O CONCÍLIO DE CALCEDÔNIA

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Em 8 de outubro de 451 D.C, na cidade de Calcedônia (atual Kadıköy, na Turquia), situada na provi­ncia da Bití­nia, parte do Império Romano do Oriente, teve início o quarto concílio ecumênico da Igreja, convocado pelo Imperador Marciano.

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O Concí­lio de Calcedônia teve como objetivo resolver as disputas teológicas relativas à natureza de Jesus Cristo e os cismas intensificados pelo Concí­lio de Éfeso, sobretudo entre as Sés de Antióquia e Alexandria. Um importante cânone foi o reconhecimento da Sé de Constantinopla como tendo as mesmas prerrogativas e privilégios que a Sé de Roma, vindo, somente nos assuntos eclesiásticos, logo depois da velha Capital.

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A principal consequência do Concí­lio de Calcedônia foi repudiar as doutrinas Monofisista, para quem a natureza de Jesus seria unicamente divina, e Nestoriana, onde em Cristo haveria duas pessoas, uma humana e outra divina e que também negava que Maria pudesse ser a mãe de Deus. O Credo resultante do Concílio de Calcedônia é o seguinte:

“Todos nós, com voz uníssona, ensinamos a fé num só e mesmo Filho, Nosso Senhor Jesus Cristo, sendo o mesmo perfeito na divindade e o mesmo perfeito na humanidade, o mesmo verdadeiramente Deus e verdadeiramente homem, com alma racional e com corpo, da mesma substância do Pai quanto à divindade e quanto à  humanidade da mesma substância que nós, em tudo semelhante a nós menos no pecado; o mesmo que desde a eternidade é procedente do Pai por geração quanto à divindade e o mesmo que quanto à  humanidade nos últimos tempos foi gerado pela Virgem Maria, Mãe de Deus, por nós e nossa salvação; sendo um só e mesmo Cristo, Filho, Senhor, Unigênito, que nós reconhecemos com o existente em duas naturezas, sem confusão, sem mutação e sem divisão, sendo que a diversidade das naturezas nunca foi eliminada pela união, ao contrário, a propriedade de cada uma das naturezas ficou intata e ambas se encontram em uma só pessoa e uma só hipóstase. O Filho não foi dividido ou separado em duas pessoas, mas é um só e o mesmo a quem chamamos de Filho, Unigênito, Deus, Verbo, Senhor, Jesus Cristo, como desde o iní­cio a respeito dele falaram os profetas e o próprio Jesus Cristo nos ensinou e como nos foi transmitido pela Doutrina dos Padres.”

Esse credo não foi aceito pelas Igrejas da Armênia, de Alexandria, da Etiópia e da Sí­ria, o que acabou dando origem ao Cristianismo Ortodoxo Oriental e suas respectivas Igrejas, dentre as quais se destaca a Igreja Ortodoxa Copta. Muitos historiadores acreditam que os cismas e os conflitos decorrentes da não-observância do Concí­lio de Calcedônia por esses milhões de fiéis, os quais nunca resolvidos, facilitaram a conquista das províncias orientais do Egito e da Sí­ria pela expansão islâmica no século VII D.C

A BATALHA DE ARAUSIO – A PIOR DERROTA MILITAR SOFRIDA PELOS ROMANOS

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Em 06 de outubro de 105 A.C., em um local situado entre o povoado celta de Arausio (onde mais tarde seria fundada uma cidade romana com o mesmo nome – a atual Orange, no sul da França) e o Rio Ródano, dois exércitos consulares romanos mais as suas tropas auxiliares foram derrotados pelas tribos dos Cimbros e Teutões.

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(A invasão dos Cimbros e Teutóes e as batalhas travadas contra os Romanos, mapa de  Pethrus )

Segundo as fontes romanas (Estrabão e Tácito), o povo dos Cimbros, que era liderado pelo rei Boiorix, juntamente com os Teutões, sob o comando do rei Teutobod, teriam migrado da pení­nsula da Jutlândia, situada na atual Dinamarca, para o sul, em busca de um novo lar, movimento que provocou, tal como se veria séculos mais tarde, o deslocamento de outros povos, como por exemplo, os Helvécios, que entraram em conflito com os romanos.

