficou espantado quando percebeu o tamanho do exército comandado por Flávio Constâncio, que o interceptou em Utriculum, possivelmente na Úmbria. Seguiu-se uma encarniçada batalha, onde Heraclianus foi derrotado e fugiu de volta para a África, onde, no entanto, foi preso e executado no Templo da Memória, em Cartago.
Na Gália, após uma breve trégua com Honório, que foi selada pelo casamento do rei visigodo Ataulfo com Gala Placídia (aparentemente, não contra a sua vontade), em 414 D.C., Flávio Constâncio, inteligentemente, submeteu a costa da Gália a um bloqueio naval, causando a ocorrência de fome entre os Godos, que, enfraquecidos, foram obrigados a deixar a Gália e ir para a Espanha, onde o seu rei Ataulfo acabaria sendo assassinado por um desafeto, em 415 D.C.
Em função da inteligente estratégia de Constâncio, o sucessor de Ataulfo, Wallia, teve que celebrar uma paz em termos mais favoráveis ao Império Romano, assumindo o compromisso de, em troca de comida, os Godos voltarem ao status de foederati, o que implicava na obrigação de prestar serviço militar ao Império, além de terem que devolver a princesa Gala Placídia à Corte de Ravenna.
Em razão de mais este sucesso, Flávio Constâncio foi novamente recompensado, em 416 D.C., agora com o título de “Patrício”, distinção que, no Baixo Império Romano do Ocidente, significava algo parecido a “Grão-Vizir”, ou seja, uma espécie de misto entre primeiro-ministro e comandante supremo do Exército, e que era, sem dúvida, a pessoa mais importante depois do Imperador.
Selando a ascensão de Flávio Constâncio, em 1º de janeiro de 417 D.C, o general e Gala Placídia casaram-se, a princesa, tudo indica, contra a vontade dela.Provavelmente o motivo da insatisfação era o fato de Gala Placídia ser irmã de Honório, filha de Teodósio, o Grande, e neta de Valentiniano I – o último realmente grande imperador do Ocidente, e, portanto, naquele momento, a mulher de nobreza mais ilustre do Império Romano, obrigada a se casar com um general de origem obscura.
Ainda em 417 D.C. nasceu a primeira filha do casal, Grata Justa Honoria. Assim, Flávio Constâncio era, formalmente, um membro da família imperial, e da prestigiada Casa de Teodósio e ele foi, novamente, nomeado para um Consulado.
O sucesso da estratégia empregada contra os Godos, permitiu que Flávio Constâncio conseguisse, em 417 D.C., por fim à prolongada Revolta dos Bagaudas, a qual durava desde 409 D.C. Tratava-se de um conflito ocasionado pelo colapso da autoridade romana na Gália após a invasão bárbara de 406 D.C, em que uma grande quantidade de habitantes da província, forçados pela violência e miséria, tornaram-se foras-da-lei, formando verdadeiras milícias que, inicialmente orientadas para o combate aos bárbaros, reverteram ao banditismo, voltando-se contra as autoridades romanas.
Em 2 de julho de 419 D.C., nasceu, em Ravena, capital do Império Romano do Ocidente, Flavius Placidius Valentinianus, o primeiro filho varão de Flávio Constâncio e de Gala Placídia., que, futuramente se tornaria o imperador Valentiniano III.
(Tradicionalmente, embora não haja evidências concretas, acredita-se que este medalhão de vidro pintado ostente os retratos de Gala Placídia e seus filhos Valentiniano III e Justa Honória)
Novamente, em 420 D.C, Constâncio foi nomeado Cônsul, pela terceira vez, juntamente com o imperador do Oriente, Teodósio II, no que parecia um testemunho de que sua pessoa, e, sobretudo, a sua política, deviam estar sendo aprovadas pela Corte de Constantinopla.
Finalmente, em 8 de fevereiro de 421 D.C, viria o justo reconhecimento do papel crucial que Flávio Constâncio vinha desempenhando no Ocidente: ele recebeu de Honório o título de “Augusto“, o que significa que ele reinaria junto com Honório, como co-imperador, passando à História como Constâncio III. Entretanto, Teodósio II, em Constantinopla não reconheceu a nomeação dele.
Narra uma fonte que Constâncio III, na época de sua aclamação, teria manifestado pesar pela perda de liberdade pessoal, entendendo que aquilo era um dos fardos que o título de imperador acarretava.
Entretanto, Constâncio III somente reinaria por 7 meses, vindo a falecer de causas desconhecidas, em 2 de setembro daquele ano de 421. Ele, então, já devia ter entre 50 e 60 anos, ou talvez até mais. Há um relato de que ele planejava uma expedição contra o Oriente para forçar o seu reconhecimento.
Gala Placídia e seu ainda bebê Valentiniano, inclusive, tiveram que se asilar em Constantinopla, devido aos tumultos que se seguiram à morte de Constâncio III. Uma fonte alega que o motivo teria sido o repúdio da massa de Ravenna ao boato de que ela e seu irmão Honório mantivessem uma suposta relação incestuosa. Vale citar, no entanto, que o historiador Edward Gibbon menciona que os soldados godos, nessa ocasião, ficaram do lado de Placídia.
