NERVA – O INVOLUNTÁRIO FUNDADOR DA IDADE DE OURO DE ROMA

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1- Ancestralidade e nascimento

Em 8 de novembro do ano 30 D.C. (ano provável), nasceu, em Narni, na região italiana da Úmbria, Marcus Cocceius Nerva (Nerva), membro de uma tradicional família da nobreza italiana, sendo ele filho, neto e bisneto de ex-Cônsules.

Aliás, o bisavô de  Nerva foi partidário do triúnviro Marco Antônio, mas em algum momento, durante as guerras do Segundo Triunvirato, ele passou a apoiar Otaviano, o futuro imperador Augusto, que, em recompensa, incluiu a família dos Cocceii Nerva no novo Patriciado, meramente honorífico, formado após as Guerras Civis. Por sua vez, o avô e o pai de Nerva foram afamados juristas, sendo que o primeiro foi amigo pessoal do imperador Tibério.

2- Carreira Pública

Pouco se sabe acerca da carreira política de Nerva no serviço público. Na verdade, parece que o único campo em que ele se destacou em sua juventude foi a poesia, chegando a receber elogios do imperador Nero. E foi no reinado deste imperador que Nerva foi indicado para o cargo de Pretor, no ano de 65 D.C., ocasião em que ele recebeu os ornamentos triunfais. Vale observar, contido, que a História não registra nenhuma campanha militar nesse período, então é altamente provável que Nerva tenha sido recompensado pelo fato dele ter ajudado a debelar a chamada Conspiração Pisoniana, uma trama para assassinar Nero, liderada por Calpúrnio Pisão, que envolveu senadores e integrantes da guarda pretoriana, fartos das excentricidades e do comportamento cada vez mais tirânico daquele imperador (Nero finalmente cometeria suicídio ao ser destronado, em 68 D.C.).

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Tudo indica que Nerva apesar de não ter se destacado como homem público ou na carreira militar, tinha um grande talento para atrair ou se aproximar de pessoas importantes e há vários indícios de que ele, de fato, devia ser tido como um amigo ou conselheiro confiável, tanto é que, para o ano 71 D.C., Nerva foi escolhido para ocupar o consulado junto com o imperador Vespasiano, (que, após os breves reinados de Galba, Oto e Vitélio, tornara-se, em 69 D.C., imperador romano, inaugurando a dinastia dos Flávios).

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Ser escolhido pelo imperador para ser o seu colega de consulado era uma honra excepcional, somente conferida a pessoas muito importantes e próximas do imperador (dois cônsules eram escolhidos para cada ano, e a identificação dos anos do calendário romano era feita de acordo com o nome dos cônsules que serviram naquele ano (ex: “no consulado de Vespasiano e Nerva“, era como os romanos identificavam o que hoje numeramos como o ano 69).

Em 90 D.C., Nerva,  que agora já era um senador veterano, foi escolhido novamente para ser cônsul junto com o imperador Domiciano, o filho de Vespasiano que sucedera o seu irmão mais velho, o adorado Tito, como Imperador, no ano de 81 D.C. Novamente, alguns historiadores acreditam que Nerva deve ter tido um papel importante ajudando o imperador a debelar uma séria revolta, agora capitaneada pelo governador da Germânia, o general Lúcio Antônio Saturnino e suas legiões. Nerva  pode ter atuado para assegurar o apoio do Senado, ou talvez tenha denunciado a trama, não se sabe ao certo.

Domiciano, embora não tenha sido, como governante do império, um mau imperador, adotou, ao longo do seu reinado de 15 anos, um comportamento crescentemente despótico em relação à aristocracia senatorial, a quem, de acordo com a constituição não-escrita legada pelo primeiro imperador, Augusto, cabia um papel no governo imperial, administrando diretamente algumas províncias menos importantes, e, reunida no Senado, funcionava como órgão consultivo, sendo destinatária de algumas honrarias e de uma deferência protocolar pelo imperador.

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Toda vez que um imperador não respeitava essas aparências, ligadas à fictícia permanência dos elementos de um regime republicano, que em verdade estava defunto, ele recebia a hostilidade dos senadores mais ciosos de suas prerrogativas, que, em alguns casos, desaguavam em uma conspiração, normalmente reprimida com rigor implacável. 

Os historiadores antigos que escreveram sobre o seu reinado afirmam que Domiciano teria abandonado o título de “Princeps” ( que significava o primeiro senador e cidadão do império) e, abandonando todos os escrúpulos, exigiu ser tratado como “Dominus et Deus” (Senhor e Deus).

Tendo sido Domiciano caracterizado como um governante desconfiado e paranoico, o seu reinado acarretou para a aristocracia romana uma época de perseguições, processos de traição e execuções, período em que prosperaram os informantes e os delatores.

Ademais, com o passar do tempo, Domiciano tornou-se insuportável para o seu próprio círculo íntimo, tendo ele sido finalmente assassinado em uma conspiração arquitetada por cortesãos próximos, incluindo altos funcionários que eram seus escravos libertos domésticos e até mesmo a sua própria esposa, Domícia Longina, em 96 D.C., pondo, assim, fim à dinastia dos Flávios.

