No dia 19 de agosto de 14 D.C , faleceu, em Nola, no sul da Itália, o primeiro imperador de Roma, Augusto, com a avançada idade de 75 anos.
1- Antecedentes Familiares, infância e adolescência
Nascido em 23 de setembro de 63 A.C, em Roma, com o nome de Gaius Otavius (Caio Otávio), em uma pequena propriedade no bairro do Palatino, chamada de “Cabeça de Boi”, ainda em tenra idade ele recebeu o cognome Thurinus, pelo fato de seu pai (que também se chamava Caio Otávio) ter sufocado uma rebelião de escravos na cidade de Thurii, na região da atual Calábria, em antes de ir assumir o posto de Procônsul da Macedônia, em 60 A.C. Nesta província, as fontes relatam que Otávio pai mostrou-se um administrador justo e capaz, tendo, ainda, obtido uma vitória militar contra a tribo dos Bessi, na Trácia, pela qual foi aclamado “Imperator” (Comandante vitorioso) pelas tropas.

O pai de Caio Otávio Turino (que por enquanto iremos chamar de Otávio) era um “novus homo” (homem novo), isto é, alguém que chegou ao Senado Romano sem ter nenhum ancestral que o tivesse feito, o que significava não pertencer a uma família ilustre. A família dos Otávios (em latim, “Octavius“, inicialmente um prenome, significando que alguém era o oitavo filho nascido de um casal) era originária da cidade de Velitrae (atual Velletri), a cerca de 40 km a sudoeste de Roma, que fazia parte do território dos Volscos, um povo itálico que por volta de 338 A.C foi incorporado pelos Romanos. O primeiro Otávio a ser mencionado na História de Roma foi o questor Gnaeus Octavius Rufus, que ocupou o cargo por volta de 230 A.C. Ele teve dois filhos, sendo que a descendência do primeiro chegou a exercer cargos importantes. Augusto e seu pai, entretanto, descendiam do segundo filho de Octavius Rufus.

Uma inscrição no Fórum de Augusto sumariza a carreira de Caio Otávio (pai):
“Gaius Octavius, filho, neto e bisneto de Gaius, pai de Augusto, duas vezes tribuno militar, questor, edil da plebe junto com Gaius Toranius, juiz, pretor, procônsul, aclamado imperador na Província da Macedônia”
Já a mãe de Otávio, Atia Balba, era filha de Marcus Atius Balbus (Balbo), primo do grande general e poderoso político Pompeu, o Grande, e provavelmente graças a esse parentesco, o pai dela foi apontado para o cargo de Pretor, em 62 A.C. Apesar disso, o próprio Pompeu, segundo Cícero, considerava Balbo um homem de pouca importância.
Mais importante, a mãe de Atia era filha de Júlia, a irmã mais nova de Caio Júlio César, político que começava a se tornar uma figura muito influente na política romana.
A carreira do seu pai, somado ao fato deles residirem no bairro do Palatino, um lugar habitado pela elite, ainda que tendo nascido em uma casa não muito grande, demonstra que a família de Otávio gozava de boa situação financeira.
Contudo, Atia ficou viúva do pai de Otávio quando este tinha somente 4 anos, em 59 A.C. O seu novo marido, Lucius Marcius Phillipus já tinha três filhos e, naquele momento, ele estava mais preocupado em se eleger Cônsul apoiado pela facção política dos Optimates, defensores dos privilégios da aristocracia senatorial contra a facção dos Populares, da qual a família dela fazia parte.
Por isso, o menino Otávio foi viver com sua avó Júlia, a irmã de César, que ficou responsável por sua criação até a morte dela, em 51 A.C, após o que ele voltou a morar com sua mãe e padrasto, período em que César concluía a sua brilhante campanha de conquista da Gália e dividia a supremacia política da República com Pompeu, o Grande.

Uma grande prova disso foi o fato de que Otávio, com apenas doze anos de idade, ter sido escalado para fazer a oração-fúnebre no velório de sua avó, que era uma cerimônia pública de grande importância para as famílias influentes da nobreza romana, muito embora o chefe do clã fosse César.
Certamente, essa proximidade que Otávio experimentou com a família do seu poderoso tio-avô, Júlio César, fez com que este notasse as qualidades do jovem sobrinho-neto.
Com efeito, após derrotar Pompeu e assumir o título de Ditador, César deu várias demonstrações de estima e consideração por Otávio, e, nos estágios finais da Guerra Civil contra o Senado e os remanescentes dos apoiadores de Pompeu, na Espanha, Otávio esteve com o tio-avô na campanha, apesar de vários episódios de problemas de saúde, algo que se repetiria ao longo de sua longa vida.

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Antes disso, porém, com o falecimento da avó, Otávio voltou a morar com a sua mãe, que se esmerou em lhe fornecer a melhor educação possível para um jovem aristocrata. Desse modo, Otávio recebeu aulas de leitura, escrita, aritmética e de língua grega, sendo ensinado pelo escravo grego chamado Sphaerus, a quem mais tarde ele libertaria e concederia um funeral público, após a morte do tutor. Já adolescente, Otávio teria aulas de Filosofia com os filósofos Areios de Alexandria e Atenodoro de Tarso, de Retórica em Latim com Marcus Epidius, e de Retórica em Grego com Apolodoro de Pérgamo.
Em 48 A.C, formalmente Otávio deixou a infância e ingressou na idade adulta, conforme o costume romano, ao receber a “Toga Virilis“. Nesse período, seu tio-avô Júlio César já havia assumido o poder supremo em Roma, ocupando o cargo de Ditador, muito embora ainda houvesse resistência localizada da oposição no Senado e dos apoiadores de Pompeu. Assim, em mais uma demonstração das intenções de César em promover seu sobrinho-neto, em 47 A.C, Otávio foi eleito para o Colégio de Pontífices, corpo encarregado de celebrar os mais importantes ritos religiosos públicos e destinado aos membros das mais ilustres famílias romanas.
Seguiram-se novas honrarias concedidas por César a Otávio: ele acompanhou o tio-avô no Triunfo celebrado em honra da vitória na Campanha da África, e, em 44 A.C, após ser aclamado Ditador Perpétuo, César nomeou Otávio como Marechal da Cavalaria (Magister Equitum), significando que ele era agora um de seus principais auxiliares.
2- Herdeiro de César
Quando César foi assassinado nos Idos de Março de 44 A.C, Otávio estava estudando e recebendo treinamento militar em Apolônia, na Ilíria, a fim de participar da campanha que César planejava mover contra o Império Parta.

Quando a notícia da morte de César chegou a Apolônia, Otávio decidiu partir para Roma, apesar da oposição de sua mãe e de seu padrasto, tendo sido aconselhado e apoiado nesta decisão por seu amigo de infância, Marco Vipsânio Agripa, que lhe era muito devotado pelo fato de Otávio ter intercedido junto ao tio-avô para que este perdoasse o irmão de Agripa, que havia lutado contra César na Batalha de Tapsos (46 A.C.), na qual ele havia caído prisioneiro.
Ao desembarcar na Itália, Otávio tomou conhecimento de que ele havia sido adotado e nomeado herdeiro de César no recém-aberto testamento do Ditador, que havia sido depositado por este na Casa das Virgens Vestais em 13 de setembro de 45 A.C. Com isso, Otávio passou legalmente a se chamar Caio Júlio César, sendo que a maior parte dos historiadores, seguindo as convenções romanas para os nomes de pessoas adotadas, a partir de então passam a se referir a Otávio como “Caio Júlio César Otaviano”, ou, simplesmente, Otaviano, algo que também faremos a partir daqui, muito embora ele mesmo jamais tenha utilizado esse nome.
Contra o conselho expresso de seu padrasto, Otaviano aceitou os termos do Testamento de César em 8 de maio de 44 A.C, tornando-se formalmente herdeiro do Ditador e, por via de consequência, não só detentor do que era, então, a maior fortuna do Mundo Romano, mas também de um imenso capital político (vale observar que, segundo Cícero, Lucius Marcius Phillipus recusava-se a chamar o enteado pelo nome “César”).

Entretanto, após o assassinato de César, inicialmente, e por um período muito breve, o poder ficou nas mãos dos assassinos de César, liderados por Marco Júnio Bruto e Caio Cássio Longino, que em um primeiro momento se compuseram com Marco Antônio, o braço-direito de César. Porém, a indignação popular contra os assassinos obrigou os a fugir de Roma.
Vale citar que os senadores conservadores, que dominavam o Senado, temiam e detestavam Antônio, que comandava a maior parte do exército de César.
Porém, com a chegada de Otaviano a Itália e a publicidade acerca dos termos do testamento do Ditador, milhares de veteranos das legiões de César foram ao encontro dele para oferecer sua lealdade ao seu jovem herdeiro.
Os senadores, liderados pelo prestigiado Marco Túlio Cícero, pensando que poderiam controlar o jovem e inexperiente Otaviano, de apenas 19 anos, e usá-lo para enfraquecer Antônio, rapidamente reconheceram a sua posição e providenciaram fundos para pagar as suas tropas.

