CLEÓPATRA – RAINHA DOS REIS

Kleopatra VII Thea Philopator (Cleópatra) nasceu no início do ano de 69 A.C., em Alexandria, a capital do Egito. Ela era filha do faraó Ptolomeu XII Auletes e, provavelmente, não se tem uma certeza exata, da rainha Cleópatra V Triphaena. Kleopatra quer dizer, em grego: “A glória do pai“, e  “Thea Philopator ” significa: “Deusa que ama o pai“.

A beleza dela, de acordo com o que nos foi dito, em si mesma não era de todo incomparável, nem tanta que impactasse aqueles que a viam, mas a sua presença tinha um charme irresistível, e havia uma atração na sua pessoa e na sua conversa, que, junto com a peculiar força de sua personalidade, em cada palavra ou gesto, deixavam todos que se envolvessem com ela enfeitiçados. Apenas escutar o som da voz dela já era um prazer, e a sua língua, como se fosse um instrumento de muitas cordas, podia passar de um idioma para outro, conforme ela desejasse, de modo que havia poucas nações bárbaras para as quais ela precisava de um intérprete, respondendo-lhes pessoalmente e sem auxílio.”

Plutarco, Vida de Antônio, 27,2

Genealogia, infância e juventude de Cleópatra VII

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Busto de Cleopatra VII – Altes Museum – Berlin – Germany 2017.jpg

Cleópatra e sua família eram descendentes diretos do nobre macedônio Ptolomeu,  um general que foi um dos auxiliares mais próximos do rei da Macedônia, Alexandre, o Grande.

(Busto de Ptolomeu I Soter, foto de Marie-Lan Nguyen )

Quando Alexandre morreu, em 323 A.C, os generais mais próximos de Alexandre estabeleceram-se, inicialmente, como “sátrapas” (governadores) das terras que tinham sido anexadas pelo rei macedônio, e a Ptolomeu coube governar o Egito. Em 305 A.C., Ptolomeu, da mesma forma que os outros sátrapas, após uma série de conflitos entre os sátrapas e diversos pretendentes à sucessão de Alexandre, denominada de Guerra dos Diádocos, autoproclamou-se rei do Egito, com o nome de Ptolomeu I Soter.

Mapa dos territórios controlados pelos sucessores de Alexandre, foto Fabienkhan, CC BY-SA 3.0 http://creativecommons.org/licenses/by-sa/3.0/, via Wikimedia Commons

No Egito, os sucessores e descendentes de Ptolomeu rapidamente assumiram os títulos e ornamentos milenares dos faraós, e, para se legitimarem perante os súditos nativos, adotaram também muitos dos costumes da realeza nativa, entre os quais estavam os casamentos endogâmicos, entre irmão e irmã, que tinham o objetivo de preservar o caráter divino da linhagem sanguínea dos faraós.

Ptolomeu XII Auletes, pai de Cleópatra, retratado em um relevo no templo de Kom Ombo, foto By Hedwig Storch – Own work, CC BY-SA 3.0, https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=5930892

Por outro lado, culturalmente e em suas relações com o mundo mediterrâneo, a corte ptolomaica reconhecia a si mesma e comportava-se como os outros reinos helenísticos surgidos a partir do falecimento de Alexandre, o Grande. A língua da corte era o grego koine e em Alexandria foram erguidos templos, monumentos e palácios em estilo arquitetônico clássico. Entretanto, os ptolomaicos continuaram construindo templos e monumentos no estilo egípcio, inclusive ostentando inscrições em hieróglifos e participando do culto às divindades egípcias tradicionais.

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Farol de Alexadnria, por Stella maris, CC BY-SA 4.0 https://creativecommons.org/licenses/by-sa/4.0, via Wikimedia Commons

O Egito Ptolomaico experimentou tempos prósperos e chegou mesmo a ser um reino muito poderoso; porém, quando Cleópatra nasceu, o país estava em franca decadência política, em boa parte devido a disputas sucessórias e incompetência dos governantes, tornando-se praticamente um protetorado da grande potência do mundo mediterrâneo, Roma, que vinha paulatinamente anexando todos os reinos helenísticos. Na verdade, então, o único estado digno de nota no Mediterrâneo, além da República Romana, era o Egito, que, apesar de conflagrado e desorganizado, era bastante rico, graças aos abundantes excedentes de trigo gerados produzidos pela fertilidade oriunda do ciclo das enchentes do rio Nilo e ao comércio com a Índia.

Cleópatra recebeu uma educação clássica esmerada. O seu tutor foi Philostratos, provavelmente um filósofo, com o qual aprendeu Filosofia e Oratória. De fato, desde ja infância, a jovem princesa deve ter demonstrado uma notável inteligência, pois ela aprendeu a falar nove línguas: grego, egípcio, latim, persa, etíope (amárico), aramaico, siríaco, troglodita e a língua dos Medos. Segundo nos conta o historiador antigo Plutarco:

“Era um prazer somente escutar o som da voz dela, com a qual, como se fosse um instrumento de muitas cordas, ela podia passar de uma língua para outra, de modo que havia poucas nações bárbaras para as quais ela precisava de um intérprete para responder.”

Plutarco, Vida de Antônio, 27,3

O reinado do pai de Cleópatra foi marcado pelo aumento da dependência política e econômica do Egito para com Roma. Muitas dívidas foram contraídas junto aos banqueiros romanos e o Senado Romano chegou a cogitar a anexação do reino, acarretando que humilhantes concessões aos romanos tivessem que ser feitas. Obviamente, que isso desagradou à população egípcia e aos influentes sacerdotes.

Assim, em 58 A.C., as tensões políticas internas do Egito levaram a uma revolta popular que resultou no exílio de Ptolomeu XII, após a anexação da ilha de Chipre, que era domínio ptolemaico, pelos romanos. O faraó acabou indo morar na Villa do triúnviro Pompeu, na colinas albanas, próximo à cidade de Roma, levando consigo a sua filha Cleópatra, que tinha onze anos de idade (os dois filhos homens de  Ptolomeu XII: Ptolomeu XIII Theos Philopator e Ptolomeu XIV, ainda tinham somente quatro e dois anos de idade).

Contudo, o levante nacionalista, que colocou como governante do Egito a irmã mais velha de Cleópatra, Berenice IV, em conjunto com rainha Cleópatra VI Triphaena, (que não se tem certeza se era outra irmã das duas ou a esposa de Ptolomeu XII), teria vida curta. Os banqueiros romanos,  grandes credores de Ptolomeu XII, tinham todo interesse em sua restauração. Assim, Pompeu ofereceu uma grande soma em dinheiro ao governador romano da Síria, Aulus Gabinius, para ele invadir o Egito e recolocar Ptolomeu XII  no trono.

No início de 55 A.C., Gabinius invadiu o Egito e Ptolomeu XII e Cleópatra acompanharam a expedição. Entre os oficiais de Gabinius, estava o jovem Marco Antônio, que inclusive impediu um massacre de civis na cidade greco-egípcia de Pelousium. Anos mais tarde, Marco Antônio contaria que foi durante a invasão que ele conheceu, e se apaixonou, pela jovem princesa egípcia de apenas 14 anos de idade…

Em pouco tempo, apoiado pela vitoriosa expedição, Ptolomeu XII já reinava de novo sobre o Egito. Ele executou a sua filha Berenice IV e vários de seus apoiadores, apoiado por dois mil soldados e mercenários romanos, que foram apelidados de “Gabinianos“. Percebendo a aptidão de Cleópatra para governar, e provavelmente já percebendo os primeiros sinais de doença, Ptolomeu XII, em 31 de maio de 52 A.C, a nomeou Regente do Egito, como atesta uma inscrição no Templo de Hator, em Dendera.

Rainha do Egito

Nos primeiros meses de 51 A.C., Ptolomeu XII morreu, nomeando como herdeiros e sucessores, em seu testamento, a sua filha Cleópatra e o seu filho Ptolomeu XIII, que deveriam reinar em conjunto. Para serem os executores deste testamento, Ptolomeu encarregou, expressamente, o  “Senado e Povo Romanos”…

Rainha aos dezoito anos de idade, Cléopatra casou-se, como impunha o costume real egípcio, com seu irmão e agora colega Ptolomeu XIII, que tinha somente doze anos. Ele foi reconhecido oficialmente como governante, mas, na prática, quem atuava como o seu regente era o eunuco Pothinus (ou Potheinos).

(Dracma de Cléopatra VII. Podemos ver  nesta moeda, que foi cunhada no reinado dela, todos os elementos convencionais da iconografia da rainha: O diadema real dos Ptolomeus, o cabelo fatiado no estilo “melão”, o coque, o nariz ligeiramente aquilino ou adunco e o queixo proeminente Foto By Hedwig Storch – Own work, CC BY-SA 3.0, https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=5930892

O fato é que, sendo mais velha e muito mais preparada do que o irmão, Cléopatra governava como se fosse a única soberana. A partir de agosto de 51 A.C, ela começou a cunhar moedas apenas com a sua efígie como rainha, e os documentos oficiais não mencionavam mais Ptolomeu XIII. A situação econômica, porém, continuava difícil, pois ela herdara a grande dívida que o pai contraíra junto aos romanos.

Pothinus e outros conselheiros de Ptolomeu XIII persuadiram-no a reagir contra a predominância da irmã no reino. Eles urdiram uma conspiração que foi bem sucedida e que foi ganhando o apoio de pessoas importantes, pois tudo indica que, antes do final de 50 A.C., Ptolomeu passou a controlar o governo, já que os documentos oficiais, a partir de então, ostentam o nome dele antes do nome da irmã.

Havia uma guerra surda não-declarada dentro de Alexandria entre as cortes de Ptolomeu XIII e Cleópatra quando, no verão de 49 A.C., chegou à cidade Gnaeus Pompeius, o filho de Pompeu, o Grande, que tinha sido obrigado a fugir para a Grécia após Júlio César invadir a Itália e tomar Roma, dando início à Grande Guerra Civil. Pompeu pedia ao Egito auxílio financeiro e tropas para ajudar as forças leais aos Optimates na guerra contra César e os Populares.

Cleópatra e Ptolomeu XIII concordaram e assinaram um último decreto conjunto enviando a Pompeu 60 navios de guerra e 500 soldados egípcios, além dos Gabinianos“.

Deposição e  luta pelo poder

Nesse meio tempo, os partidários de Ptolomeu conseguiram prevalecer sobre a facção que apoiava Cleópatra e ela foi obrigada a fugir do palácio, indo se refugiar em Tebas, mais ao sul, subindo o Nilo.

Agora, o Egito também estava vivendo uma guerra civil aberta. Assim, Cleópatra, acompanhada de sua meia-irmã Arsinoe IV, viajou para a Síria, e lá ela conseguiu reunir um exército para tentar recuperar Alexandria, porém, o avanço do seu exército foi barrado nas cercanias de Pelousium.

Em 9 de agosto de 48 A.C.,  Pompeu foi derrotado na Batalha de Farsália, e, com o remanescente de seu exército, ele fugiu para a cidade de Tiro, no atual Líbano. Lá, Pompeu decidiu que valia a pena ele viajar até o Egito, tendo em vista as boas relações que ele sempre manteve com Ptolomeu XII, pai dos atuais governantes do país, os quais, inclusive, haviam atendido o seu pedido anterior de ajuda, e onde ele esperava obter um valioso apoio para continuar a luta contra César.

Quando o navio de Pompeu chegou próximo a Pelousium, ele foi abordado por galeras da frota egípcia, que aderira a Ptolomeu XIII. O jovem rei foi aconselhado por Pothinus a não ajudar Pompeu, e, em uma armadilha idealizada pelo seu auxiliar Theodotus, Pompeu foi atraído para desembarcar e morto no próprio bote em que ele estava sendo transportado, tendo a sua cabeça sido cortada, fato ocorrido em 29 de setembro de 48 A.C.. Este assassinato ocorreu porque Ptolomeu e Pothinus acreditavam que, assim, eles estariam agradando a César, o qual poderia seria ser simpático à causa do primeiro na disputa contra a irmã.

Porém, ao contrário do que os egípcios esperavam, César ficou consternado e enfurecido com o assassinato de Pompeu. Além da afronta que representava o assassinato de um cônsul ao prestígio romano, ele certamente pretendia utilizara captura de Pompeu politicamente, talvez perdoando-o, como era do seu costume, para angariar simpatia perante a opinião pública. Assim, César ordenou que Ptolomeu XIII e Cleópatra desmobilizassem os seus exércitos e fossem encontrá-lo em Alexandria, onde ele resolveria a disputa entre os irmãos à luz dos interesses de Roma.

Julius Caesar Aghast at Soldier Holding Pompey's Head
1820 — Theodatus, the rhetorician, shows Caesar the head of Pompey. Etching, 1820. — Image by © Bettmann/CORBIS

Todavia, Ptolomeu XIII não obedeceu a ordem de César e chegou a Alexandria à testa de seu exército, que ficou acampado nas cercanias da cidade, enquanto ele e seus auxiliares mais diretos, instalados na mesma,  aguardavam a audiência como o líder romano.  Já César ficou  instalado no palácio real, situado em uma península.

Amante de Júlio César, restauração do trono e maternidade

Para a surpresa de Ptolomeu XIII, a sua irmã/esposa e rival dele conseguiu furar o cerco que o exército dele fazia à cidade e penetrar no palácio, chegando até os aposentos de César. A ser verdadeiro o célebre relato de Plutarco, foi uma aparição espetacular: Cleópatra entrou no palácio escondida dentro de um tapete enrolado, que estava sendo levado como presente para César!

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Cleópatra ante César, óleo de Jean-Léon Gérôme, 1866, CC BY-SA 4.0 https://creativecommons.org/licenses/by-sa/4.0, via Wikimedia Commons

Acho altamente provável que, já naquela noite, César tenha dormido com Cleópatra, conforme o relato de Plutarco deixa transparecer. Ela tinha entre 20 e 21 anos e era bonita, inteligente e sedutora. Ele tinha 52 e era famoso por ter casos com mulheres ilustres, incluindo algumas rainhas. E é até possível que César tenha sido o primeiro homem na vida de Cleópatra. Ela certamente não deve ter tido relações sexuais com o irmão bem mais novo.

(Busto de Tusculum, considerado o único que foi feito enquanto César era vivo, por volta dos 50 anos de idade, mostrando a aparência que ele deveria ter quando conheceu Cleópatra, Museum of antiquities, Public domain, via Wikimedia Commons)

A versão do historiador romano Cássio Dião, embora um pouco diferente nos detalhes, e sem mencionar a rocambolesca entrada em um tapete, é no mesmo sentido:

“Cleópatra, ao que parece, tinha, inicialmente, exposto a César o seu pleito contra o irmão por meio de emissários, porém, assim que ela descobriu as inclinações dele (que era muito suscetível, a tal ponto de ter tido casos com tantas outras mulheres –  indubitavelmente, com todas que por acaso tivessem passado pelo seu caminho), ela o avisou de que estava sendo traída pelos amigos dela, e pediu permissão para defender a sua causa em pessoa. Pois ela era uma mulher de beleza transcendente, e, naquela época, quando ela estava na flor da sua idade, ela estava ainda mais impactante; ela também possuía uma voz muito charmosa, e sabia como se fazer ainda mais agradável a todos. Sendo deslumbrante tanto para ser vista como para ser ouvida, e com o poder de conquistar a qualquer um, e até mesmo um homem saciado de amor que já tinha ultrapassado o auge da idade, ela achou que era o seu papel encontrar César e escorar em sua beleza todas as suas reivindicações ao trono. Ela, consequentemente, pediu para ser admitida à presença dele, e, obtendo essa permissão, ela se enfeitou e se arrumou de modo a aparecer perante ele com a aparência mais majestosa, e, ao mesmo tempo, inspiradora de pena. Quando ela aprontou esse esquema, ela entrou na cidade (pois ela estava vivendo fora dela) e, à noite, sem o conhecimento de Ptolomeu, entrou no Palácio. César, ao vê-la e ouvi-la dizer algumas palavras,  imediatamente ficou tão cativado por ela que, antes da alvorada, mandou buscar Ptolomeu e tentou reconciliá-los, agindo assim como advogado daquela mesma mulher da qual ele tinha decidido ser o juiz.”

Cássio Dião, História de Roma, Livro LII, 34, 4 – 35, 1

Furiosos com a intimidade que agora César e Cleópatra demonstravam ter, há até quem diga que ele, ao chegar no palácio para falar com César, encontrou a irmã no quarto do romano,  Ptolomeu XIII e  os seus partidários resolveram partir para o confronto direto com o futuro Ditador romano. Eles correram até a multidão, denunciando que Cleópatra iria entregar o Egito aos romanos e a turba, revoltada, cercou o palácio. Entretanto, embora César tivesse entrado em Alexandria com poucas soldados, o número era suficiente para conter a multidão e ele não se abalou: o líder romano mandou ler em público o testamento de Ptolomeu XII e afirmou que a vontade do falecido rei seria respeitada, devendo Ptolomeu XIII e Cleópatra governarem o Egito juntos.

O eunuco Potheinus não se conformou com a decisão de César e secretamente mandou uma mensagem para o general egípcio Achillas, o assassino de Pompeu e comandante militar de Ptolomeu XIII, instando-o a ordenar um ataque aos romanos em Alexandria. Ele estava confiante que César, contando com apenas quatro mil soldados, não conseguiria resistir ao exército do faraó, que era muito maior, de cerca de vinte mil homens. Mas, após o envio do recado, o ardil de Pothinus foi descoberto e ele acabou sendo executado por ordem de César. Diante da situação, o líder romano até tentou negociar um acordo com Achillas, mas este executou os emissários romanos, e, em seguida, marchou contra Alexandria, sitiando César e Cleópatra no palácio.

Arsinoe IV, a jovem e ambiciosa irmã de Cleópatra,  que tinha  entre cerca de 15 ou 20 anos de idade (não se sabe exatamente quando ela nasceu), aproveitou para fugir do palácio, auxiliada pelo eunuco Ganymedes, e se juntou a Achillas, proclamando-se rainha do Egito, já que o seu irmão Ptolomeu XIII encontrava-se sob a custódia de César. Em seguida, Arsinoe ordenou a execução de Achillas e nomeou Ganymedes no lugar dele, como comandante do exército.

Em 23 de junho de 47 A.C., Cleópatra deu a luz a seu primeiro filho, que se chamou Ptolemaios XV Philopator Philometor Caesar. Ela anunciou que o menino, que receberia o apelido de Caesarion (Cesárion ou Cesarião), era fruto do seu relacionamento com Júlio César, que, aliás, nunca negou publicamente a paternidade, apesar de, igualmente, jamais ter reconhecido oficialmente a criança. A cronologia do nascimento de Caesarion, estimando-se que ele tenha nascido com 9 meses, aponta para uma concepção por volta de outubro de 48 A.C., mais ou menos a data em que deve ter ocorrido o primeiro encontro entre Júlio César e Cleópatra, ou, então, somente um punhado de dias depois.

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(Cabeça que se acredita retratar Caesarion como Faraó. Os traços faciais lembram muito os das imagens de Cleópatra; Sdwelch1031, CC0, via Wikimedia Commons

Com muita dificuldade, César conseguiu resistir ao cerco até que reforços chegassem, em março de 47 A.C. O exército egípcio, agora comandado por Arsinoe IV e Ptolomeu XIII, que tinha conseguido autorização de César para sair de Alexandria, para servir de negociador, recuou para o Nilo, onde foram derrotados por César, na chamada Batalha do Nilo. O barco de Ptolomeu XIII, na fuga, virou, e ele acabou se afogando no rio, em janeiro ou fevereiro de 47 A.C., morrendo com 15 anos de idade, aproximadamente. Arsinoe foi capturada e, mais tarde, seria exibida na procissão triunfal de César pelas ruas de Roma.

Em seguida, César designou o irmão mais novo de Cleópatra, Ptolomeu XIV, que tinha doze anos de idade, para reinar ao lado dela, como faraó, e, como previa o costume, irmão e irmã se casaram. Não obstante, Cleópatra e César continuaram morando juntos, no palácio, em Alexandria. Como presente, César também devolveu ao Egito o governo da ilha de Chipre, que tinha sido tomada pelos romanos em 58 A.C.

Se a posição de Cleópatra no Egito parecia assegurada., no entanto, a de César, na República Roman, certamente estava longe disso, pois ainda havia consideráveis forças dos Optimates na África e na Espanha, onde os seus adversários estavam firmes e resolutos no prosseguimento da guerra civil. Além disso, havia assuntos políticos urgentes a decidir em Roma, já que ele havia sido, recentemente, nomeado Ditador.

Por isso mesmo, até hoje é motivo de espanto entre os analistas o fato de César, deixando de lado a sua premente situação, ter ficado até abril de 47 A.C. no Egito, ou seja, mais de dois meses. E, segundo a narrativa de Suetônio, os amantes aproveitaram esse tempo para fazer um idílico cruzeiro romântico e turístico pelo Nilo, visitando os antigos monumentos da milenar civilização egípcia na barcaça real de Cleópatra, que se chamava Thalamegos e tinha remos de prata. Este inusitado interlúdio amoroso somente foi interrompido pelo fato dos soldados romanos que acompanhavam César terem se recusado a continuar até a Etiópia:

“Ele também teve casos com rainhas, incluindo Eunoe, a Moura, esposa de Bogudes, para quem, e também ao marido, ele deu vários presentes esplêndidos, como escreve Naso; Mas, acima de todas, com Cleópatra, com quem ele frequentemente festejava até o amanhecer, e com quem ele teria ido até a Etiópia, atravessando o Egito, na barcaça real dela, se os seus soldados não tivessem se recusado a segui-lo. No final, ele chamou-a para Roma, e não deixou-a ir até que ele a cobrisse de honrarias e de ricos presentes; E ele até permitiu que ela desse o seu nome à criança que ela carregava. De fato, de acordo com certos autores gregos, essa criança parecia muito com César, fisicamente e no jeito de andar. Marco Antônio declarou ao Senado que César tinha realmente reconhecido o menino, e que Gaius Matius, Gaius Oppius, e outros amigos de César, sabiam disso”.

Suetônio, Vida de Júlio César, 52, 1-2
Barcaça de Cleópatra, de Henri Pierre Picou, 1891, foto Internet Archive Book Images, No restrictions, via Wikimedia Commons
Detalhe do famoso mosaico romano retratando cenas do rio Nilo, no Museu Nacional de Palestrina, por amelia.boban, CC BY-SA 3.0 https://creativecommons.org/licenses/by-sa/3.0, via Wikimedia Commons

Em abril de 47 A.C., César foi para a Capadócia lutar contra o rei Farnaces II, que havia se aproveitado da guerra civil romana para invadir a região e tentar retomar o antigo reino de seu pai, o Ponto, deixando no Egito quatro legiões para apoiar Cleópatra e vigiar eventuais ações contra os interesses romanos. Em 2 de agosto de 47 A.C., essa guerra na Ásia já estava terminada, com a vitória romana na Batalha de Zela. A campanha foi tão rápida, que levou César a dizer uma de suas frases célebres: “Veni, vidi, vinci” (Vim, vi e venci).