3- Ascensão ao Trono

Se dermos crédito aos historiadores antigos, pela primeira vez, não havia generais em revolta dirigindo-se à Roma para assumir a púrpura imperial. E pela primeira vez, coube ao Senado assumir as rédeas da sucessão e nomear o novo imperador. E o escolhido foi o velho senador Marcus Cocceius Nerva.

Observe-se que existe praticamente um consenso sobre os motivos pelos quais Nerva foi proclamado imperador:

Em primeiro lugar, ele era um senador respeitado, de uma família ilustre o suficiente para estar à altura da dignidade máxima do Estado. Vale notar que Nerva deve ter convivido com Tibério quando criança, e o seu tio era parente afim deste imperador. E quatro gerações da família já tinham exercido o consulado.

De certa forma, a figura de Nerva fazia um elo de ligação entre o final da República, o início do Principado e o final da dinastia Flaviana. Politicamente, por sua vez, Nerva não estava ligado a nenhuma facção que fosse inaceitável para os militares.

Porém, talvez mais importante do motivo acima mencionado, era o fato de que Nerva era um homem velho, quase um ancião para os padrões antigos, tendo cerca de 65 anos de idade, e além disso, ele não gozava de boa saúde (a História conta que ele sofria de uma doença que o fazia vomitar com frequência).

E, mais importante ainda do que tudo isso, Nerva não tinha filhos…

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Portanto, Nerva era o “imperador-tampão” ideal, pois não havia risco de que se criasse uma dinastia que reivindicasse, posteriormente, seu direito ao trono, caso a situação política se invertesse e aparecesse algum general poderoso o suficiente para assumir o Império.

4-Reinado

E, de fato, o reinado de Nerva seria curto: de setembro de 96 D.C. a janeiro de 98 D.C.

Nerva, obviamente não desapontou quem esperava o fim da tirania de Domiciano: as suas primeiras medidas foram a anulação de todos os processos de traição, a devolução das propriedades confiscadas, a volta dos exilados e a libertação de todos os presos políticos. As prerrogativas do Senado voltaram a ser respeitadas.

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Nerva também reduziu alguns tributos, medida sempre bem vista em todos os tempos e lugares, reduziu gastos com espetáculos e também vendeu propriedades do Estado, promovendo um verdadeiro  “ajuste fiscal”.

No campo das obras públicas, procedeu-se à inauguração do chamado “Forum Transitorium“, que foi iniciado por Domiciano, mas concluído e inaugurado por Nerva, em 97 D.C., motivo pelo qual ficou conhecido como Fôro de Nerva. O nome Forum Transitorium, tudo indica, deve-se ao fato de que ele ficava adjunto aos Fôros de César e de Augusto, maiores e mais antigos,  podendo passar-se de um ao outro através do Fôro de Nerva. Ainda subsistem, em Roma, alguns vestígios da colunata deste fórum (vide foto abaixo).

Ironicamente, o reinado de Nerva também seria caracterizado como um “reinado transitório”…

 

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Em outubro de 97 D.C., estourou uma revolta da Guarda Pretoriano, liderada por seu comandante, Casperius Aelianus, exigindo a punição dos assassinos de Domiciano. Os pretorianos chegaram a cercar o palácio imperial, praticamente colocando o imperador na situação de refém. Acossado e humilhado, Nerva teve que ceder e dois implicados na conspiração contra Domiciano foram executados.

Sem dúvida, foi a precariedade de sua situação como governante que obrigou Nerva a adotar o general mais prestigiado do Exército Romano, o hispânico Marcus Ulpius Trajanus (o futuro imperador Trajano), comandante das legiões romanas na Germânia, como filho e sucessor. Segundo a narrativa consagrada, esta adoção representou a escolha do homem mais capaz para a sucessão imperial, fórmula sucessória que seria a marca da dinastia dos Nerva-Antoninos. Porém, nos bastidores, não sabemos se Trajano pressionou Nerva a adotá-lo ou se esta foi uma decisão voluntária do imperador.

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(Denário de Nerva, com a inscrição Concórdia no Exército, provavelmente cunhada para simbolizar o apoio do Exército Romano ao imperador, após a crise com os Pretorianos e a adoção do general Trajano como sucessor)

5- Morte

No primeiro dia do seu quarto consulado, no dia  1º de janeiro de 98 D.C. em uma audiência privada, Nerva sofreu um derrame. A sua saúde frágil certamente sucumbiu à tensão gerada pela revolta dos pretorianos.

Então, em 27 de janeiro de 98 D.C,  Nerva faleceu, aos 67 anos de idade, em sua casa situada nos Jardins de Salústio, em Roma, após uma prolongada febre, que surgiu depois do citado derrame. Trajano, o sucessor legal de Nerva, foi comunicado da morte na Germânia, mas, contrariando as expectativas, ele não se deslocou imediatamente para Roma, preferindo assegurar a lealdade das legiões do Reno antes de sua entrada triunfal na capital, o que somente ocorreria no ano seguinte. 