Com esse propósito, Cícero passou a elogiar Otaviano publicamente, parecendo mesmo acreditar que o rapaz se guiaria pelos princípios republicanos caros aos Optimates.
Marco Júnio Bruto não concordou com a aproximação de Cícero e Otaviano, e enviou ao primeiro uma carta, censurando-o por escolher um “tirano gentil” (Otaviano) a um “tirano inimigo” (Antônio).
O propósito de Cícero era enviar Otaviano contra Antônio, que sitiava Décimo Júnio Bruto, um dos conspiradores dos Idos de Março e nomeado governador da Gália, na cidade de Mutina (atual Módena). Assim, Cícero manobrou para que Otaviano fosse elevado ao cargo de Senador, apesar dele estar bem abaixo da idade requerida, e reconhecido oficialmente comandante (Imperator) das suas tropas, legalizando-as como um exército da República.
A chegada do exército de Otaviano, juntamente com as tropas senatoriais lideradas pelos cônsules Hírtio e Pansa, obrigou Antônio a se retirar para a Gália, após combates desfavoráveis nas batalhas de Fórum Gallorum (14 de abril de 43 A.C) e Mutina (21 de abril de 43 A.C), nas quais os dois cônsules morreram. Em consequência, Otaviano assumiu o comando das tropas deles, tornando-se o chefe militar mais poderoso da península italiana naquele momento, controlando oito legiões.
Em seguida, algumas fontes (Apiano e Plutarco) mencionam que Otaviano teria feito uma proposta a Cícero para que este convencesse o Senado a indicá-los para os cargos de Cônsules, em substituição aos falecidos Hírtio e Pansa, instigando assim, astuciosamente, a conhecida vaidade do velho senador, que, animado com a possibilidade de exercer novamente o Consulado, deu andamento à proposta.
As evidências nos mostram que nessa aliança entre Cícero e Otaviano, ambos, a velha raposa política e o jovem herdeiro, estavam tentando aproveitar-se um do outro. Assim, Cícero via Otaviano meramente como um instrumento descartável para neutralizar Antônio. E Otaviano percebeu isso, mas também considerava útil ter o apoio de um dos senadores mais ilustres, o que lhe conferia mais legitimidade.
Com efeito, os dois certamente sabiam que se tratava de uma aliança precária e ao sabor das circunstâncias…Em uma carta de Décimo Bruto a Cícero, que sobreviveu, o primeiro assim escreveu ao grande senador:
“Minha afeição e dever para convosco compelem-me a sentir por vós o que eu nunca senti para comigo: medo. Refiro-me a um boato que eu ouvi várias vezes (e dele nunca fiz pouco caso), a última vez por Labeo Segullis, que me disse que esteve com Otávio, e que eles conversaram bastante sobre você. Otávio mesmo, não reclamou de nada quanto a você, a não ser acerca de uma frase que ele falou que você teria pronunciado, especificamente:“laudandum adolescentem, ornandum, tollendum”. A força nessa sentença é encontrada na última palavra, que tem um duplo sentido, assim a frase pode significar: “o jovem deve ser louvado, homenageado e exaltado”, ou, “o jovem deve ser louvado, homenageado e removido”. Otávio então disse que não daria nenhuma oportunidade para a sua remoção”. (Ad Fam, XI, 21)
Assim, em julho de 43 A.C., Otaviano enviou uma delegação de centuriões ao Senado demandando o cargo de Cônsul. Porém, o Senado respondeu com questionamentos acerca da pouca idade de Otaviano para o cargo. Ele então decidiu marchar em direção a Roma com suas oito legiões, sem encontrar oposição. Segundo Apiano, Cícero ainda conseguiu um encontro com Otaviano, onde enfatizou suas ações no Senado em apoio da candidatura dele, porém o rapaz apenas respondeu com ironia.
Cícero ainda convocou uma sessão noturna no Senado após circular um boato de que duas legiões de Otaviano tinham desertado e se unido à causa senatorial, mas quando a notícia foi desmentida, ele fugiu.
Como resultado, em 19 de agosto de 43 A.C., Otaviano foi eleito Cônsul, tendo apenas 19 anos de idade.
Ainda no mês de julho, Cícero tinha escrito uma carta a Bruto, tentando explicar os fatos e demonstrando a sua impotência diante deles :
“Otávio, que até então vinha sendo governado pelos meus conselhos e mostrou a mais excelente disposição e uma firmeza admirável, foi pressionado por certas pessoas, mediante cartas das mais perversas e falsos relatos e mensagens, a uma expectativa absolutamente segura do Consulado. Tão logo eu soube disso, eu não cessei de adverti-lo, por cartas, quando não estava presente, e de acusar, na presença dos seus amigos, que parecem apoiar as reivindicações dele, nem hesitei em expor no Senado a fonte desses miseráveis desígnios. E eu não lembro de um assunto no qual o Senado tenha demonstrado um melhor espírito. Porque, anteriormente, nunca aconteceu, quando se tratasse do caso de conferir uma honraria extraordinária a um homem poderoso, ou melhor, a um homem todo-poderoso (visto que o poder agora reside na força e nas armas), que ninguém, seja Tribuno da Plebe, ou outro magistrado, ou mesmo um particular, erguesse a voz em favor disso. Ainda assim, no meio dessa firmeza e virtude, a Cidade está em um estado de angústia. Nós viramos joguete dos caprichos dos soldados e da insolência do general. Cada um demanda tanto poder na República quanto a força que ele tem para extorqui-lo. Razão, moderação, lei, costume, dever, não valem nada, e nem a consideração pela opinião pública ou a vergonha da posteridade têm qualquer serventia. Foi por ter previsto tudo isso muito tempo atrás que eu fugi da Itália, quando a notícia da vossa proclamação me chamou de volta”.
3– O Segundo Triunvirato
O fato da disputa entre Otaviano e Antônio não ser bem vista pelos soldados deles, quase todos veteranos de César, bem como a percepção de ambos de que o Senado, na primeira oportunidade, tentaria se livrar de todos, revogar as leis instituídas por César e restaurar a República e os privilégios senatoriais, para o “status quo ante” à Ditadura de César, tudo isso levou Otaviano, Marco Antônio e Marco Emílio Lépido, um importante aliado de César a encontraram-se nos arredores de Bononia (atual Bolonha) e formarem o chamado Segundo Triunvirato, em outubro de 43 A.C., ou, como eles mesmos batizaram: “Triúnviros com Poderes Consulares para Confirmar a República“, tendo o arranjo sido oficializado em 27 de novembro de 43 A.C.

Nessa reunião, os Triúnviros dividiram entre si as províncias romanas e, emulando Sila, decidiram fazer uma lista de proscrições abrangendo mais de 200 cidadãos (Apiano fala em cerca de 300 senadores e 2 mil equestres), sujeitos à serem executados e terem suas propriedades confiscadas (afinal, os cofres do tesouro estavam vazios). Porém, antes de publicar os decretos, eles resolveram enviar logo os executores para assassinarem doze ou dezessete (os números variam) desafetos, entre os quais estava Cícero.
De acordo com Plutarco, Antônio queria que o nome de Cícero fosse o primeiro da lista de proscritos, mas Otaviano teria sido contra a execução dele, e resistiu em dar a sua concordância durante dois dias, até que, no terceiro, ele acabou cedendo à vontade do colega. O Cônsul Quintus Pedius acabou, inadvertidamente, publicando a lista dos dezessete no dia seguinte. Cícero tentou fugir, mas foi apanhado e decapitado. A cabeça dele foi enviada para Antônio, em Roma, que a fez pendurar na tribuna chamada “Rostra”, em pleno Fórum Romano.
Enquanto isso, Bruto e Cássio, que haviam fugido para a Grécia, obtiveram apoio das lideranças simpáticas aos senadores e antigos apoiadores de Pompeu e reuniram lá um grande exército.
4- A Batalha de Fílipos
Então, Otaviano e Marco Antônio, no comando de 28 legiões, rumaram para a Grécia, derrotando os exércitos de Bruto e Cássio na Batalha de Fílipos, entre 3 e 23 de outubro de 42 A.C, levando os dois conspiradores a cometeram suicídio. Otaviano teve mais um dos seus muitos episódios de mal-estar durante a campanha, motivo pelo qual foi Antônio que participou e liderou os combates mais significativos. Por este motivo, mais tarde, Antônio reiteradamente atribuiria a Otaviano o rótulo de covarde.
Como já mencionado, os Triúnviros haviam feito uma divisão das províncias romanas entre si: Otaviano ficou a África, a Sardenha e a Sicília, Antônio com as Gálias Cisalpina e Transalpina, e Lépido com a Hispania e a Gália Narbonense. As outras províncias continuaram nominalmente com o Senado ou eram controladas pelos adversários do Triunvirato.
Entretanto, após a Batalha de Fílipos, houve um rearranjo: Antônio passaria a controlar a Grécia e as províncias do Oriente, e tomou as Gálias Narbonense e Transalpina de Lépido, que teve que entregar a Hispania e a Gália Cisalpina a Otaviano. A Itália, embora não fizesse parte da divisão, na prática seria administrada por Otaviano. Na ocasião, longe de representar uma vantagem, esse controle apresentava-se mais como um fardo, pois a Otaviano caberia a espinhosa tarefa de assentar os veteranos de César em terras escassas na península e de assegurar o suprimento de trigo para a população de Roma.
Para assentar os veteranos, Otaviano teve que confiscar terras de vários municípios italianos, o que levou a uma grande insatisfação na península, a qual foi explorada por Lúcio Antônio, irmão de Marco Antônio, e Fúlvia, a diligente e combativa esposa deste triúnviro.
Um dos motivos que teriam incentivado Fúlvia a agir foi o fato de Otaviano haver se divorciado da filha dela, Cláudia. Assim, aproveitando-se da crise gerada pelos confiscos de terras, os dois reuniram um exército de oito legiões para combater Otaviano, mas foram derrotados na chamada Guerra de Perusia, iniciada no inverno de 41 A.C , e que culminou no cerco à cidade de Perúgia, em 40 A.C. Ambos foram poupados por Otaviano, como gesto de boa vontade, e Fúlvia, que aparentemente agira sem o consentimento do marido, foi exilada por ordem de Antônio. Fúlvia acabaria morrendo no mesmo ano de 40 A.C, o que acabou sendo providencial para possibilitar uma reconciliação entre Otaviano e Marco Antônio.
Porém, com exceção do irmão e da esposa de Antônio, os demais apoiadores do partido de Antônio na Guerra Perusina seriam alvo de implacável punição por Otaviano e cerca de 300 senadores e equestres foram executados.
Antônio, quando estourou a Guerra de Perusia, estava envolvido amorosamente com a rainha do Egito, Cleópatra, que já estava grávida dos gêmeos Alexandre Helios e Cleópatra Selene, que nasceriam no mesmo ano de 40 A.C., quando ele estava se preparando para lançar uma grande invasão ao Império Parta.

Porém, sentindo sua posição na Itália enfraquecida com o desfecho da Guerra de Perusia, Antônio partiu para a Itália para combater Otaviano, sitiando a cidade de Brindisi (Brundisium).
5- O Tratado de Brundisium
Mais uma vez contudo, falou mais alto a camaradagem dos soldados e oficiais que tinham servido com Júlio César, que integravam os exércitos dos dois Triúnviros, os quais se recusaram a lutar contra seus velhos camaradas. Assim, Otaviano e Antônio foram obrigados a celebrar um novo acordo, instituído pelo Tratado de Brundisium, renovando o Triunvirato e consagrando a divisão do Mundo Romano: Desse modo, Marco Antônio ficou com as províncias do Oriente, Otaviano com as do Ocidente, restando apenas a África para Lépido. Como símbolo da renovada aliança, Marco Antônio casou-se com Otávia, a Jovem, que apesar do nome, era a irmã mais velha de Otaviano.