Diante dessa informação de que houve manifestações públicas contra a morte do imperador e hostilidade contra a imperatriz-viúva, pode-se especular que Placídia tenha tido alguma participação na morte de seu marido Constâncio III (não se olvidando que este foi um casamento forçado), ou, pelo menos, o povo pode ter pensado assim, já que a massa realmente poderia ter motivos para suspeitar de uma imperatriz que, antes do casamento com Constâncio III, tinha primeiro sido esposa de um rei Godo…
Seja como for, a verdade é que, naquele momento, o que Roma mais precisava era de um imperardor-soldado, e de um com talento militar. Por isso, a morte de Constâncio III veio se somar a uma série de infortúnios que se abateram sobre o Império Romano do Ocidente, em um momento decisivo para a sua sobrevivência.
Desde os primórdios da arte cinematográfica, isto é, a partir da invenção do cinema pelos irmãos Lumiére, em 1895, histórias tendo como pano de fundo Roma e o Império Romano têm sido temas de roteiros de filmes.
Com efeito, já em 1899, o grande pioneiro francês da Sétima Arte, George Mélies, filmou “Cleópatra“; em 1907, os norte-americanos produziram a primeira versão de “Ben-Hur“; e, em 1910, os italianos lançaram o filme “Agripinna“, sobre a vida atribulada da célebre mãe do imperador Nero. Quatro anos depois, em 1914, o filme “Gaius Julius Caesar“, baseado na obra de Shakespeare foi produzido também na Itália.
Mas, indubitavelmente, os anos 50 e 60 foram o auge do tema “Roma”na telona, tendo a indústria cinematográfica vivido uma verdadeira “Romamania” (inserindo-se em uma moda, assim apelidada pela crítica especializada de sword-and-sandals, ou, em português, “espada e sandálias”) lançando películas que iam de grandes superproduções hollywoodianas, como “Ben-Hur” (versão de 1959), “QuoVadis“, “Manto Sagrado“, “Spartacus” e “Cleópatra” (1963), e até mesmo uma febre de filmes sobre gladiadores, notadamente de produção italiana, abrindo um filão que foi aproveitado por atores musculosos e inclusive fisiculturistas que viraram atores (além de filmes sobre personagens mitológicos).
Não obstante, pesquisando os registros disponíveis na internet sobre filmes abordando a temática sobre Roma, podemos constatar que eles se dividem nos seguintes grandes grupos (devendo ser notado que frequentemente vários desses temas apareçam entrelaçados nos respectivos enredos):
1- Filmes sobre a vida de uma grande figura histórica romana ou ligada à História de Roma, sobressaindo, em indisputado primeiro lugar, Cleópatra, a rainha do Egito, seguida por Júlio César epor Espártaco (vale notar que filmes sobre este último também se incluem no tema “gladiadores”). Vindo bem mais atrás,aparecem Cipião, o Africano, Messalina, Agripina, a Jovem, e alguns poucos imperadores, como Calígula e Nero. Observe-se que alguns grandes inimigos de Roma também foram temas de filmes, como Aníbal e Átila, o Huno;
2- Filmes com temática central focada nos primórdios do Cristianismo, envolvendo passagens da vida de Jesus Cristo, dos Apóstolos ou de personagens fictícios, mas vivendo em ambiência romana, como “Ben Hur“, “Quo Vadis“, “O Manto Sagrado“, “Barrabás” (estes dois últimos também abarcam o tema “gladiadores”) e o “Cálice Sagrado“;
3- Filmes sobre a erupção do Vesúvio e a destruição de Pompéia, existindo vários exemplos, como “Os Últimos Dias de Pompéia“, que por si só já teve quatro refilmagens;
4- Filmes sobre gladiadores, sendo o exemplo mais famoso, o “Gladiador” (2000), de Riddley Scott, valendo citar “Demetrius e os Gladiadores“, de 1954, um precursor em Hollywood neste tema (o filme é uma continuação de “O Manto Sagrado“) e cuja temática também aborda o Cristianismo;
5- Filmes sobre a decadência e queda do Império Romano, cujo exemplo mais significativo é “A Queda do Império Romano” (1964), mas esta temática também abrange filmes mais recentes como “A Última Legião” (2007) e “Rei Arthur” (2004), com Clive Owen. Também podemos incluir o excelente “Alexandria” (2009), estrelando Rachel Weisz, nesta subcategoria.
Há também alguns filmes sobre batalhas importantes travadas pelos romanos (embora elas não estejam entre os temais mais recorrentes na telona), como por exemplo, sobre a Batalha da Floresta Teutoburgo, e o cerco à Masada. Aliás, um tema que vem tendo crescente interesse pela indústria cinematográfica, são os conflitos de romanos contra bárbaros, valendo como exemplo os dois filmes recentemente produzidos sobre o suposto desaparecimento da IX Legião na Britânia: ”Centurião” (2010) e ”A Legião Perdida” (2011) e a minissérie “Bárbaros“, da Netflix (embora a rigor, esta não seja uma produção cinematográfica, hoje em dia tal distinção está cada vez mais fluida).