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CONCLUSÃO

A sucessão pacífica entre Nerva e Trajano seria o paradigma do principado até a morte do imperador Marco Aurélio, em 180 D.C,, oficialmente deixando de lado o princípio dinástico baseado no nascimento, optando-se pela escolha do homem mais capaz como sucessor. Era um ideal caro à dinastia dos Nerva-Antoninos, apesar de, na realidade, as coisas serem um pouco diferentes: os imperadores antoninos em geral tinham entre si algum laço de parentesco, sanguíneo ou por afinidade, ainda que distante.

Com efeito, os anos de governo de Nerva até Marco Aurélio seriam os mais prósperos e internamente pacíficos da História de Roma, sendo o período batizado de “Seculum Aureum” (O SÉCULO DE OURO).

FIM

CALÍGULA – ENLOUQUECIDO PELO PODER

Em 24 de janeiro de 41 D.C (segundo Suetônio), após três dias de exibições dos Jogos Palatinos em homenagem ao divino Augusto, os quais estavam sendo realizados em um teatro montado no próprio palácio imperial, o Imperador Romano Gaius Julius Caesar Germanicus Augustus Germanicus, a quem o povo chamava, carinhosamente, de Calígula, sentiu-se fatigado e foi incentivado por cortesãos a ir tomar um banho.

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Busto de Calígula, Ny Carlsberg Glyptotek. foto de Louis le Grand

Calígula , então, resolveu deixar o teatro e ir para os seus aposentos através de uma passagem subterrânea coberta (criptopórtico), que ligava as referidas áreas e que era privativa para o imperador.

Eram cerca de 15 horas da tarde e o imperador devia estar com fome, pois assistira todas as performances daquele dia sem se ausentar, exibindo-se à vista de todos, rodeado pela sua devotada guarda particular, composta por guerreiros germânicos e que ficou no teatro para vigiar os espectadores.

No caminho, Calígula parou para inspecionar alguns jovens gregos, bailarinos da chamada “dança pírrica”, que se preparavam para se apresentarem no evento, e tinham sido acomodados naquela passagem.

De repente, um velho oficial da guarda pretoriana se aproximou do Imperador…

Era o centurião Cássio Queréa, um veterano e bastante condecorado soldado que inclusive servira sob o comando do pai de Calígula, o adorado general Germânico, 20 anos antes, durante as campanhas romanas na Germânia, ocasião em que Queréa distinguira-se pelos seus atos de bravura, razão pela qual ele conseguiu ingressar e progredir na Guarda Pretoriana, a guarnição militar de Roma e do Palácio Imperial.

Porém, após Calígula ser sagrado imperador e passar a habitar no Palácio, o jovem imperador escolheu Queréa para ser a vítima frequente de suas zombarias e pilhérias:

Neste particular, conta-se que, pelo fato de Queréa ter o timbre de voz fino, Calígula, quando o Centurião estava de sentinela – ocasião em que os escalados deviam, ao iniciar o serviço, perguntar ao Imperador qual seria a senha – escolhia nomes embaraçosos, tal como “Vênus“, só para que Queréa, com seu peculiar timbre feminino, respondesse na frente dos outros, quando a senha fosse exigida.

Uma outra brincadeira que deleitava ao Imperador era quando ele estendia a sua mão para que o veterano centurião beijasse o anel, ocasião em que Calígula, avançava e retirava o punho da boca de Queréa, aludindo a um gesto pornográfico de felação, humilhando o veterano soldado perante os colegas.

Então, naquele dia 24 de janeiro, entretido com os jovens gregos no criptopórtico, Calígula mal olhou para Queréa quando este, como de costume, perguntou-lhe qual seria a senha do dia. Consta que o Imperador respondeu:

“Júpiter”.

Queréa, então, imediantemente respondeu, gritando:

“Assim seja. Toma!”

E, já com o seu gládio em punho, Queréa desfechou um tremendo golpe entre o ombro e pescoço de Calígula, o qual penetrou até o osso do peito, mas sem atravessá-lo.

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Foto do criptopórtico escavado no Palatino. Há grande probabilidade de que este seja o local onde Calígula foi assassinado –  © Photo Ministero dei Beni e delle Attività Culturali

Calígula ficou tão perplexo com o ataque que ele sequer gritou ou esboçou qualquer reação, mas apenas se virou, para receber um novo golpe potente, que, desta vez, praticamente arrancou, de uma só vez, a sua mandíbula inferior, a qual ficou pendendo presa apenas por um fiapo de músculo, deixando o seu rosto com o aspecto de uma máscara grotesca.

Somente então o Imperador começou a correr, somente para ser alcançado por outro conspirador, o tribuno Cornélio Sabino, que lhe acertou um golpe de espada no joelho, levando-o ao chão. A partir daí, Queréa, Sabino, o soldado Áquila e provavelmente outros conspiradores começaram a golpear Calígula, já moribundo, inclusive nos genitais. Assim, ele levou 30 golpes, até morrer. Queréa e os cúmplices conseguiram fugir do Palácio, ironicamente, atravessando a casa de Germânico, o finado pai de Calígula, que tinha sido anexada ao Palácio.