Otaviano tentara atrair Sexto Pompeu para o seu lado durante o conflito contra Fúlvia e Lúcio Antônio. Muito provavelmente tentando cimentar essa aliança, Otaviano casou-se com Escribônia, que, acredita-se, era cunhada de Sexto. Esta união, que seria breve, deu a Otaviano aquela que seria sua única filha e descendente em 1º grau, Júlia, cognominada “Maioris” (isto é, a “Velha”). Aliás, no dia em que Júlia nasceu, 30 de outubro de 39 A.C, Otaviano divorciou-se de Escribônia.
O principal motivo do divórcio foi que, naquele momento, Otaviano estava apaixonado pela jovem Lívia Drusila, esposa de Tibério Cláudio Nero, de quem ela já tinha tido um filho (a quem foi dado o mesmo nome do pai), e grávida do segundo, Druso. Vale mencionar que Tibério Cláudio Nero era primo de Lívia, e, apesar de ter feito parte do governo de Júlio César, depois da morte do Ditador, ele passou a apoiar os seus assassinos, e, após a derrota deles, tomou partido de Marco Antônio. Em 17 de janeiro de 38 A.C, Otaviano e Lívia se casaram, três dias após ela dar à luz ao seu segundo filho do primeiro casamento e duas semanas antes dela completar 21 anos e tendo ele, apesar do imenso poder, ainda apenas 24.

Enquanto isso, Otaviano e Marco Antônio consentiram que Sexto Pompeu controlasse a Sicília, a Sardenha e a Córsega. O interesse de Otaviano era garantir os suprimentos de trigo para a Itália, ameaçados pelos bloqueios navais realizados pela frota de Sexto. E Antônio precisava de reforços que Otaviano se comprometera enviar para a sua campanha contra o Império Parta no Oriente.
Porém, quando Otaviano divorciou-se de Escribônia, o insatisfeito Sexto voltou a atacar os navios que levavam grãos para Roma.
A lei senatorial previa que o mandato de cinco anos de Triunvirato expiraria em 31 de dezembro de 38 A.C. Então, Otaviano, com a intervenção de Otávia, sua irmã e esposa de Antônio, que viajou junto com o marido para a Itália, concordaram em impor a renovação da aliança até 33 A.C., estipulando, ainda que Antônio forneceria 120 navios para a campanha contra Sexto Pompeu, comprometendo-se em troca a fornecer 20 mil soldados a Antônio. Porém, Otaviano somente enviaria a Antônio um décimo das tropas prometidas, fato que azedaria novamente a relação entre os dois Triúnviros. Todavia, com o auxílio dos navios fornecidos, Otaviano conseguiu recuperar a Córsega e a Sardenha.
Na campanha contra Sexto Pompeu, Otaviano também recebeu o apoio de Lépido e a sua frota, comandada pelo seu fiel amigo Marcos Agripa, que se revelou ser um talentoso almirante, conseguiu destruir a frota inimiga, em 3 de setembro de 36 A.C. Derrotado, Sexto Pompeu fugiu para a cidade grega de Mileto, onde, no ano seguinte, ele seria executado por Antônio.
Em seguida, Lépido tentou ocupar a Sicília, reivindicando a ilha para si, porém, o seu exército desertou para Otaviano. Sem alternativas, a sorte de Lépido repousava nas mãos de Otaviano, que, apesar de destitui-lo do posto de Triúnviro, resolveu mostrar clemência e indicou-o para o cargo de Sumo Pontífice (Pontifex Maximus).
Enquanto isso, no Oriente, a campanha de Marco Antônio contra os Partas enfrentava dificuldades. Isso levou Antônio a ficar cada vez mais dependente de Cleópatra, não só materialmente, como emocionalmente. Assim, a rainha egípcia, cada vez mais, passou a influenciar as decisões do amante, e a união entre os dois era publicamente exibida, para a humilhação de sua esposa legítima, Otávia.

Em Antioquia, onde Antônio se estabelecera para coordenar as operações, ele recebeu a visita de Cleópatra, que obteve dele importantes concessões: O Egito receberia todo o território da Fenícia, exceto Tiro e Sidon, e a cidade de Ptolemais Akko, fundada pelo seu antepassado Ptolomeu II. Cleópatra também recebeu a região da Síria-Coele, uma parte do reino dos Nabateus (parte da atual Jordânia), a cidade de Cyrene, na atual Líbia e duas cidades na ilha de Creta. Em troca, Cleópatra financiaria à campanha de Antônio na Pártia, além de fornecer a ele boa parte do exército egípcio. Isso possibilitou que Antônio armasse o que talvez fosse o maior exército jamais reunido pelos romanos, que alguns estimaram, provavelmente com algum exagero, em 200 mil homens.
Fazer tantas concessões à Cleópatra, sendo cristalino que elas seriam repudiadas pela opinião pública romana, foi uma aposta muito arriscada de Antônio, e uma oportunidade para propaganda negativa que não seria ignorada pelos partidários de Otaviano.
Cleópatra chegou a acompanhar Antônio no início da campanha, que começou pela invasão da Armênia, em 36 A.C., mas voltou para Alexandria, já que agora ela estava grávida do seu terceiro filho com Antônio, que nasceu entre agosto e setembro de 36 A.C. O menino recebeu o nome de Ptolomeu Philadelphus.
Todavia, a campanha contra os Partas foi praticamente um desastre e Antônio, regressando cabisbaixo, teve que afogar as suas mágoas com Cleópatra, em Alexandria.
Aproveitando a oportunidade, Otaviano enviou Otávia de volta para o marido, em Atenas (onde ficava a residência oficial do casal), levando os dois mil soldados que haviam sido prometidos, mas nunca enviados. Ocorre que Antônio, embora tenha aceitado o contingente, não só continuou em Alexandria com Cleópatra, como proibiu que Otávia deixasse Atenas para vir ao seu encontro.
Na prática, isso foi visto publicamente como se Antônio estivesse repudiando a nobre romana Otávia, sua esposa legítima, em favor de sua amante egípcia, e a comoção no seio da opinião pública romana só aumentou quando Otávia recusou o convite do irmão para abrigar-se na casa dele, continuando a residir na residência de Antônio, em Roma, ainda por cima continuando a cuidar não só dos filhos do casal, como também dos filhos que Antônio teve com a falecida Fúlvia, no que pode ter sido um gesto politicamente calculado com o irmão para estimular a compaixão do povo romano por ela e antipatizar Antônio.
6- As Doações da Alexandria e o rompimento com Antônio
Mas foi o próprio Antônio, estimulado por Cleópatra, quem daria o maior golpe na própria reputação, dando a Otaviano um trunfo gigantesco na disputa entre ambos pelo poder supremo:
Com efeito, no outono de 34 A.C., retornando de uma, enfim, moderadamente bem sucedida campanha na Armênia, Antônio e Cleópatra organizaram em Alexandria uma parada triunfal, sendo que Antônio conduzia o carro vestido de deus Dionísio-Osíris, e na qual a família real armênia foi exibida pelas ruas da cidade e conduzida até dois tronos dourados, um para Antônio, outro para Cleópatra.
Chegando ao palanque, Antônio proclamou solenemente ao povo reunido no Gymnasium, que Cleópatra, que na ocasião estava vestida como a deusa Ísis, era a “Rainha dos Reis” e “Rainha do Egito, Chipre, Líbia e Sìria-Coele“, junto com seu filho, Caesarion, o “Rei dos Reis“. Alexandre Helios foi nomeado “Rei da Armênia, da Média e da Pártia“. Já Ptolomeu Philadelphus foi designado “Rei da Cilícia e da Síria”, e Cleópatra Selene, por sua vez, a “Rainha de Creta e de Cyrene“. Na cerimônia, Antônio também fez questão de proclamar que Cleópatra tinha sido esposa de Júlio César, e que o filho que eles tiveram, Caesarion, era o filho legítimo de César. O episódio ficou conhecido como “As Doações de Alexandria“.
O prazo renovado do Segundo Triunvirato expirou em 31 de dezembro de 33 A.C, e os episódios recentes deixavam claro que nenhuma das partes teria interesse em uma nova prorrogação. Otaviano e Antônio, então, começaram uma guerra aberta de propaganda, cada um expondo episódios de má conduta, traições, ultrajes, etc., contra o outro, pois já anteviam o conflito que estava por vir e, por antecipação, ambos queriam justificar perante a opinião pública o motivo da iminente guerra civil, colocando a culpa pelo início da mesma no adversário.
E não causou espécie a ninguém que o motivo mais grave alegado por Otaviano tenha sido o fato de Antônio ter reconhecido oficialmente Caesarion como o filho legítimo e herdeiro de Júlio César…