De fato, o tempo ocioso passado no Egito dera tempo às forças remanescentes do falecido Pompeu e do Senado de se reorganizarem na Áfric, obrigando César a ter que se deslocar para lá, mas, mesmo assim, ele conseguiu vencer as Batalhas de Ruspina, em 04 de janeiro de 46 A.C. e de Tapsos, em 6 de abril de 46 A.C., na qual foram eliminados seus grandes opositores, Catão, o Jovem, e Metelo Cipião.

A Guerra Civil  ainda não estava terminada, já que restava um importante foco de resistência na  Hispânia, centrado em Córdoba, que era liderado pelos filhos de Pompeu. Por sua vez,  nessa campanha, os exércitos de César  eram comandados pelos seus lugar-tenentes, Quinto Fábio Máximo e Quinto Pédio. Não obstante, Cleópatra e César julgaram a situação suficientemente segura para que a rainha fizesse uma espetacular visita à Roma, no final de 46 A.C, acompanhada de Ptolomeu XIV, para assistirem ao Triunfo de César.

Cleópatra em Roma. Grandes esperanças e decepções.

Em Roma, Cleópatra foi recebida por César com toda a pompa que os monarcas helenísticos estavam acostumados a ter. Mas, para manter as aparências, uma vez que ele era casado com a sua esposa romana Calpúrnia, a rainha e o seu irmão-consorte ficaram hospedados nos Horti Caesaris, a propriedade com grandes jardins que o Ditador possuía do lado de fora das muralhas de Roma, às margens do rio Tibre. Lá, ela era visitada pelos mais ilustres membros da sociedade romana, incluindo Cícero, que se queixou da rainha egípcia em uma carta. a seu amigo Atticus. Nesta missiva, o célebre político e orador romano confessa que detestava Cleópatra, de quem não suportava a arrogância, e se queixa de que a rainha não teria cumprido uma promessa relativa a “assuntos literários” (talvez, quem sabe, algum livro raro da Biblioteca de Alexandria no qual Cícero estaria interessado?).

Dião Cássio afirma que essa recepção à Cleópatra comprometeu a imagem de César perante a opinião pública, o que tanto pode se referir apenas à classe senatorial, como à população em geral. Ciente, ou não disso, durante a estadia de Cleópatra e Ptolomeu, César providenciou para que eles recebessem o título de “Amigos e Aliados do Povo Romano“.

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Estátua de Cleópatra, no Museo Pio Clementino, parte dos chamados Musei Vaticani. A imagem possui o diadema real, o penteado “melão”, o nariz adunco e outros traços faciais correspondentes às de outros retratos identificados como o da rainha. É, indiscutivelmente, uma estátua de Cleópatra. Foto:.Vatican Museums, Public domain, via Wikimedia Commons

Em setembro de 46 A.C., César celebrou o seu grande triunfo pelas ruas de Roma, celebrando suas vitórias desde a Gália até o Egito, e que durou espantosos dez dias. Nessas procissões triunfais, foram exibidos, como cativos, o chefe gaulês Vercingetórix, e Arsinoe IV,  a irmã de Cleópatra. Porém, Dião Cássio menciona que a visão da jovem Arsinoe sendo levada acorrentada em um carro inspirou compaixão na multidão, que ficou com pena da menina de apenas 17 anos de idade (estimativa mais baixa). Essa inesperada reação do público forçou César a poupar a vida de Arsinoe, contrariamente á tradição de executar o líder inimigo cativo após o evento, e então ela foi enviada para residir no Templo de Artémis, em Éfeso, um tradicional santuário para perseguidos políticos e fugitivos da justiça.

No dia 26 de setembro, último dia de seu triunfo, César inaugurou o chamado Fórum de César, próximo ao Fórum Romano, cujo espaço já estava ficando insuficiente para abrigar o público. E dentro do Fórum de César foi erguido o Templo de Vênus Genitrix (Vênus Genitora), divindade que ele associava ao culto da sua  própria genealogia, pois os Júlios alegavam ser descendentes de Enéas, que, segundo a mitologia romana, era filho da deusa. E, no precinto do templo, César mandou colocar várias obras de arte, incluindo uma estátua de ouro de Cleópatra, caracterizada como se fosse a deusa egípcia Ísis.

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(Fórum de César, com o Templo de Vênus Genitrix, onde ficava a estátua de Cleópatra

Porém, no início de 45 A.C., Fábio Máximo e Quinto Pédio pediram a intervenção de César, pois eles estavam em situação difícil na Espanha, sitiados pelos exércitos dos Optimates, liderados por Cneu e Sexto Pompeu, além de Labieno, um general ex-partidário de César. Assim, César deixou Roma às pressas e foi para a Espanha. Não sabemos se Cleópatra e o irmão voltaram para o Egito, mas após derrotar definitivamente os adversários na Batalha de Munda, em 17 de março de 45 A.C., o último conflito da Guerra Civil, César retornou para Roma.

Em fevereiro de 44 A.C., na celebração do festival das Lupercais, Marco Antônio tentou, por 3 vezes, colocar um diadema de ouro na cabeça de César. O diadema era um tipo de coroa em forma de aro que simbolizava a realeza nos reinos helenísticos, como era o caso do Egito. Com efeito, Cleópatra, inclusive, assim como os seus antepassados ptolomaicos e os seus congêneres macedônios, selêucidas, atálidas, etc., era quase sempre retratada usando um diadema.

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Portanto, além de parecer uma óbvia manifestação de um projeto monárquico, seja de César ou de seus partidários, o gesto de Antônio, ao menos indiretamente, pode muito bem ter sido associado à relação de César com Cleópatra: Tencionariam ambos reinar sobre o mundo como um casal real? Seria aquela união uma repetição da política de Alexandre, o Grande, que costumava casar-se com as rainhas dos países que ele conquistava? Sintomaticamente, Cícero, que estava presente na ocasião, desconfiado, chegou a perguntar “de onde teria vindo aquele diadema”…

O fato é que o incidente com o diadema nas Lupercais sem dúvida desencadeou, ou ao menos apressou, a execução da conspiração para assassinar César.

Quando, em 15 de março de 44 A.C., César foi assassinado na Cúria de Pompeu, por um grupo 60 senadores, Cleópatra e seu filho Caesarion ainda estavam em Roma. E, certamente, no grande caos que se seguiu ao assassinato, a rainha egípcia deve ter temido pela segurança de ambos, mas, mesmo assim, ela ainda ficaria em Roma até meados de abril.

Teria sido esse período de aproximadamente um mês que Cleópatra ficou em Roma após o assassinato de César decorrente da sua esperança de que Caesarion obtivesse algo de grande monta no testamento do Ditador falecido? Quem sabe o esperado reconhecimento póstumo da paternidade do menino, ou, ao menos, quem sabe, algum grande legado. Porém, segundo as fontes, o testamento não continha nenhuma menção a Caesarion, mas, ao contrário, a última vontade de César oficializava a adoção do sobrinho-neto dele, Gaius Octavius Thurinus (ou Otaviano, como ele passou a ser chamado, que mais tarde se tornaria o futuro imperador Augusto), que, além de filho adotivo, tornou-se o herdeiro político de César e, além disso, recebeu dois terços da imensa fortuna do tio-avô.

De volta ao Egito e reinado “junto “com Caesarion.

Otaviano, que estava na Ilíria recebendo treinamento militar para participar, junto com César, na planejada campanha contra a Pártia, chegou à Roma em 06 de maio de 44 A.C., ocasião em que Cleópatra já tinha voltado para o Egito. Aliás, essa missão de Otaviano, juntamente com outras ações do Ditador em favor do sobrinho neto, não deixam muitas dúvidas de que César jamais planejou tornar o filho de Cleópatra seu herdeiro.

De volta ao Egito, Cleópatra passou a reinar sozinha, e o seu irmão e marido oficial, Ptolomeu XIV, era faraó apenas no papel. Mas, em algum momento, entre o final de julho e o final de agosto de 44 A.C., Ptolomeu XIV morreu. Suspeita-se, com boa dose de probabilidade, que ele tenha sido assassinado por ordem de sua irmã e consorte.

Assim, em 02 de setembro de 44 A.C., com a tenra idade de três anos Caesarion foi coroado Faraó do Egito, com o nome oficial de Ptolemaios XV Philopator Philometor Caesar, passando a reinar oficialmente ao lado da mãe, que, obviamente, era quem detinha todo o poder.

Relevo no Templo de Dendera, retratando Cleópatra, personificada como Ísis., e Caesarion, como faraó. Foto de Olaf Tausch, CC BY 3.0 https://creativecommons.org/licenses/by/3.0, via Wikimedia Commons

Cleópatra iniciou a construção de um templo em honra de César, o Caesareum, em Alexandria. Ela mandou retirar quatro imensos obeliscos erguidos por faraós das 18ª e 19ª dinastias do Antigo Egito para decorar o templo. Aliás, um destes obeliscos, conhecido como a “Agulha de Cleópatra“, foi doado pelo Quediva do Egito aos Estados Unidos, no século XIX e encontra-se no Central Park, em Nova York. Cleópatra construiu também outros templos e até uma sinagoga para os judeus, em Alexandria (estima-se que mais de 100 mil habitantes da cidade eram judeus).

Reconstituição do Caesareum de Alexandria, com o obelisco ao fundo, por Franck devedjian, CC BY-SA 4.0 https://creativecommons.org/licenses/by-sa/4.0, via Wikimedia Commons

Enquanto isso, a situação política em Roma permanecia confusa: Marco Antônio e Otaviano apresentavam-se como herdeiros políticos de César, cada um tendo seus partidários e exércitos. No início, houve confronto entre ambos, e o Senado tentou se aproveitar disso para reassumir o controle do Estado, aliando-se aos assassinos de César. Todavia, os numerosos veteranos de Júlio César não gostaram nem um pouco disto. Assim, Antônio e Otaviano se associaram a outro correligionário de César, o general Marco Emílio Lépido e os três assumiram o governo, formando o chamado “Segundo Triunvirato“, em 43 A.C.. O Senado, acuado, assentiu com o governo dos três pelo prazo de cinco anos, mas, neste ínterim, os assassinos de César, que se autoentitulavam Liberatores (“Os Libertadores”), tinham conseguido fugir da Itália e levantar alguns exércitos, encontrando apoio entre alguns governadores simpáticos à causa deles, conseguindo, com isso, controlar a Grécia a Macedônia e a Síria.

Começava, assim, uma nova guerra civil romana e, como não era de surpreender, em pouco tempo chegaram ao Egito duas mensagens pedindo o apoio militar de Cleópatra: uma delas enviada pelo governador da Síria, Públio Cornélio Dolabela, um ex-partidário de César, que, tendo inicialmente aderido à causa dos Liberatores, e assim obtido a sua nomeação, resolveu mudar de lado novamente e apoiar o Segundo Triunvirato; a outra, de Caio Cássio Longino (Cássio), o principal líder, juntamente com Bruto, da conspiração que assassinara César. Inclusive Cássio, que conseguira apoio na Síria, tinha sido designado pelo Senado para substituir Dolabela, em uma decisão tomada antes do reconhecimento do Segundo Triunvirato. Agora, ambos lutavam pelo controle da Síria.

Cleópatra respondeu a Cássio que o seu reino estava mergulhado em problemas internos. Porém, ela permitiu que as quatro legiões que César tinha deixado no Egito se juntassem à Dolabela, além de lhe fornecer alguns navios. Em troca, Dolabela conseguiu que o Senado, agora controlado pelos Triúnviros, reconhecesse Caesarion como rei do Egito.  Entretanto, não só as legiões que Cleópatra enviou do Egito foram capturadas por Cássio, como Serapion, o governador que Cleópatra havia nomeado para o Chipre, resolveu se juntar a ele, fornecendo-lhe vários navios. Este último fato talvez seja um indício de que a estratégia de Cleópatra era a de tentar ficar bem com os dois lados, e esperar para ver quem iria prevalecer.

Então, na Batalha de Fílipos, travada em duas etapas, em 03 e 23 de outubro de 42 A.C., Marco Antônio e Otaviano derrotaram os exércitos de  Bruto e Cássio, que se suicidaram.

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(Mapa do mundo romano, após a Batalha de Fílipos, por ColdEel)

Romance com Marco Antônio

Após a Batalha de Fílipos, Antônio passou a controlar a maior parte das províncias orientais da República Romana, enquanto Otaviano passou a mandar no Ocidente. Porém, dentre as suas primeiras medidas, Antônio resolveu apurar as responsabilidades daqueles que tinham apoiado Bruto e Cássio contra o Segundo Triunvirato. Assim, de acordo com o relato de PlutarcoAntônio mandou convidar Cleópatra para uma audiência em Tarsos, na Cilícia, parte da atual Turquia, onde ele estava aquartelado, no verão de 41 A.C.,  já que ela tinha sido acusada de ter fornecido dinheiro e navios a Cássio. Como a rainha não respondeu às várias cartas remetidas, Antônio enviou um assessor, Quintus Dellius,  para tentar convencer Cleópatra a se encontrar com ele em Tarsos. Então, segundo, Plutarco:

“Ela foi  convencida por Dellius, e, levando em consideração as evidências que, antes disso, ela tinha percebido acerca do efeito que a beleza dela teve sobre Júlio César e Cneu, o filho de Pompeu, ela esperava que Antônio cairia mais facilmente aos pés dela. Pois, César e Pompeu a tinham conhecido quando ela ainda era uma garota inexperiente nas coisas, mas agora ela iria visitar Antônio exatamente na idade em que a beleza das mulheres é mais brilhante e elas estão no pico da sua capacidade intelectual. Consequentemente, ela levou consigo muitos presentes, dinheiro e ornamentos que, naturalmente, a sua alta posição e o seu reino próspero tornavam possível, porém, ela partiu colocando a maior confiança em si mesma, e no charme e no feitiço de de sua própria pessoa.”

Plutarco, Vida de Antônio, 25, 3

E Cleópatra não estava errada.  Ela chegou a Tarsos de forma arrasadora e deslumbrante, na sua barcaça-real Thalamegos, a mesma embarcação que a levara junto com César no cruzeiro romântico pelo Nilo. Plutarco descreve a cena:

“Ela muito menosprezou e se riu daquele homem, ao ponto de subir o rio Cydnus em uma barcaça de proa dourada, cujas velas abertas tinham cor púrpura e cujos remadores remavam com remos de prata. ao som de flautas misturados com órgãos de tubo e alaúdes. Ela própria ia reclinada sob um toldo salpicado de ouro, adornada como Vênus em uma pintura, enquanto meninos, também como Amores em uma pintura, ficavam de cada lado abanando-a. Da mesma forma, as mais belas criadas, vestidas como Nereidas e Graças, estavam a postos, algumas nas voltas dos lemes, e o outras nas cordas esticadas. Maravilhosos odores de incontáveis incensários se espalhavam ao longo das margens do rio. Alguns dos habitantes acompanhavam-na em cada margem do rio desde a embocadura, enquanto outros desceram da cidade para observar aquela cena. Então, a multidão no mercado gradualmente foi se dispersando, até que o próprio Antônio, sentando no seu tribunal,  ficou sozinho. E um rumor se espalhou por toda parte de que Vênus tinha vindo para se divertir com Baco pelo bem da Ásia.”

Plutarco, Vida de Antônio, 26,1-3
Cleópatra navegando pelo rio Cygnus para encontrar Marco Antõnio, 1892, Óleo de Henryk Siemiradzki, Public domain, via Wikimedia Commons

Antônio foi jantar na barcaça de Cleópatra, toda iluminada, e foi recebido com todo o luxo e sofisticação decorrentes de  séculos de refinamento egípcio e grego, os quais faziam os romanos parecerem rudes camponeses. No dia seguinte, o triúnviro tentou retribuir, em terra, o banquete, mas, segundo Plutarco, ele não conseguiu nem chegar perto. Vale a pena, contudo, transcrever, nesse episódio, mais uma descrição da rainha:

“Cleópatra via nos gracejos de Antônio muito de soldado e de plebeu, e ela também adotou esses modos com ele, sem hesitar e audaciosamente. A beleza dela, de acordo com o que nos foi dito, em si mesma não era de todo incomparável, nem tanta que impactasse aqueles que a viam, mas a sua presença tinha um charme irresistível, e havia uma atração na sua pessoa e na sua conversa, que, junto com a peculiar força de  sua personalidade, em cada palavra ou gesto, deixavam todos que se envolvessem com ela enfeitiçados.”

Plutarco, Vida de Antônio, 27, 1

Não surpreende, assim, que a acusação contra Cleópatra tenha sido descartada; Antônio, inclusive, entregou-lhe Serapion, o ex-governador egípcio de Chipre que ajudara Cássio, e a rainha mandou imediatamente executá-lo. Mas Antônio também atendeu a um outro pedido de Cleópatra, este muito mais sombrio: Ele mandou executar a irmã dela, Arsinoe IV, que, como vimos, estava custodiada no Templo de Artémis, em Éfeso, apesar de este ser um santuário reconhecido por todo o mundo helenístico (e listado entre as Sete Maravilhas). Com efeito, a execução da jovem, de apenas 22 anos de idade, morta nas próprias escadarias do templo, em desrespeito à santidade do santuário, foi considerada um grande escândalo em Roma, e este fato mancharia as reputações de Antônio e Cleópatra.

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Reconstrução do Templo de Artémis, em Éfeso, uma das 7 maravilhas do mundo antigo e local da execução de Arsinoe. Por Zee Prime at cs.wikipedia, CC BY-SA 3.0 http://creativecommons.org/licenses/by-sa/3.0/, via Wikimedia Commons

Nota: Hilke Thür, uma arqueóloga austríaca, afirmou que os vestígios de uma tumba descoberta há várias décadas, em Éfeso, continham restos mortais que poderiam ser de Arsinoe. A tese decorre do fato da tumba ser octogonal, lembrando o formato do célebre Farol de Alexandria, e da data estimada da construção bater com o período em que Arsinoe viveu em Éfeso. Todavia, a análise do esqueleto mostrou que tratava-se de uma jovem cuja idade estava entre 15 e 18 anos na data da morte, um tanto jovem demais para ser Arsinoe, de acordo com os historiadores (ver https://www.livescience.com/27459-cleopatra-sister-discovery-controversy.html).

Os “Inimitáveis Viventes

Em novembro de 41 A.C., Antônio visitou Alexandria, a convite de Cleópatra, e o caso entre os dois não era mais segredo para ninguém. Eles passavam o tempo em fantásticos banquetes, rindo e se divertindo, entre eles e com amigos. Plutarco conta que os dois amantes fundaram uma espécie de sociedade, que eles batizaram de “Os Inimitáveis Viventes“, o que por si só dá uma ideia do prazer que ambos estavam tendo na companhia um do outro (É interessante observar que, em sua “Vida de Antônio“, Plutarco menciona que ouviu esses relatos de seu próprio avô, que conviveu com uma testemunha ocular).

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Cleópatra e Antônio passavam o dia e a noite inteira juntos, e nem mesmo as brincadeiras e arruaças que eles costumavam cometer pelas ruas de Alexandria pareciam deixá-los mal com a população da cidade. Plutarco:

“Ela jogava dados com ele, bebia com ele, caçava com ele e o assistia enquanto ele treinava com armas; e, quando à noite, ele se postava nas portas ou janelas da gente comum da cidade e zombava daqueles que se encontravam dentro das casas, ela ia junto, nessas suas sessões de maluquices, vestindo um traje de serva, porque Antônio também tentava se disfarçar de servo. Por conta disso, ele sempre recebia uma batelada de insultos, e, frequentemente, de pancadas, antes de voltar para casa, embora a maioria das pessoas suspeitasse quem ele era. Entretanto, os alexandrinos adoravam os modos  engraçados e civilizados deles; Eles gostavam dele, e diziam que ele usava uma máscara de teatro trágica com os romanos, porém,  quando estava com eles, ele punha uma máscara de comédia“.

Afresco da Casa dos Amantes Castos, em Pompéia, por WolfgangRieger, Public domain, via Wikimedia Commons

Entre as estórias deliciosas do romance entre os dois, Plutarco conta que Antônio, incomodado pelo fato de Cleópatra estar assistindo uma pescaria na qual ele não havia conseguido pescar nada, certa vez mandou que um pescador mergulhasse e prendesse um peixe enorme, mas já pescado, na linha dele para impressionar a amante. Cleópatra percebeu a trapaça, mas não deu recibo, fingindo ficar admirada com a destreza de Antônio. Na pescaria seguinte, ela convidou todos os amigos do casal e mandou que outro mergulhador prendesse um arenque defumado no anzol de Antônio, e quando ele puxou a linha, todos caíram na gargalhada.

Mas toda essa diversão não significa que Cleópatra descurasse dos assuntos de governo. No início do reinado dela, por exemplo, ela ordenou que os grãos armazenados nos celeiros reais fossem distribuídos para aliviar os efeitos da seca. E, no decorrer de seu governo, ela decretou uma reforma monetária e promulgou leis instituindo monopólios e de controle de preços, pois o Egito vivia em duradoura crise econômica decorrente de problemas climáticos e do pagamento das dívidas com Roma.

Inclusive, chegou até os nossos dias um papiro, datado de 33 A.C., registrando uma isenção de impostos dada a um romano relacionado a Antônio, assinado pela própria Cleópatra, que constitui um dos raríssimos casos de escrita manuscrita de um governante da antiguidade. O texto com a parte dispositiva do papiro foi produzido por um escriba, mas, no final do documento, a rainha escreveu, de próprio punho: “Faça-se com que aconteça“.

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Ancient Ptolemaic-period scribe(s) as well as Cleopatra VII of Egypt who offered her signature on the document, Public domain, via Wikimedia Commons

Todavia, Marco Antônio era casado com a rica e poderosa Fúlvia, que naquele momento não apenas representava os interesses do marido em Roma, mas agia e dava as cartas na política romana por conta própria, pois herdara as conexões políticas de seu ex-marido, o populista e demagogo Clódio. Inclusive, para selar a aliança do Segundo Triunvirato, Otaviano casou-se com Clódia, filha de Clódio e de Fúlvia. Mesmo assim, Fúlvia se opôs a algumas medidas de Otaviano e conseguiu reunir oito legiões para defender os interesses de Antônio. Então, houve um conflito armado na Itália, no final de 41 A.C, entre as tropas de Otaviano e essas legiões reunidas por Fúlvia, comandadas por Lúcio Antônio, irmão caçula de seu marido, que acabaram sendo sitiadas na cidade de Perugia. Mas, em fevereiro do ano seguinte, Lúcio Antônio acabou se rendendo e Fúlvia foi obrigada a fugir da Itália para a Grécia, levando junto os seus filhos. Por isso, Antônio, já no ano seguinte, foi encontra-la em Atenas, onde ele censurou a esposa por ter desencadeado o conflito.

Segundo o historiador Apiano, o motivo principal para Fúlvia ter provocado a guerra contra Otaviano teria sido o desejo dela de obrigar Marco Antônio a deixar Cleópatra e voltar para a Itália. Esse motivo, entre outros, também é mencionado por Plutarco, mas o mais provável é que a motivação tenha sido política.

Entretanto, ainda em 40 A.C., Fúlvia morreu, próximo a Corinto, aparentemente de alguma doença, e isso foi um pretexto para Antônio e Otaviano reconciliarem-se publicamente, na Itália, alegando que as suas desavenças tinham sido provocadas pela falecida. Então, para selar essa reconciliação, Antônio casou-se, em outubro de 40 A.C, com Otávia, a Jovem, a bela irmã mais velha de Otaviano (ela, aliás, nasceu no mesmo ano que Cleópatra). Pouco depois, em Brundisium (Brindisi), os Triúnviros dividiram formalmente entre eles o território romano, celebrando o chamado Tratado de Brundisium.