Alguns estudiosos acreditam que o motivo da migração dos Cimbros e dos Teutões foi o aumento do nível do mar na região da Jutlândia, que teria ocorrido na mesma época, o que acabou inundando as terras ocupadas pelas duas tribos (esse motivo é relatado pelo historiador antigo Floro).

Há, todavia, certa controvérsia acerca da etnicidade dessas duas tribos:

Para as fontes antigas e vários estudiosos modernos, elas seriam tribos germânicas. No entanto, ao menos quanto aos Cimbros, o nome da tribo e dos personagens dá substrato à tese de que eles poderiam ser um povo celta. Com efeito, Boiorix, o nome que consta nas fontes como sendo o do rei deles, parece ser relacionado com a palavra celta ‘‘boii” (que por sua vez, está na origem da nossa palavra “boi”, com o mesmo significado de bovino). E, de fato, o historiador antigo Polí­bio relata que a riqueza dos celtas era contada em gado e ouro.

Para outros estudiosos, a palavra boii também significaria “guerreiro” na língua proto-indo-européia,  vocábulo que estaria na origem de nomes como Boêmia ( Bohemia = Terra dos Boii), Beócia e Baviera (Bayern).

Por outro lado, as fontes atestam que, na verdade, os Cimbros e Teutões entraram em conflito com os Boii, quando eles invadiram seu território situado no norte da Itália, durante a migração que resultou na guerra contra os Romanos, o que parece fortalecer a ideia de que eles seriam mesmo germânicos.

Para tornar mais instigante essa nossa breve digressão acerca da origem dos Cimbros e Teutões, a Arqueologia obteve um objeto que também permite conclusões variadas: o chamado “Caldeirão de Gundestrup“,  artefato que foi encontrado exatamente na Dinamarca, de onde as fontes antigas relatam que os Cimbros e Teutões seriam originários. Este magní­fico caldeirão de prata, que é datado aproximadamente do mesmo perí­odo da migração dos Cimbros e Teutões, ostenta motivos tí­picos da arte celta, mas foi produzido com técnicas de ourivesaria (trabalho em metal com ouro e prata) característicos da Trácia. Assim, já se levantou até a hipótese do Caldeirão de Gundestrup ser o produto de saque ou do comércio dos povos da Jutlândia com a tribo celta dos Scordisci, os quais teriam encomendado o caldeirão aos Trácios, com quem aqueles tinham relações.

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Seja como for, o mais provável é que os Cimbros e os Teutões devem ter começado a migrar da Jutlândia na direção do sudeste europeu na penúltima década do século II A.C e, após diversas lutas com tribos celtas, eles chegaram até Noricum, uma região celta que, séculos mais tarde seria incorporada pelo Império Romano e que abrange parte das atuais Áustria e Eslovênia, sendo cortada pelo rio Danúbio (vale notar que esse seria um caminho parecido ao que seria percorrido pelas futuras invasões germânicas, 350 anos depois).

Em Noricum, os Cimbros e Teutões invadiram as terras ocupadas pelos Taurisci, um grupo de tribos celtas aliadas dos Romanos, em 113 A.C. Quando o cônsul Cneu Papí­rio Carbo chegou com seu exército para auxiliar os aliados celtas , ele intimou os invasores germânicos a abandonarem o território dos Taurisci, sendo, inicialmente, obedecido.

Todavia, Carbo resolveu emboscar os bárbaros em Noreia, entre as atuais Eslovênia e Áustria, mas eles perceberam a tempo a armadilha e conseguiram derrotar as forças romanas, na chamada Batalha de Noreia. Carbo e os remanescentes das tropas que tinham sobrevivido à derrota conseguiram escapar, mas o comandante foi destituído do cargo pelo Senado e ele acabou se suicidando para não ter que suportar essa desonra.

Roma, então, preparou-se para o pior…Porém, ao invés de invadir a Itália, a horda germânica preferiu seguir em direção à  Gália, no Oeste.

Em 109 A.C, os Cimbros e Teutões, seja porque a resistência encontrada na Gália foi grande, seja porque eles esgotaram os recursos daquela região, pediram permissão para se assentarem em território romano, o que lhes foi negado pelo Senado. Os bárbaros, então,  invadiram a proví­ncia romana da Gália Narbonense.