Mas o fato é que, naquele momento, Antônio ainda tinha muitos simpatizantes em Roma, inclusive no Senado. De acordo com o historiador romano Dião Cássio, em 1º de janeiro de 32 A.C., primeiro dia de sessão do Senado no ano, por exemplo, o cônsul e aliado de Antônio, Gaius Sosius, proferiu um discurso atacando violentamente Otaviano, e propondo a aprovação de uma legislação contrária aos interesses deste.
Otaviano resolveu, então, abandonar os escrúpulos de legalidade e, na sessão seguinte do Senado, no outro dia, compareceu à Cúria acompanhado de sua guarda pessoal e de vários correligionários armados com adagas escondidas sob as togas. Considerando que Otaviano controlava as legiões da Itália, bem como as do Ocidente em geral, nos dias seguintes, os cônsules Gaius Sosius e Domitius Ahenobarbus, intimidados, abandonaram Roma e partiram para se unir a Antônio, na Grécia, sendo acompanhados por mais de duzentos senadores que também apoiavam Antônio.
Já preparando-se para a guerra iminente, Cleópatra providenciou duzentos navios de guerra para a frota de oitocentas naves que Antônio estava reunindo, além de, naturalmente, muito dinheiro para o esforço bélico. Em seguida, o casal reuniu-se em Éfeso para organizar a campanha contra Otaviano.
De acordo com o historiador Plutarco, os aristocratas Titius e Lucius Munatius Plancus conheciam os termos do testamento de Antônio, que, conforme o costume, havia sido depositado lacrado em poder das Virgens Vestais, e contaram tudo para Otaviano. Ciente, assim, dos termos da última vontade do rival, Otaviano, ilegalmente, conseguiu se apossar do documento, que foi aberto e lido por ele em uma sessão do Senado. Entre suas cláusulas, segundo consta, havia a recomendação de Antônio para que , caso morresse no decorrer da guerra, o seu corpo fosse entregue à Cleópatra, para ser sepultado em Alexandria. Essa disposição muito convenientemente ia de encontro ao boato que os partidários de Otaviano andavam espalhando por Roma: a de que Antônio, caso vencedor, pretendia transformar Alexandria na capital do “Imperium” romano!
Engenhosamente, o Senado Romano, agora controlado por Otaviano, não declarou guerra a Antônio, apesar dele ser o alvo principal da medida. Preocupados com a opinião pública, e com a posteridade, os senadores formalmente votaram pela declaração de guerra contra Cleópatra, a rainha do Egito, e, dessa forma, todos os tradicionais ritos previstos para uma guerra contra inimigos estrangeiros puderam ser celebrados. Além disso, tal circunstância impedia que os senadores partidários de Antônio fossem considerados desertores ou criminosos, deixando uma porta aberta para o seu retorno e perdão. Não obstante, foi decretada expressamente a retirada de todos os poderes de Triúnviro que Antônio ainda detinha.
Se ainda havia alguma dúvida de que o rompimento era definitivo, ainda em 32 A.C, Antônio divorciou-se de Otávia. A partir daquele momento, Cleópatra não precisaria mais temer a rival e, aparentemente, a opinião dela prevaleceria em todos os aspectos, incluindo a estratégia que seria adotada para a guerra…
Embora o exército de Antônio fosse, nominalmente, maior que o de Otaviano (100 mil x 80 mil), ele e Cleópatra optaram por uma estratégia na qual a guerra seria decidida em um confronto naval, já que a frota deles era não apenas mais numerosa, mas também era composta por navios maiores. Acredita-se que, neste particular, teria prevalecido a opinião de Cleópatra, que, secretamente, tencionaria que a frota romana, pertencente a ambos os adversários fosse destruída ou ficasse bem enfraquecida, fato que beneficiaria o Egito em caso de uma futura tentativa de invasão de Roma.
7- Começa a Guerra Civil
Mas quem tomaria a iniciativa seria Otaviano. Ele zarpou para a Grécia e se dirigiu para Actium, cidade localizada na entrada do Golfo Ambraciano, onde Antônio e Cleópatra tinham estabelecido o seu quartel-general das operações e reunido sua imensa frota. Enquanto isso, seu almirante, o fiel Marcus Vipsanius Agrippa (Agripa), tomou Corcyra e lá instalou uma base para as operações contra Antônio.
Por sua vez, Otaviano desembarcou suas tropas no lado oposto do Golfo Ambraciano e enviou emissários aos comandantes de Antônio propondo uma negociação, proposta esta que foi recusada. Porém, nas escaramuças que se seguiram com as tropas de Antônio, estacionadas ao longo de Actium, as forças de Otaviano levaram a melhor. Começaram, então, a pipocar deserções entre os aliados de Antônio, que incluíam quase todos os reinos-clientes de Roma no Oriente, além de amigos romanos de longa data, como Quintus Dellius, que fugiu e foi se juntar a Otaviano, fornecendo a este informações valiosas sobra o estado da frota e os preparativos de Antônio.
De acordo com o relato de Cássio Dião, nessa fase da campanha, Cleópatra fez prevalecer a opinião dela de que as posições mais defensáveis deveriam ser ocupadas por guarnições militares, mas que ela e Antônio, juntamente com o grosso das tropas, deveriam rumar para o Egito. Assim, parece realmente que o que importava mesmo para a rainha era a defesa do Egito e, para Antônio, que ele pudesse continuar contando com o suporte financeiro e militar de Cleópatra, dinheiro que, cada vez mais, aparentava ser o elemento crucial para a coesão do seu exército.
Tendo em vista que o número de marinheiros era insuficiente para tripular adequadamente todos os navios da sua frota, Antônio ordenou que aqueles em mau estado fossem queimados, mantendo apenas os melhores. Ele e Cleópatra também ordenaram que, secretamente, todo o tesouro fosse embarcado neles.
8- A Batalha de Actium
No dia 02 de setembro de 31 A.C, Antônio ordenou que os navios zarpassem e se colocassem de costas para o promontório de Actium, ao pé do qual suas sete legiões estavam acampadas, e de onde podiam assistir às manobras. Sua frota agora era composta de 230 grandes galeras.
Comandada por Agripa, a frota de Otaviano tinha 250 quinquerremes, navios menores, porém mais rápidos e manobráveis do que os da frota de Antônio. Graças às informações fornecidas por Quintus Dellius, entretanto, Otaviano e Agripa tinham ciência dos planos de Antônio, e estavam preparados, esperando a frota inimiga.
Ao meio-dia, Antônio deu ordem de avançar. A ala esquerda da sua frota deu a impressão de querer empurrar à ala direita da esquadra de Otaviano para o norte e abrir um caminho em direção ao sul (bombordo), que poderia levar ao Egito, porém, Otaviano, parecendo estar ciente desse propósito, mandou os navios manterem distância, atraindo mais o inimigo para o alto-mar.
Quando ambas as frotas ficaram mais próximas, começaram os disparos de artilharia e flechas. Agripa ordenou que os navios de sua segunda linha se estendessem mais para o norte e para o sul, visando cercar o inimigo em menor número, sendo que Antônio, ao perceber isso, tirou navios do seu centro e esticou a sua linha, deixando no centro os navios mais pesados, que estavam resistindo bem e se dirigindo à direita (estibordo) e ao norte para combater o esquadrão comandado por Agripa. Isso acabou abrindo espaços no centro da sua formação.

Foi então que, em um movimento inesperado, os navios que estavam com Cleópatra, aproveitando um buraco no centro da linha da frota comandada por Antônio, e o súbito vento que soprava favoravelmente, ultrapassaram as suas linhas à toda velocidade, e, deixando para trás o resto da frota, rumaram no que parecia ser a direção do Egito, levando consigo todo o tesouro.
O fato é que Antônio, quando viu os navios de Cleópatra se afastando, resolveu ele também fugir, embarcando em outro navio mais veloz e deixando para trás o restante da frota, que ficou lutando acéfala, exceto por cerca de 60 navios egípcios que conseguiram acompanhar a fuga deles. Mesmo assim, os combates duraram até a madrugada do dia seguinte, porém, no final, toda a frota remanescente de Antônio acabou sendo destruída por Otaviano.
Embora, mesmo com a derrota naval na Batalha de Actium, Antônio e Cleópatra ainda comandassem, ao menos no papel, um numeroso exército, o fato é que o custo moral da derrota foi muito alto.
Assim, Cleópatra e Antônio e seus navios remanescentes navegaram até o Peloponeso, conseguindo se evadir à breve perseguição dos navios de Otaviano, e rumaram em direção à África.
Antônio foi para a Líbia, pensando em trazer as legiões que ele tinha deixado ali para a defesa da fronteira ocidental do Egito, enquanto Cleópatra voltou para Alexandria. Porém, o governador de Cyrene e comandante daquelas legiões, Lucius Pinarius Scarpus, que era primo de Otaviano, recusou-se a entregá-las a Antônio. Ao perceber que tudo estava desmoronando, Plutarco conta que Antônio chegou a tentar o suicídio, mas foi impedido pelos seus amigos. Ele então partiu para o Egito, para reencontrar Cleópatra.
Em julho de 30 A.C, Otaviano sitiou Alexandria. Embora tenha havido resistência, as forças dele eram numericamente superiores e mais motivadas. Antônio chegou até a vencer uma escaramuça, no meio da qual desafiou Otaviano para um combate pessoal, a fim de resolver a disputa poupando baixas de ambos, mas este negou-se, limitando-se a responder que:
“Há muitas maneiras pelas quais Antonio pode morrer”
Em 1º de agosto de 30 A.C, retornando para Alexandria, Antônio, acreditando que Cleópatra tinha morrido, matou-se com a própria espada. A rainha, que estava escondida em seu mausoléu, foi capturada e levada para prisão domiciliar em seu próprio palácio.
Otaviano, agora senhor do mundo romano, planejava levar Cleópatra para Roma e exibir a rainha egípcia em seu triunfo, porém, ela conseguiu enganá-lo e cometeu suicídio, alegadamente deixando-se picar por uma serpente.
Restava somenbte Caesarion, que havia fugido para o sul do Egito com a finalidade de embarcar em direção à Ìndia. Ele, oficialmente, após a morte da mãe, agora era o último faraó do Egito. Consta que Otaviano, indeciso sobre o que fazer com o rapaz, recebeu o seguinte conselho do filósofo Areius:
“Boa coisa não é que haja muitos Césares…”
Então, um destacamento de soldados de Otaviano conseguiu interceptar a caravana de Caesarion e ele foi executado.
9- Senhor de Roma
Após vários anos de duas grandes guerras civis, no período do Primeiro e do Segundo Triunviratos, o povo romano, exausto e sequioso de paz e ordem, aguardava ansiosamente qual seria o próximo passo de Otaviano…

Com a morte de Antônio e Cleópatra, não mais existiam na orla do Mundo Mediterrâneo, terras não controladas por Roma (a não ser por pequenos bolsões interiores, ainda não completamente dominados), e, no Estado Romano, ninguém que pudesse contestar a autoridade suprema de Otaviano, então na flor de seus 34 anos.
A primeira medida de Otaviano, como detentor de fato, ainda que não de direito, do poder absoluto em Roma e nas terras por ela controladas, foi tornar o Egito uma província romana, porém sujeita diretamente à sua pessoa, não sendo admitida qualquer participação do Senado em sua administração e até mesmo a presença de qualquer senador em seus limites, sem expressa autorização dele.
Quando a notícia da vitória completa de Otaviano alcançou Roma, o Senado decretou que ele detivesse as prerrogativas de imunidade dos Tribunos de forma perpétua (o que era importante, pois os Tribunos eram invioláveis não podendo ser alvo de qualquer constrição, processo ou violência). E muitas outras honras inauditas foram votadas e conferidas a Otaviano, antes mesmo dele por os pés novamente na Cidade.
Ao chegar na capital, Otaviano recusou algumas homenagens e privilégios mais extravagantes, mas fez questão de que seus maiores auxiliares, incluindo Agripa, fossem devidamente condecorados. Na Procissão Triunfal das inúmeras vitórias obtidas durante a Guerra Civil e contra povos estrangeiros, foram exibidos os despojos e prisioneiros capturados, destacando-se os filhos de Cleópatra e Antônio, além de uma pintura de Cleópatra (leia nosso artigo sobre esse quadro).
Em 29 A.C., Otaviano e Agripa foram eleitos cônsules, o que legalmente lhes dava o exercício do que poderíamos chamar de poder executivo em Roma.
Percebe-se que, desde que voltou vitorioso e assumiu as rédeas do Estado Romano, Otaviano mostrou-se consciente de que era necessário evitar, ou, quando isto não fosse possível, ao menos mascarar, as práticas e comportamentos que acarretaram o assassinato de seu tio-avô Júlio César, acusado de tentar se tornar Rei de Roma.
Neste propósito, ele contou com o aconselhamento de seus inseparáveis amigos Agripa e Caio Mecenas.
Assim, Otaviano deveria ser visto aos olhos do público como o salvador da República; nunca como um Rei, mas sim como um líder que divinamente nasceu para manter a paz, a ordem e as tradições republicanas, as quais, sem a sua presença, continuariam ameaçadas por novas guerras civis e pela anarquia. Desse modo, as prerrogativas dos Senadores seriam respeitadas, graças à sua proteção, assim como cabia a ele assegurar os direitos da plebe. Todas as formalidades, assembleias e cargos republicanos seriam nominalmente mantidos, mas o seu funcionamento e efetividade, na prática dependeriam da vontade de Otaviano.