Sintomaticamente, Dião Cássio faz questão de observar que, durante as negociações, em que as partes se ofereceram banquetes, Otaviano se apresentava vestido com uniforme romano de general, enquanto que Antônio  vestia trajes egípcios e orientais, mas, segundo Plutarco, embora, nessa época, Antônio estivesse apaixonado pela rainha egípcia, ele ainda não admitia a possibilidade de tê-la como esposa, mostrando que, ao menos politicamente, a sua razão continuava a prevalecer sobre a emoção. 

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Busto de Otávia, a Jovem, irmã de Otaviano, foto de Giovanni Dall’Orto

No final de 40 A.C., Cleópatra deu a luz a um casal de gêmeos, que receberam os nomes de Alexandre e Cleópatra. As crianças eram filhas naturais de Antônio, mas, legalmente para os romanos, era preciso que Antônio reconhecesse as crianças, para que o fato gerasse efeitos jurídicos relevantes.

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Busto de Cleópatra |Selene II, filha de Cleópatra e Marco Antônio, no Museu de Cherchell, Argélia. Por PericlesofAthens, CC0, via Wikimedia Commons

Nessa período, Antônio estava envolvido com assuntos importantes: primeiro com o conflito de Fúlvia contra Otaviano e, em seguida, com a invasão da Síria pelos Partos, liderados por Pacorus, filho do rei Orodes. Contudo, sabe-se que, no intervalo dessas guerras, Antônio passou o início do ano de 40 A.C. em Alexandria, que deve ter sido quando Cleópatra engravidou dos gêmeos.

De qualquer forma, pouco tempo antes ou depois dos gêmeos de Cleópatra nascerem, conforme já mencionamos, Antônio já estava morando com sua nova esposa, Otávia em Atenas, cidade em que o casal foi residir depois da celebração do Tratado de Brundisium. Sabemos que, em agosto ou setembro de 39 A.C., nasceu a primeira filha do casal, Antônia, a Velha. Sem dúvida, Antônio não negligenciava os deveres de amante, e muito menos os de marido…O seu comportamento, contudo, continuava a escandalizar os romanos: ele se autodenominou “Dionísio” e promovia festas em que se apresentava vestido como este deus.

Como não deve causar espanto, tudo indica que a relação entre Cleópatra e Antônio esfriou a partir do nascimento da filha dele com Otávia. O romano, agora, governava a partir do lar conjugal deles, em Atenas, o que, sem dúvida, enfraquecia os projetos mais ambiciosos de Cleópatra, pois, desse modo, Alexandria deixava de ser o centro do Mundo Helenístico.

Não obstante, o fato das atenções de Antônio, e de Roma, no Oriente estarem totalmente voltadas para a guerra contra os Partas, enquanto que Otaviano tinha que lidar com a oposição armada de Sexto Pompeu, o filho de Pompeu, o Grande, que controlava a Sicília, ao Segundo Triunvirato, deixava a rainha com considerável margem de atuação política.

Com efeito, Cleópatra já podia se orgulhar dela não só ter mantido a independência do Egito ante Pompeu e César, durante a Guerra Civil romana, mas também de ter persuadido Antônio de restaurar vários territórios que historicamente fizeram parte do império ptolomaico, tais como Chipre e a Cilícia.

Também sob Cleópatra, o Egito havia voltado a ser um ator influente na política do mediterrâneo oriental: De fato, em dezembro de 40 A.C., ela recebeu como refugiado o tetrarca e futuro rei Herodes, o Grande, da Judéia, um aliado de Antônio, mas que tinha sido obrigado a se exilar pelo rival Antigonos II Mattathias, que tomou o trono apoiado pelos Partas. Mas Cleópatra nunca escondeu que o seu desejo era restaurar o império ptolomaico em sua máxima extensão, o que incluía a Judéia. Assim, Herodes acabou indo procurar ajuda em Roma.

Por outro lado, quando a relação entre Antônio e Otaviano voltou a ficar conflituosa, Otávia foi fundamental para apaziguar o marido e o irmão. e até conseguiu convencer este a ceder tropas para a campanha de Antônio contra os Partas. Esta campanha estava sendo bem conduzida pelo lugar-tenente de Antônio, que, entre 39 e 38 A.C., obteve várias vitórias, culminando com a derrota e morte de Pacorus. E a morte do príncipe parta causou muita instabilidade na Pártia, resultando que o rei Orodes acabasse sendo assassinado, junto com boa parte da sua família, pelo próprio filho, Fraates IV, que assumiu o trono. Este era um nítido sinal de fraqueza que estimularia Antônio a buscar a glória de anexar o Império dos Partas, que, menos de duas décadas antes, tinha infligido dura derrota aos romanos, aniquilando as legiões de Crasso, em Carras.

Ao mesmo tempo, estava chegando ao fim o mandato de cinco anos que o Senado dera aos Triúnviros para governar a República, que ia até 31 de dezembro de 38 A.C.. Em um encontro intermediado por Otávia, Otaviano e Marco Antônio se encontraram em Tarento, já em 37 A.C., e concordaram em impor a renovação da aliança até 33 A.C. Entre as cláusulas do chamado Tratado de Tarento estava o fornecimento por parte de Otaviano de duas legiões completas, mais auxiliares, cerca de 20 mil homens, para a planejada campanha de Antônio contra os Partas.

Antônio voltou para o Oriente ainda em 37 A.C., deixando, na Itália, Otávia, grávida da segunda filha deles, Antônia, a Jovem, que nasceria em 31 de janeiro de 36 A.C. Na narrativa sobre o Tratado de Tarento, Plutarco menciona passagens que denotam que Otávia de fato amava o marido.

Porém, Otaviano deixou de cumprir o compromisso de fornecer as prometidas tropas a Antônio para a campanha contra os Partas. Em vez de 20 mil, só foram enviados 2 mil, dez por cento do prometido e que não representavam grande ajuda.

Busto de Antônia, a Jovem, na Ny Carlsberg Glyptotek, Public domain, via Wikimedia Commons

Consequentemente, precisando de soldados, e também de dinheiro, Antônio, por conveniência ou não, lembrou-se de sua rica e poderosa amante em Alexandria. Instalado em Antioquia, quartel-general das operações, Antônio mandou chamar Cleópatra para uma conferência. A rainha chegou, como sempre, em grande estilo, e desta vez trazendo os gêmeos Alexandre Helios (Sol) e Cleópatra Selene (Lua), que, pela primeira vez, iriam ser apresentados ao pai. As crianças estavam com três anos de idade e, provavelmente, foi nesta ocasião que elas receberam os seus segundos nomes e foram reconhecidas oficialmente por Antônio. E esses nomes denotam, sem dúvida, que os pais delas tinham planos bem elevados para o futuro deles…

Em Antioquia, Cleópatra obteve de Antônio importantes concessões: O Egito receberia todo o território da Fenícia, exceto Tiro e Sidon, e a cidade de Ptolemais Akko, fundada pelo seu antepassado Ptolomeu II. Cleópatra também recebeu a região da Síria-Coele, uma parte do reino dos Nabateus (parte da atual Jordânia), a cidade de Cyrene, na atual Líbia e duas cidades na ilha de Creta. Em troca, Cleópatra financiaria à campanha de Antônio na Pártia, além de fornecer boa parte do exército egípcio. Isso possibilitou a Antônio armar o que talvez fosse o maior exército jamais reunido pelos romanos, que alguns estimam, provavelmente com algum exagero, em 200 mil homens.

Fazer tantas concessões à Cleópatra, sendo cristalino que elas seriam repudiadas pela opinião pública romana, foi uma aposta muito arriscada de Antônio (e outras concessões ainda maiores seriam feitas no futuro!): Em uma justificativa racional dessa cartada, Antônio deve ter ficado impressionado com os recursos materiais e financeiros que o Egito podia lhe proporcionar e pensou que, com os mesmos, se ele derrotasse o Império Parta, o caminho de eliminar Otaviano e assumir o poder unipessoal em Roma estaria pavimentado. Sem dúvida, Antônio deve ter se sentido próximo de emular a carreira quase mitológica de Alexandre, o Grande, e tanto mais próximo disso ele não estaria, quem sabe, unindo-se matrimonialmente à última remanescente do império macedônio que aquele fundara?

Seja como for, os relatos das principais fontes, notadamente Plutarco e Dião Cássio, dão conta de que, em Antioquia, Cleópatra e Antônio reataram a sua união amorosa. E, dali em diante, eles não se separaram mais, exceto quando chegou o crepúsculo de suas vidas.

Cleópatra chegou a acompanhar Antônio no início da campanha, que começou pela invasão da Armênia, em 36 A.C., mas voltou para Alexandria, já que agora ela estava grávida do seu terceiro filho com Antônio, que nasceu entre agosto e setembro de 36 A.C. O menino recebeu o nome de Ptolomeu Philadelphus.

A campanha de Antônio contra os Partas estava enfrentando altos e baixos. Os romanos até ganharam alguns confrontos, mas sofreram várias emboscadas e foram cercados algumas vezes. Mas a maior causa de baixas foram doenças e o frio do inverno que chegava. As perdas já alcançavam cerca de 30 mil homens, quando Antônio resolveu suspendê-la e retirar-se para a cidade de Leukokome, próximo à Beirute, no atual Líbano.

Quando a notícia da volta de Antônio e do insucesso da sua expedição chegou em Alexandria, Cleópatra partiu para o Líbano, levando mantimentos e dinheiro para pagar as tropas, e lá encontrou Antônio abatido e entregue à bebida., em dezembro de 36 A.C. Em seguida,ambos voltaram para Alexandria, onde ele finalmente pode conhecer o seu segundo filho homem, Ptolomeu Philadelphus.

As Doações de Alexandria

O ano de 35 A.C., começou com Antônio planejando retomar a campanha na Armênia. Otávia, que soube do insucesso da expedição do marido, se propôs a viajar para Atenas levando os dois mil soldados para ajudá-lo na continuação da guerra. Segundo as fontes, esta foi uma tentativa da esposa romana de tentar contrabalançar a influência de Cleópatra e afastar o marido da presença da amante. Consta que seu irmão, Otaviano, permitiu a viagem da irmã e forneceu os soldados, já prevendo que poderia utilizar o episódio como propaganda contra Antônio.

E Otaviano estava certo: Antônio não só não foi ao encontro da sua fiel e dedicada esposa, como ainda lhe deu ordens para que não deixasse Atenas para encontrá-lo no meio trajeto da expedição; todavia, sem demonstrar nenhum constrangimento, Antônio aceitou os soldados que Otávia lhe trouxera. Foi um ultraje para a distinta Otávia, uma ofensa que até justificaria, aos olhos da opinião pública romana,  uma resposta de Otaviano.

Segundo Plutarco, sentindo a ameaça que a volta de Otávia a Atenas e a aparente determinação dela em reconquistar Antônio representavam, Cleópatra valeu-se de vários artifícios românticos e dramáticos para seduzi-lo e mantê-lo preso a ela. O autor narra, entre outros exemplos, que a rainha chegou a fazer um regime para emagrecer, além de passar a usar roupas sensuais e a simular choros. Fantasioso ou não o relato, o fato é que Antônio  adiou por algum tempo a expedição à Armênia e continuou em Alexandria.

Enquanto isso, a quase repudiada Otávia retornou para Roma. Otaviano, como se esperava, utilizou a humilhação da irmã o máximo possível contra a reputação de Antônio. Ele chamou Otávia para morar em sua casa, como uma mostra de que sua irmã não podia mais contar com a proteção do marido. Porém, para a surpresa de muitos. Otávia recusou e foi morar na residência de Antônio, em Roma. Lá, ela continuou cuidando não só das filhas que tinha com ele, mas também dos filhos de Antônio e Fúlvia, demonstrando publicamente que ainda se considerava a legítima esposa do marido. Não é impossível, contudo, que tudo isso também tenha sido combinado com Otaviano, para vitimizá-la ainda mais perante o público romano.

Mas foi o próprio Antônio, estimulado por Cleópatra, quem daria o maior golpe na própria reputação, dando a Otaviano um trunfo gigantesco na disputa entre ambos pelo poder supremo:

No outono de 34 A.C., retornando de uma, enfim, moderadamente bem sucedida campanha na Armênia, Antônio e Cleópatra organizaram em Alexandria uma parada triunfal, sendo que Antônio conduzia o carro vestido de deus Dionísio-Osíris, e na qual a família real armênia foi exibida pelas ruas da cidade, até dois tronos dourados, um para Antônio, outro para Cleópatra. Em seguida, ao povo reunido no Gymnasium , Antônio proclamou solenemente que Cleópatra, que na ocasião  estava vestida como a deusa Ísis, era a “Rainha dos Reis” e “Rainha do Egito, Chipre, Líbia e Sìria-Coele“, junto com seu filho, Caesarion, o “Rei dos Reis“. Alexandre Helios foi nomeado “Rei da Armênia, da Média e da Pártia“. Já Ptolomeu Philadelphus foi designado “Rei da Cilícia e da Síria”, e Cleópatra Selene, por sua vez, a “Rainha de Creta e de Cyrene“. Na cerimônia, Antônio também fez questão de proclamar que Cleópatra tinha sido esposa de Júlio César,  e que o seu filho Caesarion, era o filho legítimo de César.

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Tudo aquilo representava, sem dúvida nenhuma, uma declaração de rompimento com Otaviano e com o próprio Senado Romano. Na verdade, aquela era uma iniciativa que  seria recebida em Roma quase que como uma declaração de guerra, pois, doando-os à amante e aos filhos, abria mão de territórios que faziam parte da esfera de influência de Roma, alguns até já controlados diretamente, ainda que não formalmente anexados.

Essa distribuição de territórios feita por Antônio à Cleópatra e aos seus filhos, um ato que, já naquele tempo, recebeu o nome de “As Doações de Alexandria“, era tão impactante e inacreditável, que, quando a mensagem que Antônio enviara comunicando o decreto ao Senado Romano chegou à Roma, já no ano seguinte, os futuros cônsules Gnaeus Domitius Aehonabarbus e Gaius Sosius, que eram partidários de Antônio, recusaram-se a tornar o documento público, resistindo aos insistentes pedidos de Otaviano!

A “Guerra Fria” entre Antônio e Otaviano

O prazo renovado do Segundo Triunvirato expirou em 31 de dezembro de 33 A.C, não havendo interesse em nova prorrogação. Otaviano e Antônio, então, começaram uma guerra aberta de propaganda, cada um expondo episódios de má conduta, traições, ultrajes, etc., contra o outro, pois já anteviam o conflito que estava por vir e, por antecipação, ambos queriam justificar perante a opinião pública o motivo da  iminente guerra civil, colocando a culpa pelo início da mesma no adversário. E não causou espécie a ninguém que o motivo mais grave alegado por Otaviano foi o fato de Antônio ter reconhecido oficialmente Caesarion como o filho legítimo e herdeiro de Júlio César

Por sua vez, Cleópatra também foi apontada pelos propagandistas de Otaviano como a principal responsável pelas causas do conflito, acusando-se a egípcia ter seduzido Antônio para satisfazer as suas ambições dinásticas. De modo muito parecido com o que acontece hoje, políticos, poetas e escritores divulgavam verdadeiras “fake news“, como por exemplo a de que Cleópatra teria usado de bruxaria para enfeitiçar Antônio. Este também foi acusado de ter doado à amante todos os livros da biblioteca de Éfeso, uma acusação que, posteriormente, mostrou-se inverídica. Da sua parte, Antônio chegou a afirmar que Otaviano somente teria sido adotado por César porque este costumava possuir sexualmente o sobrinho-neto…

Denário de prata de Cleópatra e Antônia, c. 32 A.C. por Classical Numismatic Group, Inc. http://www.cngcoins.com, CC BY-SA 2.5 https://creativecommons.org/licenses/by-sa/2.5, via Wikimedia Commons

Havia outras acusações tão ou mais sérias, segundo a lei romana, que incluíam o fato de Antônio ter iniciado a guerra contra a Armênia e a Pártia sem a necessária autorização do Senado (não ficando claro, contudo, se o mandato como Triúnviro lhe dava poderes para tanto) e ter executado Sexto Pompeu sem julgamento. Por sua vez, Antônio acusou Otaviano de ter removido ilegalmente Lépido da posição de Triunviro (o que ele realmente fez) e se apossado do território que este controlava, a Sicília.

A versão de Otaviano, obviamente, foi aquela que, mais tarde, prevaleceria. Mas o fato é que, naquele momento, Antônio ainda tinha muitos simpatizantes em Roma, inclusive no Senado. De acordo com Dião Cássio, em 1º de janeiro de 32 A.C., primeiro dia de sessão do ano, por exemplo, o cônsul e aliado de Antônio, Gaius Sosius, proferiu um discurso no Senado atacando violentamente Otaviano e propondo a aprovação de uma legislação contrária aos interesses deste.

Otaviano resolveu, então, abandonar os escrúpulos de legalidade e, na sessão seguinte do Senado, no outro dia, compareceu à Cúria acompanhado de sua guarda pessoal e de partidários armados com adagas escondidas sob as togas. Como Otaviano controlava as legiões da Itália, bem como do Ocidente em geral, nos dias seguintes os cônsules Gaius Sosius e Domitius Ahenobarbus, intimidados, abandonaram Roma e partiram para se unir a Antônio na Grécia, sendo acompanhados por mais de duzentos senadores que também apoiavam Antônio.

Fachada da Curia Julia, no Fórum Romano,em Roma, onde o funcionava o Senado Romano. Foto de Thorvaldsson, CC BY-SA 3.0 https://creativecommons.org/licenses/by-sa/3.0, via Wikimedia Commons

A situação era um tanto parecida com a que deflagrara a Primeira Guerra Civil, de César contra Pompeu. Este fugiu para o Oriente, junto com os senadores partidários dos Optimates. Agora, eram os partidários de Antônio que fugiam para encontrá-lo no Leste. E, assim como os historiadores militares consideram que abandonar a Itália foi um grande erro de Pompeu, eu, igualmente, acredito que também foi um grande erro de Antônio ter deixado Otaviano ter o controle total da Itália.  A Itália ainda era o esteio militar do mundo romano, mesmo que o oriente helenístico fosse mais rico e mais populosos, e isso seria mais uma vez demonstrado na nova guerra civil que estava por vir.

Já preparando-se para a guerra, Cleópatra providenciou duzentos navios de guerra para a frota de oitocentas naves que Antônio estava reunindo, além, naturalmente, de muito dinheiro para o esforço bélico. O casal reuniu-se em Éfeso para organizar a campanha contra Otaviano. Segundo as fontes, alguns senadores correligionários de Antônio, sobretudos os amigos dele, Titius e Munatius Plancus, mostraram-se contrariados pela proeminência que Cleópatra demonstrava ter em todas as decisões, e, por sua vez, resolveram partir e aderir a Otaviano.

De acordo com Plutarco, Titius e Lucius Munatius Plancus conheciam os termos do testamento de Antônio, que, conforme o costume, havia sido depositado lacrado em poder das Virgens Vestais, e contaram tudo para Otaviano. Ciente, assim, dos termos da última vontade do rival, Otaviano, ilegalmente, conseguiu se apossar do testamento, que foi aberto e lido por ele em uma sessão do Senado. Entre suas cláusulas, segundo consta, havia a recomendação de Antônio para que o seu corpo fosse entregue à Cleópatra e sepultado em Alexandria. Essa disposição muito convenientemente ia de encontro ao boato que os partidários de Otaviano andavam espalhando por Roma: a de que Antônio, caso vencedor,  pretendia transformar Alexandria na capital do território romano!

A “Guerra contra Cleópatra”

Engenhosamente, o Senado Romano, agora controlado por Otaviano, não declarou guerra a Antônio, apesar dele ser o alvo principal da medida – Preocupados com a opinião pública, e com a posteridade, os senadores formalmente votaram pela declaração de guerra contra Cleópatra, a rainha do Egito, e, assim, todos os tradicionais ritos previstos para uma guerra contra inimigos estrangeiros puderam ser celebrados. Além disso, tal circunstância impedia que os senadores partidários de Antônio fossem considerados desertores ou criminosos, deixando uma porta aberta para o seu retorno. Não obstante, foi decretada expressamente a retirada de todos os poderes que Antônio ainda detinha. Essa preocupação com as aparências, e a necessidade de justificar a guerra pelo poder como um conflito contra uma governante estrangeira, mostra também que o povo devia estar indeciso sobre quem tinha razão no conflito entre os dois líderes romanos.

Se ainda havia alguma dúvida de que o rompimento era definitivo, ainda em 32 A.C, Antônio divorciou-se de Otávia. A partir daquele momento, Cleópatra não precisaria mais temer a rival e, aparentemente, a opinião dela prevaleceria em todos os aspectos, incluindo a estratégia que seria adotada para a guerra…

Contrariando os conselhos dos seus assessores militares mais próximos, que defendiam uma guerra terrestre, já que, nominalmente, eles possuíam mais tropas do que Otaviano (aproximadamente cerca de 100 mil homens, contra 80 mil de Otaviano), Antônio seguiu a vontade de Cleópatra, que defendia que Otaviano deveria ser derrotado no mar, pela frota composta, em parte apreciável, pelos navios egípcios. E os navios da frota de Antônio, de fato, eram mais numerosos e maiores do que os de Otaviano.

Mas o motivo principal da estratégia proposta por Cleópatra, na visão de muitos historiadores, era o fato de que uma vitória no mar, travada na Grécia ou na Turquia, protegeria melhor o Egito de um ataque romano, pois nesta batalha, boa parte da frota romana seria destruída. De todo modo, ainda que mais numerosos, os navios de Antônio e Cleópatra tinham um considerável déficit em suas tripulações, em alguns casos havendo menos da metade dos remadores previstos. Além disso, em virtude dessa deficiência, muitos deles não eram remadores experientes, e sim tropeiros, fazendeiros e até meninos.

Os historiadores antigos criticam Antônio por ter cedido às intenções de Cleópatra, mas o mais provável é que ele conhecesse as deficiências do seu efetivo militar. De fato, as próprias fontes dão a entender que o exército de Otaviano era melhor treinado. Não que Antônio não tivesse um núcleo de tropas romanas experimentadas com ele, mas o número de legiões essencialmente romanas de Otaviano parece que era maior. Por outro lado, os recursos financeiros à disposição de Antônio parecem ser ter sido bem maiores, pois as fontes relatam que ele chegou a enviar dinheiro para a Itália para tentar subornar partidários de Otaviano, que realmente ficou bem preocupado com essa possibilidade.

A Batalha de Actium

Consta que Antônio chegou a tentar um avanço naval até Corcyra, atual Corfu, na fronteira da atual Grécia com a Albânia, o que o colocaria bem próximo de poder atacar a costa italiana, mas, ao encontrar unidades navais da frota de Otaviano, ele desistiu e voltou para o Golfo Ambraciano, ou Golfo de Actium, na costa setentrional da Grécia, no final de 32 A.C.. Assim, quem tomou a iniciativa foi Otaviano. Ele zarpou para a Grécia e se dirigiu para Actium, local onde, agora, Antônio e Cleópatra tinham estabelecido o seu quartel-general das operações e reunido sua imensa frota. Enquanto isso, seu almirante, Marcus Vipsanius Agrippa (Agripa), tomou Corcyra e lá instalou uma base para as operações contra Antônio.