O cônsul Marco Júlio Silano partiu para interceptar os Cimbros e os Teutões, e, novamente, os bárbaros derrotaram os romanos. O Cônsul conseguiu escapar com vida. As fontes dão poucos detalhes, mas parece que as sucessivas derrotas dos romanos colocaram em risco a própria  província da Gália Narbonense, atiçando as tribos gaulesas já submetidas pelos romanos a se rebelarem. Inclusive a tribo helvética dos Tigurini, que se aliara aos Cimbros e Teutões,  venceu completamente as legiões do cônsul Lúcio Cássio Longino, na Batalha de Burdigala (atual Bordeaux), em 107 A.C.. O general Caio Popí­lio Lenas conseguiu escapar com sua legião, mas teve que abandonar todo o seu equipamento.

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Nessa época os romanos estavam envolvidos em uma cruenta guerra contra o rei da Numí­dia, Juba, situação que levou o Senado a nomear como cônsul o militar mais respeitado de Roma, o general Caio Mário, muito embora ele fosse da classe equestre e viesse de uma família da qual nenhum antepassado jamais tinha sido senador, sendo, assim, considerado um “homem novo” (novus homo).

A derrota na Batalha de Burdigala obrigou, em 106 A.C., o Senado a mandar mais um exército para a Gália, para prevenir a revolta da cidade de Tolosa (atual Toulouse), sob o comando do cônsul Quinto Serví­lio Cépio. Quando capturou Tolosa, Cépio saqueou os altares gauleses que guardavam o célebre “Ouro de Tolosa“, que seria proveniente do saque que os gauleses promoveram no santuário do deus Apolo, em Delfos, na Grécia. Entretanto, o ouro capturado desapareceu enquanto estava sendo transportado para Massí­lia (Marselha) e as suspeitas de seu desvio recaí­ram sobre Cépio.

Mesmo assim, no ano seguinte, para lidar com a ameaça dos Cimbros e Teutões, que agora estavam se movendo em direção sudeste, o Senado prorrogou o comando de Cépio para a Gália, agora nomeando-o procônsul, e a ele se juntou o cônsul Cneu Mallius Máximo, que também era um “homem novo”.

Em tese, Cneu Máximo, como cônsul, ocuparia um posto superior ao de Cépio. Este, porém, sendo de famí­lia nobre, não gostou nada do fato, e as fontes relatam que esta foi a principal razão de ambos não terem cooperado em face da mais séria ameaça que pairava sobre Roma desde o fim da Segunda Guerra Púnica. Além disso, consta que Máximo não tinha muita experiência militar. Por esta razão, quando Cneu Máximo acampou seu exército em um dos lados do rio Ródano, próximo a Arausio, Cépio  decidiu acampar na margem oposta…mesmo tendo recebido chamados para atravessar o rio e se juntar ao colega…

Quando os Cimbros e Teutões se aproximaram do rio, um destacamento romano de cavalaria, sob o comando do general Marco Aurélio Escauro, encontrou a vanguarda bárbara, mas foi completamente derrotado. Escauro, capturado, foi levado à presença do rei Boiorix. Inabalável, o romano exortou Boiorix a dar meia-volta e partir, a fim de que os bárbaros não fossem destruídos. Escauro acabou sendo morto e queimado vivo em uma gaiola de madeira.

Boiorix, agora, podia avistar os dois exércitos acampados, um de cada lado do rio, sendo que Máximo estava do mesmo lado que os Cimbros. Segundo as fontes antigas, o total de bárbaros seria de 200 mil, mas devemos notar que se tratava de um povo em migração, incluindo, assim, homens, mulheres e crianças. Assim, o número de guerreiros deveria ser, no máximo, de 80 mil, mais provavelmente de 60 mil.

Em 6 de outubro de 105 A.C., Cépio, não querendo dividir a glória da vitória com Máximo, decidiu atravessar o rio e atacar sozinho o acampamento dos Cimbros, Porém, valendo-se do fato deles estarem acampados em terreno mais favorável, os bárbaros conseguiram aniquilar completamente o exército do Procônsul, que conseguiu fugir. Mais tarde, ele sofreria a pena de exí­lio por isso.