Seguindo essa política, em 28 A.C, Otaviano revogou todos os decretos e leis excepcionais ou de emergência editados durante a Guerra Civil e declarou que estava devolvendo todos os poderes ao Senado, incluindo o comando das várias dezenas de legiões que ele controlava.
Provavelmente, poucos senadores ficaram convencidos da sinceridade do gesto, mas outros tantos, certamente, temiam, com razão, que, sem a autoridade de um líder inconteste como Otaviano, era grande a probabilidade de que as guerras intestinas pelo poder voltassem a assolar o Estado Romano.
Ocorre que, efetivamente, Otaviano, naquele momento, era provavelmente o homem mais rico do planeta, e ele controlava recursos descomunais comparáveis ao do próprio Estado Romano. E comandava uma imensa massa de militares que, naquele momento, estava ligada por laços de lealdade e devoção à causa de César e do herdeiro deste, Otaviano. Esses veteranos precisavam ser desmobilizados, assentados e assegurada a sua subsistência, e com boa dose de certeza, isso não seria possível sem a intervenção de Otaviano.
10 – Início do Principado e o Primeiro Pacto
Este foi o quadro em que se deu o chamado “Primeiro Pacto” entre Otaviano e o Senado Romano: Ante o clamor dos senadores para que ele continuasse à frente do Estado, Otaviano “aceitou” que ele ficaria no controle das províncias onde estavam estacionadas a maior parte das legiões romanas, não por mera coincidência, aquelas mais estratégicas, pelo prazo de dez anos, enquanto que as outras seriam administradas pelo Senado. Criou-se ainda, já que qualquer insinuação de monarquia era inaceitável, um novo título para espelhar a posição de Otaviano na República – ele seria o “Princeps” (o primeiro de todos), um título derivado de uma prerrogativa senatorial conferida ao senador mais antigo de ser o primeiro a falar (Princeps Senatum).

O título foi conferido pelo Senado em 16 de janeiro de 27 A.C., sendo que na mesma sessão, lhe foi conferido o cognome de “Augustus” (significando o “Venerável” ou o “Reverenciado“), após anteriormente vários outros nomes terem sido considerados (e certamente avaliados por Otaviano). Este nome tinha conotações religiosas e visava conferir a Otaviano uma aura sagrada, valendo citar que ele já se apresentava como “Filho do Divino Júlio“, por causa da deificação de Júlio César, tornado divino logo após o seu assassinato. A partir daí, os historiadores passam a se referir a Otaviano como Augusto, e é assim que faremos também.
Seguindo a convenção de conhecimento geral, a partir de 27 A.C, termina o período da República Romana, nascendo o Império Romano.
Observe-se que “Imperium Romanum” significava, originalmente, as terras sobre as quais Roma exercia domínio, mas “Imperium” também significa o comando e a autoridade militar conferidos a um general sobre suas tropas. De acordo com o costume, quando vitorioso, o general era aclamado “Imperator“. Vimos que a primeira providência de Augusto foi continuar tendo o “Imperium” sobre suas legiões – afinal, desde o início do século I A.C, esta vinha sendo a verdadeira fonte de poder dos governantes romanos – Assim, o título de “Imperator” seria, desde o início, adotado por todos os imperadores romanos a partir de Augusto.
Segundo Antônio dissera certa vez, “Otavio deve tudo ao nome“. Embora tenha sido um comentário feito com intenção depreciativa, o fato é que não fosse a conexão familiar dele com Júlio César, o homem que antes dele chegara ao poder supremo ilimitado temporalmente, abrindo as portas para o processo de mudança de regime, certamente Augusto não teria chegado onde chegou, não obstante ele tenha demonstrado, ainda muito jovem, notável determinação, coragem, talento e inteligência para se tornar o primeiro imperador romano e inaugurar uma forma de governo que duraria, praticamente inalterada, até 284 D.C, e que pode ser considerar, ainda, que, com muitas modificações, sobreviveria, sem quebra de continuidade, até a Queda de Constantinopla, em 1453.
Por isso, ao titulo de “Imperator“, em pouco tempo seriam adicionados, na forma de títulos, os nomes de “Caesar” e “Augustus“. Em pouco tempo, inúmeros imperadores romanos subsequentes ostentariam nas inscrições e moedas o título de “Imperator Caesar Augustus“.
Mantendo a fachada de retorno à ordem institucional republicana, Augusto assumiu o cargo de Censor, junto com Agripa, o que lhe permitiu escolher novos senadores, excluindo outros para compor aquela Assembleia, que se encontrava bastante desfalcada em função das mortes ocorridas durante a Guerra Civil.
Agripa também foi nomeado “Curador das Águas” e, nesta capacidade, ele reformou o aqueduto Acqua Marcia. Como Edil, ele também limpou e expandiu a rede de esgoto Cloaca Maxima, além de ter construído Termas e muitos templos. Efetivamente, Agripa foi o principal responsável pelo que Augusto, mais tarde, deixaria expresso em seu testamento público como sendo um de seus maiores legados:
“Encontrei uma cidade feita de tijolos e deixei uma feita de mármore”.
Entre os monumentos mais conhecidos que Augusto ergueu em Roma está o Fórum que leva o seu nome, sendo este o segundo Fórum planejado construído em Roma, após o Fórum de César. Neste Fórum, inaugurado em 2 A.C, Augusto cumpriu a promessa que havia feito de construir um templo em honra ao deus Marte, caso ele vencesse a Batalha de Fílipos, ocorrida quarenta anos antes da inauguração. Assim, foi erguido o Templo de Marte Vingador (Mars Ultor), sendo esta denominação devida ao fato de que o deus teria intervindo para vingar a morte de Júlio César, ajudando Augusto a vencer os assassinos dele. O templo foi construído em uma área que pertencia ao próprio Augusto, e o projeto teve que ser alterado porque Augusto se recusou a desapropriar ou confiscar as residências particulares contíguas para que o espaço contemplasse a concepção original do complexo.

Também digno de nota é o Teatro de Marcelo, inaugurado em 12 A.C, que recebeu esse nome em memória do falecido sobrinho de Augusto, sobre o qual falaremos em breve. Com capacidade para 17 mil espectadores, foi o maior teatro já construído na cidade de Roma e suas ruínas, que foram parcialmente transformadas em residências, ainda podem ser aprecidas.

Outra obra importante, não pela grandiosidade, mas pelo significado político, histórico e artístico, foi a Ara Pacis (Altar da Pax), erguida no Campo de Marte para celebrar aquela que Augusto considerava como uma de suas maiores realizações: A Paz Romana (Pax Romana), ou Paz Augusta (Pax Augusta), que consistia no fim das guerras civis e conquista ou pacificação das nações vizinhas circundantes, garantindo a existência de fronteiras estáveis. A Ara Pacis foi dedicada em 9 de janeiro de 9 A.C e ela é importante também como monumento artístico, graças à excelência de suas proporções e qualidade dos relevos, os quais ilustram uma procissão religiosa com retratos de vários membros da família imperial dos Júlios-Cláudios

11- Grave enfermidade e o Segundo Pacto
Porém, em 23 A.C, Augusto ficou muito doente a ponto de considerar seriamente que não iria sobreviver. Fazia dez anos sucessivos que ele vinha ocupando o cargo de Cônsul, algo que causava desagrado aos senadores tradicionalistas, uma vez que durante a República este era o cargo mais alto que podia ser alcançado por um cidadão, e que conferia grande prestígio às famílias aristocráticas, que o vinham ocupando desde o início da República, em 509 A.C, com raríssimas exceções.
Até aquele momento, não havia nenhuma norma estabelecida acerca da sucessão de Augusto como Princeps e nem mesmo se esta posição seria exclusiva dele, cessando com sua morte, ou se o regime continuaria. E neste caso, também não se sabia quem seria o escolhido para ser o novo imperador.
O colaborador mais próximo e amigo mais íntimo do imperador, Marco Vipsânio Agripa, certamente poderia contar com o apoio do Exército, que tantas vezes ele havia comandado com brilhantismo durante a Guerra Civil. No entanto, sua família pertencia à classe equestre, o segundo escalão da nobreza romana, e sua aceitação pelos integrantes da aristocracia senatorial provavelmente seria problemática, embora ele, naquele momento, fosse casado com a sobrinha de Augusto, Cláudia Marcela. O herdeiro mais provável parecia ser Marco Cláudio Marcelo, que além de ser sobrinho de Augusto, e seu parente do sexo masculino mais próximo, era casado com Júlia, a única filha de Augusto. No entanto, Marcelo somente tinha 19 anos e não possuía real experiência política e militar.