Otaviano desembarcou suas tropas no lado oposto do Golfo Ambraciano e enviou emissários aos comandantes de Antônio propondo uma negociação, proposta esta que foi recusada. Porém, nas escaramuças que se seguiram com as tropas de Antônio, estacionadas ao longo de Actium, as forças de Otaviano levaram a melhor. Começaram, então, a pipocar deserções entre os aliados de Antônio, que incluíam quase todos os reinos-clientes de Roma no Oriente, tais como Amynthas, da Galatia, e Deiotarus, da Paflagônia, além de amigos romanos de longa data, como Quintus Dellius, que fugiu e foi se juntar a Otaviano, fornecendo a este informações valiosas sobra o estado da frota e os preparativos de Antônio.

De acordo com o relato de Dião Cássio, nessa fase da campanha, Cleópatra fez prevalecer a opinião dela de que as posições mais defensáveis deveriam ser ocupadas por guarnições militares, mas que ela e Antônio, juntamente com o grosso das tropas, deveriam rumar para o Egito. Assim, parece realmente que o que importava mesmo para a rainha era a defesa do Egito e, para Antônio, que ele pudesse continuar contando com o suporte financeiro e militar de Cleópatra, dinheiro que, cada vez mais, aparentava ser o elemento fundamental para a coesão do seu exército.

Tendo em vista que o número de marinheiros era insuficiente para tripular adequadamente todos os navios da sua frota, Antônio ordenou que aqueles em mau estado fossem queimados, e selecionou os melhores. Ele e Cleópatra também ordenaram que, secretamente, todo o tesouro fosse embarcado neles.

No dia 02 de setembro de 31 A.C, Antônio ordenou que os navios zarpassem e se colocassem de costas para o promontório de Actium, ao pé do qual suas sete legiões estavam acampadas, e de onde podiam assistir às manobras. Sua frota agora era composta de 230 grandes galeras.

Segundo os relatos, a nau-capitânia de Antônio zarpou com as velas abertas, o que não era comum em ordem de batalha, levantando a suspeita entre alguns historiadores de que, desde o início, a intenção dele era chegar ao mar aberto e, aproveitando-se do vento noroeste que soprava a seu favor, fugir em direção à Alexandria. Ele formou seus três esquadrões em duas linhas, à frente dos navios mercantes que levavam o tesouro e dos navios que escoltavam Cleópatraque seguia, atrás, embarcada em sua nau-capitânia, batizada de “Antonias“.

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(Mapa de Future Perfect at Sunrise, on the basis of work by User:Lencer and User:Leo2004)

Comandada por Agripa, a frota de Otaviano tinha 250 quinquerremes, navios menores, porém mais rápidos e manobráveis do que os da frota de Antônio. Graças às informações fornecidas por Quintus Dellius, entretanto,  Otaviano e Agripa tinham ciência dos planos de Antônio, e estavam preparados, esperando a frota inimiga.

Ao meio-dia, Antônio deu ordem de avançar. Sua ala esquerda deu a impressão de querer empurrar à ala direita da frota de Otaviano para o norte e abrir um caminho em direção ao sul (bombordo), que poderia levar ao Egito, porém, Otaviano, parecendo estar ciente desse propósito, mandou os navios manterem distância, atraindo mais o inimigo para o alto-mar.

Quando ambas as frotas ficaram mais próximas, começaram os disparos de artilharia e flechas. Agripa ordenou que os navios de sua segunda linha se estendessem mais para o norte e para o sul, visando cercar o inimigo em menor número, sendo que Antônio, ao perceber isso, tirou navios do seu centro e esticou a sua linha, deixando no centro os navios mais pesados, que estavam resistindo bem e se dirigindo à direita (estibordo) e ao norte para combater o esquadrão comandado por Agripa. Isso acabou abrindo espaços no centro da sua formação.

Relevos retratando a Batalha de Actium descobertos em Avellino. Por Carole Raddato, CC BY-SA 2.0 https://creativecommons.org/licenses/by-sa/2.0, via Wikimedia Commons

Foi então que, em um movimento inesperado, os navios comandados por Cleópatra, aproveitando um buraco no centro da linha da frota comandada por Antônio, e o súbito vento que soprava favoravelmente, ultrapassaram as suas linhas à toda velocidade, e, deixando para trás o resto da frota, rumaram em direção ao Egito, levando consigo todo o tesouro.

Não se sabe com exatidão os motivos pelos quais Cleópatra tomou essa decisão. Alguns acreditam que ela, inexperiente na guerra, interpretou equivocadamente o fato de Antônio ter deixado o centro da linha deles e rumado para o norte. De fato, a rainha pode ter perdido contato visual com o navio do companheiro e pensado que ele tinha sido afundado, capturado ou fugido.

O fato é que Antônio, quando viu os navios de Cleópatra se afastando, resolveu ele também fugir, embarcando em outro navio mais veloz e deixando para trás o restante da frota, que ficou lutando acéfala, exceto por cerca de 60 navios egípcios que conseguiram acompanhar a fuga deles. Mesmo assim, os combates duraram até a madrugada do dia seguinte, mas, no final, toda a frota remanescente de Antônio acabou sendo destruída por Otaviano. A grande duração dos combates ao nosso ver mostra que, sem a fuga de Antônio e Cleópatra, o resultado da Batalha de Actium poderia ter sido outro.

Nesse sentido, vale notar que, mesmo após a derrota, 19 de suas legiões e 12 mil cavaleiros mantiveram-se aquartelados por uma semana, esperando o aparecimento de Antônio, mas, passado esse tempo, os soldados desistiram e se renderam. Com isso, todos os reis aliados abandonaram a causa de Antônio e entraram em acordo com Otaviano, sendo um destes o rei Herodes, o Grande, da Judéia.

Embora, mesmo com a derrota naval na Batalha de Actium, Antônio e Cleópatra ainda comandassem, ao menos no papel, um numeroso exército, o fato é que o custo moral da derrota foi muito alto.

Assim, Cleópatra e Antônio e seus navios remanescentes navegaram até o Peloponeso, conseguindo se evadir à breve perseguição dos navios de Otaviano. Consta que durante a viagem, que durou três dias, ambos não se falaram. De lá, Cleópatra resolveu partir o mais rápido possível para o Egito, temendo que a notícia da derrota chegasse à Alexandria primeiro do que ela, o que poderia desencadear uma rebelião. Por isso, ela mandou decorar as proas dos seus navios de modo a que parecessem estar chegando ao porto em triunfo pela vitória inexistente.

Antônio foi para a Líbia, pensando em trazer as legiões que ele tinha deixado ali para a defesa da fronteira ocidental do Egito. Porém, o governador de Cyrene e comandante daquelas legiões, Lucius Pinarius Scarpus, que tinha sido apontado por ele, mas também era primo de Otaviano, recusou-se a entregá-las. Percebendo que tudo estava desmoronando, Plutarco conta que Antônio tentou  o suicídio, mas foi impedido pelos amigos. Ele então partiu para o Egito, para reencontrar Cleópatra.

Chegando no Egito, Antônio encontrou Cleópatra organizando um plano ousado: transportar por terra os trezentos navios da frota egípcia para o Mar Vermelho, através da península do Sinai, com o objetivo de colocá-los à salvo da frota de Otaviano. Contudo, este plano foi por água baixo quando os primeiros navios que chegaram próximo à cidade de Petra foram queimados pelos Nabateus, instigados pelo governador da Síria, Quintus Didius, partidário de Otaviano. Este é mais um exemplo de que a linha mestra da rainha egípcia sempre fora a manutenção da independência do Egito e a sobrevivência da dinastia ptolomaica.

Os “Parceiros na Morte”

Inicialmente, Cleópatra e Antônio mantiveram-se afastados em Alexandria, ele vivendo em uma mansão à beira-mar, e ela no palácio. Porém, quando chegou a idade de inscrever Caesarion na lista dos efebos (evento que marcava o fim da infância no mundo grego) e de Anthilyus, o filho de Antônio e Fúlvia, vestir a toga virilisAntônio passou os dias na companhia de Cleópatra, comendo e bebendo nos suntuosos banquetes comemorativos do evento.

Le repas de Cléopâtre et de Marc-Antoine, 1754, por Charles-Joseph Natoire, Public domain, via Wikimedia Commons

Foi durante esses eventos que, segundo Plutarco, Cleópatra e Antônio resolveram dissolver a sociedade dos “Inimitáveis Viventes” e fundar outra em seu lugar, a qual batizaram de “Sociedade dos Parceiros na Morte“, nome que certamente demonstra a consciência que os dois tinham de que a cortina estava se fechando para eles e de que estava chegando ao fim a brilhante trajetória que tinham percorrido juntos…

Os autores antigos afirmam que, nessa época, Cleópatra começou a testar venenos em prisioneiros condenados, inclusive submetendo-os a picadas de serpentes, com o objetivo de encontrar algum que causasse a morte mais rápida e indolor possível.

Cleópatra e Marco Antônio supervisionando a morte de conspiradores, 1866, quadro de Antoine Van Hammée, Public domain, via Wikimedia Commons

Parece que a sobrevivência da dinastia dos Ptolomeus agora era a única preocupação de Cléopatra: Segundo Dião Cássio, ela enviou uma correspondência secreta para Otaviano, contendo uma coroa e um cetro, que foram aceitos por ele. Assim, em público, Otaviano teria continuado a dar ultimatos para que ela abandonasse as armas e renunciasse ao trono, mas, secretamente, mandou mensagens prometendo que, se Cleópatra mandasse matar Antônio, ela seria perdoada e mantida como soberana.

Enquanto isso, Antônio também enviou correspondências a Otaviano, acompanhadas de muito ouro,  afirmando que ele concordava em largar tudo e ir viver como particular. Já em outra versão, ele propôs a Otaviano que ele se mataria, desde que o rival deixasse Cleópatra viver. Em todo o caso, as fontes concordam que Otaviano somente respondia às mensagens de Cleópatra, ignorando as de Antônio.

As fontes antigas enfatizam que as respostas de Otaviano à Cleópatra visavam três objetivos: incentivá-la a eliminar Antônio, o que encerraria logo a guerra e lhe daria o poder absoluto em Roma; dissuadir que Cleópatra dispersasse ou destruísse o imenso tesouro egípcio, preservando-o para os romanos; e desestimular que a rainha se matasse, para que não lhe fosse roubada a incomensurável glória de exibi-la em triunfo pelas ruas de Roma. Mas parece que os dois primeiros motivos eram os mais prementes para Otaviano, pois, quando ele soube que Cleópatra pretendia levar todo o tesouro do Egito para a tumba que ela estava construindo para si mesma nos jardins do palácio, onde tudo seria queimado, Otaviano mandou Thyrsus, que era seu liberto, levar para Cleópatra cartas na qual ele dizia que estava apaixonado por ela, ao menos segundo a versão de Dião Cássio, na esperança de que a rainha, que se consideraria irresistível, acreditaria nisso e daria cabo de Antônio, mantendo-se viva, e o tesouro, intacto.

O cerco se fecha

Na primavera de 30 A.C., As forças de Otaviano tomaram Pelousium, que, de acordo com Dião Cássio, teria sido entregue sem luta, seguindo ordens de Cleópatra. Porém, segundo Plutarco, essa suspeita parece infundada, pois ela concordou com a execução da esposa e dos filhos de Seleucus, o governador que se rendeu a Otaviano.

O exército de Otaviano, aproximava-se dos muros de Alexandria., na vizinhança do Hipódromo, Antônio comandou um ataque à vanguarda do exército inimigo e conseguiu derrotar a cavalaria de Otaviano, que, já cansada da marcha até a cidade,  foi perseguida até o acampamento. Porém, a inferioridade numérica impediu qualquer exploração desse sucesso, e Antônio retornou ao palácio, onde, vestido de uniforme e couraça, ele beijou Cleópatra e contou sobre a pequena vitória que eles tinham obtido. Ela deu caros presentes para um soldado que havia se destacado na batalha, mas, como um emblema da situação desesperadora em que eles se encontravam, naquela mesma noite o soldado fugiu e desertou para Otaviano, levando consigo os presentes…

No dia seguinte, Antônio tentou um ataque combinado por terra e por mar. Ele próprio cavalgou até próximo das tropas inimigas e desafiou Otaviano para um combate singular, corpo a corpo, entre os dois, um desafio que ele já havia feito anteriormente. Otaviano ignorou e mandou responder que “havia muitos maneiras pelas quais Antônio poderia morrer“.

Quando Antônio ordenou que a frota avançasse, para a sua consternação, os remadores levantaram os remos em sinal de rendição e ele soube que eles tinham aderido à Otaviano, o que, segundo Dião Cássio, teria ocorrido por ordens de Cleópatra, que talvez tivesse resolvido traí-lo para cair nas boas graças de Otaviano, ou, poderia também estar com medo de que Antônio tentasse fugir para a Espanha. É de se notar, contudo, que a cavalaria dele também desertou. Antônio ainda tentou combater com a infantaria que lhe restara, mas foi facilmente derrotado. Naquele momento, então, Antônio não teve dúvidas de que estava tudo acabado. Ele deixou o campo de batalha e correu para o palácio.

Cléopatra foi se esconder no interior do mausoléu que ela havia mandado construir, acompanhada de um eunuco e duas escravas. Quando Antônio chegou, ele foi informado de que Cleópatra havia se matado e estava enterrada na tumba, que havia sido lacrada. Desesperado, Antônio, segundo Plutarco, proferiu as seguintes palavras:

“Por que tu demorastes tanto, Antônio? O Destino levou a tua única desculpa para te agarrares à vida!”

Antônio, então, entrou na antecâmera da tumba, tirou a couraça e, deixando-a de lado, continuou:

“Oh, Cleópatra! Eu não lamento que tu tenhas sido arrancada de mim, pois logo eu me juntarei a ti, mas eu lamento que um comandante tão grande como eu tenha se mostrado menos corajoso do que uma mulher”

Em seguida, Antônio implorou ao seu escravo doméstico, Eros, que o matasse, como ele já o havia anteriormente instruído. Porém, o devotado Eros, ao invés de matar o seu amo, pegou a espada e matou a si mesmo, para não ter que cumprir essa dolorosa ordem. Desesperado, Antônio, então, jogou-se sobre a própria espada apoiada no chão, que penetrou em sua barriga. Porém, esta ferida não foi suficiente para matá-lo imediatamente e, assim, Antônio ficou agonizando na cama, pedindo para que algum dos presentes se dignasse a apressar a sua morte.

Os ruídos e lamentos do agonizante Antônio acabaram sendo ouvidos por Cleópatra, que, observando a cena de dentro da tumba, por uma janela, mandou seu secretário Diomedes trazer Antônio para dentro. Quando Antônio percebeu que Cleópatra estava viva, ele mandou que os servos dele o colocassem de pé. Mas, como a porta do mausoléu estava selada, Antônio teve que ser erguido por cordas até a janela, puxadas pelas escravas de Cleópatra que estavam lá dentro, além da própria rainha, que também ajudava. Segundo o próprio Plutarco, enquanto Antônio era puxado, coberto de sangue, ele estendia os braços e as mãos em direção à Cleópatra, e para o historiador, de acordo com as testemunhas presentes que descreveram a cena, jamais houve cena mais pungente:

E quando Cleópatra dessa forma conseguiu pegá-lo e deitá-lo, ela rasgou suas roupas sobre ele, puxou e socou os seios com as próprias mãos, esfregou um tanto do sangue dele no rosto dela, e o chamou de amo, marido e imperador; De fato, em sua compaixão por ele, ela quase esqueceu a sua própria desgraça. Mas Antônio fez cessar os lamentos dela e pediu uma taça de vinho, tanto por ele estar com sede, como para lhe dar mais rapidamente um alívio. Depois de ter bebido, ele aconselhou-a buscar a sua própria segurança, se ela pudesse fazer isso sem desonra; que, dentre todos os amigos de César (Otaviano), ela deveria confiar em Proculeius; e que ela não lamentasse as últimas adversidades que ele tinha sofrido, mas que o considerasse feliz pelas boas coisas que ele tinha conseguido, uma vez que ele tinha se tornado o mais ilustre dos homens, tinha conquistado o poder supremo; e que, naquele momento, ele não tinha sido derrotado de modo ignóbil, mas em uma luta de romano contra romano“.

Plutarco, Vida de Antônio, 77, 1
Antoine rapporté mourant à Cléopâtre d’Eugène-Ernest Hillemacher (1863), Museu de Grenoble, Eugène Ernest Hillemacher, Public domain, via Wikimedia Commons

Em poucas horas, Antônio morreu nos braços de Cleópatra, em 1º de agosto de 30 A.C. Ele tinha 53 anos de idade. Um dos seus guarda-costas, Dercetaeus, escondeu a espada com a qual ele tinha se suicidado, fugiu do palácio e entregá-la a Otaviano, que, fingidamente ou não, mostrou-se consternado pela morte do rival.

Prisioneira de Otaviano

Verdadeiro ou não o seu lamento, agora a maior preocupação de Otaviano era evitar que Cleópatra cumprisse as ameaças de se suicidar, impedindo-o de exibi-la em seu almejado triunfo pelas ruas de Roma, e de levar consigo todo o tesouro do Egito, para ser incinerado junto com o cadáver dela na tumba real. Assim, ele enviou o seu auxiliar Proculeius para conversar com Cleópatra, que ainda estava encerrada no mausoléu, cujas pesadas portas eram fechadas com poderosos ferrolhos e trancas. Na conversa com Proculeius, do lado de dentro da tumba, Cléopatra fez o pedido para que os filhos dela herdassem o seu trono, enquanto o enviado tentava tranquilizar a rainha, dizendo-lhe que ela podia confiar em Otaviano.

Tumba nas Catacumbas de Kom Al Shuqafa, em Alexandria. Foto Roland Unger, CC BY-SA 3.0 https://creativecommons.org/licenses/by-sa/3.0, via Wikimedia Commons

Na verdade, Proculeius, agindo bem ao contrário do que o finado Antônio havia mencionado a seu respeito, tinha aproveitado a conversa para fazer um reconhecimento do mausoléu e voltou para contar a Otaviano o que ele tinha visto. Em decorrência, Otaviano mandou Gallus, com o pretexto de fazer uma nova entrevista com Cleópatra. E, então, enquanto Gallus e a rainha conversavam, Proculeius, valendo-se de uma escada, conseguiu entrar na tumba pela janela. Quando notou a invasão, Cleópatra tentou se matar com uma faca, mas Proculeius conseguiu impedir que ela se ferisse, e disse:

Oh, Cleópatra! Você está enganando a si mesma e a César (Otaviano), tentando roubar dele uma oportunidade de mostrar a maior bondade, e pregando nele o estigma de ser implacável e não-confiável“.

Dito isso, ele retirou a faca dela e revistou-a, para certificar-se de que ela não tinha outra arma escondida. Otaviano, ao saber do que havia sucedido, ordenou que Cleópatra fosse mantida sob estrita vigilância, mas que a rainha deveria ter tudo que fosse necessário para o seu conforto e lazer. A verdade é que, na prática, Cleópatra, agora estava sob prisão domiciliar…

Antes disso, enquanto Otaviano ainda não havia conquistado Alexandria, Cleópatra havia mandado seu filho Caesarion para a Etiópia, junto com um tesouro bem substancial, como ponto de partida para a viagem dele para a Índia, onde o rapaz poderia ficar a salvo da perseguição romana. Era um plano inteligente, mas, que deveria ter sido posto em prática com mais antecedência, pois, tudo indica, Otaviano não demorou a saber disso, e, mais tarde, Caesarion acabaria sendo capturado e morto. Na versão de Plutarco, foram os próprios tutores de Caesarion, Rhodon e Theodorus, certamente a mando de algum emissário de Otaviano, que convenceram o rapaz a voltar para Alexandria, sob o falso pretexto de que Otaviano deixaria que ele continuasse reinando no lugar da mãe. Já segundo Dião Cássio, a caravana de Caesarion foi interceptada ainda na estrada para a Etiópia e o rapaz foi morto ali mesmo, mas, em qualquer caso, isso somente ocorreu após a morte de Cleópatra. A morte de Caesarion teria sido decidida após o filósofo Areius assim ter advertido Otaviano:

“Boa coisa não é que haja muitos Césares!”

Após a morte de Antônio, Otaviano consentiu que Cleópatra sepultasse o corpo de Antônio no mausoléu, em uma cerimônia suntuosa, típica da realeza. Devido ao pesar que ela sentia pela morte de Antônio e pelas dores que ela sentia devido aos golpes que ela mesmo desferira contra os próprios seios, Cleópatra acabou ficando doente após o funeral, e até deixou de comer. Ela ficou aos cuidados do médico Olympus, a quem ela pediu conselhos sobre a melhor forma de cometer suicídio, como o próprio Olympus escreveria mais tarde em um livro, que deve ter sido consultado por Plutarco.

Temendo a morte de Cleópatra, o que esvaziaria o seu triunfo, Otaviano ameaçou-a com relação ao bem-estar dos filhos dela, e, assim, preocupada com o destino deles, a rainha acabou consentindo em receber cuidados médicos.

Mesmo assim, o próprio Otaviano resolveu visitar Cleópatra em pessoa, o que, segundo Dião Cássio, teria ocorrido a pedido dela. Na narrativa deste historiador, Cleópatra mandou arrumar o quarto da forma mais esplêndida e luxuosa, onde foram espalhadas imagens de seu antigo amante Júlio César, o pai adotivo de Otaviano. E Cleópatra também colocou a seu lado, as várias cartas de amor que ela recebera de César. Então, quando Otaviano entrou, ela teria se jogado aos pés dele, em sinal de submissão, e, depois de ter lido trechos ardentes da carta, Cleópatra tentou seduzir Otaviano com olhares lânguidos e voz melosa, terminando por dizer a ele que, se ela o tivesse, seria como se ela tivesse César, e que César viveria nele.