Praticamente todos esses filmes (eu não me lembro de nenhum que não o tenha feito) repetem algumas idiossincrasias que são praticamente convenções na filmografia envolvendo Roma, embora sejam historicamente incorretas:
a) Soldados romanos envergando armaduras de placas articuladas (lorica segmentata) e escudos retangularesseja qual for a época: As primeiras começaram a ser usadas por volta de 9 D.C, e praticamente abandonadas por volta 250 D.C; já os segundos começaram a ser usados também por volta do início do reinado de Augusto e abandonados por volta de 250/300 D.C, no entanto, quase sempre se vê nos filmes os soldados romanos usando esses modelos em períodos anteriores ou posteriores aos mencionados (diga-se de passagem, os elmos quase sempre também são historicamente imprecisos).
b) Romanos usando uma espécie de munhequeira de couro ou de metal nos pulsos ou punhos: Não há sequer uma imagem ou estátua sobrevivente da Roma Antiga que mostre que os romanos envergassem tal ornamento nos pulsos, seja qual for o período (Alguns acham que o motivo disso seria esconder marcas deixadas pelo uso de relógio de pulso pelos atores, mas o mais provável é que seja apenas pura repetição de filmes anteriores)
c) Romanos em suas casas comendo sentados em cadeiras em torno de uma mesa: Os Romanos comiam reclinados ou mesmo deitados em triclínios, como era de costume, ao menos na elite e classes médias.
d) Gladiadores profissionais lutando até a morte sem a presença de um árbitro: Gladiadores profissionais podiam ocasionalmente morrer repentinamente em função de um golpe recebido, seja na arena ou posteriormente, mas, quando isso não ocorria, cabia ao patrocinador, ou à autoridade mais elevada presente, decidir se o perdedor seria morto (às vezes eles deixavam que o público decidisse) – algo que, no caso de lutadores profissionais não era comum. Essas lutas mais qualificadas não devem ser confundidas com aquelas travadas por condenados à morte obrigados a lutarem entre si. Na verdade, sabemos que os combates travados entre profissionais sempre tinham um árbitro que intervinha em determinadas situações, como um juiz de luta moderno.
e) Soldados romanos cavalgando cavalos com estribos: Os estribos só foram introduzidos na Europa e no Mediterrâneo entre os séculos VI e VII D.C, e somente no período do Império Romano do Oriente, chamado de Império Bizantino, quando o Império do Ocidente já havia caído. Os romanos antes disso utilizavam um tipo de sela com quatro protuberâncias, que ajudavam a dar um apoio melhor ao cavaleiro.
f) Templos e estátuas romanas de mármore imaculadamente brancos, sem qualquer pintura ornamental: As Estátuas e os detalhes arquitetônicos dos templos greco-romanos, como frisos, relevos, capitéis das colunas, entre outros, eram pintados, frequentemente, em cores vivas.
Assim, sem mais delongas, vamos aos dez filmes sobre Roma que eu considero (é uma avaliação pessoal e discricionária minha, mas claro que apreciaríamos sugestões nos comentários) os mais interessantes (atenção! contém “spoilers“):
1 – BEN-HUR (1959)
Baseado no livro de ficção “Ben-Hur, a Tale of Christ“, escrito por Lew Wallace, que já havia sido filmado em 1907 e 1925, e, no total, pelo que pude apurar na internet, teve cinco versões produzidas no total. A versão do filme dirigido por William Wyler, um dos maiores cineastas de todos os tempos (diretor de clássicos como “A Princesa e o Plebeu”, “Da Terra Nascem os Homens”, “Jezebel”, o “Morro dos Ventos Uivantes”, entre outros), foi durante muito tempo, com onze estatuetas, o longa-metragem recordista isolado em premiações do Oscar, que até hoje não foi superado (“Titanic” e o “Senhor dos Anéis, o Retorno do Rei”, posteriormente, o igualaram). Trata-se de um história em sua maior parte ambientada na Jerusalém da época do ministério público e martírio de Jesus Cristo, no início do século I D.C, durante o período romano e centrada no antagonismo entre o nobre judeu Judá Ben-Hur e o comandante da guarnição romana, Messala, que foram amigos durante a infância e adolescência de ambos, passada na aristocrática residência da família de Ben-Hur. O roteiro e a bela atuação de Charlton Heston no papel principal conseguem expressar bem a tensão existente entre uma elite judaica – já um tanto romanizada (ou, mais propriamente, helenizada) e relativamente submissa ao domínio romano, da qual faziam parte o protagonista do filme e sua família – e os anseios pela independência da Judéia, inspirados pelo patriotismo e sentimento nativista judaico, dois pólos entre os quais eles parecem oscilar. Um atentado ao novo governador da Judéia, ao qual Ben-Hur é injustamente vinculado, fazem com que ele e sua família caiam em desgraça e, em virtude disto, várias vicissitudes o fazem entrar em contato com Jesus Cristo e seus ensinamentos, afetando decisivamente a vida dele. Uma passagem não muito citada nas críticas, mas que me agrada muito, é a relação afetuosa criada entre Ben-Hur e o Comandante da Frota Romana, Cônsul Quintus Arrius, que Ben-Hur salva do naufrágio da galera onde ele havia sido condenado a servir como remador, terminando por ser adotado como filho pelo Romano, assumindo o seu nome e posição social, enquanto vivia na própria Roma. Embora haja algumas impropriedades um tanto irrelevantes no que se refere a uniformes militares, vestuário e estilos arquitetônicos, “Ben-Hur” é uma superprodução primorosa, e a trilha sonora (Miklos Rozsa), na minha opinião, é simplesmente fantástica. A cena mais eletrizante do filme é uma sensacional corrida de quadrigas, no que seria o Hipódromo de Jerusalém .