Agora, Máximo teria que enfrentar o ataque dos Cimbros, em inferioridade numérica e, pior, com o rio Ródano às suas costas. Os soldados do exército romano remanescente, porém, quando viram a enorme massa de bárbaros, entraram em pânico e muitos tentaram fugir nadando, ma terminaram por morrer afogados.

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A derrota foi um massacre e as mortes romanas são estimadas pelas fontes antigas em 80 mil. Alguns acreditam que, se forem contadas as baixas entre os auxiliares e os civis que costumeiramente acompanhavam as legiões, as perdas romanas teriam sido de 120 mil pessoas! Portanto, em números, a Batalha de Arausio teria sido a pior derrota sofrida pelos romanos em toda a sua história. Aliás, o número de mortos romanos na Batalha de Arausio seguramente é um dos maiores já sofridos em um único dia por um exército em qualquer conflito, em todos os tempos e lugares.

Dada a magnitude da derrota e do perigo, o Senado Romano resolveu abandonar qualquer preciosismo legal e resolveu conceder a Mário o privilégio de obter um consulado apenas três anos após o seu primeiro, o que era vedado por lei. Além disso, durante a Guerra Contra os Cimbros e Teutões, o Senado, de maneira também sem precedentes, nomeou Mário como “Cônsul Sênior“, por mais quatro anos sucessivos.

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Mário acabaria derrotando definitivamente os Cimbros e Teutões, em 102 A.C., na Batalha de Aqua Sextia e em  101 A.C, na Batalha de Vercellae. As pesadas baixas sofridas pelos romanos contra esses bárbaros, com a morte de milhares de aristocratas e cidadãos proprietários de terras, contribuí­ram para que Mário implementasse as suas cruciais reformas militares,  as quais mudariam a  composição, a estrutura e a organização do Exército Romano para sempre, possibilitando a criação de um exército profissional baseado na classe dos proletários.

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(A Derrota dos Cimbros, tela de  Alexandre Gabriel Décamps )

E a reforma militar de Mário é uma das causas fundamentais de todo o processo que resultaria no fim da República e no advento do Império.

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A BATALHA DE FÍLIPOS

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Entre 323 de outubro de 42 A.C., foi travada a Batalha de Fí­lipos, na Macedônia, que terminou com a vitória das tropas lideradas pelos triúnviros Marco Antônio e Otaviano contra o exército leal aos conspiradores e assassinos de Júlio César, Bruto e Cássio, que se suicidaram, um durante e outro após os combates, que se deram em duas fases.

ANTECEDENTES

Marcus Junius Brutus (o Bruto do “Até tu, Brutus“) e Gaius Cassius Longinus (Cássio) foram os líderes da conspiração de senadores conservadores que, em 15 de março de 44 A.C., assassinou César, que havia sido nomeado Ditador Perpétuo pelo Senado Romano no mês anterior. Essa conspiração teve amplo apoio entre os senadores integrantes da facção dos Optimates,, que comungavam da opinião de que César tencionava acabar com a República e tornar-se Rei de Roma. Por isso, os conspiradores acreditavam que teriam, senão o apoio popular, ao menos a sua indiferença ao que denominaram de “tiranicí­dio” de César, um fato que além de não ser considerado crime de acordo com a importada cultura polí­tica das polis gregas,  seria um ato obrigatório para todos cidadãos amantes da liberdade.

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(Quadro La Mort de César by Jean Léon Gérôme, c. 1859–1867)

A plebe romana, contudo, há muito tempo estava descrente do tipo de “democracia” existente na República Romana, na qual o acesso às magistraturas (cargos públicos) dependia, na prática, de nascimento ilustre e,  obrigatoriamente, de muito, mas muito dinheiro. Assim, ao contrário da reação esperada pelos conspiradores, a massa indignou-se com o assassinato de seu amado ditador. Ficariam célebres as passagens da magistral peça de Shakespeare “Júlio César” , quando o discurso de Antônio inflama a turba, e, embora algumas das maravilhosas cenas e diálogos decorram do gênio do bardo inglês, a maior parte das situações foi extraí­da dos textos históricos.