Sobre esse episódio, eu prefiro a narrativa de Plutarco:

“Após alguns dias, o próprio César (Otaviano) veio conversar com ela e confortá-la. Ela estava deitada numa cama simples de estrado, vestida apenas com a sua túnica, mas saltou da cama quando ele entrou e se jogou aos pés dele; o cabelo e o rosto dela estavam terrivelmente desarrumados, sua voz tremia, e os seus olhos tinham olheiras. Havia também muitas marcas visíveis das cruéis pancadas no peito dela: em uma palavra, o corpo dela parecia não estar em melhor estado do que o seu espírito. Apesar disso, o charme pelo qual ela era famosa, e o impacto da sua beleza, não estavam de todo extintos, ao contrário, apesar dela estar naquela situação lamentável, eles resplandeciam e se manifestavam nas expressões dela. Após César (Otaviano) ter rogado para que ela se deitasse e ele próprio  ter se sentado próximo a ela, ela começou a fazer uma espécie de justificativa das suas ações, atribuindo-as à necessidade e ao medo que sentia de Antônio; Contudo, enquanto César (Otaviano) discordava dela e a refutava em cada ponto, ela rapidamente mudou de tom e buscou sensibilizá-lo com as suas preces, como se ela fosse alguém que, acima de todas as coisas, agarrava-se à vida. E, finalmente, ela lhe deu uma lista de todos os tesouros que ela possuía; Nesse momento, quando Seleucus, um dos camareiros dela, demonstrou, conclusivamente, que ela estava escamoteando e escondendo alguns deles, ela saltou da cama, agarrou-o pelos cabelos e despejou uma saraivada de golpes no rosto dele.  E quando César (Otaviano), com um sorriso, fez com que ela parasse, ela disse: “Mas não é uma coisa horrível, Oh, César, que quando tu te dignaste a vir e falar comigo, embora eu esteja nesta situação miserável, os meus escravos me denunciem por separar alguns adornos femininos – não para mim mesma, é claro, mulher infeliz que sou – mas para que eu possa dar alguns presentes insignificantes para Otávia e para tua Lívia, e, mediante a intercessão delas, te fazer mais piedoso e gentil?” Então César (Otaviano) ficou satisfeito com este discurso dela, restando totalmente convencido de que ela queria continuar viva. Consequentemente, ele disse que ele deixaria esses assuntos por conta dela, e que, em todos os outros aspectos, ele lhe daria o tratamento mais esplêndido que ela poderia esperar. Ele, então, saiu do quarto, supondo que a tinha enganado, mas ele é quem seria enganado por ela”.

Uma vitória na morte

Plutarco narra, ainda, que um dos companheiros de Otaviano, chamado Cornelius Dolabella, que tinha uma certa queda por Cleópatra, conseguiu avisá-la de que Otaviano havia mandado as legiões se aprontarem para marchar pela Síria, e que, dentro de três dias, ele iria envia-la para Roma junto com os filhos. Cleópatra agora tinha certeza de que a intenção de Otaviano era exibi-la acorrentada em carro aberto em seu triunfo pelas ruas de Roma, perante o populacho da cidade.

Então, no dia 12 de agosto de 30 A.C. (alguns defendem que foi no dia 10), Cleópatra pediu aos seus captores para que lhe fosse permitido entrar no mausoléu para proceder alguns ritos religiosos em honra de Antônio. Obtida a permissão dos romanos, Cleópatra tomou banho, fez uma suntuosa refeição e mandou as suas duas servas de maior confiança, que se chamavam Charmion e Iras, vestirem-na com os trajes de gala da realeza ptolomaica.

Enquanto isso, chegou na antessala dos aposentos de Cleópatra, um camponês trazendo um cesto. Os guardas perguntaram o que havia dentro dele e o camponês respondeu que eram figos para a rainha, abrindo a tampa. Os guardas olharam e o camponês, sorrindo, disse que eles poderiam ficar com alguns.  Acreditando que não havia motivo para desconfiarem, os guardas deixaram o homem entrar e deixar o cesto no quarto.

Após o banho, Cleópatra chamou um mensageiro e entregou uma mensagem em uma tabuleta selada para que fosse entregue a Otaviano. Depois que o mensageiro saiu, Iras e Charmion trancaram as portas do aposento.

Quando Otaviano abriu a carta e leu o seu conteúdo, o seu rosto deve ter ficado lívido: entre várias lamentações e pedidos, Cleópatra implorava para que ele a enterrasse junto com Antônio. O futuro imperador percebeu imediatamente do que se tratava e mandou que alguns dos seus auxiliares fossem o mais rápido possível até os aposentos de Cleópatra. Todavia, quando os guardas romanos, que ainda não sabiam de nada, abriram as portas, encontraram Cleópatra já sem vida, deitada sobre uma colcha de ouro, vestida com os trajes reais. Eles ainda puderam ver que Iras agonizava,  já sem sentidos, aos pés da sua rainha, e, por sua vez,  Charmion,  também já quase desfalecendo, arrumava o diadema sobre a testa de Cleópatra. Plutarco conta que alguém, indignado, chegou a dizer, em tom de repreensão: “Bela ação, Charmion!“, tendo a serva respondido, antes de também cair morta:

“Sem dúvida, é a mais bela, e condizente com a descendente de tantos reis”

Uma das muitas representações artísticas da morte de Cleópatra está no Museu dde Belas Artes de Toulouse, por Jean-André Rixens (1874), Public domain, via Wikimedia Commons

Tanto Plutarco quanto Dião Cássio afirmam que ninguém soube a causa exata da morte de Cleópatra, mas que havia duas picadas no braço. O primeiro menciona os comentários de que ela foi mordida por uma áspide (serpente) a qual estaria escondida no cesto de figos, e o segundo, que o réptil estaria dentro de um jarro d’água. Mas os dois historiadores também citam que havia quem afirmasse que Cleópatra teria usado um palito ou prendedor de cabelo oco, contendo veneno, para se espetar. Provavelmente, segundo Plutarco, a versão da picada da cobra também era a que Otaviano acreditava, pois, no triunfo que ele celebrou pela vitória sobre Cleópatra, uma imagem da rainha egípcia com uma serpente agarrada nela foi carregada junto com a  procissão. (Nota: tratamos desta imagem, e da aparência de Cleópatra, em nosso artigo: “O Retrato Perdido de Cleópatra“.

Ao receber a notícia da morte de Cleópatra, Otaviano ficou consternado, tanto pela grandeza de  espírito  que ela demonstrara, quanto pelo fato de ele ter sentido que ela lhe roubara a glória do seu tão desejado triunfo. Se verdadeiro o relato de Dião Cássio, Otaviano chegou a mandar que fossem administradas drogas e sugado o sangue de Cleópatra por um membro da tribo dos Psylli, especialistas em serpentes, em uma vã tentativa de ressuscitá-la.. Seja como for, ele deu ordens para que o corpo dela fosse sepultado ao lado do de Marco Antônio, com a pompa da realeza. E até Charmion e Iras também tiveram direito a um enterro solene.

EpílogoVitória na “Batalha dos Genes”

Quando morreu, Cleópatra tinha 39 anos de idade. Com a morte dela, o Egito foi incorporado como uma província de Roma (o Império Romano começaria oficialmente em 27 A.C., com Otaviano recebendo o título de “Princeps” e o cognome de Augusto, tornando-se o primeiro imperador).

Os três filhos que  Cleópatra teve com Marco Antônio  foram poupados por Otaviano e, depois deles serem exibidos na procissão triunfal pelas ruas de Roma, foram entregues para serem criados pela irmã dele, Otávia.

Os meninos não atingiriam a idade adulta e não se sabe ao certo o que aconteceu com eles.

Contudo, a menina, Cleópatra Selene, casou-se com o rei Juba II, da Numídia, tornando-se rainha da Mauritânia, e boa parte dos estudiosos acredita que o filho dela, Ptolomeu da Mauritânia, através do casamento com Júlia Urania, teve como filha Drusilla da Mauritânia, que, por sua vez, casou-se, em segundas núpcias, com Gaius Julius Sohaemus Philocaesar Philorhomaeus, membro da família real da cidade síria de Emesa (os Sempseramidas, que também eram sumo-sacerdotes do deus El-Gabal), o qual reinou, como rei-sacerdote, entre 54 e 73 D.C..

Busto de Ptolomdu da Mauritânia, Museu do Louvre, foto de Marie-Lan Nguyen 

Sohaemus e Drusilla tiveram um filho, de nome Gaius Julius Alexion, que também reinou em Emesa, entre 73 e 78 D.C (após o que o reino foi incorporado à Província Romana da Síria) e é mencionado em uma inscrição tumular em Emesa como sendo pai de Gaius Julius Sampsiceramus, que, por sua vez, é considerado por alguns prosopografistas como antepassado de Gaius Julius Bassianus, sumo-sacerdote de El-Gabal.

O motivo pelo qual estamos traçando para o leitor esta talvez tediosa genealogia é porque Gaius Julius Bassianus foi o pai de Júlia Domna, uma integrante da família real de Emesa que casou com o futuro imperador romano Septímio Severo (193-211 D.C.), e foi mãe dos imperadores Geta (209-211 D.C) e Caracala (198-217 D.C). Por sua vez, Júlia Maesa, a outra filha de Bassianus, teve duas filhas, Julia Soemias Bassiana, que foi a mãe do imperador romano Elagábalo (Heliogabalus 218-222 D.C). e Julia Avita Mamea, mãe do imperador romano Severo Alexandre (222-235 D.C).

Busto da imperatriz Julia Domna
https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Julia_Domna_(Julia_Pia),inv._2210,_RomanBraccio_Nuovo,_Museo_ChiaramontiVatican_Museums-_DSC00897.jpgna, no Museu Chiaramonti, Vaticano,

Portanto, temos como uma grande ironia do destino o fato de que é altamente provável que Cleópatra seja antepassada direta de quatro imperadores romanos, enquanto que Augusto, o seu algoz, somente teve dois descendentes diretos como imperadores: Calígula e Nero

Vale também citar que, entre os presumidos descendentes de Cleópatra está a célebre rainha Zenóbia, de Palmira, que alegava ser descendente da rainha egípcia, e que, no final do século III D.C chegou a conquistar a Síria e o Egito, ameaçando a própria sobrevivência do Império Romano. Segundo relata a História Augusta, depois de derrotada e levada para Roma, em triunfo, Zenóbia teria se casado com um senador romano e com ele teve filhos. De fato, a efígie da rainha até mostra alguns traços de semelhança com as imagens convencionais de Cleópatra, notadamente o penteado ao estilo “melão. Porém, essa ascendência de Zenóbia é considerada por muitos estudiosos como bem menos provável.

Zenobia_obversee.png
A rainha Zenóbia, de Palmira, uma possível descendente de Cleópatra, foto Classical Numismatic Group, Inc

CONCLUSÃO

Foi somente graças à Cleópatra que o Egito conseguiu ficar independente por mais 20 anos, depois da grande guerra civil de Roma. Valendo-se apenas de sua inteligência, ela influenciou os dois homens mais poderosos do Império mais poderoso que o Mundo Clássico até então havia conhecido, e, mais do que isso, manobrou-os para conseguir os seus objetivos políticos. E, por pouco, ela não conseguiu, ainda que isso pudesse ter durado apenas alguns anos, tornar Alexandria a capital do mundo romano e governá-lo junto com Marco Antônio, chegando próxima de criar uma dinastia “Júlio-ptolomaica”. Enfim, Cleópatra mostrou ao mundo que uma grande mulher não era inferior aos grandes homens do seu tempo.

Dificilmente um escritor ou roteirista conseguiria imaginar eventos de tamanha dramaticidade como a história de Cleópatra. Episódios como a entrada no palácio enrolada no tapete, o cruzeiro junto com César pelo Nilo, a morte trágica de Antônio e o próprio suicídio dela, caso fossem escritos como ficção, certamente seriam tachados de mirabolantes e até poderiam causar rubor ao seu autor. E, no entanto, tudo isso aconteceu de verdade!

Sem dúvida, Cleópatra foi…uma inimitável vivente!

FIM

©EduardoAndré

Não deixe de ler nosso artigo “O Retrato Perdido de Cleópatra“.

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O RETRATO PERDIDO DE CLEÓPATRA

Por Eduardo André Lopes Pinto

“E alguns dizem que o braço de Cleópatra parecia ter dois pequenos e indistintos furos; E parece que Augusto também acreditava nisto. Porque, no seu triunfo, uma imagem da própria Cléopatra, com a serpente agarrada nela, foi levada na procissão”

Plutarco, “Vida de Antônio”, 86. pág. 139

“Entre outros detalhes, uma efígie da falecida Cléopatra foi levada em cima de um divã, com o objetivo que, de um certo modo, ela também, juntamente com outros cativos e com seus filhos, Alexandre, também chamado de Helios, e Cleópatra, também chamada de Selene, fosse parte do espetáculo e um troféu na procissão”.

Cássio Dião, “História de Roma”, Livro LI, 21, 8

“Ele (Júlio César) colocou uma bela imagem de Cleópatra ao lado da deusa, que continua ali até hoje”. 

Apiano, “As Guerras Civis”, Livro II, 102

1- A morte de Cleópatra

Segundo os historiadores Plutarco e Cássio Dião – que são as melhores e mais completas fontes antigas sobre a vida de Cleópatra e Marco Antônio – depois que a rainha egípcia cometeu o seu dramático suicídio, no dia 10 de agosto de 30 A.C., em Alexandria, não se tinha certeza exata acerca da maneira pela qual ela se matou: alguns defendiam a versão que acabou ficando célebre: a da morte por envenenamento decorrente de uma picada de uma serpente (uma áspide trazida escondida dentro de um cesto ou um jarro de água por um súdito fiel, quando ela encontrava-se cativa no próprio palácio, à disposição do futuro imperador Augusto); enquanto outros inclinavam-se a favor do relato de que ela havia intencionalmente se ferido com seu próprio alfinete de cabelo, envenenado. Vejamos os textos:

“Porém, quando ela retirou alguns figos e a viu, ela disse: “Veja. aí está”, e, descobrindo o braço, ela o manteve firme para a mordida. No entanto, outros dizem que a serpente foi cuidadosamente selada em um jarro de água e que enquanto Cleópatra a estava atiçando e irritando com uma roca dourada, ela deu o bote e se enrolou no braço dela. Mas a verdade sobre este fato ninguém conhece; pois também se disse que ela carregava um veneno em um alfinete de cabelo oco que mantinha escondido sob o seu cabelo; mesmo assim, nenhuma marca ou outro sinal de veneno apareceu no corpo dela. Ademais, nem mesmo o réptil foi visto dentro do quarto, embora pessoas tenham relatado que viram alguns rastros dela perto do mar, para onde as janelas do quarto davam vista”.

Plutarco, Vida de Antônio, 86, 1-3

Ninguém sabe com clareza de que modo ela morreu, porque as únicas marcas no corpo dela eram pequenas picadas no braço. Alguns contam que ela aplicou em si mesma uma serpente que lhe foi trazida em um jarro de água, ou talvez escondida no meio de algumas flores. Outros declaram que ela se inoculou com um grampo, que ela usava para prender o cabelo, com algum veneno possuidor de certas propriedades que, em circunstâncias usuais, não causaria qualquer dano ao corpo, mas, se entrasse em contato com uma gota de sangue apenas, o destruiria indolor e silenciosamente.; e que, antes desse momento, ela o usava no cabelo como de costume, mas então ela teria feito um leve arranhão no seu braço e mergulhou o grampo no sangue. Dessa forma ou de modo similar, ela morreu, e com ela mais duas criadas.(…). Quando César soube da morte de Cleópatra, ele ficou chocado, e não apenas foi ver o corpo morto dela, mas também valeu-se de remédios e dos Psylli, na esperança que ela pudesse ressuscitar. Esses Psylli são homens, porque nenhuma mulher nasce na tribo deles, e eles tem o poder de sugar o veneno de qualquer réptil, se deles se fizer uso imediatamente depois que a vitima tiver morrido; e eles não são afetados quando mordidos por tais criaturas”.

Cássio Dião, “História de Roma”, Livro LI, 14, 1-4

Estrabão, em sua obra Geografia, escrita em 7 A.C., ao falar de Alexandria, também alude aos relatos sobre a maneira que Cleópatra morreu:

“Porém, pouco depois, ela também se matou secretamente, enquanto estava presa, pela picada de uma serpente, ou (porque existem dois relatos), ao se aplicar um unguento venenoso;”

“Geografia, Livro XVII, 10

Também o historiador romano Floro, escrevendo por volta do ano 110 D.C., menciona a causa da morte de Cleópatra como sendo picada de serpentes, no plural:

 “Ali, tendo colocado uma veste elaborada ao lado de seu amado Antônio, em um sarcófago preenchido com ricos perfumes, e aplicando serpentes em suas veias, ela morreu assim como se estivesse dormindo.”

Epítome da História de Roma, Livro II, capítulo XXI

Finalmente, o célebre médico e filósofo greco-romano, Galeno, também discorreu sobre a morte de Cleópatra, em sua obra De Theriaca ad Pisonem (atribuída pela maioria dos estudiosos a ele), que teria sido escrita por volta do ano 200 D.C.:

“E eles relatam que ela chamou as suas duas servas de maior confiança cuja tarefa era cuidar dos seus trajes com vistas a exibir a sua beleza, chamadas Naeira e Charmione. Naeira arrumou seu cabelo de uma maneira apropriada e Charmione cortou as unhas dela e então ela ordenou que a cobra fosse trazida escondida no meio de algumas uvas e figos, de modo que os guardas não percebessem. Ela, então, experimentou a cobra nestas mulheres para ver se ela era capaz de matar rapidamente, e, depois disso, ela se matou com o restante do veneno, e eles contam que Augusto ficou completamente estupefato, tanto pelo fato das servas amarem tanto Cleópatra a ponto de morrerem com ela, como pelo fato dela ter preferido morrer de uma maneira nobre a viver como uma escrava. E eles contam que ela foi encontrada com a sua mão direita segurando o diadema, provavelmente para que, até mesmo naquela altura, fosse evidente para os observadores que ela tinha sido rainha.”

Galeno, De Theriaca ad Pisonem, pág. 93, em https://ore.exeter.ac.uk/repository/bitstream/handle/10871/13641/LeighR.pdf?sequence=1

Ainda de acordo com Plutarco, a explicação da causa da morte de Cleópatra como tendo sido a picada de uma serpente foi aceita pelo próprio Otaviano (Augusto) como verdadeira, o que é demonstrado pelo fato de que na procissão triunfal pelas ruas de Roma, assim que Augusto retornou de Alexandria, foi exibido um retrato da rainha egípcia no qual a mesma era retratada com o réptil em seu braço:

“E alguns dizem que o braço de Cleópatra parecia ter dois pequenos e indistintos furos; E parece que Augusto também acreditava nisto. Porque, no seu triunfo, uma imagem da própria Cleópatra, com a serpente agarrada nela, foi levada na procissão.

Plutarco, “Vida de Antônio”, 86. pág. 139

Não obstante, modernamente, alguns autores questionam a possibilidade de que cobras ou serpentes tenham sido responsáveis pela morte de Cleópatra, entendendo que os répteis dessa família que são capazes de matar com rapidez e sem causar muito sofrimento e danos extensos ao corpo da vítima seriam grandes demais para caber em um cesto ou jarro. Um estudo compreensivo sobre essas hipóteses pode ser visto em https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/33868954/. Há até alguns autores modernos que defendem que na verdade a rainha teria sido executada por Augusto e a história do suicídio dela inventada pelos romanos para não prejudicar a imagem pública do futuro imperador.

Como transcrevemos no início deste artigo, tanto Plutarco, que escreveu sua obra por volta do ano 100 D.C. como Cássio Dião, cuja obra data aproximadamente do ano 230 D.C, ao relatarem os eventos que se seguiram à morte de Cleópatra, mencionam a existência de uma representação da rainha egípcia, um retrato ou imagem, que foi levada na procissão triunfal de Augusto, em Roma.

Vale observar que o historiador romano Apiano, em sua História de Roma, no livro acerca das Guerras Civis, escrito por volta do ano 160 D.C., ao relatar os acontecimentos referentes ao triunfo de Júlio César celebrado 26 de setembro de 46 A.C, também menciona a existência de uma imagem ou retrato da rainha egípcia, que foi depositada pelo Ditador no recém-construído Templo de Vênus Genitrix:

“Ele erigiu um templo à Vênus, sua ancestral, como ele havia prometido fazer quando estava para dar início à Batalha de Farsália, e ele estabeleceu uma área em torno do templo para ser um fórum para o povo romano, não como um mercado para a compra e venda de mercadorias, mas sim como um espaço para negócios de interesse público, como as praças públicas dos Persas, onde o povo se reúne para demandar por justiça ou aprender sobre as leis. Ele colocou ali uma bela imagem de Cleópatra ao lado da deusa, que permanece ali até os nossos dias.

“As Guerras Civis”, Livro II, 102

Entretanto, a imagem acima referida por Apiano, por óbvio, foi produzida mais de 15 anos antes da morte de Cleópatra e há relatos de que se tratava de uma estátua de ouro, conforme é mencionado por Cássio Dião, em sua História de Roma, Livro LI, 22, 3.

O fato é que, depois da Antiguidade, durante muitos e muitos séculos não se ouviu mais qualquer referência a imagens de Cleópatra.

2- Uma polêmica seiscentista sobre uma certa pintura de Cleópatra

Contudo, em 1646, o escritor e polímata inglês Sir Thomas Browne publica sua Pseudodoxia Epidemica (com o título alternativo de “Investigações acerca das Muitas Crenças Recebidas e Verdades Vulgarmente Presumidas“), onde, em seu capítulo XII, ele avalia uma pintura de Cleópatra que teria visto, ou mais provavelmente, ouvido falar, em seus dias:

“Sobre a pintura descrevendo a morte de Cleópatra.

O quadro referente à morte de Cleópatra com duas víboras ou serpentes venenosas nos seus braços, ou seios, ou ambos, requer consideração: porque nisto a coisa em si é questionável, nem é indiscutivelmente certa a maneira pela qual ela morreu. Plutarco, em Vida de Antônio, abertamente afirma que ninguém soube de que modo ela morreu; porque alguns afirmaram que ela morreu por meio de um veneno que ela sempre trazia em um pequeno alfinete de cabelo oco, no cabelo. Além disso, nunca se encontrou alguma serpente no lugar em que ela morreu, embora duas de suas criadas tenham morrido junto com ela; somente foi dito que duas quase imperceptíveis picadas foram encontradas no braço dela; que foi tudo em que César (Otaviano) baseou-se para presumir a forma pela qual ela morreu. Galeno, que foi contemporâneo de Plutarco, relata duas versões: Que ela se matou com a picada de uma serpente, ou perfurou o seu braço e derramou veneno dentro. Estrabão que viveu antes de ambos também tinha duas opiniões: que ela morreu pela mordida de uma serpente ou por meio de um unguento venenoso.

Nós poderíamos questionar o comprimento das serpentes, que por vezes são descritas como bastante curtas; Enquanto a Chersaea ou serpente-terrestre que a maioria cogita que ela tenha usado, tem mais do que quatro cúbitos de comprimento (N.T: cerca de 2 metros). O número delas também não é indiscutível: Pois, enquanto geralmente duas são descritas, Augusto (conforme relata Plutarco) levou em seu triunfo a imagem de Cleópatra com somente uma serpente em seu braço. No que concerne às duas picadas, ou pequenas marcas no braço dela, elas não inferem a pluralidade de serpentes, pois, como a víbora, a áspide tem duas presas, por meio das quais ela deixa atrás essa marca, ou dupla perfuração.

E por último, nós poderíamos questionar o lugar (da picada); porque alguns a situam no seio dela, o que, não obstante não será consistente com a História; e o mesmo foi bem observado por Petrus Victorius. Mas aqui é fácil de ver o equívoco: sendo o costume em condenados à pena capital aplicá-las no peito, como determinou o autor de De Theriaca ad Pisonum, uma testemunha ocular de Alexandria, onde Cleópatra morreu: Eu contemplei, disse ele, em Alexandria, o quão rápido essas serpentes privam da vida um homem; porque, quando alguém é condenado a este tipo de morte, se a intenção deles é trata-lo favoravelmente, isto é, despachá-lo rapidamente, eles prendem uma áspide no peito dele, e ordenando-lhe que caminhe, ele naquele momento morre desta forma”.