O destacamento de guarda-costas pessoais de Calígula, que, como dito, era composto de bárbaros germânicos, quando percebeu que o imperador tinha sido atacado, tomou-se de um frenesi de vingança e começou a matar todos que viam pela frente no Palácio, inclusive um Senador. Eles logo cercaram o teatro e fizeram menção de massacrar todos os espectadores, até alguém informar que o Imperador estava morto, ocasião os seus líderes devem ter pensado que não havia mais nada o que fazer.

Não satisfeito, Queréa mandou um subordinado, chamado Lupus, de volta ao Palácio, para matar Cesônia e a pequena filha de Calígula, que era ainda apenas um bebê. Assim, Cesônia recebeu, resignadamente, um golpe no pescoço. Já a menina teve a cabeça esmagada contra uma parede.

É difícil achar a explicação para a brutal execução de ambos: Obviamente, não poderia haver pretensão alguma de se ocultar a autoria do assassinato do imperador, cometido à luz do dia e com testemunhas. E não havia a menor chance de Cesônia ou a filha assumirem o governo. Eu posso cogitar de dois motivos: Cesônia saberia de algo que poderia arruinar Queréa, ou, talvez até mesmo ela soubesse o nome de outros conspiradores mais ilustres; como também é possível que a esposa do finado Imperador participasse ativamente das humilhações a que Caligula submetia Queréa.

Muitos, porém, acreditam que Queréa pode ter sido cooptado por senadores que queriam restaurar a República, e por isso, visavam eliminar a descendência de Calígula, para que não houvesse sucessores, porém, para que tal propósito fosse bem sucedido, eles teriam que eliminar também outros integrantes da dinastia Júlio-Cláudia, como o jovem Nero, entre outros…

Com efeito, logo após o assassinato, enquanto o Palácio era vasculhado, um pretoriano chamado Gratus encontrou Cláudio, que era tio de Calígula e irmão do pai dele, Germânico, escondido apavorado atrás de uma cortina do Palácio. Uma facção dos pretorianos saudou Cláudio, que até então era tido como imbecil, como o novo imperador, e levou-o para o quartel da Guarda. Lá, ele foi reconhecido e aclamado como o novo Príncipe pelo Senado.

Um Novo Imperador 41 AD, tela de Sir Lawrence Alma-Tadema (1871), foto: Lawrence Alma-Tadema, Public domain, via Wikimedia Commons

Nascimento e caminho para o trono

Nascido em  31 de Agosto do ano 12 D.C., em Anzio, Itália, Gaius Julius Caesar Germanicus (Caio Júlio César Germânico), que se tornaria popularmente conhecido como o imperador romano Calígula, era filho de Germanicus Julius Caesar, cognominado “Germânico” e de Vipsânia Agripina (mais conhecida como Agripina, a “Velha”, para distingui-la de sua filha, do mesmo nome, Agripina, a “Jovem”, mãe do futuro imperador Nero).

Portanto, por parte de pai, Calígula era sobrinho-bisneto do Imperador Augusto, pois a sua bisavó paterna era Otávia, a irmã do primeiro imperador que se casou com o triúnviro Marco Antônio, em uma união da qual nasceu Antônia, a Jovem, de cujo casamento com Nero Cláudio Druso, por sua vez, nasceu Germânico. E Calígula também era bisneto de Lívia Drusila, a influente esposa de Augusto, avó de seu pai, pois Nero Cláudio Druso era o filho mais novo do primeiro casamento dela com Tibério Cláudio Nero, sendo que o caçula desta união foi o imperador Tibério, irmão de Druso, tendo o primeiro sucedido Augusto como seu herdeiro e filho adotivo, sendo aquele também, portanto, tio-avô de Calígula.

Já pela linha materna, Calígula era bisneto de Augusto, pois sua mãe, Agripina, era filha de Marco Vipsânio Agripa, o grande amigo e braço-direito do primeiro imperador, e de Júlia, “a Velha”, a única filha e descendente de Augusto.

Tal “pedigree” colocava Germânico, o pai de Calígula, como um não-desprezível pretendente à sucessão do próprio Augusto. Aliás, vale observar que todos herdeiros-presuntivos inicialmente favorecidos por Augusto eram seus parentes, tais como seu sobrinho, Marcelo, e seus netos Caio César e Lúcio César. Todos eles, porém, morreram antes do velho imperador, que, muito em função das maquinações de sua esposa Lívia, acabou adotando e nomeando como herdeiro o filho natural desta, o seu enteado Tibério.

Augusto, porém, certamente visando garantir alguma continuidade sanguínea entre si e os seus sucessores, ao adotar Tibério, exigiu que este, por sua vez, da mesma forma adotasse Germânico, como herdeiro.

Ocorre que o pai de Calígula tornou-se um grande general, muito querido pelo Exército e pelo povo. Ele se destacou em campanhas na Panônia e na Dalmácia. Aliás, Germânico e Agripina eram uma espécie de família romana modelo: Eles tiveram nove filhos juntos, seis dos quais atingiram a idade adulta, três meninos, sendo Calígula o mais jovem deles, e três meninas, sendo que a mais velha, Agripina, “a Jovem”, seria mãe do futuro imperador Nero.

