NERVA – O INVOLUNTÁRIO FUNDADOR DA IDADE DE OURO DE ROMA

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1- Ancestralidade e nascimento

Em 8 de novembro do ano 30 D.C. (ano provável), nasceu, em Narni, na região italiana da Úmbria, Marcus Cocceius Nerva (Nerva), membro de uma tradicional família da nobreza italiana, sendo ele filho, neto e bisneto de ex-Cônsules.

Aliás, o bisavô de  Nerva foi partidário do triúnviro Marco Antônio, mas em algum momento, durante as guerras do Segundo Triunvirato, ele passou a apoiar Otaviano, o futuro imperador Augusto, que, em recompensa, incluiu a família dos Cocceii Nerva no novo Patriciado, meramente honorífico, formado após as Guerras Civis. Por sua vez, o avô e o pai de Nerva foram afamados juristas, sendo que o primeiro foi amigo pessoal do imperador Tibério.

2- Carreira Pública

Pouco se sabe acerca da carreira política de Nerva no serviço público. Na verdade, parece que o único campo em que ele se destacou em sua juventude foi a poesia, chegando a receber elogios do imperador Nero. E foi no reinado deste imperador que Nerva foi indicado para o cargo de Pretor, no ano de 65 D.C., ocasião em que ele recebeu os ornamentos triunfais. Vale observar, contido, que a História não registra nenhuma campanha militar nesse período, então é altamente provável que Nerva tenha sido recompensado pelo fato dele ter ajudado a debelar a chamada Conspiração Pisoniana, uma trama para assassinar Nero, liderada por Calpúrnio Pisão, que envolveu senadores e integrantes da guarda pretoriana, fartos das excentricidades e do comportamento cada vez mais tirânico daquele imperador (Nero finalmente cometeria suicídio ao ser destronado, em 68 D.C.).

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Tudo indica que Nerva apesar de não ter se destacado como homem público ou na carreira militar, tinha um grande talento para atrair ou se aproximar de pessoas importantes e há vários indícios de que ele, de fato, devia ser tido como um amigo ou conselheiro confiável, tanto é que, para o ano 71 D.C., Nerva foi escolhido para ocupar o consulado junto com o imperador Vespasiano, (que, após os breves reinados de Galba, Oto e Vitélio, tornara-se, em 69 D.C., imperador romano, inaugurando a dinastia dos Flávios).

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Ser escolhido pelo imperador para ser o seu colega de consulado era uma honra excepcional, somente conferida a pessoas muito importantes e próximas do imperador (dois cônsules eram escolhidos para cada ano, e a identificação dos anos do calendário romano era feita de acordo com o nome dos cônsules que serviram naquele ano (ex: “no consulado de Vespasiano e Nerva“, era como os romanos identificavam o que hoje numeramos como o ano 69).

Em 90 D.C., Nerva,  que agora já era um senador veterano, foi escolhido novamente para ser cônsul junto com o imperador Domiciano, o filho de Vespasiano que sucedera o seu irmão mais velho, o adorado Tito, como Imperador, no ano de 81 D.C. Novamente, alguns historiadores acreditam que Nerva deve ter tido um papel importante ajudando o imperador a debelar uma séria revolta, agora capitaneada pelo governador da Germânia, o general Lúcio Antônio Saturnino e suas legiões. Nerva  pode ter atuado para assegurar o apoio do Senado, ou talvez tenha denunciado a trama, não se sabe ao certo.

Domiciano, embora não tenha sido, como governante do império, um mau imperador, adotou, ao longo do seu reinado de 15 anos, um comportamento crescentemente despótico em relação à aristocracia senatorial, a quem, de acordo com a constituição não-escrita legada pelo primeiro imperador, Augusto, cabia um papel no governo imperial, administrando diretamente algumas províncias menos importantes, e, reunida no Senado, funcionava como órgão consultivo, sendo destinatária de algumas honrarias e de uma deferência protocolar pelo imperador.

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Toda vez que um imperador não respeitava essas aparências, ligadas à fictícia permanência dos elementos de um regime republicano, que em verdade estava defunto, ele recebia a hostilidade dos senadores mais ciosos de suas prerrogativas, que, em alguns casos, desaguavam em uma conspiração, normalmente reprimida com rigor implacável. 

Os historiadores antigos que escreveram sobre o seu reinado afirmam que Domiciano teria abandonado o título de “Princeps” ( que significava o primeiro senador e cidadão do império) e, abandonando todos os escrúpulos, exigiu ser tratado como “Dominus et Deus” (Senhor e Deus).

Tendo sido Domiciano caracterizado como um governante desconfiado e paranoico, o seu reinado acarretou para a aristocracia romana uma época de perseguições, processos de traição e execuções, período em que prosperaram os informantes e os delatores.

Ademais, com o passar do tempo, Domiciano tornou-se insuportável para o seu próprio círculo íntimo, tendo ele sido finalmente assassinado em uma conspiração arquitetada por cortesãos próximos, incluindo altos funcionários que eram seus escravos libertos domésticos e até mesmo a sua própria esposa, Domícia Longina, em 96 D.C., pondo, assim, fim à dinastia dos Flávios.

3- Ascensão ao Trono

Se dermos crédito aos historiadores antigos, pela primeira vez, não havia generais em revolta dirigindo-se à Roma para assumir a púrpura imperial. E pela primeira vez, coube ao Senado assumir as rédeas da sucessão e nomear o novo imperador. E o escolhido foi o velho senador Marcus Cocceius Nerva.