Sir Thomas Browne, Pseudodoxia Epidemica, capitulo XII

As dúvidas levantadas por Sir Thomas Browne foram refutadas pelo escocês Alexander Ross, um escritor e polemista que também foi capelão real do rei Charles I, da Inglaterra, na obra que Arcana Microcosmi, escrita em 1651, cujo título alternativo é “Ou os segredos ocultos do corpo humano descobertos. Em um duelo anatômico entre Aristóteles e Galeno no que diz respeito às suas partes. Como também pela descoberta das estranhas e maravilhosas doenças, sintomas e acidentes do corpo humano“:

“Há algumas outras pinturas que ofendem os olhos do Doutor; como : 1. A de Cleópatra com duas serpentes. Suetônio fala de uma, Floro de duas, tal como Virgílio.

Nec dum etiam geminos à tergo respicit angues”.

E assim diz Propercio

“Brachia spectavia sacris admorsa colubris.”

Consequentemente, ele deveria tê-los reprovado, ao invés do pintor; ele também deveria ter brigado com Augusto, que dos orificíos que ele encontrou nos braços dela, concluiu que ela tinha sido picada por serpentes, e, por conseguinte usou os Phylli para sugar o veneno. Mas, tenha sido ela picada por uma, duas ou nenhuma serpente, a pintura é inofensiva, e de acordo tanto com os Historiadores quanto com os Poetas. “

Alexander Ross, Arcana Microcosmi, capítulo XI
Alexander Ross, Engraving by Pierre Lombart after unknown artist – National Portrait Gallery, UK[1], Public Domain,https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=7251976by; after Pierre Lombart; Unknown artist,print,published 1653

Inobstante, não fica muito claro se essa polêmica entre os dois eruditos britânicos acerca da consistência histórica do retrato em questão refere-se a uma obra artística contemporânea de ambos, ou se eles discutiam sobre uma pintura mais antiga.

3- Aparece um retrato, supostamente autêntico, de Cléopatra

Todavia, quase duzentos anos depois, o editor de livros inglês Simon Wilkin editou uma coletânea das obras completas de Sir Thomas Browne (entre 1835 e 1836). Em uma nota ao acima transcrito capítulo XI da Pseudodoxia Epidemica de Browne, relativo à pintura de Cleópatra, Wilkin alude a uma então recente descoberta de uma pintura da rainha egípcia, a qual teria ficado escondida por séculos e teria sido pintada por um pintor da Grécia Antiga, fazendo uso da desaparecida técnica de Encáustica (pintura esta que, tendo em vista o fato de ter sido descoberta no início do século XIX, obviamente, não poderia ser a mesma que foi objeto dos comentários de Browne e Ross no século XVII):

“Uma antiga pintura encáustica de Cleópatra foi recentemente descoberta, e retirada de uma parede, na qual esteve escondida por séculos, e tida como sendo um retrato de verdade, pintado por um artista grego. Foi feito sobre uma lousa azul. O colorido é fresco, muito vívido. Ela é representada aplicando áspide no seio dela”. Extrato de uma carta de Paris; Philadelphia Gazette, 27 de novembro de 1822 – Jeff.

A notícia precedente refere-se com toda probabilidade à pintura que foi trazida para a Inglaterra pelo seu detentor, Signor Micheli, que a avaliou em 10 mil libras esterlinas. Ele providenciou que fosse feita uma gravura dessa pintura, que eu tive a oportunidade de ver, nas mãos de R.R. Reinagle, Escudeiro, Real Academia (Reinagle, embora de fato tenha sido membro da Real Academia, até ser exonerado, em 1848, era também um falsário e é obvio que se deve ter isto em mente – J.E) e por sua gentileza eu também fui agraciado com esta muito completa e interessante história e descrição desta curiosa obra de arte, de acordo com minha solicitação:

“17, Fitzroy Square, o2 de dezembro de 1834.

“Senhor, – A pintura foi feita sobre uma espécie de lousa de mármore negra – estava quebrada em dois ou três lugares. Disse o Cavalheiro Micheli, o proprietário, que a trouxe de Florença para este país, que ela foi encontrada nas cavidades de uma grande adega, onde outros fragmentos da Antiguidade foram depositados. Que ela estava em uma caixa de madeira muito grossa quase que totalmente deteriorada. Que ela chegou às mãos de um negociante, através do mordomo da casa ou do palácio onde ela foi encontrada, tendo vendido uma parte da dita madeira insignificante na qual a pintura foi encontrada Em geral, ela estava incrustada com algum tipo de tártaro e verniz decomposto, que foi limpo por certos químicos eminentes de Florença. Partes do colorido foram raspadas e analisadas por três ou quatro pessoas. Atestados formais foram dados por eles às autoridades constituídas, e os documentos receberam selos de órgãos autorizados e assinaturas. Chegou-se à conclusão que as cores eram todas minerais e em pouco número. O vermelho era synopia grega (N.T: uma espécie de terra vermelha); um outro vermelho etéreo, usado no manto que Cleópatra vestia, era de uma origem não descoberta – ele tinha a aparência de pigmento vermelho veneziano brilhante, da cor carmesim; – o branco era um giz, mas eu esqueci de que natureza; – o amarelo tinha a natureza de amarelo de Nápoles – parecia vitrificado; – havia também amarelo ocre; – o preto era carvão. A cortina verde era denominada “terra vera da Grécia”, aplicada com alguma desconhecida cor amarela enriquecida. O cabelo era arruivado, e poderia ser manganês; – os cachos elaborados foram finalizados cabelo por cabelo, com linhas curvas vívidas nas partes mais claras, de cor dourada amarelo brilhante. O colar consistia de várias gemas engastadas em ouro: o amuleto era de ouro, e uma corrente dava duas ou três voltas no pulso direito dela. Ela usava uma coroa com pontas radiantes, e joias entre cada uma delas; – e também uma joia na testa, com uma grande pérola nos quatro cantos, disposta em forma de losango na testa dela; parte do seu cabelo frontal era trançada, e duas tranças rodeavam o pescoço, e estavam presas em um nó do cabelo; – o manto vermelho estava preso em ambos os ombros – não se via nenhuma roupa. Ela segurava a áspide em sua mão esquerda; era de cor verde, e bastante grande. Sua cabeça era extravagante, e compartilhava os caprichos tanto dos escultores antigos como modernos, lembrando a cabeça e a bico de um golfinho. No processo de se contorcer, como se preparando para dar um segundo bote; duas diminutas perfurações das presas estavam marcadas no seio esquerdo, e uma gota ou duas de sangue fluía. Cleópatra estava olhando para cima; uma expressão de tremor dos lábios, e lágrimas copiosas escorrendo pelas suas bochechas, davam ao semblante um efeito singular; a mão esquerda dela estava pendendo do antebraço como se a vida estivesse esvaindo-se e começando as convulsões. A composição da figura era ereta e judiciosamente disposta no espaço confinado onde foi colocada. A proporção da pintura era de aproximadamente dois pés e nove polegadas (NT: 83,8 cm), e estreita, como aquelas telas que os artistas na Inglaterra chamam de Kitcat. Decompondo as cores, os homens instruídos de Veneza e Paris ficaram totalmente persuadidos de que era uma pintura encáustica: cera e uma goma resinosa foram nitidamente separadas. Toda a pintura apresenta os mais fortes sinais de antiguidade; porém, permanece em muitas mentes a dúvida se trata-se mesmo de uma verdadeira antiguidade. Ela foi atribuída a Timomachus, um artista de grande eminência e um viajante, que viveu na corte de César Augusto. Ele seguia o estilo encaustico de Apelles. e com ele morreu ou desapareceu esta difícil arte. A pintura foi pintada (como se supõe), pelo supracitado artista grego, de memória (pois ele frequentemente tinha visto Cleópatra) para ocupar o lugar dela no triunfo de Augusto, quando ele celebrou a suas vitórias no Egito sobre Antônio e Cleópatra. Ela, por meio de sua desesperada firmeza, privou-o da honra de expor a sua pessoa à contemplação do povo romano. Conta-se que a pintura foi levada, como uma preciosa relíquia artística, por Constantino para Bizâncio, depois nomeada Constantinopla, e devolvida à Roma por seus sucessores à antiga sede do governo. Como ocorre com tantas coisas relativas à arte, esta pintura foi esquecida, e permaneceu nas escuras e profundas cavidades da adega. O Cavalheiro Micheli a levou de volta para a Itália, quando deixou a Inglaterra, há cerca de dois anos atrás. O que é feito dela desde então, eu desconheço.

O título da gravura é o seguinte:

– “Cleópatra, Rainha do Egito. O original, do qual esta é uma representação fiel, até então é o único espécime conhecido de pintura grega antiga. Ela deu origem às mais judiciosas investigações tanto na Itália como na França, e tem sido universalmente admitida pelos “cognoscenti”, auxiliados pela real análise das cores, como sendo uma pintura encáustica. A pintura é atribuída a Timomachus, e presumivelmente pintada por ele para seu amigo e patrono, César Augusto, para adornar o triunfo que celebrou suas vitórias sobre Antônio e Cleópatra, como uma substituta para a beleza da original, que o desapontou por meio da heroica morte que ela infligiu a si mesma. Esta lâmina é dedicada aos “virtuosi” e amantes das artes refinadas no Império Britânico pelo autor, que também é o possuidor desta inestimável relíquia da Arte Grega”.

Permaneço seu muito obediente servo,

Ao Sr. S. Wilkin.

R.R. Reinagle

Simon Wilkin, “The Works of Sir Thomas Browne“, em https://archive.org/stream/worksofsirthomas02brow/worksofsirthomas02brow_djvu.txt

4- A antiga arte da Encáustica

A Encáustica é uma técnica de pintura conhecida na Antiguidade Clássica, cujo nome deriva da palavra grega “enkaustikos“, que significa “gravar a fogo” e que foi descrita pelo célebre naturalista romano Plínio, o Velho, em sua obra “História Natural“. A encáustica consiste no uso da cera como aglutinante dos pigmentos, formando uma mistura densa e cremosa aquecida ou aplicada com um pincel ou uma espátula quente. Embora fosse um processo muito antigo cujo conhecimento tenha se perdido durante séculos, o fato é que a técnica foi redescoberta e hoje voltou a ser utilizada pelos artistas. Segundo Plínio dá a entender, esta técnica teria surgido para pintar navios de guerra, já que o processo resultaria numa pintura resistente a agua salgada e às intempéries (vide Plinio. Nat. 35.4).

Posteriormente, como relata Plínio, a pintura encáustica, cuja invenção teria sido por alguns antigos atribuída ao pintor grego Aristides, foi utilizada por vários outros artistas e pintores gregos célebres, como Praxíteles, Apelles e Timomachus. Segundo Plínio, os materiais onde se executava este tipo de pintura eram a madeira e o marfim.

Este lindíssimo retrato em Encáustica sobre madeira, de uma bela mulher que faleceu no Egito durante o período romano, foi encontrado na múmia da falecida em Fayum e encontra-se no Museu Britânico, em Londres. Foto: British Museum, Public domain, via Wikimedia Commons

Efetivamente, a durabilidade da pintura encáustica é comprovada pelo número de pinturas que sobreviveram praticamente intactas até os nossos dias, ostentando figuras nítidas e cores vibrantes, quase todas retratos de pessoas que foram mumificadas no Egito durante o período romano, conhecidas como Múmias de Fayum, mas também vários murais descobertos nas cidades romanas de Pompéia e Herculano, soterradas pela erupção do Vesúvio. Algumas estátuas de mármore também apresentam vestígios de pintura encáustica. Vale observar que os retratos das múmias de Fayum são sempre pintados sobre madeira, mas que algumas vezes é tratada ou revestida com gesso. ou cola (vide https://www.biancakiso.com/en/enkaustik/).

Retrato do menino Eutyches,, de cerca do século I ou II D.C., descoberto na tumba onde sua múmia repousava, na cidade egípcia de Fayum. Foto tirada pelo autor no Museu Metropolitan de Nova York, cujo acervo ele integra.

O cavalheiro que mostrou a gravura da pintura de Cleópatra trazida para a Inglaterra a Simon Wilkin e escreveu-lhe a carta contando os detalhes sobre a obra é Ramsay Richard Reinagle (1775-1862), um pintor inglês da Academia Real que chegou a estudar na Itália e na Holanda e cujos temas mais frequentes eram paisagens e retratos. Ele também especializou-se em reproduzir obras de mestres consagrados.

Porém, em 1848, Reinagle apresentou em uma exposição, como sendo de sua lavra, um quadro que, posteriormente, descobriu-se que havia na verdade sido pintado por um outro artista e que ele adquiriu de um marchand, tendo ele feito apenas algumas alterações na tela. Assim, devido ao escândalo, Reinagle foi obrigado a renunciar ao seu diploma de membro da Real Academia. Vale notar que, não obstante ele mesmo não fosse gravurista, isto é, fizesse gravuras, foram feitas várias gravuras de seus trabalhos por diversos gravuristas ingleses, entre 1818 e 1830, sendo a gravura um tipo de arte que estava na moda no período.

Ramsay Richard Reinagle, Public domain, via Wikimedia Commons

5- A Pintura Encáustica de Cleópatra desperta o interesse dos especialistas

Não obstante, a bombástica notícia de que uma supostamente antiga pintura de Cleópatra teria sido descoberta (pintura esta que, com certeza, é a mesma cuja reprodução em gravura foi vista por Simon Wilkin e referida por R. R. Reinagle) de fato circulou pelo mundo culto no início da década de 1820, tendo sido esta obra, cuja autenticidade de pronto suscitou controvérsias, examinada por integrantes da comunidade artística e científica, como podemos ver do seguinte trecho do The European Magazine, and London Review, Volume 83, edição de janeiro de 1823:

“A Pintura Encáustica de Cleópatra

-Esta pintura, executada em lousa, representa Cleópatra no instante em que ela é picada pela áspide em seu seio esquerdo. M. Luigi Micheli, a quem esta gravura pertence, fez com que a mesma fosse examinada pelo Marquês Ridolfi, um químico erudito. M.Ridolfi acredita que nela ele pode reconhecer um precioso monumento de arte anterior ao declínio da arte da pintura. Ele até supõe que ela foi feita por Tymomacus, da escola de Apelles, a quem Plutarco menciona. M. Zannoni, um conhecido antiquário de Florença, é de opinião contrária e estipula uma data bem moderna para a obra em questão. Ele observa que as feições não guardam nenhuma semelhança com as de Cleópatra existentes em antigas moedas latinas e gregas: onde ela nunca é representada com uma coroa raiada, nem o arranjo dos seus cabelos, vestido, etc., similares aos desta pintura; e que o ferimento produzido pela serpente não prova nada. M. Zannoni não reconhece nesta pintura a Cleópatra de Plutarco e Dionysius, mas, ao contrário, ele a percebe como é representada por Guido e pelos artistas modernos. Com relação à composição empregada nesta pintura, ele cita as observações do Conde de Caylus, que diz que a encáustica era utilizada pelos antigos em tabuletas de madeira, e que estes não conheciam a lousa; a encáustica tendo sido revivida e reintroduzida pelo Conde de Caylus desde 1754, e trazida à perfeição por Requeno, e por Fabbrinion e Parenti, ambos de Florença, sendo sua opinião que esta gravura pertence a um destes dois últimos. Esta pintura, objeto de pesquisas químicas e de antiquários, está agora em Paris, onde a questão que tem dividido os italianos sem dúvida será solucionada.”

Fonte: https://books.googleusercontent.com/books/content?req=AKW5Qadq8Q7gRbIFknuGYOK6B4cq0c75UEVVmHPpdKOivhAVIfwOYCyAhOBpnQ1uTbHlAuWerZ6e3kuuASZ_KUN_aNlfJlMzgqJmnMlm2ptck2Ci4BZ_wMmidcKRIAja9bw30KdjPtIoYkJRlm16PprKKScGy5iApg9b3e1vAhwFyc_ml6OX66IcE7qRumtxcF-eRr1uUCht43Bt45KyHEWjAJJ360OWCEQM7HlzmHNkEPvYHHjSXR092SzevpmXuDGeR-ISYodl2fMvP5GraJ-pTsPI9HHp_uawfL9IQ8CosG46M_wAhtM

O acima citado Marquês Ridolfi, químico que teria examinado o retrato de Cleópatra, escreveu uma carta na qual é exibida uma gravura ilustrando o mesmo, sendo a carta publicada na Autologia di Firenze, em agosto de 1822, e, posteriormente, em um artigo escrito pelo escritor, revolucionário e poeta italiano Ugo Foscolo, na London Magazine, de maio de 1826, conforme mencionado pela escritora italiana Eugenia Levi, em 1913 (La Bibliofilía, Vol. 15, No. 2/3 (Maggio-Giugno 1913), pp. 68-90, publicado pela Casa Editrice Leo S. Olschki s.r.l.). Desse modo, esta deve ter sido a primeira vez que uma imagem do retrato em questão foi publicada, e esta gravura, que copiamos do artigo de Levi pode ser vista abaixo:

Mas o fato de que essa gravura da suposta pintura de Cleópatra realmente existiu e foi divulgada na época é confirmado por uma nota publicada em 28 de agosto de 1858, na revista Notes & Queries, um periódico editado pela Oxford University Press desde 1849, voltado para estudiosos e curiosos fazerem perguntas e darem respostas sobre temas versando sobre história, antiguidades, literatura e língua inglesa. Na nota, uma pessoa anônima, que se identifica apenas pela letra grega “β”, pede informações sobre o paradeiro da pintura trazida cerca de 35 anos antes para a Inglaterra pelo Sr. Micheli, e avaliada por ele em 10 mil libras, que foi reproduzida em uma gravura que trazia exatamente o mesmo título extenso transcrito na carta de Reinagle, acima citada por Wilkin (vide Notes & Queries, 2nd S., Vol. 6 (139), p. 166, August 28, 1858, disponível no Google Play).

Não posso, contudo, deixar de observar que a saga dessa pintura de Cleópatra reveste-se de um ar suspeito, e não me surpreenderia se ela tiver sido o objeto de uma trapaça dos citados Micheli e Reinagle objetivando vender um quadro falso a algum ricaço inglês (empreitada que não deve ter sido bem sucedida, pois Reinagle relata, na carta transcrita por Wilkin, que Micheli levou a pintura de volta para a Itália, por volta de 1832…). Mas existe a possibilidade de que, mesmo não sendo proveniente da Antiguidade, a pintura possa ter sido produzida por algum anterior especialista em pintura encáustica, quem sabe os referidos Fabbrinion e Parente, ou talvez o próprio Conde de Caylus, referido na matéria do The European Magazine, and London Review.

Com efeito, Anne Claude de Tubières-Grimoard de Pestels de Lévis (1692-1785), o Conde de Caylus referido na matéria pelo especialista cético M. Zannoni, de fato foi um dos redescobridores da técnica da antiga pintura encáustica e ele também era um notável antiquário e arqueólogo amador, estudioso da arte clássica e hábil gravurista que produziu inúmeras gravuras de objetos antigos.

Comte de Caylus By Alexander Roslin – pl.pinterest.com, Public Domain, https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=21855758

Seja como for, sessenta anos após o aparecimento da pintura trazida por Micheli e vista por Reinagle e Wilkins na Inglaterra, ela seria vista e examinada na Itália pelo artista anglo- americano John Sartain, em 1883.

John Sartain fez esta gravura de si mesmo. Foto By Unknown author – http://www.antiquehelper.com/item/309799, Public Domain, https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=18992462

John Sartain (1808-1897) era um gravurista que foi o pioneiro da gravura em metal (calcografia), através da técnica chamada de meia-tinta (mezzotinto), que ele próprio introduziu nos EUA, um processo de produção de gravuras que foi muito empregado para ilustrar livros e jornais no século XIX, fazendo grande sucesso.

Em 1885, Sartain escreveu um livro que recebeu o título de “On the Antique Painting in Encaustic of Cleopatra” (na verdade, a obra está mais para um pequeno ensaio ou artigo) relatando a viagem que ele fez à Itália, em outubro de 1883, e onde teve a oportunidade de examinar duas pinturas supostamente provenientes da Antiguidade Clássica, ambas produzidas com o emprego da Encáustica sobre uma lousa de ardósia oriental: um retrato de uma jovem, com uma coroa de louros na cabeça, um seio à mostra, segurando uma lira, que, por este motivo foi apelidada de “Musa Polyhymnia“, até hoje existente no Museu da Academia Etrusca de Cortona; e uma pintura de Cleópatra, retratando-a logo após ela ser mordida pela serpente, guardada na cidade de Sorrento. O livro é dedicado ao Barão de Benneval, um nobre francês que, na ocasião, era o proprietário do retrato de Cleópatra e uma edição original do livro encontra-se no acervo da Biblioteca da Universidade de Cornell, nos EUA, e uma cópia em PDF pode ser facilmente consultada e baixada via internet.

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Capa do livro de John Sartain

No seu livro, Sartain, escrevendo da cidade de Cortona, Itália, inicialmente discorre sobre as duas pinturas, relatando as circunstâncias de suas descobertas.

6- A Musa Polyhymnia – uma pintura sobrevivente da Antiguidade Clássica?

Sartain relata, em primeiro lugar, a interessante história da Musa Polyhymnia, uma pintura supostamente antiga que teria sido descoberta em 1734 pelo Senhor Rainero Tommasi próximo à cidade de Petrignano onde aquela havia sido, por sua vez, encontrada alguns anos antes por um camponês que vivia nas terras do referido cavalheiro, tendo o humilde homem acreditado que a pintura fosse um retrato da Virgem Maria.

Após a visita de um padre que contestou a identidade da mulher retratada, considerando-a uma obra pagã, o camponês em questão resolveu usar a pintura como uma portinhola para o forno de sua casa, até ela ser resgatada deste indigno destino por seu senhorio, o citado Tommasi, que a compra, tendo então esta pintura sido mantida em poder da sua família até 1852, quando foi doada pela Senhora Louise Bartolotti Tommasi à Academia Toscana de Cortona e colocada no museu onde até hoje se encontra.

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Musa Polyhyminia, , Museu da Academia Etrusca de Cortona

A narrativa de Sartain acerca da Musa Polyhymnia é importante porque a mesma história das circunstâncias de sua descoberta foi relatada por Curzio Tommasi, sobrinho de Rainero, em 1765, como se pode constatar no livro “Fabriquer L’Antique“, de Delphine Burlot (ver https://books.openedition.org/pcjb/6288, em francês). Portanto, ainda que a estória original em si não seja isenta de suspeitas, podemos considerar que não resta dúvida de que Sartain não a inventou.

Para o nosso artigo sobre a pintura de Cleópatra, é relevante também constatar que a gravura que Sartain produziu e incluiu em seu livro reproduzindo a Musa Polyhymnia de Cortona é bem fiel ao original exposto no Museu da Academia Etrusca de Cortona, como se pode examinar abaixo.

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John Sartain, Public domain, via Wikimedia Commons

A Musa Polyhymnia acabou sendo acolhida pela comunidade de Cortona como um verdadeiro tesouro local e praticamente uma relíquia histórica proveniente da arte grega antiga, ideia que foi corroborada por algumas análises feitas por especialistas do final do séculos XVIII até a metade do século XIX, que atestaram, segundo critérios técnicos disponíveis na época, que de fato tratava-se de uma pintura encáustica proveniente da Antiguidade.