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O fato é que a República Romana, há décadas, era, na realidade, um regime onde aristocratas romanos se digladiavam para usufruir de privilégios e de oportunidades de enriquecimento, não raramente chegando ao poder através da força militar obtida com o recrutamento de legiões compostas de trabalhadores empobrecidos, cujos soldados eram mais fiéis ao general que lhes havia recrutado do que ao Estado Romano.

E, embora Roma já dominasse o mundo mediterrâneo, controlando proví­ncias na Espanha, Gália, Grécia, Norte da África, etc., não havia regras na constituição polí­tica romana, que havia sido feita para reger uma Cidade-Estado, que previssem a representatividade dos súditos que não fossem italianos. Assim, as sucessivas crises terminavam em guerras entre as facções, que apelavam aos generais à testa das legiões em campanha, como última alternativa para implementar suas plataformas.

Vivenciando tudo isso, e, como integrante da facção dos Populares, César compreendeu que o Governo de Roma tinha que levar em conta os interesses da plebe de Roma e integrar os provinciais na administração da República. Não é a toa que, no volume sobre “Roma e os Romanos”, da coleção “Rumos do Mundo”, da escola dos Annales, a respeito do assassinato de César, está escrito que  “Roma marchava para a unidade. A punhalada em César apunhalou a unidade“.

Antônio, o braço-direito de César que tinha sido nomeado Tribuno da Plebe, efetivamente conseguiu catalisar a comoção popular pelo homicí­dio em favor dos partidários do ditador assassinado. Entretanto, para a sua decepção, o herdeiro polí­tico do falecido ditador, adotado como filho em seu testamento, foi o sobrinho-neto dele, Caio Otávio, que, após a adoção, foi “rebatizado” como “Caio Júlio César Otaviano“. Não obstante, Marco Antônio, que naquele momento era o homem mais poderoso militarmente no Império, tentou entrar em acordo com o Senado, para legitimar a sua posição .

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Assim, devido ao clamor popular, os “tiranicidasCássio e Bruto tiveram que deixar Roma, mas, inicialmente, eles não foram detidos, e nem perseguidos.

Antônio também enviou outro partidário de César, Marco Emí­lio Lépido, então governador da Gália Narbonense, para a Espanha, para conter as ações de outro aliado dos conspiradores, Sexto Pompeu, filho do falecido rival de César pelo poder supremo, Pompeu, o Grande, que estava instalado na Sicília.

Naquele ano de 43 A.C, a muitos parecia que Antônio iria conseguir a supremacia política, porém Bruto e Cássio, que agora se autodenominavam “Os Libertadores“, conseguiram chegar à Macedônia, onde eles ganharam o apoio das legiões estacionadas naquela proví­ncia e, valendo-se delas, dominaram o resto da Ásia Menor. Em contrapartida, milhares de soldados veteranos das campanhas de César ofereceram a sua lealdade a Otaviano.

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Aproveitando-se da súbita situação de fraqueza de Antônio, o Senado, que sempre fora hostil a ele, sob a liderança deo prestigiado senador Cícero, passou a apoiar Otaviano. Assim, quando Antônio marchou para combater um dos assassinos de César, Décimo Bruto (ele teria sido o agressor que deu a última facada no Ditador), que era governador da Gália Cisalpina, sitiando-o em Mutina (a atual Modena) o Senado enviou os cônsules Hí­rtio e Pansa e os seus exércitos consulares para auxiliar Décimo Bruto. E  Otaviano, que tinha apenas 19 anos de idade, usando dinheiro de suas economias pessoais, reuniu a sua própria tropa de veteranos de César e também se dirigiu à Mutina, como aliado do Senado contra Antônio.

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Seguiu-se uma série de combates acirrados, em que ora as tropas senatoriais, ora as de Antônio levaram vantagem. Porém, nas refregas, os dois cônsules acabaram morrendo em virtude dos ferimentos recebidos em combate. Por sua vez, o acampamento de Antônio quase foi capturado pelos inimigos. Assim, Antônio acabou tendo que levantar o cerco à Mutina, e isso possibilitou a Décimo e suas tropas escaparem.