Quando Augusto morreu, em 14 D.C., sendo sucedido por Tibério, o sobrinho deste, Germânico, recebeu do novo imperador um comando na Germânia, onde ele comandou uma campanha brilhante na qual conseguiu finalmente, em 16 D.C., vingar a grande derrota sofrida por Varo, sete anos antes (foi por esse motivo que ele recebeu o seu apelido, pois dar ao general um cognome derivado dos inimigos vencidos era uma tradicional honraria romana).

Foi durante esse período que Germânico demonstrou que sabia utilizar sua família como uma ferramenta de propaganda pessoal. Ele residia no acampamento militar, em território inimigo, com toda a sua família e costumava vestir o seu filho mais novo Caio, que tinha entre 3 e 4 anos, com um uniforme militar em miniatura.

E entre as peças de vestuário militar que o pequeno Caio usava, estava uma pequena sandália ou bota militar, “caligae“, em latim. O diminutivo de “caligae” é “caligula” e o menino acabou recebendo da soldadesca esse apelido, que pode ser traduzido como “Botinha” (ou “Sandalinha“), um apelido que “pegou” (e consta que o mesmo era abominado por Calígula, depois de se tornar adulto).

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Inclusive, as fontes narram que em certa ocasião, quando uma das legiões comandadas por Germânico se revoltou, a mera sugestão de que o comandante, temendo pela segurança de sua família, estava mandando o adorado “Botinha” para um lugar seguro, longe dos soldados, bastou para acabar espontaneamente com o motim.

Infelizmente, a imensa popularidade de Germânico seria, para muitos, a provável causa de sua morte…

Consta que Lívia, a imperatriz-mãe viúva, muito provavelmente, e não para o desagrado de Tibério, urdiu uma série de intrigas visando afastar Germânico da linha sucessória, a quem percebia como uma ameaça a seu filho. De fato, as fontes do período, como Tácito, apontam Lívia e Tibério como os principais suspeitos pela morte de Germânico, em 19 D.C., acometido de uma misteriosa doença que se assemelhava a um caso de envenenamento, ainda que não haja provas conclusivas disso.

A postura questionadora da mãe de Calígula e viúva de Germânico, Agripina, em relação à morte de seu marido, azedou as relações dela com Tibério e deu início a uma série de desconfiança e intriga entre ambos. Consta que, certa vez, Tibério, notando uma cara de desagrado em Agripina, teria recitado, em grego, para ela o seguinte verso de uma então famosa obra clássica:

Porque não és rainha, eu te fiz algum mal?

Assim, em virtude dessa animosidade, e dos efeitos que isso causou na saúde da sua mãe, Calígula acabou indo morar sua bisavó, Lívia, a principal suspeita pelo assassinato de seu pai.

Em 29 D.C, no mesmo ano em que Lívia morreu, Agripina foi presa e exilada para a remota ilha de Pandatária, acusada de traição junto com seus outros filhos Nero e Druso.

Após sofrer vários maus-tratos e provações, Agripina morreu na ilha, em 33 D.C. Antes disso, os irmãos de Calígula também morreriam em função das acusações: Nero (não confundir com o imperador de mesmo nome) morreu de inanição, enquanto preso e Druso se suicidou. Em todos esses fatos esteve implicado o Prefeito Pretoriano Lúcio Élio Sejano, para alguns como instigador, ou ao menos, como o executor da vontade de Tibério.

Então, em 31 D.C, Calígula, que estava morando junto com sua avó Antônia, foi residir com Tibério, que, deixando os assuntos da administração nas mãos de Sejano, havia abandonado Roma e se mudado para Capri, desde o ano de 26 D.C.

Não temos dúvidas de que a situação deve ter sido aterrorizante para Calígula, pois após morar com Lívia, a suposta algoz de seu pai, agora ele iria viver sob a tutela do filho desta, o imperador responsável pelo sofrimento e morte de sua mãe e de seus irmãos. O que ele podia esperar para si senão o pior?

A julgar pelo relato de Suetônio, em Capri, Calígula habilmente soube fingir ser inofensivo e servil a Tibério. Se os escandalosos relatos do citado historiador forem verdadeiros, na paradisíaca ilha,  Calígula deve ter sofrido a influência maléfica dos inúmeros atos de perversão sexual e crueldade relatados na “Vida de Tibério“, o livro integrante da coletânea de biografias conhecida como “Os doze Césares“, que teriam ocorrido na espetacular Villa Jovis de Tibério, situada em Capri.

No entanto, em 33 D.C, Tibério deu a Calígula seu primeiro cargo público, o de Questor Honorário, e, dois anos mais tarde, Calígula foi nomeado herdeiro do Imperador, juntamente com seu primo, e neto de Tibério, o menino Tibério Gemellus.

Quando Tibério morreu, em 16 de março de 37 D.C, com a avançada idade de 78 anos, Calígula tornou-se o terceiro imperador romano. Suetônio levanta suspeitas sobre a culpa de Calígula na morte do tio, mas o mais provável é que Tibério tenha morrido de velhice.