Como não se trata de nosso assunto principal, e nosso artigo já está bem longo, não vamos detalhar o processo pelo qual se chegou a essa conclusão, mas o fato é que, a partir do século XX, peritos em arte e pintura começaram a contestar a autenticidade da Musa Polyhymnia, nos aspectos estilístico e técnico, e, atualmente, o próprio Museu da Academia Etrusca de Cortona expõe a pintura como sendo um exemplar de pintura sobre ardósia que deve ter sido pintado entre os séculos XVI e XVIII.

Mas para quem se interessar em estudar a interessante saga dessa pintura, há um capítulo do já citado livro “Fabriquer L’Antique“, de Delphine Burlot (ver https://books.openedition.org/pcjb/6288) tratando da referida obra: Nesta, basicamente, a autora oferece argumentos bem elaborados de que o retrato da Musa Polyhymnia foi uma tentativa de reproduzir pinturas que haviam sido recentemente descobertas na cidade romana soterrada de Herculano, sendo provavelmente um trabalho de Camillo Paderni, um pintor italiano conhecido por pintar e copiar obras da Antiguidade e que teria sido contratado pelo antiquário Marcello Venuti, cujo objetivo seria mostrar ao rei de Nápoles que as pinturas recentemente descobertas em seus domínios – Pompéia e Herculano, não seriam obras-primas da arte greco-romana.

7- O retrato de Cleópatra é localizado em Sorrento e reproduzido em gravura por Sartain

Retornando à pintura de Cleópatra, Sartain conta a trajetória prévia da pintura até chegar às mãos do Barão de Benneval, agora com alguns detalhes que não constavam dos primeiros relatos desde 1822 e mencionados por Wilkin e Reinagle:

O outro exemplo de pintura de cavalete antiga é de grande importância, e está preservada na Villa do Barão de Benneval em Piano de Sorrento. Esta também está em boas mãos, mas também deveria encontrar um lugar de repouso permanente em alguma coleção nacional, onde deveria estar protegida para sempre. Ela representa Cleópatra morrendo da picada de uma áspide, e, obviamente, não se pode defender que se trate de um retrato feito em vida, já que foi evidentemente pintado após o trágico fim dela. Foi descoberta por Micheli, o conhecido antiquário, embaixo do recinto do Templo de Serápis, na Vila de Adriano. Da primeira pintura (ele fala da Musa Polyhymnia), não se cogita sequer de sua origem, exceto que ela é evidentemente grega, mas da última existem informações que fornecem uma aproximação razoável a uma história conectada. Quando encontrada, ela estava em dezesseis fragmentos, que ao serem juntados mostravam que praticamente nenhuma parte estava faltando. As peças separadas foram levadas para Florença, e submetidas a um exame crítico do eminente advogado Giovannni Battista Tannucci, da Academia Real de Pisa, que escreveu um elaborado relatório sobre o assunto, mostrando o quão profundamente ele ficou impressionado com o valor da descoberta. O relatório foi publicado na “Autologia di Firenze”, volume 7. Em Agosto de 1822, o conhecido cientista e químico Marquês Cosimo Ridolfi, auxiliado por Targiani Tozzeti, submeteu o material do qual ela era composto a uma análise química e dessa forma chegou ao exato conhecimento dos veículos empregados junto com os pigmentos de cor. Esses provaram serem feitos de dois terços de resina e um terço de cera. Tais experimentos estão detalhados em um estudo que também foi publicado na “Autologia”, em 1822, e dos quais eu obtive uma cópia. Os manuscritos originais de ambos os estudos estão arquivados nos arquivos públicos de Florença. Finalmente, as peças quebradas foram remontadas e colocadas juntas em uma base de cimento. Ambas as pinturas foram feitas sobre ardósia oriental de uma cor cinzenta”,

On the Antique Painting in Encaustic of Cleopatra“, John Sartain, em https://penelope.uchicago.edu/oddnotes/cleoinencaustic/cleopatraencaustic.html

Sartain também relata a quase rocambolesca da saga do retrato de Cleópatra até chegar às paredes da vila do Barão de Benneval, em Sorrento:

Após ser descoberto pelo antiquário Micheli, nas ruínas do Templo de Serápis, na Vila do imperador romano Adriano, em Tìvoli, o retrato de Cleópatra foi oferecido ao Grão-duque da Toscana, que mantinha o Museu Florentino, que recusou-se a pagar o alto preço pedido. Depois, devido a dificuldades financeiras que o negócio dos irmãos Micheli enfrentava, eles acabaram oferecendo o objeto de arte como garantia a uma dívida. Após a morte dos irmãos, os herdeiros deles, não podendo remir a dívida, venderam o quadro a um conhecido do Barão de Benneval, que quitou a dívida. Posteriormente, o adquirente vendeu o quadro ao Barão, em 1860.

O quadro, então, foi exibido em galerias de Londres, Paris, Munique e Roma, e foi em Munique que a obra teria recebido uma base de cimento, a fim de manter os fragmentos unidos com segurança, trabalho feito por M. Plater, restaurador que trabalhava para o rei Ludwig, da Baviera.

Em 1869, o imperador da França, Napoleão III, teria feito uma oferta pelo quadro, que foi enviado a Paris. Contudo, ao eclodir a Guerra FrancoPrussiana, inclusive tendo ficado lá durante o cerco prussiano à Cidade-Luz, aos cuidados do Príncipe Czartoryski. Não concluído o negócio, provavelmente pelo fato de Napoleão III ter sido deposto, em 1870, a pintura voltou para Sorrento.

Gravura da Villa do Barão de Benneval, em Sorrento, extraída do livro de John Sartain. Eu procurei na internet alguma referência à esta propriedade, bem como esquadrinhei o google earth, inclusive o street view, e não achei nenhuma menção a ela, nem encontrei nenhum prédio semelhante na cidade, mas o imóvel pode ter sido remodelado, destruído(ou apenas eu não consegui encontrá-lo).

Percebe-se que ao ser exibida em várias capitais da Europa, reacendeu-se o interesse dos especialistas em arte e antiguidades pela pintura, e o livro de Sartain menciona vários estudos que foram feitos sobre ela, sendo o mais abrangente deles, feito, obviamente com a tecnologia disponível na época, o do perito alemão D.R. Schoener.

Schoener examinou pessoalmente a pintura em Sorrento, que descreve como tendo sido feita em uma lousa de ardósia oriental medindo 79 cm de altura x 57 cm de largura, e pela descrição que ele faz, não há dúvida de que é exatamente a mesma pintura objeto do livro de Sartain.

O perito alemão considerou que o diadema que a figura ostenta na pintura corresponde à coroa radiada utilizada pelos monarcas da dinastia dos Ptolomeus, da qual Cleópatra foi a última representante, junto com seu filho Cesárion, como pode ser observado em moedas do período (não obstante, deva ser observado que até hoje não tenha sido encontrada nenhuma moeda, relevo ou escultura de Cleópatra usando este tipo de coroa), e que as joias usadas pela figura feminina retratada correspondem a tipos de ornamentos utilizados por mulheres romanas do período, conforme afrescos descobertos em Pompéia.

Ptolemy VIII Euergetes II (Physcon). 145-116 BC, usando uma coroa radiada. AR Tetradrachma, foto by Classical Numismatic Group, Inc. http://www.cngcoins.com, Public domain, via Wikimedia Commons
Moeda de Ptolomeu IV Philopator, retratando seu deificado pai, Ptolomeu III, também usando uma coroa radiada, foto by PHGCOM, CC BY-SA 3.0 https://creativecommons.org/licenses/by-sa/3.0, via Wikimedia Commons

Novamente, não vamos descrever a análise técnica dos pigmentos e do processo examinados por Schoener, que também faz no texto uma abrangente e minuciosa explanação sobre a pintura encáustica, mas falarei agora um pouco da plausibilidade do relato da descoberta do retrato, algo que também é abordado pelo alemão.

Como já mencionamos, a existência de um retrato póstumo de Cleópatra, pintado pouco depois da morte da rainha, para ser exibido no Triunfo do imperador Augusto, em Roma, é um fato relatado pelas fontes antigas. E também que, cerca de quinze anos antes do suicídio da egípcia, uma imagem ou estátua de Cleópatra foi colocada por Júlio César no Templo de Vênus Genitrix, e que, por volta do ano 160 D.C, quase duzentos anos após a morte dela, essa imagem ainda estava lá.

A Vila de Adriano, concluída no ano de 128 D.C, foi construída pelo célebre imperador não somente para ser sua residência, mas também para servir como um autêntico parque temático privado para evocar os tesouros e preciosidades do mundo greco-romano e helenístico, sendo reservado um espaço especial para o Egito, onde morreu e foi deificado Antínoo, o adorado amante de Adriano. De fato, neste particular, o complexo tinha uma grande piscina cercada por uma colunata, conhecida como Canopus, emulando o rio Nilo (nome original da cidade onde Antínoo morreu afogado), que levava a um Serapeum (Santuário do deus greco-egípcio Serápis), e neste local, foram encontradas várias esculturas de deuses em estilo egípcio, incluindo do próprio Antínoo, e do deus egípicio Bes, bem como de crocodilos. Havia também muitas reproduções de importantes obras de arte da arte clássica, trazidas de outros lugares. Muitas dessas estátuas foram escavadas no século XVIII.

O Serapeum, na Vila de Adriano. Foto Carole Raddato from FRANKFURT, Germany, CC BY-SA 2.0 https://creativecommons.org/licenses/by-sa/2.0, via Wikimedia Commons

Sabe-se, pelas fontes, que a Vila de Adriano ainda era utilizada pelos imperadores no século III D.C., e, embora tudo indique que esta residência palaciana tenha sido paulatinamente abandonada a partir de então, o mais provável é que a propriedade continuasse sendo parte do patrimônio imperial até a Queda do Império Romano do Ocidente, em 476 D.C. Já no período ostrogodo, há relato de que as instalações da Vila de Adriano foram utilizadas como armazém tanto pelos germânicos como pelos bizantinos, durante a Guerra Gótica, que durou de 535 a 554 D.C. Nessa época, então, tudo que deveria haver de valor já teria sido saqueado há várias décadas.

E ainda assim, enquanto o Império Romano ainda não tinha caído, a partir do final do século IV D.C, com a decisão de Teodósio, o Grande de tornar o Cristianismo a religião oficial do Estado, iniciou-se um grande surto de vandalização e destruição de estátuas ou de edifícios que estivessem relacionados com o Paganismo.

Efetivamente, é enorme a quantidade de estátuas desse período que apresentam danos intencionais causados por fanáticos cristãos. E, ironicamente, graças ao fato delas não serem feitas de material precioso e de terem sido destruídas ou danificadas, e arrojadas e descartadas, ficando perdidas embaixo de detritos ou da própria terra, é que ainda hoje muitas dessas obras são encontradas, ainda que em fragmentos.

Assim, uma pintura como a de Cleópatra, ostentando a coroa radiada (sinal de divindade) e trazendo a serpente enrolada no braço (para os cristãos da época, um símbolo do Diabo), poderia muito bem ter sido percebida como um ídolo pagão e destruída em pedaços, assim que esses fanáticos religiosos tiveram acesso à Vila de Adriano, que já devia estar abandonada no século V D.C.

Normalmente, pinturas não sobrevivem muito tempo ao ar livre, mas, tendo sido realizada com a técnica da encáustica, que foi criada justamente para resistir à água, e estando em fragmentos soterrados sobre grande quantidade de material ou solo, torna-se, a meu ver, bem plausível acreditar que uma pintura encáustica sobre ardósia proveniente da Antiguidade possa ter chegado em bom estado até o século XVIII ou XIX.

Obviamente que espertalhões do mercado de antiguidades e falsários (não obstante, frequentemente eruditos e versados nos textos antigos), poderiam saber de tudo isso, assim como as suas vítimas prediletas: os ricaços europeus adeptos do “Grand Tour” (a febre de viagens educativas aos berços da Civilização Greco-Romana que grassou no final do século XVIII até meados do século XIX) e os monarcas e nobres colecionadores ávidos por peças antigas para abrilhantar os seus museus e galerias.

Que a pintura pode ser falsa, admitamos, é uma suspeita que também é estimulada pela divergência nos relatos acerca da sua descoberta. Segundo a já citada carta de Reinagle a Wilkin, ele menciona que a mesma, segundo o antiquário Micheli, “foi encontrada nas cavidades de uma grande adega, onde outros fragmentos da Antiguidade foram depositados. Que ela estava em uma caixa de madeira muito grossa quase que totalmente deteriorada“, portanto, um relato um tanto diferente do que nos foi trazido por Sartain (achado embaixo do recinto do templo de Serápis). Mas, também é admissível, e nos parece até bem provável, que as versões diferentes sejam apenas fruto de um ruído na transmissão dos fatos por Reinagle que não entendeu ou relatou com precisão o que teria ouvido de Micheli. Ele pode muito bem ter confundido “Cella” (recinto de um templo ou santuário antigo) com “Cellar” (adega, em inglês).

Não obstante, Schoener, baseando-se muito na análise de Ridolfi, e na comparação entre o que ele observou na pintura e as características da técnica da encáustica exaustivamente mencionadas por ele, concluiu que a pintura é autêntica.

John Sartain incluiu no livro uma gravura que ele fez retratando a pintura de Cleópatra que ele pôde observar na Vila do Barão de Benneval. Examinando-a podemos notar que é muito semelhante, podendo muito bem ser a mesma, que foi impressa na carta do Marquês Ridolfi publicada na Autologia di Firenze, em agosto de 1822, obviamente que com algumas diferenças decorrentes da técnica utilizada e do estilo de cada artista.

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Gravura de retrato de Cleópatra em posse do Barão de Benneval,por John Sartain

Considerando que a gravura de Sartain retratando a Musa Polyhymnia reproduz muito bem o original até hoje exposto na Museu da Academia Etrusca de Cortona, é admissível cogitarmos de que a sua gravura do retrato de Cleópatra também seja bem fiel à pintura encáustica de propriedade do Barão de Benneval, que, segundo todos os relatos, seria a pintura de Cleópatra alegadamente desenterrada na Vila de Adriano, e que, supostamente, seria um original proveniente da Antiguidade, pintado logo após a morte da rainha egípcia.

8- Um anticlímax…

Eu estava já terminando de escrever este artigo, quando, em um último afã de obter mais alguma informação sobre o paradeiro deste suposto retrato de Cleópatra, que tanto eletrizou a comunidade artística e científica durante boa parte do século XIX, deparei-me com a já mencionada cópia do artigo da escritora italiana Eugenia Levi, publicado em 1913 (La Bibliofilía, Vol. 15, No. 2/3 (Maggio-Giugno 1913), pp. 68-90, pela Casa Editrice Leo S. Olschki s.r.l..

O artigo, cujo título é “L’articolo sull’Incausto” di Ugo Foscolo” trata, como o nome diz, sobre um artigo escrito pelo escritor, revolucionário e poeta italiano Ugo Foscolo, na London Magazine, de maio de 1826, na qual foi reproduzida uma gravura do retrato de Cleópatra conforme já relatamos no item 5 deste nosso artigo.

Para minha grande surpresa, no final do seu artigo, Eugenia Levi relata que conseguiu o endereço da viúva do Barão de Benneval, que estava vivendo em Nápoles, após a Vila deles em Piano de Sorrento ter sido vendida. Embora não tenha conseguido se encontrar com a viúva, Eugenia Levi conseguiu obter o endereço do antiquário onde o retrato de Cleópatra que pertencia ao finado Barão estava à venda! (vide cópia abaixo do artigo, que pode ser baixado em https://www.jstor.org/stable/26207999?read-now=1&refreqid=excelsior%3A6c88eef44eb77fd9269dfa8401934097&seq=23#page_scan_tab_contents

De acordo com Eugenia Levi, o quadro estava sob os cuidados do antiquário Ferdinando Massa, em sua loja situada na Praça Torquato Tasso, em Sorrento. Finalmente, após três meses de insistência por parte de Eugenia Levi, o antiquário consentiu em lhe remeter uma fotografia do retrato de Cleópatra, que se encontra estampada na página 70 do referido artigo, cuja cópia, igualmente extraída do JSTOR.ORG, encontra-se abaixo:

Tenho que confessar que, após fazer esta longa, mas divertida, jornada em busca do paradeiro do Retrato de Cleópatra, aprendendo sobre os mistérios da antiga pintura encáustica e sua redescoberta no século XVIII, trilhando a instigante investigação realizada por tantos especialistas oitocentistas sobre esta elusiva obra, ao comparar a figura acima, enviada pelo antiquário como sendo a da pintura que, após tantas peripécias, chegou às mãos do Barão de Benneval, com a reprodução em gravura feita por John Sartain, o sentimento que desponta é o de decepção.

Com efeito, o retrato de Cleópatra que aparece na foto do Antiquário onde ela estava exposta à venda, no ano de 1913, não se parece nada com uma pintura produzida na Antiguidade Clássica. E a mesma também parece diferente e, em termos artísticos, muito inferior às reproduções que dela se fizeram, sobretudo a de Sartain.

Teria sido a foto encaminhada pelo antiquário à Eugenia Levi tirada em condições desfavoráveis e/ou por uma máquina fotográfica ruim? Ou seria a pintura mostrada na foto, na verdade, uma falsificação de má qualidade, ainda que a real pintura que pertenceu ao Barão de Benneval também fosse nada mais do que uma falsificação, só que mais bem feita? Uma outra possibilidade a ser cogitada é que a pintura tenha sido danificada ou mal restaurada.

De qualquer forma, ainda que o Retrato de Cleópatra de Sorrento não seja autêntico, a sua saga é tão interessante que esperamos que um dia ele reapareça, e então poderá ser submetido a exames com técnicas científicas modernas.

ADENDO: QUAL SERIA A REAL APARÊNCIA DE CLEÓPATRA?

Em tempos recentes, têm surgido artigos acerca da real aparência de Cleópatra, os quais, por terem sido escritos, a nosso ver, com um viés mais ideológico do que histórico, vêm suscitando polêmicas. A tese subjacente é que tendo ela nascido e sido governante de um Reino situado na África, a rainha necessariamente deveria ter uma aparência fenotípica de etnias da África Subsaariana.

Aproveito aqui para ressaltar que, para este autor, a aparência de Cleópatra, em termos fenotípicos, não deve ser tomada como historicamente relevante, tanto para justificar como para combater preconceitos raciais existentes na atualidade, tanto isso é verdade que nenhum dos historiadores da Antiguidade preocupou-se em relatar qual era a cor da sua pele, dos seus olhos ou dos seus cabelos.

Com efeito, não há fontes históricas descrevendo as características físicas de Cleópatra, como pode ser constatado nas citações de Plutarco e Cássio Dião abaixo, sobretudo no que se refere a cor da pele. E o motivo prosaico para isso é que, no Mundo Helenístico Clássico, esta era uma questão praticamente irrelevante: o que importava era estar o indivíduo inserido no universo civilizacional ou cultural greco-romano, pertencesse ele a qualquer grupo étnico, em assim sendo, ele era distinto daqueles que não faziam parte da civilização helenística, genericamente tachados de “bárbaros“.

Assim é que um norte-africano de origem berbere e cartaginesa de pele bem escura, como Septímio Severo, pôde se tornar imperador, e um general romano de origem germânica, filho de um chefe vândalo com uma cidadã romana, como Estilicão, jamais poderia aspirar ao trono. Por tudo isso, em nosso anterior artigo sobre Cléopatra, não mencionamos nada acerca de suas características físicas.

Finalmente, é preciso dizer que a História registra grandes rainhas negras, como Candace da Etiópia, que derrotou um exército do imperador Augusto, e a rainha Nzinga, de Angola, entre muitas outras.

Feito este parêntese, não podemos deixar de reconhecer, por outro lado, que sendo Cleópatra uma das mulheres mais fascinantes de todos os tempos, é mais do que natural a curiosidade acerca de sua aparência, e, felizmente, a História e a Arqueologia nos oferecem algumas pistas.

Ancestralidade

Cleópatra e sua família eram descendentes diretos do nobre macedônio Ptolomeu,  um general que foi um dos auxiliares mais próximos do rei da Macedônia, Alexandre, o Grande.

Ptolomeu era filho da nobre macedônia Arsinoe, que algumas fontes relatam ter sido concubina de Filipe II, o pai de Alexandre, o Grande, a quem chegou-se a atribuir a paternidade do próprio Ptolomeu. Segundo esta narrativa, Filipe II teria dado Arsinoe, já grávida de Ptolomeu, ao seu cortesão Lagus de Eordaia, que é oficialmente o pai de Ptolomeu. Em outra versão, considerada mais verossímil pelos historiadores modernos, Arsinoe seria filha de Meleagro, que por sua vez era primo do rei macedônio Aminthas III, pai de Filipe II e descendente do rei Alexandre I da Macedônia.

Ptolomeu I Soter

Os Macedônios habitavam o norte da Grécia continental, na península dos Bálcãs e falavam um dialeto que se acredita ser derivado do grego dórico do noroeste; eles compartilhavam as crenças religiosas, costumes e outros elementos culturais com seus vizinhos do sul da Grécia. Portanto, a maioria dos estudiosos considera que os Macedônios eram etnicamente gregos apesar do fato de que, durante o período clássico, os Gregos do sul, especialmente os Atenienses, considerassem os Macedônios como bárbaros ou semibárbaros, muito em função do fato deles terem adotado uma forma de organização política, baseada não na polis (Cidades-Estado autônomas e frequentemente democráticas), mas sim no regime monárquico. Não obstante, acredita-se também que os Macedônios podem ter absorvido ou se misturado a algumas populações de etnias trácias e ilírias que teriam habitado o mesmo território.

Quando Alexandre morreu, em 323 A.C, os seus generais mais próximos estabeleceram-se, inicialmente, como “sátrapas” (governadores) das terras que tinham sido anexadas pelo rei macedônio, e a Ptolomeu coube governar o Egito. Em 305 A.C., Ptolomeu, da mesma forma que os outros sátrapas, após uma série de conflitos entre eles e outros pretendentes à sucessão de Alexandre, denominada de Guerra dos Diádocos, autoproclamou-se rei do Egito, com o nome de Ptolomeu I Soter.

Ptolomeu I teve várias mulheres e filhos, que conseguiram posições proeminentes em outros reinos helenísticos, mas quando já governava o Egito, ele conheceu e se casou com Berenice I, uma nobre da Eordaia, inicialmente uma região limítrofe ao norte que depois veio a integrar a Macedônia, e que era filha de Antígona, sobrinha do regente da Macedônia, Antípatro, e de Magas, ele também um nobre macedônio da Eordaea. De sua união com Berenice I, nasceu o sucessor de Ptolomeu I no trono do Egito, Ptolomeu II Filadelfo (*309 A.C/+246 A.C) que por sua vez casou-se com sua prima distante Arsinoe I, filha do rei Lisímaco, um dos Díadocos, generais macedônios sucessores de Alexandre, o Grande, e que se tornou rei da Trácia, da Ásia Menor e da Macedônia, e de Nicéia, filha do mencionado regente Antípatro.