Segundo o relato das fontes, quando conseguiu cruzar o rio que margeava o campo da batalha, Décimo chegou a acenar para Otaviano e suas tropas, em sinal de agradecimento. Otaviano, contudo, percebendo que o fato poderia manchar sua reputação perante os veteranos de César que o apoiavam, fez questão de declarar que ele “tinha vindo à Mutina lutar contra Antônio, e não para ajudar os assassinos do seu pai adotivo”…

A sorte de Décimo Bruto contudo não durou muito. Confirmado pelo Senado no comando da Gália Cisalpina,  as tropas dele, entretanto, desertaram para se juntar a Otaviano e ele teve que fugir em direção à Macedônia, numa tentativa de se juntar a Cássio e Bruto. Porém, no caminho, ele foi assassinado por um chefe gaulês que era simpático a Antônio.

Entretanto, Otaviano, ao invés de perseguir e dar combate a Antônio, voltou para Roma, agora à  frente de um poderoso exército. A situação polí­tica instável entre os “cesaristas” somente alcançaria certo equilí­brio quando Antônio, Otaviano e Lépido se encontraram próximo à cidade de Bolonha, e “reorganizaram” o Estado Romano, dividindo o controle do governo e as proví­ncias ocidentais entre si, com o estabelecimento de um “Triunvirato para Confirmação da República com Poder Consular” ( Triumviri Rei Publicae Constituendae Consulari Potestate), formalmente instituído pela Lei Títia, de 43 A.C, arranjo que passaria à História com o nome de “Segundo Triunvirato“).

 

PRELÚDIO DA BATALHA

Restava dar cabo à tarefa de ajustar as contas com os “LibertadoresBruto e Cássio no Oriente. Os dois, enquanto se desenrolavam as disputas entre os “Cesaristas” , e entre eles e os partidários do Senado, aproveitaram para acumular o máximo de recursos e tropas na região, pilhando boa parte da Lí­cia, não sem antes pedirem muitas desculpas aos infelizes moradores. Cássio inclusive sitiou e saqueou a rica cidade insular de Rodes.

Enquanto isso, as forças de Antônio e Otaviano, num total de 28 legiões, se dirigiram para a Macedônia, enquanto Lépido ficou encarregado de defender a Itália. Os “Cesaristas” contavam com suprimentos que seriam enviados pela frota de Cléopatra, armada esta que, porém, sofreria um grande naufrágio.

Marchando pela Via Egnatia, a importante estrada construí­da pelos romanos, um século antes, para ligar a Ilí­ria a Trácia, cruzando terreno muitas vezes difí­cil e montanhoso, um destacamento de oito legiões enviado pelos Triúnviros para explorar o terreno acampou próximo a cidade de Fí­lipos. entrincheirando-se em uma passagem estreita entre as montanhas. Otaviano, doente, ficara na cidade de Dirráquio, onde a marcha se iniciara.

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Ocorre que, detendo a superioridade naval, os “Libertadores” conseguiram desembarcar as suas tropas na retaguarda das legiões “cesaristas”, acampadas na estrada montanhosa, as quais,  porém, alertadas por um chefe trácio amigo, conseguiram retroceder para a cidade de Anfí­polis, antes delas serem cercadas pelos inimigos em maior número.

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Então, as legiões dos “Libertadores“,  em um total de 17 legiões, em uma reviravolta da situação, decidiram entrincheirar-se em posições defensivas ao longo da Via Egnatia, mostrando que a estratégia deles, agora, era fazer um bloqueio naval que impedisse o reabastecimento das legiões de Antônio e Otaviano, valendo-se da sua superioridade naval, que era assegurada pela frota de 130 galeras comandadas por Gnaeus Domitius Ahenobarbus, bem superior a dos “Cesaristas”, principalmente após o naufrágio da frota de Cleópatra.

Porém, uma das grandes preocupações que afligia os “Libertadores” era quanto á lealdade de suas tropas, pois muitos dos seus soldados eram veteranos das campanhas de César. Por sua vez, Antônio e Otaviano, após o retorno do destacamento de 8 legiões, tinham agora 19 legiões para alimentar e, por isso, eles sentiam a necessidade premente de forçar um combate decisivo, devido à pressão sobre o seu estoque de suprimentos, bloqueados pela frota inimiga.