Segundo as fontes, no auge da doença, Augusto entregou o anel contendo o seu selo para Agripa, o que muitos entenderam como sendo a escolha dele como sucessor. Entretanto, Augusto também convocou seu colega de consulado, Calpúrnio Pisão, conhecido por ser um adepto das tradições republicanas, e entregou-lhe as contas das finanças do Estado, bem como todos os documentos oficiais que estavam em seu poder, além da lista das legiões existentes, no que pode ter parecido um gesto de que ele tencionava restaurar a República, ou ao menos, manter a divisão de poderes entre o futuro príncipe e o Senado como ele havia deixado.
Porém, de fato, pode ser que a intenção de Augusto fosse a de que Agripa, que sempre havia se provado o seu amigo e ajudante mais fiel entre todos, administrasse o Estado até que Marcelo estivesse preparado. Essa é a hipótese que me parece mais provável.
No entanto, Augusto, graças aos cuidados do médico Antônio Musa, acabou se recuperando. Em seguida, o imperador começou a dar demonstrações de preferência por Marcelo, conferindo-lhe honras e financiando um grande espetáculo que o sobrinho ofereceu em Roma. Ocorre que o episódio do anel gerou uma certa animosidade de Marcelo em relação a Agripa. Assim, para afastar quaisquer dúvidas, o sempre obediente e dedicado Agripa foi enviado em uma missão no Oriente.
Porém, naquele mesmo ano, Marcelo contraiu uma febre, possivelmente a mesma enfermidade que havia atacado Augusto, sendo igualmente tratado por Musa, mas desta vez sem sucesso. Então, Marcelo morreu aos 19 anos de idade e foi muito pranteado pelo tio, recebendo várias homenagens fúnebres.
Apesar de ser de conhecimento do público que uma peste grassava em Roma no ano da doença de Augusto e da morte de Marcelo, muitos desconfiaram que o rapaz pudesse ter sido envenenado, e a principal suspeita recaiu sobre a imperatriz Lívia, que estaria interessada em assegurar que seu filho natural mais velho, Tibério, fosse o sucessor de Augusto. Embora provavelmente não tenha passado de um boato, essa suspeita seria reforçada no futuro por acontecimentos semelhantes…
Diante do estado de indefinição sobre quais seriam os limites do poder de Augusto, ou, melhor dizendo, quais os poderes e prerrogativas o Senado ainda poderia manter, os acontecimentos levaram Augusto e os senadores a colocarem em prática o que ficaria conhecido como o “Segundo Pacto“.
Tentando, sinceramente ou não, afastar as incertezas e os temores que as ações relativas à sua sucessão durante a sua grave enfermidade incutiram tanto em seu círculo, como no Senado e até na opinião pública, de que o Império se tornaria uma monarquia hereditária, Augusto decidiu renunciar ao Consulado. Isso visava contentar aos Senadores, que agora teriam duas vagas para disputar as muitas honrarias que o cargo proporcionava. Além disso, deixando de ser Cônsul, tecnicamente Augusto não teria mais ingerência, ao menos formalmente, sobre as chamadas Províncias Senatoriais, continuando apenas como Procônsul das chamadas Províncias Imperiais, administradas por seus Legados.
O Segundo Pacto, antes de significar que o Senado tencionasse disputar o poder com Augusto, era uma forma de solucionar impasses legais aptos a gerar confusões e perplexidades no governo do Império. Assim, o Senado votou que Augusto deteria um “Imperium Proconsularis Maius“, que lhe permitia, em caso de necessidade, intervir nas províncias senatoriais, mas que, de maneira inédita, aplicava-se também no interior da cidade de Roma.
Prosseguindo, o Senado também conferiu a Augusto o Poder Tribunício vitalício (mas não, por óbvio, o cargo de Tribuno, que era privativo de plebeus), permitindo-lhe apresentar ou vetar propostas de leis, incluindo, ainda, os poderes de Censor, muito importante porque permitia arrolar os cidadãos dentro dos diversos estratos da sociedade romana (o que importava em prerrogativas e privilégios para os escolhidos, como o de ocupar certos cargos e não ficar sujeito a penas infamantes), realizar Censos, além de fiscalizar os costumes públicos.
Foi no uso dessas capacidades que Augusto criou um corpo de “Vigiles” (bombeiros) para atuar na cidade de Roma, e também instituiu medidas conservadoras de costumes, como penas para adultério e a obrigação de todo cidadão usar a toga quando adentrasse o Fórum Romano. E também criar uma guarda imperial, que foi chamada de Guarda Pretoriana e era a única guarnição armada admitida no interior da Cidade de Roma.
Nota: originalmente, todos os comandantes militares romanos tinham uma guarda pretoriana, nome derivado do Pretorium, o quartel-general ocupado pelo comandante. Augusto manteve a sua guarda pretoriana quando voltou para Roma, e mais tarde, institucionalizou esse corpo militar, inclusive criando o cargo de Prefeito Pretoriano, que eram dois). Não obstante, a segurança dentro do palácio ficaria a cargo de um corpo de guarda-costas de origem germânica.
A plebe romana, que não confiava na aristocracia senatorial, ao saber que Augusto não mais concorreria ao Consulado, e ignorante das sutilezas do Segundo Pacto (que na realidade havia aumentado os poderes de Augusto), chegou a promover tumultos nas ruas, exigindo que ele concorresse às eleições para o cargo nos anos de 22, 21 e 19 A.C, e até que ele assumisse o posto de Ditador (que era uma magistratura excepcional temporária prevista nas normas constitucionais da República Romana). Augusto, cautelosamente, recusou. Mas quando, no primeiro ano citado, houve escassez de comida na Cidade, seguiram-se maiores tumultos, e o imperador foi obrigado a intervir com recursos próprios para assegurar o fornecimento de trigo. Isso o levaria, anos mais tarde, a instituir o cargo de Prefeito da Anona, que teria muita importância política na história imperial.
O aumento dos poderes do Príncipe não passou despercebido para os mais perspicazes senadores, e, em 22 A.C, foi denunciada a existência de uma conspiração em andamento para derrubar Augusto, liderada por um obscuro Fannius Caepio (provavelmente, as referências ao personagem foram restringidas pela reação imperial), com a participação de Lucius Murena, legado imperial na Síria. Os participantes, que haviam fugido, foram julgados sumariamente à revelia, e executados assim que foram capturados. Nesse julgamento, Tibério, o enteado de Augusto, funcionou como acusador público.
Em 19 A.C, a aparência de continuidade republicana tão ciosamente promovida por Augusto esvaneceu-se um ainda um pouco mais quando ele recebeu o “Império Consular“, permitindo-lhe exercer os poderes dos Cônsules Ordinários e utilizar seus ornamentos e símbolos, incluindo um séquito de litores carregando “fasces” (o feixe de varas que representava o poder de castigar que detinham os magistrados). Finalmente, em 12 A.C, Augusto recebeu o cargo de Sumo Pontífice, passando a ser o chefe dos cultos reconhecidos pelo Estado Romano e, finalmente, em 2 A.C, a ele foi conferido o título de “Pai da Pátria“. Podemos, assim considerar que estava concluída a transição da República para o Império.

12- A Era de Augusto
Augusto e seus auxiliares mais próximos, sobretudo Gaius Mecenas, patrocinaram poetas, artistas e historiadores, como Virgílio e Tito Lívio, reunidos em um círculo, criando uma verdadeira ideologia e estética imperiais. O governo de Augusto foi apresentado como o ponto culminante de toda da História de Roma, desde a sua fundação, e as obras produzidas, como a Eneida, enfatizavam os costumes ancestrais, as virtudes romanas e sua relação com a Era de Augusto, em que o patriotismo, a paz e a concórdia eram estimulados e assegurados pelo imperador.
Por sua vez, a imperatriz Lívia passou a personificar a virtude das matronas romanas. Tida como casta e incorruptível, segundo divulgou-se, ela até chegava a fiar em seus aposentos as roupas que o marido usava. Porém, Lívia era muito mais do que apenas uma imperatriz-consorte, e por várias vezes constatou-se que ela tinha voz efetiva nos assuntos do governo e Augusto ouvia seus conselhos. Além disso, Lívia tinha o direito de ter seus próprios secretários e geria por conta própria o seu vasto patrimônio.
Como Censor, Augusto tentou reformar práticas considerados imorais da aristocracia romana, tomando medidas contra o adultério (embora ele mesmo fosse um rematado adúltero) e revigorar costumes tradicionais, como por exemplo ao proibir que pessoas entrassem no Fórum Romano sem estarem vestidas com a típica toga romana.
Passada a fase de alguma indefinição acerca de sua posição no Estado Romano, após os dois pactos estabelecendo a sua supremacia sobre qualquer outra instância de governo, Augusto sentiu-se à vontade para expandir e consolidar as fronteiras do Império Romano.
Dissemos nos capítulos anteriores que, ao final da Guerra contra Antônio e Cleópatra, Roma era a senhora da orla do Mediterrâneo, o que era verdade. Porém, no interior dos territórios controlados pelos Romanos, havia várias tribos e regiões ainda não submissas ao poder romano, acarretando, inclusive, alguma descontinuidade territorial entre algumas províncias. Vale citar que o próprio César, por exemplo, teve que negociar com chefes de tribos celtas que controlavam passagens nos Alpes para poder se movimentar da Gália para a Itália e vice-versa, mesmo após a conquista romana e a transformação da Gália em província.
Mesmo antes da completa estabilização política interna, Augusto já havia liderado, até ser obrigado a se afastar por uma enfermidade, uma campanha contra as tribos dos Cântabros, em 26 A.C, e, posteriormente, contra os Astures e os Galaicos, na Hispânia,. Essas campanhas foram concluídas com sucesso pelos governadores da Hispânia Citerior e Ulterior, em 19 A.C., assegurando o controle romano sobre o norte e o noroeste da Península Ibérica, incluindo ricas minas de ouro.
Em 25 A.C, o rei Aminthas, da Galácia, um reino-cliente de Roma, morreu e Augusto aproveitou o fato para anexar o reino.
Entre 16 A.C. e 7 A.C, as tribos que habitavam os Alpes foram conquistadas. Em comemoração, foi erguido o imponente monumento denominado “Troféu dos Alpes” (conhecido como La Turbie, na França), próximo ao atual Principado de Mônaco, cujas ruínas ainda existem, contendo a inscrição com o nome das 45 tribos subjugadas.

Em 20 A.C, Augusto obteve, mediante diplomacia, a devolução dos estandartes militares romanos que os Partas haviam capturado em 53 A.C, após derrotarem e matar o Triúnviro Crasso (o colega de César e Pompeu no Primeiro Triunvirato). O acontecimento foi alvo de uma bem-sucedida campanha de propaganda para o público interno, apresentada como se o imperador parta, Fraates IV, tivesse se submetido a Augusto. Este até passou a usar uma elaborada couraça com relevos retratando a devolução dos estandartes, que pode ser apreciada na famosa estátua conhecida como “Augusto de Prima Porta“, atualmente nos Museus Vaticanos, em Roma.