Observe-se que existe praticamente um consenso sobre os motivos pelos quais Nerva foi proclamado imperador:

Em primeiro lugar, ele era um senador respeitado, de uma família ilustre o suficiente para estar à altura da dignidade máxima do Estado. Vale notar que Nerva deve ter convivido com Tibério quando criança, e o seu tio era parente afim deste imperador. E quatro gerações da família já tinham exercido o consulado.

De certa forma, a figura de Nerva fazia um elo de ligação entre o final da República, o início do Principado e o final da dinastia Flaviana. Politicamente, por sua vez, Nerva não estava ligado a nenhuma facção que fosse inaceitável para os militares.

Porém, talvez mais importante do motivo acima mencionado, era o fato de que Nerva era um homem velho, quase um ancião para os padrões antigos, tendo cerca de 65 anos de idade, e além disso, ele não gozava de boa saúde (a História conta que ele sofria de uma doença que o fazia vomitar com frequência).

E, mais importante ainda do que tudo isso, Nerva não tinha filhos…

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Portanto, Nerva era o “imperador-tampão” ideal, pois não havia risco de que se criasse uma dinastia que reivindicasse, posteriormente, seu direito ao trono, caso a situação política se invertesse e aparecesse algum general poderoso o suficiente para assumir o Império.

4-Reinado

E, de fato, o reinado de Nerva seria curto: de setembro de 96 D.C. a janeiro de 98 D.C.

Nerva, obviamente não desapontou quem esperava o fim da tirania de Domiciano: as suas primeiras medidas foram a anulação de todos os processos de traição, a devolução das propriedades confiscadas, a volta dos exilados e a libertação de todos os presos políticos. As prerrogativas do Senado voltaram a ser respeitadas.

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Nerva também reduziu alguns tributos, medida sempre bem vista em todos os tempos e lugares, reduziu gastos com espetáculos e também vendeu propriedades do Estado, promovendo um verdadeiro  “ajuste fiscal”.

No campo das obras públicas, procedeu-se à inauguração do chamado “Forum Transitorium“, que foi iniciado por Domiciano, mas concluído e inaugurado por Nerva, em 97 D.C., motivo pelo qual ficou conhecido como Fôro de Nerva. O nome Forum Transitorium, tudo indica, deve-se ao fato de que ele ficava adjunto aos Fôros de César e de Augusto, maiores e mais antigos,  podendo passar-se de um ao outro através do Fôro de Nerva. Ainda subsistem, em Roma, alguns vestígios da colunata deste fórum (vide foto abaixo).

Ironicamente, o reinado de Nerva também seria caracterizado como um “reinado transitório”…

 

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Em outubro de 97 D.C., estourou uma revolta da Guarda Pretoriano, liderada por seu comandante, Casperius Aelianus, exigindo a punição dos assassinos de Domiciano. Os pretorianos chegaram a cercar o palácio imperial, praticamente colocando o imperador na situação de refém. Acossado e humilhado, Nerva teve que ceder e dois implicados na conspiração contra Domiciano foram executados.

Sem dúvida, foi a precariedade de sua situação como governante que obrigou Nerva a adotar o general mais prestigiado do Exército Romano, o hispânico Marcus Ulpius Trajanus (o futuro imperador Trajano), comandante das legiões romanas na Germânia, como filho e sucessor. Segundo a narrativa consagrada, esta adoção representou a escolha do homem mais capaz para a sucessão imperial, fórmula sucessória que seria a marca da dinastia dos Nerva-Antoninos. Porém, nos bastidores, não sabemos se Trajano pressionou Nerva a adotá-lo ou se esta foi uma decisão voluntária do imperador.

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(Denário de Nerva, com a inscrição Concórdia no Exército, provavelmente cunhada para simbolizar o apoio do Exército Romano ao imperador, após a crise com os Pretorianos e a adoção do general Trajano como sucessor)

5- Morte

No primeiro dia do seu quarto consulado, no dia  1º de janeiro de 98 D.C. em uma audiência privada, Nerva sofreu um derrame. A sua saúde frágil certamente sucumbiu à tensão gerada pela revolta dos pretorianos.

Então, em 27 de janeiro de 98 D.C,  Nerva faleceu, aos 67 anos de idade, em sua casa situada nos Jardins de Salústio, em Roma, após uma prolongada febre, que surgiu depois do citado derrame. Trajano, o sucessor legal de Nerva, foi comunicado da morte na Germânia, mas, contrariando as expectativas, ele não se deslocou imediatamente para Roma, preferindo assegurar a lealdade das legiões do Reno antes de sua entrada triunfal na capital, o que somente ocorreria no ano seguinte. 

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CONCLUSÃO

A sucessão pacífica entre Nerva e Trajano seria o paradigma do principado até a morte do imperador Marco Aurélio, em 180 D.C,, oficialmente deixando de lado o princípio dinástico baseado no nascimento, optando-se pela escolha do homem mais capaz como sucessor. Era um ideal caro à dinastia dos Nerva-Antoninos, apesar de, na realidade, as coisas serem um pouco diferentes: os imperadores antoninos em geral tinham entre si algum laço de parentesco, sanguíneo ou por afinidade, ainda que distante.

Com efeito, os anos de governo de Nerva até Marco Aurélio seriam os mais prósperos e internamente pacíficos da História de Roma, sendo o período batizado de “Seculum Aureum” (O SÉCULO DE OURO).

FIM