Trailer oficial de Ben-Hur
2- GLADIADOR(2000)
Dirigido pelo consagrado cineasta inglês Ridley Scott (“Alien, o 8º Passageiro”, “Blade Runner”, “Cruzada”, “Thelma & Louise”, “Napoleão”, etc), Gladiador pode ser considerado o filme que, após algumas décadas de ostracismo, ressuscitou a onda de filmes épicos com temática da Antiga Roma. Fizemos uma análise detalhada desta produção, sob o aspecto da historicidade, em nosso artigo MAXIMUS DECIMUS MERIDIUS-GLADIADOR-O QUE É FATO E O QUE É FICÇÃO?, onde apontamos algumas inconsistências e inverossimilhanças. Mesmo assim, Gladiador é seguramente um dos melhores filmes sobre Roma. O prezado leitor, caso os tenha assistido, perceberá que Ridley Scott sem sombra de dúvidas procurou inspiração em “A Queda do Império Romano“, “Spartacus” e “Ben-Hur” e, de certa forma, o filme pode ser considerado uma mistura bem-sucedida dos três filmes citados: A trama centrada no homem que cai em desgraça, tem sua família destruída e volta para se vingar no Circo ou na Arena é nitidamente inspirada em “Ben-Hur“; Já o contexto envolvendo o fim do reinado do imperador romano Marco Aurélio (Richard Harris), sua suposta preferência em entregar o poder a um general de caráter reto e confiável (Maximus, interpretado por Russell Crowe), com a finalidade de restaurar um governo republicano, em vez de ser sucedido pelo filho Cômodo (Joaquin Phoenix), que o assassina (passagem sem suporte histórico) e se torna o novo imperador, instaurando um governo inepto e corrupto, bem como o envolvimento amoroso de Lucilla (Connie Nielsen), irmã de Cômodo, com Maximus e o combate de gladiadores entre o imperador e o general foram extraídos diretamente de “A Queda do Império Romano“; E a trajetória da transformação e treinamento do general Maximus para virar gladiador ecoa claramente esta mesma parte do filme “Spartacus“. A reconstituição do Coliseu é de tirar o fôlego. O filme teve uma sequência lançada em 2024, “Gladiador 2”, que a crítica considerou bem inferior, mesma avaliação que eu tive ao assisti-lo.
Gladiador, Trailer oficial
3-A QUEDA DO IMPÉRIO ROMANO(1964)
O enredo do filme, de 1964, foi, conforme declarou seu próprio diretor, Anthony Mann (“El Cid”, “O Homem do Oeste”, “Winchester ’73”, etc.), inspirado no clássico livro “A História do Declínio e Queda do Império Romano“, de Edward Gibbon, escrito no século XVIII e até hoje uma das obras mais influentes sobre o tema, fruto de uma copiosa leitura sobre praticamente todas as fontes antigas existentes sobre o Império Romano, e cuja tese central é que este caiu pela corrupção interna agravada pela ação conjunta dos bárbaros e do Cristianismo. Assim como no livro, a trama se inicia no final do reinado do imperador Marco Aurélio, quando, nas palavras do historiador romano Cássio Dião: o Império regrediu “de uma época de ouro para uma de ferro e ferrugem“. No filme, assistimos o velho imperador-filósofo (interpretado por Alec Guiness), após externar o seu desejo de entregar o trono a um fiel auxiliar, o honesto general Lívio, que também era amante de sua filha, Lucilla, esperando que este implante um bom governo em prol de todos os habitantes do Império, em detrimento de seu próprio filho Cômodo (Christopher Plummer), que, transtornado, assassina o pai. Como já dissemos, as cenas iniciais do filme, retratando a sombria fronteira do Danúbio, bem como a trama central, certamente inspiraram o “Gladiador“, de Ridley Scott, mais de 45 anos depois. O ponto alto do filme, além do bom desempenho dos atores, incluindo Sophia Loren, no auge da beleza, no papel de Lucilla, é a excelente reconstituição cênica de ambientes externos e internos, destacando-se o que talvez seja a mais exata reprodução do Fórum Romano já feita nas telas (veja vídeo abaixo). Um personagem importante do filme é o liberto de origem grega Timonides (James Mason), filósofo estoico e homem de confiança de Marco Aurélio, que, junto com Lívio e Lucilla, tentam, inutilmente, convencer Cômodo a acomodar e integrar os bárbaros derrotados na campanha como cidadãos do Império Romano.