Todas essas vitórias foram orgulhosamente relacionadas na Res Gestae Divi Augusti (Atos do Divino Augusto), um documento escrito pelo próprio Augusto, descrevendo todas as suas realizações civis e militares desde que iniciou sua vida pública, sobretudo após vencer a Guerra Civil e exercer o poder supremo em Roma (o texto encontra-se gravado nas paredes de um templo, em Ancyra (atual Ancara), na Turquia, e por isso é conhecido como Monumentum Ancyranum.

Porém, Augusto, não é de surpreender, não contou as, diga-se de passagem, poucas derrotas que os romanos sofreram em seu longuíssimo reinado. Ele omitiu, particularmente, o famoso “Desastre de Varo”, na Germânia.
Hoje não há dúvidas, cotejando os relatos das fontes antigas com os achados arqueológicos, que Augusto pretendia transformar toda a Germânia (Germania Magna) em uma província romana. Seus generais, notadamente seus enteados Druso e Tibério, obtiveram muitas vitórias sobre as tribos germânicas e chegaram a alcançar o rio Elba , indo até mesmo além. Quartéis e até algumas cidades foram construídas a leste do rio Reno.
Porém, quando tudo parecia correr para que este projeto desse certo, o governador da Germânia, Públio Quintílio Varo, seria atraído para uma emboscada por seu auxiliar germânico, Arminius, e ele e três legiões romanas completas seriam massacrados na Batalha da Floresta de Teutoburgo, em 9 D.C. Os próprios romanos desmantelaram ao menos uma das cidades e os quartéis queimados pelos germanos. Segundo consta, após receber a notícia do desastre, Augusto passou vários dias lamentando-se, chegando a bater a cabeça na parede, enquanto dizia :
“Quintílio Varo, devolva minhas legiões!”.
Não obstante, Augusto fez importantes reformas militares e fixou o número de legiões, espalhadas predominantemente pelas fronteiras estratégicas, em 28, reduzindo assim a quantidade imensa de legiões criadas durante as Guerras Civis, que pesavam no orçamento público.
A carreira militar também foi incentivada com a criação de um fundo público para o pagamento de pensões, o Aerarium Militare, um passo importante para assegurar a existência de um exército permanente.
Até mesmo inovações tecnológicas no equipamento militar foram implantadas no governo de Augusto, como a adoção da lorica segmentata, a célebre armadura de placas articulares, tão famosa nos filmes de Hollywood.
Voltando às iniciativas no campo da administração civil, Augusto estabeleceu um sistema de tributação permanente e estável, para vigorar em todo o território controlado por Roma, mas ao mesmo tempo acabando com os confiscos e tributos extraordinários e irregulares que eram impostos frequentemente às províncias, e aproveitando para aliviar a taxação sobre os Italianos (O sistema, elaborado em bases mais racionais, também restringiu a atuação dos odiados publicanos, que eram particulares que recebiam comissões para cobrarem impostos, ficando com uma parte, o que passou a ser predominantemente feito por servidores públicos).
Aliás, foi Augusto quem primeiro estabeleceu a Itália como uma região político-administrativa, compreendendo a península italiana.
13- A procura de um herdeiro e os últimos anos
Mas o grande insucesso de Augusto foi mesmo não conseguir ser sucedido por um parente sanguíneo, legítimo integrante da gens Júlia.
O primeiro candidato a não vingar, como vimos, foi Marcelo. Augusto, então determinou que a viúva deste, a sua filha Júlia, se casasse com aquele que talvez fosse a pessoa em que ele mais confiava: Marcos Agripa, em 21 A.C. (que, após o falecimento de Marcelo, recebeu o império proconsular pelo prazo de cinco anos. O casamento dos dois seria prolífico, gerando três meninos e duas meninas: O primeiro, Caio César, nasceu em 20 A.C, sendo seguido por Júlia, a Jovem. Em 17 A.C. nasceria Lúcio César. Depois se seguiriam Agripina, a Velha, e Agripa, cognominado Póstumo (por ter nascido após o falecimento do pai).

Eu acredito, vale repetir, que Augusto nunca pretendeu de fato que Agripa fosse o seu sucessor permanente, confiando que o amigo cumpriria o planejado e abdicaria em favor de um dos filhos, quando eles se tornassem maiores de idade. Assim, Caio e Lúcio César foram adotados oficialmente por Augusto, tornando-se legalmente os seus herdeiros, em 17 A.C. Augusto providenciou para que os rapazes fossem nomeados cônsules para os anos de 1 D.C. e 4 D.C, apesar deles estarem bem abaixo da idade legal. Como já visto, Agripa faleceu em 12 A.C, pouco antes do nascimento de seu terceiro filho com Júlia, que seria chamado de Agripa Póstumo.
Contudo, Lúcio César faleceu em Marselha, enquanto se dirigia para completar seu treinamento militar na Hispânia, aparentemente de alguma enfermidade não identificada, em 20 de agosto de 2 D.C., quando tinha 18 anos de idade.

Por sua vez, Caio César seria ferido em um cerco a uma fortaleza na Armênia, em 9 de setembro de 2 D.C. Segundo as fontes, o ferimento não teria sarado adequadamente, e Caio César acabaria falecendo em 21 de fevereiro de 4 D.C, aos vinte e três anos, em uma cidade da Lícia, na atual Turquia.

Autores antigos levantaram a suspeita de que a imperatriz Lívia estaria por trás da morte dos rapazes, de modo semelhante aos boatos que circularam no caso da morte de Marcelo, e pelo mesmo propósito: assegurar o trono para seu filho Tibério.
É muito difícil chegar a uma conclusão sobre essas suspeitas…Realmente, as mortes de três jovens bem nascidos e, aparentemente, sem problemas de saúde reportados previamente, parece improvável. Mas devemos lembrar que a mortalidade na Roma Antiga, assolada por epidemias e cuja medicina era mais rudimentar, era bem maior do que hoje.
Eu acho difícil que Lívia possa ter tido participação no episódio que resultou no ferimento de Caio César, ocorrida em uma ação militar em um território distante e fora da jurisdição de Roma. Entretanto, há um considerável intervalo de tempo de mais de um ano entre este episódio e a morte do rapaz, que ocorreu já em uma província romana oriental.
Note-se que Caio, que estava mais próximo na corrida pela sucessão, foi o segundo a morrer, em circunstâncias que não chegam a parecer tão suspeitas. Por outro lado, Lúcio, o mais novo, morreu mais perto de Roma, em Marselha, e em circunstâncias um tanto mais obscuras. Mas, para quem acredita que Lívia realmente encomendou a morte dos rapazes, não teria sido mais fácil matá-los enquanto ainda crianças? Afinal, a mortalidade infantil era algo corriqueiro na Roma Antiga. E o pai deles, Agripa, que poderia inspirar algum receio em Lívia, morreu em 12 A.C, quando o mais velho tinha 8 anos e o mais novo, 5. Faria mais sentido assassinar os dois antes que eles chegassem à idade adulta.
O fato é que a morte do sobrinho e dos dois netos deixou Augusto sem uma opção de herdeiro imediata. Isto em uma época em que ele estava entrando em uma idade avançada para os padrões romanos. Assim, ele foi obrigado a recorrer ao seu enteado Tibério.

A posição de Tibério, a quem parece que Augusto nunca foi afeiçoado, já tinha melhorado na “corrida sucessória” com a morte de Agripa, uma vez que, no mesmo ano do falecimento deste, em 12 A.C., Augusto obrigou-o a divorciar-se de sua amada esposa, Vipsânia Agripina, filha de Agripa, e casar-se com sua filha Júlia, viúva do falecido, no que seria uma união notoriamente infeliz. Além disso, Tibério vinha se destacando como um excelente general, e sendo encarregado de importantes missões estatais, as quais cumpriu com eficiência.
Augusto, em 6 A.C, chegou a compartilhar o “Poder Tribunício” com Tibério. Surpreendentemente, contudo, neste mesmo ano, o enteado resolveu abandonar tudo e ir morar na ilha de Rodes, em verdadeiro autoexílio. Ninguém sabe ao certo quais foram os motivos de Tibério para sua partida, mas há várias hipóteses plausíveis.
Na minha opinião, há uma coincidência sintomática entre esta decisão e o fato de que, também no ano de 6 A.C., o Comício das Centúrias, certamente por sugestão de Augusto, tenha decidido eleger Caio e Lúcio César para os consulados do ano 1 e 4 D.C.:
Assim, o seu “autoexílio” seria um gesto de retaliação de Tibério contra o propósito de Augusto de avançar a carreira dos rapazes e prepará-los para serem os sucessores o mais rápido possível, retirando a perspectiva de que Tibério pudesse sucedê-lo, ou, no caso de que isto ocorresse, devido à morte de Augusto antes de que eles fossem Cônsules, de que o reinado dele fosse breve. Desse modo, Tibério, ao contrário de Agripa, teria querido deixar claro que ele não aceitava ser apenas um imperador “interino”. Muitos estudiosos defendem esta hipótese.
Mas há outros historiadores que acreditam que a causa principal do exílio de Tibério teriam sido os frequentes adultérios de Júlia em Roma, os quais maculavam a reputação do próprio Tibério enquanto marido traído. Foi em 2 A.C. que o comportamento escandaloso de Júlia chegou ao conhecimento de Augusto que, envergonhado pelo comportamento da filha, contrário às leis moralizantes instituídas por ele próprio, decidiu pelo divórcio de Tibério e Júlia.
Indo além, Augusto mandou exilar os amantes da filha e até mesmo obrigou alguns a cometerem suicídio. A própria Júlia também foi exilada para a remota ilha de Pandatária. A mágoa de Augusto foi tanta, que, em seu testamento, ele proibiu que ela, quando morresse, fosse sepultada no Mausoléu dele, em Roma, proibição que se estendia à sua neta Júlia, a Jovem, filha de Júlia, que também seria exilada em 8 D.C, igualmente sob a acusação de adultério. Dada a dimensão desse rancor, aventou-se a possibilidade de que Júlia também teria participado de uma conspiração contra Augusto, fato que, segundo uma fonte, ele mesmo teria comentado no Senado. Júlia morreria em 14 D.C, após a morte de Augusto, ainda no exílio, agora em Regium, segundo consta, de depressão ou até mesmo inanição deliberadamente provocada por ordem ou no interesse de Tibério, aos 52 anos de idade.
Seja como for, as fontes mencionam que o auto-exílio de Tibério deixou Augusto muito preocupado pelo fato de Caio e Lúcio César serem ainda meros adolescentes, o que colocaria em perigo a própria continuidade do Principado, caso Augusto morresse subitamente naquele momento, no qual, mais uma vez, ele lidava com um problema de saúde. Porém, como das outras vezes, Augusto se recuperou e, pelas aparências, não perdoou Tibério, que, reiteradamente, após passar alguns anos em Rodes, fazia pedidos de autorização para retornar para Roma, todos recusados pelo imperador. Certamente Augusto, com a chegada de Caio à idade adulta, não via mais utilidade no enteado. Somente em 2 D.C, Augusto consentiu com a volta de Tibério a Roma, porém, como mero particular, sem dar-lhe nenhum cargo ou função pública.
Tudo mudaria, porém, com a morte dos dois netos, Caio e Lúcio. Sem mais nenhuma opção viável para a sucessão, Augusto foi obrigado a adotar imediatamente Tibério como filho e herdeiro, conferindo-lhe, ainda, o Poder Tribunício e o Império Proconsular Maior.
Todavia, ainda assim, Augusto não abandonou completamente o desejo de que um dia alguém do seu sangue herdasse o Império: ao adotar Tibério, ele exigiu que este, por sua vez, adotasse o seu sobrinho-neto, Germânico, filho de Antônia, a Jovem, que era filha de sua irmã, Otávia. Além disso, juntamente com Tibério, Augusto adotou seu único neto vivo, Agripa Póstumo (que não havia sido adotado junto com os irmãos para que ele pudesse dar continuidade ao nome de seu pai, Marco Vipsânio Agripa).