Ptolomeu II FIladelfo foi sucedido por seu filho Ptolomeu III Evergetes (*280 A.C/+222 A.C), fruto de seu casamento com Arsinoe I. Ptolomeu III, por sua vez, casou-se com sua prima Berenice II, rainha da Cirenaica e filha de Magas de Cirene que era filho do primeiro casamento de Berenice I, a já referida esposa de Ptolomeu I Soter, com Filipe, um oficial macedônio do Exército de Alexandre, o Grande.

No Egito, os sucessores e descendentes de Ptolomeu I e Ptolomeu II para se legitimarem perante os súditos nativos, adotaram também muitos dos costumes da realeza nativa, entre os quais estavam os casamentos endogâmicos, principalmente entre irmão e irmã, que tinham o objetivo de preservar o caráter divino da linhagem sanguínea dos faraós. Ainda assim, a língua da corte era o grego koiné, também utilizado para os assuntos diplomáticos e administrativos.

A personagem de nosso artigo, Cleópatra VII Philopator, nasceu em 69 A.C, em data ainda desconhecida, em Alexandria. Ela era filha legítima do faraó Ptolomeu XII Auletes. (*117 A.C/+51 A.C.) Nâo se sabe exatamente quem foi a mãe de Cleópatra,, assim, como há dúvidas acerca da identidade da mãe do pai dela. Ptololeu XII era o filho mais velho do faraó Ptolomeu IX Soter II (*c.141 A.C/+81 A.C.) e algumas fontes antigas, como Cícero, afirmam que o pai de Cleópatra seria filho ilegítimo deste último, o que pode significar que ele era filho de uma concubina, provavelmente oriunda da aristocracia, seja a originária da Macedônia ou a nativa do próprio Egito. Por sua vez, Ptolomeu IX era filho de Ptolomeu VIII Evergetes II, apelidado de Physcon (*c. 184 A.C/+116 A.C), filho de Ptolomeu V Epifânio (*210 A.C./+180 A.C.), filho de Ptolomeu IV Philopator e da rainha Arsinoe III, e assim na linha direta paterna, regressivamente, até o fundador da dinastia, Ptolomeu I Soter (*367 A.C/+282 A.C.).

Vale observar que Ptolomeu V Epifânio, por razões diplomáticas, casou-se com Cleópatra I Síria, que era filha do rei Antíoco III, o Grande, tatareneto do nobre e general macedônio Seleuco I Nicator, que era outro dos Díadocos e fundador do Império Selêucida, que dominou a Mesopotâmia, a Sìria e a Anatólia (Turquia). A mãe de Cleópatra I Síria era a rainha Laodice III, filha do rei Mitridates II do Ponto, descendente da nobreza persa e da rainha Laodice, por sua vez filha do rei selêucida Antíoco II Theos, que era neto de Seleuco I Nicator.

Antíoco III, provável antepassado de Cleópatra, foto Carole Raddato from FRANKFURT, Germany, CC BY-SA 2.0 https://creativecommons.org/licenses/by-sa/2.0, via Wikimedia Commons

Abaixo, apresentamos as imagens de todos os ascendentes masculinos de Cleópatra na linha direta paterna, excluindo Ptolomeu I Soter, cujo busto encontra-se no início deste tópico.

Ptolomeu II FIladelfo, foto de Naples National Archaeological Museum, CC BY 2.5 https://creativecommons.org/licenses/by/2.5, via Wikimedia Commons
Ptolomeu III, Evergetes, foto de Miguel Hermoso Cuesta, CC BY-SA 3.0 https://creativecommons.org/licenses/by-sa/3.0, via Wikimedia Commons
Ptolomeu IV Philopator, foto de British Museum, Public domain, via Wikimedia Commons
Ptolomeu V, Epifânio, foto de ArchaiOptix, CC BY-SA 4.0 https://creativecommons.org/licenses/by-sa/4.0, via Wikimedia Commons
Ptolomeu VIII Physcon, bisavô de Cleópatra, foto American Numismatic Society, CC0, via Wikimedia Commons
Ptolomeu IX Soter II, avô de Cleópatra, foto Keith Schengili-Roberts, CC BY-SA 2.5 https://creativecommons.org/licenses/by-sa/2.5, via Wikimedia Commons
Ptolomeu XII Auletes, pai de Cleópatra, foto Louvre Museum, Public domain, via Wikimedia Commons

De acordo com historiadores da dinastia ptolomaica, considera-se a rainha-consorte Cleópatra V Tryphaena como a figura histórica mais provável de ter sido a mãe da nossa Cleópatra. Ela é uma personagem obscura, da qual pouco se sabe, além dos fatos de que casou-se com Ptolomeu XII Auletes em 79 A.C., e pode tanto ter sido filha, legítima ou ilegítima, de Ptolomeu IX (e, portanto, como mandava o costume faraônico, seria irmã ou meia-irmã de seu marido Ptolomeu XII. Mas ela também pode ter sido filha legítima de Ptolomeu X, irmão mais novo de seu marido. É possível que Cleópatra Tryphaena tenha falecido ao dar à luz à sua filha mais célebre. Mas deve ser ressalvado que não há certeza absoluta de que ela seja a mãe da nossa personagem principal, Cleópatra VII.

Precisamos, ainda, ressaltar que é uma pouco tormentoso traçar a genealogia de algumas mulheres da dinastia ptolomaica porque no último século desta houve muita instabilidade, havendo muitos pretendentes rivais que se sucederam no trono, sendo eles irmãos, primos ou sobrinhos, algumas vezes reinando junto com a própria mãe e, sobretudo, porque todas as mulheres da dinastia, em três séculos de existência, somente recebiam um desses três nomes: “Cleópatra“, “Arsinoe” ou “Berenice“.

Abaixo, apresentamos imagens de algumas prováveis ascendentes de Cleópatra, tanto pela linha materna como paterna.

Cleopatra Tryphaena, provável mãe de Cleópatra, foto de Musée Saint-Raymond, Public domain, via Wikimedia Commons
Acredita-se que este busto pode representar Cleópatra II, ancestral de Cleópatra VII, foto Louvre Museum, Public domain, via Wikimedia Commons
Arsinoe III, mãe de Ptolomeu V, tataravó de Cleópatra, foto Sailko, CC BY 3.0 https://creativecommons.org/licenses/by/3.0, via Wikimedia Commons
Berenice II, foto de Sailko, CC BY 3.0 https://creativecommons.org/licenses/by/3.0, via Wikimedia Commons
Segundo estudiosos, este mosaico pode representar, Berenice II, ascendente de Cleópatra
Arsinoe I, foto de Einsamer Schütze, CC BY-SA 3.0 https://creativecommons.org/licenses/by-sa/3.0, via Wikimedia Commons

Descendência

Se conhecer alguns dos principais ascendentes de Cleópatra pode nos dar uma pista sobre a aparência dela, vamos também, com esta mesma finalidade, examinar os seus descendentes:

Em 23 de junho de 47 A.C., Cleópatra deu a luz a seu primeiro filho, que se chamou Ptolemaios XV Philopator Philometor Caesar. Ela anunciou que o menino, que receberia o apelido de Caesarion (Cesárion ou Cesarião), era fruto do seu relacionamento com o Ditador de Roma, Caio Júlio César, que, aliás, nunca negou publicamente a paternidade, apesar de, igualmente, ele jamais ter reconhecido oficialmente a criança, nem mesmo em seu testamento, aberto após o seu assassinato nos Idos de março de 44 A.C.

Caesarion
Cabeça encontrada em Alexandria que se acredita retratar Caesarion como Faraó. Os traços faciais lembram muito os das imagens de Cleópatra; Sdwelch1031, CC0, via Wikimedia Commons

Posteriormente, no final de 40 A.C., Cleópatra deu a luz a um casal de gêmeos, que receberam os nomes de Alexandre Helios (Sol) e Cleópatra Selene (Lua), nascidas de seu relacionamento amoroso com o Triúnviro romano Marco Antônio. A menina depois se casaria com o rei Juba II, da Numídia e Mauritânia, união da qual nasceria Ptolomeu da Mauritânia, que seria o último monarca do referido reino.

Busto de Cleópatra Selene, foto de Hichem algerino, CC BY-SA 4.0 https://creativecommons.org/licenses/by-sa/4.0, via Wikimedia Commons
Acredita-se que esta seja uma estatueta de Alexandre Helios, filho de Cleópatra, foto de Metropolitan Museum of Art, CC0, via Wikimedia Commons
Busto de Ptolomeu da Mauritânia, neto de Cleópatra, foto PericlesofAthens, CC0, via Wikimedia Commons

Cleópatra também teve com Marco Antônio mais um filho, que nasceu entre agosto e setembro de 36 A.C. O menino recebeu o nome de Ptolomeu Philadelphus que, juntamente com seus outros irmãos foi exibido no triunfo de Otaviano pelas ruas de Roma, em 29 A.C., fato após o qual ele não é mais mencionado pelas fontes.

Representações de Cleópatra

As fontes históricas antigas que sobreviveram até os nossos dias não mencionam a cor da pele, dos cabelos, dos olhos, altura, ou qualquer característica física de Cleópatra.

E os historiadores Plutarco e Cássio Dião, inclusive, divergem um pouco sobre a beleza da rainha egípcia. Para Plutarco, a beleza da rainha não tinha nada de notável; já, para o segundo, Cleópatra seria uma mulher estonteante:

A beleza dela, de acordo com o que nos foi dito, em si mesma não era de todo incomparável, nem tanta que impactasse aqueles que a viam, mas a sua presença tinha um charme irresistível, e havia uma atração na sua pessoa e na sua conversa, que, junto com a peculiar força de sua personalidade, em cada palavra ou gesto, deixavam todos que se envolvessem com ela enfeitiçados. Apenas escutar o som da voz dela já era um prazer, e a sua língua, como se fosse um instrumento de muitas cordas, podia passar de um idioma para outro, conforme ela desejasse, de modo que havia poucas nações bárbaras para as quais ela precisava de um intérprete, respondendo-lhes pessoalmente e sem auxílio.”

Plutarco, Vida de Antônio, 27,2

Pois ela era uma mulher de beleza transcendente, e, naquela época, quando ela estava na flor da sua idade, ela estava ainda mais impactante; ela também possuía uma voz muito charmosa, e sabia como se fazer ainda mais agradável a todos. Sendo deslumbrante tanto para ser vista como para ser ouvida, e com o poder de conquistar a qualquer um, e até mesmo um homem saciado de amor que já tinha ultrapassado o auge da idade, ela achou que era o seu papel encontrar César e escorar em sua beleza todas as suas reivindicações ao trono.”

Cássio Dião, História de Roma, Livro LII, 34, 4 – 35, 1

De qualquer modo, baseados no relato dos dois historiadores, podemos considerar que, com certeza, Cleópatra não era uma mulher feia, como às vezes se lê em algumas reportagens modernas.

Há, na verdade, uma menção antiga aos traços físicos de Cleópatra, no caso a cor da pele, embora não em textos de historiadores ou cartas, mas em um poema. Em nossa opinião, não obstante esta observação possa decorrer de licença poética, deve ser observado, que Lucano, o poeta que escreveu os versos (no caso, a parte que canta um banquete que Cleópatra ofereceu a Júlio César, em Alexandria), tendo vivido entre 39 D.C e 65 D.C, estava muito mais próximo da época de Cleópatra do que as demais fontes citadas neste texto. Acredita-se que o poema tenha sido escrito por volta de 60 D.C, quando provavelmente as últimas pessoas que teriam conhecido Cleópatra viva já teriam morrido ou teriam idade avançadíssima (cerca de 100 anos de idade), mas provavelmente deveriam existir muitas imagens pintadas dela, e também pessoas vivas que teriam conhecido alguém que conviveu com a rainha. Portanto, acreditamos que qualquer alusão que fosse incompatível com a aparência de Cleópatra poderia gerar críticas ou até mesmo escárnio por parte do público romano letrado:

“… E então vieram legiões de escravas. Elas na cor da pele e na idade variavam ;

Algumas tinham os negros cabelos da Líbia, e outras cabelos tão ruivos ostentavam,

que César negou que ele alguma vez tivesse visto cabelos tão vermelhos;

nas terras pelo Reno banhadas;

Outras tinham a pele negra, e de suas testas recuava uma cabeleira encaracolada;

Ali os monarcas, junto a César, cujo poder era maior, se reclinavam;

E a Rainha (Cleópatra), sua perigosa beleza por cosméticos reforçada,…

Vestia riqueza em sua cabeça e pescoço, e sentindo em si suas joias pesadas,

Seus seios brancos como a neve, através do tecido diáfano sidônio, rebrilhavam.

Lucano, Pharsalia 10, 125-145


Das representações antigas de Cleópatra, aquelas sobre as quais não pairam dúvidas sobre o fato de ser ela a pessoa retratada na imagem são as moedas cunhadas durante o seu reinado. Mesmo assim, estudiosos frequentemente debatem se a figura constante das mesmas é um retrato fidedigno da rainha, sendo que com relação a alguns exemplares se a possibilidade da imagem ser um padrão convencional, ou de ser o reaproveitamento de outras moedas e até mesmo se acredita que em alguns casos a cunhagem tenha tido a intenção de reforçar algum atributo masculino. Não obstante, há bastante homogeneidade com relação a vários traços, como por exemplo, o penteado estilo “melão”, o coque, o nariz adunco (às vezes bem pronunciado, às vezes apenas levemente curvado), os olhos grandes, o queixo proeminente, e a tiara, como símbolo helenístico da realeza.

Abaixo, apresentamos alguns exemplares de moedas com a efígie de Cleópatra:

Cleopatra_VII_tetradrachm_Ascalon_mint

Cleopatra VII. 51-30 BC. Æ Hemiobol of Patra – Hexachalkon (21mm, 5.01 g). Agias, son of Lyson, magistrate. Struck circa 32/1 BC.  http://www.cngcoins.com
Otto Nickl, Public domain, via Wikimedia Commons

Com relação às estátuas e bustos de mármore que se considera como sendo retratos de Cleópatra, não há certeza absoluta de sua identidade, uma vez que não há nelas nenhuma inscrição informando tratar-se dela, porém, tendo em vista os atributos da imagem, especialistas em Arte e historiadores consideram que um punhado de obras efetivamente retratam a rainha egípcia. A seguir, reproduzimos os exemplares mais aceitos:

A cabeça de mármore abaixo foi descoberta no ano de 1784 nas ruínas da Villa dos Quintílios, na Via Ápia, em Roma, e estima-se que seja datada entre 40 A.C e 30 A.C, encontrando-se atualmente no Museo Gregoriano Profano, integrante dos Museus Vaticanos. Ela ostenta o penteado estilo melão, o coque e a tiara da realeza ptolomaica, esta com um detalhe que pode ser uma pedra preciosa (falaremos sobre isso mais adiante) ou talvez seja o resto de uma serpente (ureaus, ornamento característico dos faraós). Infelizmente, o nariz da escultura foi danificado, de forma intencional, provavelmente, e se perdeu.

Cleopatra_VII,_Marble,_40-30_BC,_Vatican_Museums_001
Portrait of Cleopatra VII. Inv. No. 38511. Rome, Vatican Museums, Pius-Clementine Museum.

 

Já esta outra célebre cabeça de mármore é conhecida como o Retrato de Cleópatra de Berlim e está no Altes Museum, Staatliche Museen zu Berlin. Ela foi descoberta entre 1786 e 1797 durante escavações patrocinadas pelo Cardeal Antonio Despuig y Dameto, Conde de Montenegro, também efetivadas na Via Ápia, ao sul de Roma, no trecho compreendido entre Ariccia e Genzano. Não é preciso ser especialista forense para se notar que se trata, quase que com absoluta certeza, da mesma mulher retratada na escultura anterior, no Museo Gregoriano Profano, e ambas devem ser contemporâneas. Olhos, boca, os cabelos e o penteado, e o formato geral do rosto, são praticamente idênticos. A mulher também ostenta uma tiara real, porém sem qualquer engaste. Exceto por este detalhe, as tiaras são idênticas às retratadas nas moedas de Cleópatra. Vale notar que ambas as esculturas apresentam uma espécie de marca próxima à maçã do rosto (também falaremos sobre isso em breve). Vale citar que os cabelos da cabeça ainda têm traços de pigmentos vermelhos, indicando que seriam ruivos. Confiram as fotos abaixo:

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cleopatra -0035_Altes_Museum_Portrait_Kleopatra_VII_anagoria

Interessante observar que os traços fisionômicos das mencionadas cabeças do Museu Gregoriano Profano e do Altes Museum parecem muito com as imagens existentes de Ptolomeu XII Auletes, o pai de Cleópatra.

Existe, ainda, uma estátua retratando Cleópatra, encontrada na área pertencente à Villa dos Quintílios, na Via Ápia (e não na Tomba de Nero, na Via Cássia, como originalmente se pensava), também escavada entre 1783 e 1784. Porém, o corpo da estátua é uma cópia romana de um original do final do século V A.C. Já os braços e os pés originais faltantes foram substituídos por outros. Por sua vez, a cabeça é um molde da cabeça existente no Museu Gregoriano Profano, supracitada, porém com um nariz provavelmente ajuntado.

Cleopatra_VII,_marble,_Vatican_Museums,_Pius-Clementine_Museum,_Room_of_the_Greek_Cross_2

Há outras estátuas de Cleópatra produzidas no Egito, porém, o exame das mesmas demonstra terem sido produzidos no estilo altamente estilizado da arte egípcia, e tudo indica não são retratos naturalistas. De qualquer forma, reproduzimos alguns exemplares abaixo, incluindo também um relevo do Templo de Dendera, no Egito.

Estátua de Cleópatra VII no Museu Hermitage, em São Petersburgo, foto: I, George Shuklin, CC BY-SA 3.0 http://creativecommons.org/licenses/by-sa/3.0/, via Wikimedia Commons
Estátua presumidamente de Cleópatra VII, no Museu Metropolitan de Nova York
Relevo no Templo de Dendera, Egito, retratando Cleópatra VII e seu filho Cesarion. Foto: anegyrics of Granovetter, CC BY-SA 2.0 https://creativecommons.org/licenses/by-sa/2.0, via Wikimedia Commons

Para finalizar, há pouco mais de dez anos, levantou-se a possibilidade de que uma pintura existente em uma parede de uma casa em Pompéia retrate Cleópatra.

Segundo a arqueóloga Susan Walker, do Museu Britânico e do Ashmolean Museum, da Universidade de Oxford, uma pintura encontrada na sala 71 da Casa de Marcus Fabius Rufus, em Pompéia pode representar Cleópatra, ou, mais especificamente, a uma estátua de Cleópatra, possivelmente retratada como Ísis/Afrodite, colocada por Júlio César, no Templo de Vênus Genitrix que ele ergueu no Fórum de César, em Roma (Vide “Cleopatra in Pompeii?“, em Papers of the British School at Rome 76 (2008), pp. 35-46 e 345-8, https://www.cambridge.org/core/services/aop-cambridge-core/content/view/S00682462000004040)

A pintura mostra uma figura feminina, que pode ser identificada como Vênus, na soleira da porta de um templo com uma pequena figura apoiada em seu ombro direito, que seria seu mitológico filho Cupido, encostado no seu rosto e no seu pescoço. A pesquisadora Eleanor Winsor Leach entendeu que a cena retrataria uma atriz de teatro representando uma rainha, porém, ao contrário do que é recorrente neste tema, nenhuma máscara teatral é mostrada.

Susan Walker nota que a representação de Vênus com o Cupido em questão é associada com a Vênus Genitrix, atributos da deusa que foi primeiro celebrada em público por Júlio César, que lhe dedicou o primeiro templo de Vênus Genitrix em Roma, onde, como já vimos, de acordo com as fontes romanas, como Apiano e Cássio Dião, foi colocada uma estátua de Cleópatra, provavelmente com os mesmos atributos da deusa, já que no Egito, a rainha era associada à deusa Ísis, que por sua vez, em Roma estava associada à Vênus/Afrodite.

Observa, ainda, a arqueóloga, que as joias ostentadas pela deusa na pintura correspondem às que se encontravam na moda em Pompéia, bem como em Alexandria, na metade do século I A.C. Ela veste um manto púrpura, talvez reminiscente do direito que foi conferido a César de usar uma toga desta mesma cor.

O véu diáfano que cobre a cabeça da mulher na pintura apresenta dobras que fazem perceber o penteado estilo “melão”, característico das representações de Cleópatra, e ela ostenta uma tiara dourada tendo no centro uma pedra preciosa de cor vermelha. Esta tiara assemelha-se um tanto à tiara que adorna a cabeça de Cleópatra existente no Museo Gregoriano Profano, mostrada acima, e que também tem um objeto incrustado no centro, muito provavelmente também uma pedra preciosa. Os cabelos da mulher são ruivos, ou castanho avermelhados (algo que é relativamente comum na Arte Clássica, tanto por haver menções a mulheres de cabelos ruivos, na mitologia e na vida real, em Roma e na Grécia, como pelo fato comprovado de muitas delas tingirem o cabelo desta cor).

Segundo uma teoria citada pela arqueóloga, a marca existente na maçã do rosto desta cabeça (assim como também há uma semelhante na lateral do rosto, porém menor e mais próxima à orbita do olho na cabeça de Cleópatra integrante do acervo do Altes Museum, em Berlim), têm uma correspondência com a posição do Cupido na pintura de Pompéia, dando a entender que as duas cabeças, que seriam inspiradas na referida estátua de Cleópatra no templo de Vênus Genitrix, ali retratada, também, originalmente, teriam uma estátua de Cupido colada à face, posteriormente removidas ao longo dos séculos. A presença de Cupido evocaria Cesárion, o filho que Cleópatra deu à luz como fruto de seu relacionamento amoroso com César.

Venus_and_Cupid_from_the_House_of_Marcus_Fabius_Rufus_at_Pompeii,_most_likely_a_depiction_of_Cleopatra_VII_(2)

A comparação da fisionomia da mulher retratada na pintura acima, que Susan Walker propõe representar Cleópatra, com as duas cabeças existentes nos dois museus anteriormente citados, mostra vários pontos coincidentes, como, por exemplo, o formato dos olhos, do nariz, da boca, além do penteado e cor dos cabelos (e também, eu acrescentaria, todos esses traços são semelhantes à pintura que pertenceu ao Barão de Benneval, supostamente sobrevivente da Antiguidade, como já vimos).

Finalmente, no artigo de Susan Walker, consta a informação de que a pintura em questão, encontrada na sala 71 da Casa de Marcus Fabius Rufus, encontrava-se atrás de uma parede construída posteriormente, como se os proprietários da casa quisessem escondê-la, fato que a arqueóloga relaciona como decorrente da derrota de Marco Antônio e Cleópatra na Guerra Civil do Segundo Triunvirato por Otaviano, e da consequente inconveniência política de se ter em casa uma estátua da inimiga do primeiro imperador de Roma, sobretudo ostentando a presença do pretenso filho natural dela com o seu pai adotivo no recém-inaugurado regime imperial.

Portanto, se Susan Walker estiver certa, e a pintura de Pompéia retratar mesmo Cleópatra, ou então a sua estátua no Templo de Vênus Genitrix (lembrando que as estátuas romanas eram pintadas em cores para retratar a aparência real ou presumida dos representados), ela pode constituir a representação mais acurada da rainha egípcia, a não ser, é claro, que a pintura da Vila do Barão de Benneval, em Sorrento, seja autêntica…

FIM

FONTES: Todas as fontes estão citadas no corpo do texto.

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