4- QUO VADIS (1951)
Baseada no livro homônimo do escritor polônes Henryk Sienkiewicz, que já havia sido filmado três vezes anteriormente à versão que estamos comentando, sendo a primeira no remoto ano de 1901, ainda na infância da Sétima Arte, a versão dirigida por Mervyn LeRoy talvez seja o maior e melhor exemplo dos filmes de temática cristã em que o cerne é o antagonismo entre a nascente religião e o Império Romano, que tenta, inutilmente, sufocá-la. No enredo, vemos o laureado general Marcus Vinicius (Robert Taylor), retornando de campanha na Britânia, apaixonar-se por Lígia (Deborah Kerr), moça nativa da região da Lygia, na Europa Central, que foi enviada à Roma como refém do Império e acolhida como filha de criação por Aulus Plautius, ex-governador da província e também general aposentado. Lígia e seu pai de criação converteram-se ao Cristianismo e ela, inicialmente, embora sinta-se atraída por ele, reluta em aceitar as investidas de Marcus, que apela a seu tio, o famoso novelista Petronius, amigo do imperador Nero, para que este intervenha junto ao imperador e ordene que a refém lhe seja entregue como esposa. Lívia acaba se apaixonando por Marcus, mas tenta convertê-lo à fé cristã, com o auxílio do apóstolo Paulo, que frequentava a casa de Aulus, mas o romano resiste. Durante o romance, acontece o terrível Grande Incêndio de Roma (64 D.C.). Nero coloca a culpa nos cristãos e ordena que sejam presos para serem executados, o que acarreta a prisão de Lígia e de seu pai de criação, que também havia se convertido. Marcus tenta salvá-los, mas também é preso. Todos deverão ser executados no Circo. Na prisão, Lígia e Marcus, que começa a aceitar a fé da amada, casam-se, em uma cerimônia celebrada pelo apóstolo Pedro, preso com eles na mesma cela, e que havia retornado à Roma, de onde havia fugido da Perseguição movida por Nero, após ouvir a voz de Jesus Cristo, quando ele já estava na Via Ápia, perguntar: “Aonde vais” (Quo Vadis?), um episódio narrado nos Atos dos Apóstolos. A imperatriz Popéia, enciumada por ter tido suas investidas sexuais rejeitadas por Marcus em razão de seu amor por Lígia, arquiteta uma maneira de executá-los com requintes de crueldade no Circo, mas a Plebe se toma de simpatia por eles, os antigos soldados subordinados de Marcus aderem, e daí a trama se entrelaça com os eventos que culminaram no suicídio de Nero e sua sucessão por Galba, que se encontrava a caminho de Roma.
Sem dúvida, a atuação brilhante de Peter Ustinov como o imperador Nero contribuiu decisivamente para tornar “Quo Vadis” um dos melhores filmes sobre o Império Romano. Ele conseguiu incorporar e transmitir vários traços da personalidade de Nero que brotam das fontes antigas: mimado, vaidoso, dramático, licensioso, inseguro, etc. Outro ponto marcante é a cena inicial do filme, onde Nero, cercado de seus cortesãos, ensaia uma ode sobre a Queda de Tróia, que na verdade se aplicaria à destruição da própria Roma: embora a letra da canção seja fictícia, a melodia que a acompanha é da única música autêntica do período romano que chegou até os nossos dias – Trata-se do “Epitáfio de Seikilos“, que foi descoberto em um mausoléu aproximadamente do século I D.C, na Turquia, onde foram gravados os versos, acompanhados da notação musical que permitiu a reconstrução da música. O belíssimo texto em grego, que, aliás constitui uma perfeita expressão da filosofia epicurista, diz:
Enquanto viveres, brilha.