Teatro de Operações

Bruto e Cássio ocupavam, cada um,  o seu acampamento em uma parte plana da estrada, protegida por montanhas e, em uma parte, por pântanos, reforçada por paliçadas e fossos. Além disso, essa área tinha acesso a um golfo onde as suas galeras podiam ancorar, além de ser servida por um rio, que provia o abastecimento de água. Forçado a agir, Antônio foi ousado e engenhoso e, disfarçadamente, oculto pela vegetação, ele mandou construir uma passagem através do pântano,  sem que as forças de Cássio percebessem, no que estava sendo bem sucedido até seus homens serem descobertos pelos inimigos. Cássio, então, ordenou que as suas tropas também construíssem a sua própria passarela suspensa sobre o pântano, visando interceptar o caminho construí­do a mando de Antônio.

 PRIMEIRA BATALHA

Em 3 de outubro de 42 A.C., Antônio ordenou um ataque contra o acampamento de Cássio, e suas tropas conseguiram, com o auxí­lio de escadas e mediante o aterramento do fosso e trabalho de sapa, penetrar na paliçada inimiga e tomar o acampamento dele. Enquanto isso, as tropas de Bruto, vendo toda essa movimentação, perceberam uma oportunidade e, sem esperar ordens do seu comandante, elas atacaram o flanco exposto das forças de Antônio, causando pânico na sua retaguarda e alcançando o acampamento de Otaviano, chegando até a capturar a tenda deste, além de  três estandartes.

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Mais tarde, Otaviano escreveria que somente conseguiu escapar desse ataque porque ele havia sido alertado do perigo em um sonho. Segundo Plí­nio, o Velho, contudo, Otaviano, na verdade, teve que se esconder no pântano, para evitar a própria captura… Certamente, esse combate foi muito confuso, em virtude do terreno e da péssima visibilidade, sem falar no fato de que não havia muito como distinguir as tropas amigas das inimigas, dada a similaridade de uniformes, escudos e estandartes.

No final da luta, ambos os exércitos voltaram para as posições anteriormente ocupadas, sendo certo, todavia, que os “Libertadores” perderam uma grande oportunidade de liquidar os “Cesaristas”, muito devido ao fato das suas tropas terem parecido, na ocasião, mais interessadas em pilhar e saquear o acampamento inimigo do que em lutar uma batalha decisiva…

Otaviano perdeu cerca de 16 mil soldados e  Cássio, a metade disso. Assim, ao menos numericamente, os “Libertadores” levaram vantagem, pois reduziram a inferioridade numérica que seu exército tinha em relação às forças do Triunvirato. Por outro lado,  eles jogaram fora a chance de derrotar completamente Otaviano, que conseguiu escapar.

O SUICÍDIO DE CÁSSIO

Por motivos controversos até hoje, nesse mesmo dia 3 de outubro, Cássio cometeu suicí­dio,  ajudado por um escravo, muito embora  o resultado da batalha tenha sido indeciso, sem que nenhum lado pudesse celebrar vitória ou lamentar a derrota.

Entre os prováveis motivos para esse ato extremo, especula-se que Cássio, após ver o seu próprio acampamento ser capturado, confundiu-se ao ver as tropas de Bruto capturaram o acampamento de Antônio e, equivocadamente, pensou que o contrário tinha acontecido, ou seja, que tinha sido o seu colega quem havia sido derrotado.

Outra teoria, esposada por alguns historiadores antigos, é que, na verdade, Cássio teria sido assassinado por seu escravo doméstico, que simulou a cena para parecer suicí­dio.

Quando soube que Cássio havia se suicidado, Bruto, chocado, velou o corpo do colega, a quem ele teria chamado, na ocasião, de “O último dos Romanos“.

Porém, um fato reanimaria as esperanças de Bruto, pois, naquele mesmo dia, a frota dos “Libertadores” conseguiu interceptar e destruir vários navios que transportavam reforços para os Triúnviros.

Claramente, agora, a melhor estratégia para Bruto era continuar a guerra de atrito entrincheirando-se em posições defensivamente seguras,  já que ele dispunha de mais suprimentos, e, também, de superioridade numérica, pois as perdas de Otaviano tinham sido bem maiores na recente batalha. Todavia, Bruto, ao contrário de Cássio, não tinha muito prestí­gio militar, e as suas tropas, estimuladas pela quase vitória no dia 3 de outubro, ansiavam por um engajamento decisivo, ainda mais porque os Triúnviros, sabendo que o tempo corria contra eles, mandaram seus homens, diariamente, irem até a paliçada adversária e provocarem os inimigos.