A morte de Tibério foi recebida com júbilo pelo povo e pelo Senado. De fato, a austeridade de Tibério, que havia acumulado um grande superávit no Tesouro, muito em função dele ser avesso aos gastos públicos, especialmente para com os jogos e corridas tão amados pela plebe, acabou tornando-o consideravelmente impopular, fato que foi reforçado pela sua responsabilização, real ou presumida, pelas mortes dos queridos Germânico e Agripina.

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Assim, a aprovação entusiasmada do Senado e do Povo de Roma acompanhou a aclamação de Calígula como imperador: Além de suceder um governante antipático, ele era o belo e jovem filho de um herói popular e membro de uma família muito célebre e muito estimada. Para comparar, o clima deve ter sido parecido com o que o Reino Unido atual experimentará quando o príncipe William tornar-se rei da Inglaterra, sucedendo ao pai Charles.

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Reprodução de um busto original  romano de Calígula, com cores restauradas, obtidas através de processo científico

Parece que, em seus primeiros meses, o reinado de Calígula parecia promissor (aliás, a crônica do seu início pode ser considerada a narrativa-padrão do reinado de todos os “maus” imperadores romanos, tais como Nero, Domiciano e Cômodo). Ele entrou em Roma em 28 de março de 37 D.C, 12 dias após a morte de Tibério, seguindo-se cerca de três meses de verdadeira adoração, em grande parte espontânea, por parte do povo. De fato, inicialmente, Calígula correspondeu mesmo aos anseios dos súditos:

De fato, o novo imperador mandou pagar todos os legados previstos no testamento de Tibério, tanto individuais como coletivos e, mais importante, mandou destruir todos os documentos que estavam nos arquivos imperiais para dar subsídios aos numerosos processos de crime de alta-traição ou de lesa-majestade, que haviam sido tão frequentes no reinado do seu antecessor.

Calígula também inaugurou o costume, que depois se mostraria funesto, de dar um grande donativo à Guarda Pretoriana em comemoração à ascensão de um novo imperador ao trono (prática que estimularia futuros motins dos Guardas visando destronar o monarca reinante, para assim obter recompensas do substituto).

Passados poucos meses, porém, Calígula não titubeou em se livrar de seu primo Gemellus, o neto de Tibério que, com ele, havia recebido em testamento o Império. Na verdade, um dos primeiros atos de Calígula após a sua aclamação oficial havia sido conseguir do Senado a anulação do testamento de Tibério no que se refere à posição de co-herdeiro de Gemellus. Porém, antes que o ano terminasse, Gemellus seria executado sumariamente à mando de Calígula.

As fontes narram que, antes disso, Calígula, em outubro de 37 D.C, ficou seriamente doente, e que foi somente após recuperar-se desta enfermidade que ele começou a praticar os reiterados atos de tirania, crueldade, devassidão e loucura pelos quais tornaria célebre (Suetônio, contudo, aponta que Calígula já demonstrava sua má índole quando adolescente). Infelizmente, os textos antigos não fornecem detalhes precisos sobre a misteriosa doença dele que possam nos dar alguma pista da sua real natureza –  isto é, se tratava-se uma doença infecciosa, congênita, física ou mental.

Gastos exorbitantes e deterioração na situação econômica

Um fato que parece incontestável acerca do reinado de Calígula é a rapidez com que a situação financeira do Império se deteriorou. Com efeito, são várias as afirmações nas fontes de que Tibério havia deixado um gigantesco superávit no Tesouro do Estado, apontando-se até a soma precisa de 2,7 bilhões de sestércios, e, portanto, parece certo que o problema fiscal foi causado pela política (ou falta de) determinada por Calígula. A desorganização econômica acarretou, ainda, episódios, relatados pelas fontes, da ocorrência de fome entre a população, algo que não ocorria há tempos.

Com feito, ,as fontes mencionam vários gastos desmedidos ordenados por Calígula:

Relata-se, por exemplo, que ele ordenou a construção de uma ponte flutuante de mais de 4 km entre Baiae e Puteoli, apenas para contrariar uma profecia. Uma outra despesa enorme descrita por Suetônio foi a construção de dois enormes navios, para serem usados como templo e palácio. Esses barcos, que tinham mais de 70 metros de comprimento, foram recuperados no Lago Nemi, durante o governo de Mussolini na Itália, e colocados em um museu especialmente construído. Infelizmente, durante a 2ª Guerra, os barcos foram destruídos. Recentemente, vale citar, foi restituído a Itália um pedaço do magnífico pavimento de mosaico da referida embarcação, retirado em data incerta do fundo do Lago, e que foi parar em um apartamento em Manhattan, Nova York, EUA, transformado em uma mesa de centro! (vide https://olhardigital.com.br/2021/12/06/ciencia-e-espaco/como-um-mosaico-do-lendario-imperador-romano-caligula-virou-tampo-de-mesa-em-ny/

De qualquer modo, a Arqueologia confirmou, mais uma vez, os relatos dos historiadores antigos.