De tudo não te aflijas,
Pois curta é a vida
E o tempo cobra seu tributo
Acima, inserimos um link com o vídeo da execução da canção original. E abaixo, segue o vídeo com a cena do filme:
5- SPARTACUS (1960)
Dirigido pelo magistral Stanley Kubrick (“2001 – Uma Odisséia no Espaço”, “Laranja Mecânica”, “O Iluminado”, etc.), o filme conta a história de um escravo trácio que é treinado como gladiador e lidera uma revolta de escravos que põe em cheque a própria República Romana, constituindo um dos enredos sobre Roma preferidos pelos cineasta (tendo sido filmado duas vezes anteriormente e, no mínimo quatro vezes no total), dando também origem a uma série televisiva já na terceira temporada. Embora, por conveniência, tenhamos incluído o filme dentro do grupo “Gladiadores”, na verdade é um filme que ultrapassa essa temática, adentrando com relativa profundidade (para os padrões da indústria cinematográfica norte-americana) o campo da crítica social. Centrado na história real de Espártaco, o roteiro é consideravelmente baseado nas fontes originais romanas, notadamente Apiano e Plutarco, não obstante, com inclusões de alguns personagens fictícios, como o político Gracchus, a escrava Varínia e o escravo Antoninus. Assim, o filme começa com Espártaco (Kirk Douglas), um escravo trácio capturado em batalha e enviado para trabalhar nas minas, que é condenado à morte por insubmissão e chama a atenção do lanista (empresário dono de uma escola e de uma trupe de gladiadores) Lentulus Batiatus(personagem real mais uma vez brilhantemente interpretado por Peter Ustinov), que o compra e o leva para ser treinado em sua escola de gladiadores, em Cápua, de onde ele acaba fugindo, junto com seus companheiros e sua namorada, a escrava Varínia (Jean Simmons), liderando uma revolta à qual se juntam milhares de escravos da região, no decorrer da qual derrotam várias expedições militares romanas enviadas contra eles, até que o Estado resolve recorrer ao cruel e ambicioso general Marco Licínio Crasso (Sir Lawrence Olivier), que deseja o comando para subverter a democracia e assumir poderes ilimitados, fato que gera grande preocupação em seu inimigo político, Gracchus, um político defensor das liberdades públicas e dos direitos dos plebeus no Senado Romano e que simpatiza com as demandas dos revoltosos. Entre os senadores moderados que os dois rivais políticos tentam atrair para o seu lado está o jovem senador Caio Júlio César (John Gavin), também partidário da plebe, mas que teme o enfraquecimento ao poder romano decorrente da Revolta. Como se sabe, Espártaco e seus companheiros no final são derrotados militarmente, mas não sem antes fazerem um comovente libelo pela Liberdade e Justiça Social. Esta mensagem candente do roteiro escrito por Dalton Trumbo, roteirista perseguido no auge do Macarthismo nos EUA, levou a protestos da extrema-direita e de grupos anticomunistas contra a exibição do filme (Vale observar que a figura de Espártaco inspirou as Olimpíadas do bloco socialista, as chamadas “Espartaquíadas”). Outra polêmica foi causada pelas cenas que apontam a atração homossexual de Crasso pelo escravo Antoninus (Tony Curtis), sugestão também presente, de modo mais sutil, em uma cena entre Crasso e Júlio César nas termas. As cenas de batalha, com milhares de figurantes, são também muito boas (vide vídeo abaixo).
6- JÚLIO CÉSAR(1953)
Nenhuma relação de filmes sobre Roma pode estar completa sem uma película sobre o romano mais famoso que já existiu, e ninguém expressou com mais brilho os eventos dramáticos que culminaram no assassinato do Ditador Caio Júlio César do que o inglês William Shakespeare. Assim é que dos nove filmes que pesquisamos com o título “Júlio César”, pelo menos quatro são baseadas na peça homônima escrita pelo Bardo. E de todos eles, a versão de 1953 é considerada pelos críticos como a melhor. Dirigida pelo medalhão de Hollywood, Joseph L. Mankiewicz, diretor, produtor e roteirista de grandes filmes ( “A Malvada”, “A Condessa Descalça”, “Cleópatra”, etc), traz Marlon Brando, em grande atuação, como Marco Antônio, James Mason como Brutus e Sir John Gielgud como Cássio, e é, basicamente, uma encenação cinematográfica da célebre peça. Brando brilha no famoso discurso de Marco Antônio no funeral de César (vide abaixo).
7- CLEÓPATRA (1963)
A rainha egípcia figura em primeiro lugar entre os personagens da História de Roma levados às telas, com pelo menos 20 películas produzidas, inclusive um filme produzido no Brasil, em que Cleópatrafoi interpretada por Alessandra Negrini. A superprodução de 1963, dirigida por Joseph L. Mankiewicz, custou tanto dinheiro que quase quebrou o estúdio Twentieth Century Fox, embora tenha sido um sucesso de público e sido indicada para nove Oscars, sendo vencedora de quatro estatuetas. O roteiro, baseado nos textos de Plutarco e Suetônio, inicia-se com a vitória de Júlio César (Rex Harrison) na Batalha de Farsália, após a qual, ele persegue seu rival Pompeu, o Grande até Alexandria, capital do Egito Ptolemaico. Ao desembarcar na cidade, César toma conhecimento que Pompeu havia sido morto pelos egípcios, e se vê obrigado a intervir na luta pelo trono travada entre o ainda menino Ptolomeu XIII e sua irmã Cleópatra (Elizabeth Taylor, deslumbrante), de quem César toma partido, após eles passarem a noite juntos. Boa parte do filme é centrada na relação amorosa entre Cleópatra e Marco Antônio (Richard Burton), até o trágico fim do casal. Na época, Elizabeth Taylor era a estrela máxima da Fox (ela recebeu pelo papel o maior cachê até então pago para uma atriz) e de certa forma ela se comportava no set quase como se fosse uma Cleópatra renascida (aliás, hoje, a escolha da superstar de pele alva como a neve e olhos azuis-violetas para interpretar Cleópatra certamente geraria polêmica nas redes sociais…), fazendo exigências e intervindo na produção do filme, e também tornou-se lendária a química entre ela e Richard Burton , e, de fato, os dois, apesar de ambos serem casados, iniciaram um tórrido romance durante as filmagens, fato que rendeu bastante publicidade. Mas seria Rex Harrison quem ganharia um Oscar de Melhor Ator Coadjuvante pelo papel de Júlio César. Há grandes cenas no filme, como a entrada triunfal de Cleópatra em Roma, como hóspede de César, a barcaça real de Cleópatra, a Batalha de Actium e a cena final, retratando a morte da Rainha.