SEGUNDA BATALHA

Uma oportunidade apareceu quando uma colina próxima ao acampamento das legiões do finado Cássio foi evacuada por Bruto, por acreditar que aquela elevação, por estar ao alcance das flechas dos seus arqueiros, não interessaria às forças de Antônio e Otaviano tomarem. Antônio, todavia, prontamente mandou que quatro de suas legiões ocupassem a posição, a partir da qual,  ele mandou construir vários postos fortificados na direção sul até o mar, possibilitando, através dos pântanos, uma nova tentativa de flanqueamento do acampamento de Bruto, que, premido por essa ameaça, teve que construir também os seus bastiões nos pontos vulneráveis.

Entretanto, o moral das tropas de Bruto começou a se deteriorar em função da prolongada inatividade e, sentindo isso, os seus generais começaram a pressioná-lo para que  os soldados se engajassem em uma batalha campal definitiva, a despeito da superioridade tática e estratégica de que eles gozavam no momento. Na verdade, vários legionários aliados já estavam até começando a desertar. Nesse momento, consta que Bruto, que, embora inexperiente, estava certo em evitar o combate em escala total, cedendo, teria dito:

“Parece que eu, como Pompeu, o Grande (em Farsália), agora faço a guerra mais sendo comandado do que comandando”.

Assim, no dia 23 de outubro de 42 A.C., Bruto ordenou que suas tropas se apresentem em formação de combate para a batalha campal, como tanto esperavam Antônio e Otaviano, que aceitaram prontamente o desafio.

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Foi uma batalha ao antigo estilo grego, como entre duas linhas de falanges. Não houve sequer a tradicional chuva de dardos com as quais as legiões iniciavam o ataque: Ambas as linhas avançaram frontalmente uma contra a outra, com as espadas desembainhadas. Então, os veteranos cascudos de César que lutavam por Otaviano foram gradualmente empurrando a infantaria de Bruto para trás, como se, na descrição do historiador romano Apiano, estivessem “girando a manivela de alguma máquina“.

Consta que, durante a batalha, e inseguro com o seu desfecho, Otaviano fez a promessa de, caso fosse vitorioso, construir um templo em honra ao deus Marte.

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No iní­cio, as tropas de Bruto foram recuando em boa ordem, mas, paulatinamente, buracos foram aparecendo nas fileiras e as linhas foram se misturando. Com a confusão instalada, não demorou a ocorrer uma debandada geral das tropas dos “Libertadores“. As legiões de Otaviano se dirigiram, então, para os portões do acampamento fortificado de Bruto, antes que os soldados fugitivos deste lá conseguissem chegar, apesar deles serem atacados pelos soldados inimigos que guardavam os muros.

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Bruto, por sua vez, conseguiu fugir com cerca de quatro legiões para as montanhas. Ele esperava retornar para o acampamento, mas o seu exército estava muito desmoralizado para tentar romper o cerco que as forças de Otaviano agora faziam em volta de sua praça-forte. Sem alternativa, Bruto resolveu também cometer suicí­dio, matando-se para evitar a captura pelos inimigos. Pouco tempo depois, ao ver o corpo do adversário caído, Antônio cobriu-o com um manto púrpura, em sinal de respeito.

CONCLUSÃO

Após a Batalha de Fí­lipos, o Senado perdeu qualquer esperança de retomar a proeminência no governo de Roma. O cenário estava armado para a luta que, dali a cinco anos, e após Lépido ser destituí­do por Otaviano, seria travada entre o herdeiro de César e Antônio para decidir quem seria o senhor absoluto da “Respublica Romana“.

Otaviano, depois de derrotar as forças de Antônio e Cleópatra, em 31 A.C, e tornar-se o primeiro imperador romano, com o tí­tulo politicamente mais palatável de “Princeps” (“Primeiro Cidadão”), cumpriria sua promessa ao Deus da Guerra feita em Fílipos e construiria, no planejado Fórum que levaria o seu nome, em Roma, o Templo de Mars Ultor (“Marte Vingador” de César), cujas ruí­nas ainda podem ser vistas na Via dei Fori Imperiali.

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