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(Foto da escavação de um dos navios de Caligula, no Lago Nemi)

Política Externa

Não obstante, no front externo, Calígula reivindicou a realização de campanhas na Britânia e na Germânia, mas estas teriam, sido, na verdade, na opinião dos historiadores, apenas exercícios ou manobras militares, ou pior, segundo as fontes romanas (cf. Suetônio), uma encenação ridícula. Mas talvez seja provável que essas opiniões tenham exageradas, uma vez que, recentemente, descobriu-se, nas escavações de um forte romano na Holanda, chamado de Velsen-2, indícios de que Calígula pode ter estado realmente nesta região durante o seu reinado, e de que a referida fortificação foi efetivamente construída para viabilizar a invasão da Britânia e conter as tribos germânicas da outra margem do Reno.

Ilustração do Forte Romano em Velsen, extraída da matéria do The Guardian, conforme o link no parágrafo seguinte. Foto de Graham Sumner

A descoberta do forte cf. em https://www.theguardian.com/world/2021/dec/26/roman-fort-built-by-caligula-discovered-velsen-near-amsterdam.

Já a decisão de anexar a Mauritânia, um reino-cliente de Roma, foi tomada durante o reinado de Calígula, mas há dúvidas se a execução desta decisão ocorreu quando ele ainda estava vivo ou se foi deixada para o sucessor, Cláudio, que, assim, teria, em seu reinado, na verdade, continuado iniciativas tomadas pelo antecessor.

Desmandos, perversões e crueldades

Vamos aqui deixar a narrativa detalhada dos inúmeros assassinatos, atos de perversão sexual e gestos tresloucados de Calígula para quem se interessar em ler Suetônio. Entre os últimos, podemos citar o desejo manifesto dele nomear seu cavalo Incitatus para o Senado Romano…

Aliás, o filme Calígula, de Bob Guccione, dono da Revista Penthouse, foi muito criticado por ser porno-erótico, mas a película não deixa de ser bem fiel ao relato de Suetônio (com a interpretação magistral de Malcolm Mcdowell no papel do imperador)…

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De qualquer forma, a personalidade cada vez mais instável de Calígula inviabilizou politicamente o seu governo. As fontes asseguram que ele efetivamente pensava ser um deus-vivo e exigia o culto que lhe achava devido. O judeu alexandrino Filão deixou um precioso relato da embaixada que ele fez à Roma, onde encontrou pessoalmente Calígula, com o objetivo de tentar demovê-lo do propósito de instalar uma estátua de si mesmo no interior do Templo de Jerusalém. Filão descreve em seu texto que percebeu que o imperador ficava muito agitado em alguns momentos, e ele saiu do encontro com a impressão de que Calígula acreditava que realmente era um ser divino.

Calígula era louco?

Entre os autores antigos há certo consenso de que Calígula era louco, mas, hoje em dia, muitos autores modernos lançam suspeitas sobre esses relatos, atribuindo o tom negativo a uma certa antipatia e animosidade política dos escritores romanos, todos integrantes da classe senatorial, que se julgava preterida e perseguida pelos Césares.

Porém, eu acredito que Calígula era insano mesmo, embora não possamos identificar com precisão que tipo de distúrbio psicológico ele sofria. É quase certo que as provações pelas quais passou na infância e adolescência, como, por exemplo, ter visto a mãe e os irmãos morrerem assassinados e o medo incessante de ser executado por Tibério ou por Sejano, tudo isto deve ter deixado marcas profundas em sua mente e pode ter gerado transtornos de personalidade. Por exemplo, Suetônio narra que Calígula conversava com as estátuas dos deuses, não conseguia dormir à noite e vagava como uma alma penada pelo Palácio. É bem possível, portanto, que ele sofresse de esquizofrenia paranóide.

Dessa forma, ao contrário de outros imperadores que se destacaram pelo comportamento tirânico e bizarro, como Nero, que reinou 14 anos, Domiciano, que reinou 15 anos, e Cômodo, que reinou 13 anos, Calígula, apesar do prestígio quase sacrossanto de sua linhagem entre o Povo e o Exército, foi assassinado antes de completar o quarto ano de seu reinado!

A conspiração

Quando Calígula manifestou a intenção de se mudar para Alexandria, onde poderia ser adorado como Deus, muitos romanos influentes perceberam que havia chegado a hora de se livrar do lunático imperador…

A elite política romana estava farta das insanidades de Calígula. Talvez ela até aguentasse as excentricidades e bizarrices se tais comportamentos não comprometessem a deferência e os privilégios aos quais os senadores se julgavam merecedores, mas esse definitivamente não era o caso, já que Calígula não titubeava em tratar os senadores como súditos e submetê-los a inúmeras humilhações.

Assim, somos da opinião de que quando os senadores perceberam que Calígula também não era benquisto por um bom número de seus próprios guarda-costas, a conspiração para se livrarem do perturbado imperador ganhou corpo, e foi posta em prática no dia 24 de janeiro de 41 D.C.,  por elementos da Guarda Pretoriana, como relatamos no início do nosso texto.