8- CALÍGULA (1979)
Admitimos que muitos não concordarão com a inclusão desta versão de “Calígula” na nossa lista. De fato, este filme tem uma história conturbada. Ele foi produzido por Bob Guccione, dono e editor da revista masculina “Penthouse” e, inicialmente, parecia que a intenção era realmente produzir um filme épico com atores e roteiristas consagrados. Por exemplo, o roteiro original do filme foi escrito pelo consagrado escritor Gore Vidal, autor de romances bem densos sobre personagens e acontecimentos do Mundo Antigo e da História Americana (“Juliano”, “Criação”, “Império”, “Lincoln”, etc), mas começou sendo dirigido pelo diretor italiano Tinto Brass, que já tinha em sua filmografia filmes com conteúdo erótico. Vários atores consagrados aceitaram o convite e atuaram no filme, tais como Peter O’ Toole (Tibério), Malcolm Mcdowell (Calígula), Helen Mirren (Cesônia) e Sir John Gielgud (Nerva). A grande maioria das cenas desenvolve-se em aposentos fechados, com poucas externas, e, por isso, também não há muitos figurantes (exceto nas cenas de orgias…), mas a cenografia e os figurinos em geral são de ótima qualidade. O enredo segue fielmente o relato da Vida de Calígula escrito pelo historiador romano Suetônio. Então, a nosso ver, os que leram o texto de Suetônio não deveriam se indignar tanto com a quantidade de pornografia presente no filme. O ambiente de medo e apreensão no qual Calígula viveu ainda na adolescência, as atrocidades e a depravação que ele assistiu enquanto morou com seu tio Tibério, em Capri, as circunstâncias que resultaram na sua elevação ao trono, seu envolvimento amoroso com a própria irmã, Drusila, o seu comportamento paranóico e sua progressiva perda de contato com a realidade, resultando em seu reinado tirânico, vida devassa e assassinato, e, finalmente, os episódios de depravação e devassidão, tudo foi descrito com detalhes no livro de Suetônio, e reproduzido no filme. Todavia, o grande problema da obra foi o fato de Bob Guccione, após as filmagens terem sido concluídas, e já em trabalho de pós-produção, ter filmado e incluído várias cenas de sexo explícito encenadas com a participação de algumas “Pets” da Penthouse (como eram chamadas as modelos que posavam nuas na revista), o que, de fato, constituiu, a nosso ver, um motivo justo para os profissionais da indústria cinematográfica “mainstream” terem se sentido enganados. Devido a isso, o filme foi rejeitado por alguns participantes: Gore Vidal já havia abandonado o time durante a produção por discordâncias com Tinto Brass e este proibiu também que seu nome figurasse como diretor, e, finalmente, de modo geral, os atores mostraram contrariados. Helen Mirren, ferina, descreveu o filme como “Uma mistura irresistível de arte e genitais“. O filme também foi alvo de processos em vários países devido ao conteúdo considerado impróprio. Não obstante todas essas polêmicas, eu considero a atuação de Mcdowell no papel principal muito boa (embora muitos possam achar que ele de certa forma reproduz sua interpretação do psicopata personagem central de “Laranja Mecânica”, mesmo assim, esta cai bem em um personagem como Calígula). Para mim, o filme tem uma atmosfera sombria e surrealista que também se amolda bem ao relato de Suetônio.
9-ALEXANDRIA (2004)
Escolhemos “Alexandria“, produção espanhola falada em inglês cujo nome original é “Ágora” porque é um dos poucos filmes que retrata com fidelidade o período do Império Romano Tardio e a ascensão do Cristianismo como religião oficial do Império Romano, em detrimento da civilização clássica greco-romana e do Paganismo, nas décadas que antecederam a Queda do Império do Ocidente. O filme, dirigido por Alejando Amenábar (“Mar Adentro”, “Os Outros”) é centrado na estória da personagem histórica Hipátia de Alexandria, uma filósofa neoplatônica e professora de Filosofia, Matemática e Astronomia na Escola Neoplatônica de Alexandria, que funcionava no Mouseion (Museu), considerado por alguns como uma instituição possivelmente sucessora da famigerada Biblioteca de Alexandria. Hipátia era filha do filósofo Téon, de quem ela herdou a inteligência e o amor pela ciência e cultura clássica greco-romana - que cada vez mais se viam cercadas e atacadas pelo fanatismo das lideranças cristãs – e ela trava uma luta inglória para tentar obter apoio das autoridades seculares romanas e impedir que a Escola seja engolfada pelas disputas entre cristãos e judeus, que assolam a cidade, no final do século IV D.C. Enquanto isso, seus alunos Orestes (Oscar Isaac), que se torna o Prefeito de Alexandria, e Davus (Max Minghella), escravo de Téon, debatem-se entre o amor que eles sentem pela Filósofa e as tensões provenientes da religião a qual se converteram. Hipátia é interpretada, com muita sensibilidade, pela ótima atriz inglesa de beleza suave, Rachel Weisz, e a reconstituição da antiga Alexandria é muito bem feita.