Por que, então, Augusto não adotou apenas Agripa Póstumo como herdeiro? Na verdade, este tinha 16 anos quando Augusto adotou-o junto com Tibério. Assim, se Augusto falecesse subitamente, era grande a chance de que Póstumo não tivesse apoio suficiente para ser imperador ou então fosse facilmente “bypassado” por outros. Consequentemente, naquele momento, o respeitado e experiente Tibério era a garantia de continuidade do principado.
Ademais, segundo várias fontes, Agripa Póstumo seria um rapaz brutal, estúpido, insolente e depravado, portanto, não deve ter demorado muito tempo para que o próprio Augusto tenha percebido que ele seria inapto para sucedê-lo.
Assim, em 7 D.C, Póstumo foi banido para Sorrento, e, posteriormente, para Planásia, outra remota ilha É bem provável que Lívia e o próprio Tibério tenham influído nesta decisão e o rapaz ficaria sob guarda armada na ilha, em exílio perpétuo. Especula-se que ele também possa ter se envolvido em alguma conspiração que ensejou esta medida. De fato, no ano seguinte, Júlia, a Jovem, irmã de Póstumo e neta de Augusto, seria exilada sob a alegação de ter cometido adultério, sendo que, segundo Suetônio, o marido dela, Lúcio Emílio Paulo, foi executado por ter conspirado contra Augusto, em data não apontada.
Suetônio também menciona que dois homens de baixa condição, Lucius Audasius, um estelionatário, e Asinius Epicadus, mestiço de origem ilíria, chegaram a planejar o resgate de Júlia e Póstumo e levá-los até um contingente de tropas, certamente com o propósito de derrubar Augusto, então existe alguma possibilidade de que ambos os irmãos tenham mesmo se envolvido em alguma conspiração.
14- Morte de Augusto e sucessão
Nesta época, Augusto se tornara septuagenário, uma idade avançada mesmo para romanos da classe alta. Pouco a pouco ele foi deixando os assuntos de Estado mais importantes a cargo de Tibério, embora, segundo as fontes, ele nunca tenha deixado de despachar e ler os documentos de governo.

Em 13 D.C, foram dados a Tibério todos os poderes de Augusto, em pé de igualdade. Portanto, na prática, Tibério era, agora, co-imperador. Ele passara os dois últimos anos na Germânia, lidando com os problemas militares que sucederam o Desastre de Varo. Ao voltar para Roma, Tibério celebrou um Triunfo, a procissão da vitória que, no governo de Augusto, tinha se tornado exclusiva do Imperador.
Em meados de 14 D.C, a saúde de Augusto começou a piorar. Mesmo assim, ele resolveu fazer uma viagem para Nola, hospedando-se na mesma velha casa de verão da sua família. Ele estava chegando aos 75 anos. Apesar disso, em Nola, ele chegou a melhorar um pouco. Porém, em 19 de Agosto de 14 D.C, o vetusto imperador sentiu que iria morrer. Ele deitado no mesmo quarto em que o seu pai havia falecido. As suas últimas palavras para os que estavam em seu aposento foram:
“Eu interpretei bem o meu papel? Então, aplaudam enquanto eu me retiro”
Julgo que a frase é de extrema sutileza, pois Augusto de fato interpretou com maestria o personagem de “rei que não deveria ser e nem quer ser um rei”…
Novamente, alguns nutriram, mais uma vez, a suspeita de que Lívia teria envenenado o marido, mencionando até que ela teria utilizado figos envenenados. Entretanto, não há nenhuma evidência sólida de que isto teria acontecido. O fato de alguém muito doente melhorar um pouco antes da morte é algo bem corriqueiro e frequentemente observado.
Um dos motivos para a suspeita é que, durante o trajeto da viagem para Nola, algumas fontes aventaram o fato de que Augusto teria pego um barco até a ilha de Planásia e feito uma visita a Agripa Póstumo, com o suposto objetivo de reabilitar o neto. Porém, aberto o testamento de Augusto, não havia nenhuma menção ao rapaz (é bem verdade que não se pode excluir terminantemente a hipótese dele ter sido adulterado, a mando de Lívia ou de Tibério).
De qualquer forma, Póstumo foi executado no mesmo ano e aproximadamente na mesma época em que Augusto morreu, não se sabe ao certo se exatamente antes ou depois. Tácito conta que um centurião teria abordado Tibério após ele ser aclamado pelo Senado, e dito que “as ordens dele foram cumpridas“, mas Tibério negou que tivesse dado qualquer ordem, e que o centurião teria se referido a uma ordem dada por Augusto.
O corpo de Augusto foi levado para Roma, cremado e as cinzas depositadas no Mausoléu de Augusto, que foi recentemente reformado pela Prefeitura de Roma. Vários outros imperadores e membros da dinastia dos Júlios-Cláudios seriam sepultados ali.

15- Características pessoais de Augusto
Segundo relatos das fontes e traços detectados nas estátuas sobreviventes, Augusto tinha uma bela aparência, possuindo cabelos castanhos claros, puxados um tanto para o louro e ligeiramente ondulados, e olhos azuis claros. A tez de sua pele ficava entre clara e morena, e ele tinha muitas pintas no corpo. Ele gostava de estar bem barbeado e penteado. Seus dentes eram separados, pequenos e mal cuidados. O imperador tinha 1,70m de altura, não sendo baixo para os padrões da época, mas gostava de usar calçados para aumentar a sua estatura.
Augusto gostava de morar na mesma casa que ele habitava no Palatino e dormiu no mesmo quarto por quarenta anos, uma casa que depois foi aumentada e anexada ao templo do deus Apolo, de quem ele era especial devoto. Ele tinha o costume de, mesmo depois, de adulto, usar de propósito algumas palavras com erros que ele cometia quando criança. Ele era moderado no comer e no beber, mas era muito friorento no Inverno, quando costumava vestir quatro túnicas, uma por cima da outra, para diminuir a sensação de frio, e calorento no verão, quando gostava de ser abanado e dormir de portas e janelas abertas. E também não gostava de pegar sol. Seu principal divertimento eram jogos de tabuleiro e especialmente os que envolviam apostas.

Augusto viveu a maior parte de sua vida junto à sua terceira esposa, Lívia, com quem ele casou aos 25 anos, tendo o casamento durado 51 anos. Durante a união, Lívia chegou a engravidar de Augusto e dar a luz a uma criança, que, no entanto, nasceu morta. Eles nunca conseguiram ter outro bebê. Muito provavelmente, Lívia, que já tinha tido dois filhos de seu casamento anterior, deve ter ficado estéril devido às complicações deste último parto.
Não obstante, embora isso fosse comum na sociedade romana, Augusto não se divorciou da esposa infértil e eles ficaram casados até morrer. Por tudo isso, acredito que havia amor genuíno entre o casal. Mas era público e notório que Augusto teve casos com várias mulheres durante o casamento, e Lívia deixou também publicamente transparecer que ela sabia das traições, mas preferia ignorá-las, como escreveu Cássio Dião:
“Certa vez, quando alguém a perguntou como, e de que forma ela tinha conseguido obter tamanha e decisiva influência sobre Augusto, ela respondeu que foi pelo fato de ser ela mesmo escrupulosamente casta, fazendo tudo que fosse motivo de agrado para ele; não se metendo em seus assuntos; e, particularmente, por não ouvir e não notar nada acerca das favoritas que foram objeto das paixões dele”.
16 – Legado
Durante a sua longuíssima carreira pública, iniciada aos 19 anos, já em uma posição de poder, Augusto adotaria vários comportamentos: Inicialmente mostrou-se implacável e até sanguinário, na luta contra seus adversários políticos, mas, após assumir o poder supremo, ele assumiu uma postura bem mais benevolente. As suas grandes virtudes foram a de conseguir inspirar lealdade e respeito, reunindo e mantendo um círculo de partidários leais e talentosos, e, em troca, ser leal e devotado aos seus amigos. Sem ser general e quase totalmente ignorante na arte da guerra, ele fez com que outros lutassem e vencessem por ele, dando-lhe alegremente as glórias.
Augusto soube avaliar os erros dos que os precederam e compreender que era necessário dar uma aparência republicana de legitimidade ao seu governo. Sobretudo, ele compreendeu que não era viável governar o Império Romano sem a classe senatorial, ao mesmo tempo que era necessário cultivar o apoio da plebe e, sobretudo, dos soldados.
O mero fato de Augusto governar o Império por mais de quarenta anos, sem conflitos internos, e apenas contendo os inimigos externos (com a exceção do Desastre de Varo) foi uma grande contribuição para a prosperidade e desenvolvimento econômicos do Mundo Romano.
Augusto estabeleceu um sistema de governo que durou, praticamente inalterado, até o reinado de Diocleciano, iniciado em 284 D.C. As fronteiras do Império e até mesmo o número de 28 legiões que ele julgou suficiente para defendê-las foram mantidas, mais ou menos inalterados, até o reinado de Constantino, e mesmo além. Seu único insucesso foi não ter conseguido implantar uma regra estável para a sucessão.
FIM