10- RESSURREIÇÃO (2016)
Produção mais recente da nossa lista, é mais um filme passado durante o período do Império Romano que aborda temas cristãos, notadamente a prisão, execução e alegada ressurreição de Jesus Cristo. Mas o interessante neste filme é que esses eventos são vistos pela ótica de um tribuno militar romano, Clavius (Joseph Fiennes), que é encarregado pelo governador romano Pôncio Pilatos (Peter Firth) de investigar o misterioso desaparecimento do corpo de Jesus da tumba onde foi sepultado, em Jerusalém. Clavius fora o encarregado de supervisionar a crucificação de Jesus e guardar o sepulcro, e, portanto, também está diretamente interessado em descobrir e punir os culpados. Entretanto, ao proceder a investigação, entrar em contato com os apóstolos e encontrar o próprio Jesus ressuscitado, Clavius acaba sendo profundamente mudado pelos acontecimentos. Reconhecemos que, de todos os filmes relacionados, este seja o que é menos representativo como obra cinematográfica, mas achamos muito original o enredo que faz torna parte do filme similar a um filme policial ou de detetive. Como curiosidade, observamos que nunca existiu, em Roma ou no Império Romano, uma instituição policial encarregada de investigar crimes comuns. Mas havia, no Exército Romano, tropas chamadas de “speculatores” que funcionavam como batedores e faziam trabalho de reconhecimento, e, ocasionalmente espionavam o território inimigo. Mais tarde, ainda durante o Império, foi criado um corpo de “Frumentarii“, que tinham o seu próprio quartel, em Roma (Castra Peregrina) e eram encarregados de tarefas de inteligência contra opositores internos, funcionando como uma polícia secreta ou polícia política, principalmente investigando indivíduos ou grupos internos considerados perigosos pelo regime imperial. Portanto, uma missão como a dada a Clavius no filme certamente seria executada pelos Frumentarii.
“ROMA” (SÉRIE – 2005/2007) – BÔNUS
Embora, a rigor, não seja uma produção cinematográfica, mas sim uma série televisiva, eu considero impossível para o leitor interessado no tema não mencionar a série da HBO, que, infelizmente, só conseguiu ser produzida para duas temporadas, devido aos custos astronômicos.
E esses custos decorrem, em sua maior parte, da primorosa produção, que, por exemplo, investiu milhões de dólares na construção de cenários grandiosos e muito historicamente acurados nos célebres estúdios Cinecittá, na própria Roma.
Entre os principais motivos que tornam “Roma” uma série imperdível é o fato de ser a única, na minha opinião, que conseguiu chegar mais perto de como seria a Antiga Roma real do século I A.C: Uma cidade enorme para os padrões da Antiguidade, com algumas construções grandiosas, mas que cresceu quase sem planejamento nenhum, onde as multidões se espremiam pelas ruas, frequentemente sujas. Uma cidade ruidosa e multicolorida. Uma cidade onde a maioria comia na rua, em tabernas (termopólios) comidas exóticas, onde ricos aristocratas circulavam em meio a multidão de proletários e escravos tentando ganhar a vida. A série retrata bem uma República estraçalhada por conflitos sociais, corrupção disseminada e disputas políticas resolvidas na base da intimidação e violência, de certa forma como se fosse uma mistura de Washington, Brasília e Mumbai transplantados para a Antiguidade, sendo que muitos estudiosos já disseram que a política no Império Romano seria bem semelhante a de alguns países do que já foi chamado de Terceiro Mundo.
O fio condutor dos episódios são os dois personagens principais, o centurião Lucius Vorenus (Kevin McKidd) e o legionárioTitus Pullus (Ray Stevenson), que servem na mesma legião sob o comando de Júlio César, na Gália, sendo que esses dois militares de fato foram expressamente mencionados por César em seus “Comentários sobre as Guerras Gálicas“, em uma passagem. Durante as duas temporadas, os dois participam diretamente de vários episódios históricos no contexto da Guerra Civil do Primeiro (César x Pompeu) e do Segundo Triunvirato (Otávio x Marco Antônio). Realmente, alguns acontecimentos são bem romanceados e outros são simplesmente inventados, mas, no geral, a série retrata bem o contexto histórico em que eles ocorreram. Ciarán Hinds talvez tenha feito a melhor interpretação de Júlio César já filmada. Outros personagens marcantes são: Atia (Polly Walker), mãe de Otávio (Mark Pirkis e Simon Woods, nas fases adolescente e adulta), que era amante de Marco Antônio (James Purefoy) e inimiga figadal de Servília (Lindsay Duncan), que por sua vez, era amante de César e mãe de Brutus (Tobias Menzies), o enteado e assassino do Ditador; Marco Túlio Cícero (David Bamber); e também: Posca (Nicholas Woodeson), escravo de César; Níobe (Indira Varma), esposa de Vorenus; e Cleópatra (Lindsay Marshal).