Contudo, se os conspiradores alguma vez de fato tiveram alguma esperança de restaurar a República, a realidade tratou de sepultar imediatamente suas aspirações, pois a própria Guarda apresentou ao Senado, o tio de Calígula, Cláudio, como sucessor, demonstrando que, após mais de setenta anos de governo de Augusto e de seus sucessores Júlio-Cláudios haviam colocado a ideia de um regime de uma República governada pelo Senado definitivamente nos livros de História.

FIM

TEODÓSIO – A IGREJA NO PODER

Em 11 de janeiro de 346 D.C, em Cauca (Coca), a 50 km da atual cidade de Segóvia, na província romana da Hispania Gallaecia, nasceu Flavius Theodosius (o futuro imperador romano Teodósio), filho de seu pai homônimo, Flavius Theodosius (Conde Teodósio”, e de Flavia Thermantia (Termântia).

O pai de Teodósio, chamado de “Teodósio, o Velho“, pelos historiadores, para distingui-lo do filho que viria a se tornar imperador, foi um renomado general, também nascido na Hispânia, que teve uma brilhante carreira durante o reinado do imperador Valentiniano I, sendo, em 368 D.C, designado para ocupar o cargo de Conde (Comes) da Britânia, onde, acompanhado do filho, derrotou uma insurreição promovida por tropas romanas amotinadas aliadas a tribos bárbaras.

Posteriormente, Teodósio, “o Velho” foi promovido ao importantíssimo posto de Comandante-em-chefe de Cavalaria do Exército Romano (Magister Equitum) e, novamente acompanhado do filho Teodósio, teve decisiva atuação na campanha contra os bárbaros Alamanos.

Em 373 D.C, o jovem Teodósio já tinha prestígio próprio bastante para ser apontado por Valentiniano I como governador da Moésia superior e Duque (Dux, ou seja, comandante militar daquela província), onde combateu com sucesso os Sármatas.

Enquanto isso, Teodósio, “o Velho” foi enviado à província da Mauritânia, na África, para combater a rebelião de Firmus Mouro, um nobre berbere que ocupava um comando militar no exército romano naquela província. Após uma duríssima campanha, o pai de Teodósio conseguiu derrotar a insurreição e Firmus cometeu suicídio.

Em 375 D.C, Valentiniano I, o último imperador romano que efetivamente comandou um exército poderoso, faleceu após mais um dos seus temidos ataques de fúria, que desta última vez foi causada pelo comportamento insolente de embaixadores da tribo dos Quados, explosão que lhe causou um derrame em plena audiência.

Não se sabe exatamente o motivo, mas, logo após a morte de Valentiniano I, o pai de Teodósio foi preso, quando ainda estava em Cartago, e ali mesmo executado. Muito provavelmente essa execução estava ligada à crise causada pela inesperada sucessão do imperador falecido, quando alguns generais do exército romano, notadamente o general de origem franca Merobaudes aclamaram como imperador Valentiniano II, com apenas 4 anos de idade, forçando Graciano, o filho mais velho de Valentiniano I, então com 16 anos de idade, a aceitar o irmão como co-imperador do Ocidente (Assim, inaugurando uma tendência que dominaria as últimas décadas do império romano: a escolha de imperadores fantoches por comandantes militares de origem bárbara).

Essa solução acabou sendo aceita também por Valente, irmão de Valentiniano I, que, desde 364 D.C., reinava sobre a metade oriental do Império, em Constantinopla. Desse modo, é bem possível que o Conde Teodósio tenha sido executado por ter sido contra aquela manobra, ou, ainda, por ser percebido como um obstáculo ao projeto de poder de Merobaudes.

Teodósio, por sua vez, no mesmo ano em que ocorreu a morte do pai, foi destituído de seu comando e voltou para as terras de sua família, na atual Galícia, dedicando-se aos seus assuntos privados. Discute-se se esse “exílio” de Teodósio foi devido à desgraça do pai ou se foi por causa da derrota de duas legiões que ele comandava para os Sármatas, em 374 D.C. Nesse caso, isso teria sido uma punição infligida ainda em vida por Valentiniano I, que, notoriamente, não tolerava as derrotas de seus generais,  a quem ele frequentemente responsabilizava pelos erros de seus subordinados.

Todavia, em 378 D.C, uma das maiores catástrofes militares sofridas pelos romanos, e talvez a que tenha acarretado as piores consequências, mudaria para sempre a sorte de Teodósio.

Cerca de 200 mil Godos, após cruzarem a fronteira romana do rio Danúbio, procurando asilo motivado pela sucessão de migrações causadas pelo avanço das tribos hunas em direção ao Ocidente, acabaram se revoltando, invadindo a província romana da Trácia.. O efetivo militar dos Godos é calculado entre 20 e 30 mil homens.

Ao saber da invasão, Valente, o Imperador Romano do Oriente, comandando todo o seu exército e sem esperar pelo auxílio das tropas de seu sobrinho Graciano, Império Romano do Ocidente, resolve atacar sozinho os bárbaros, que, liderados pelo Chefe Fritigern, se encontravam entrincheirados próximos à cidade de Adrianópolis, em uma boa posição defensiva, protegidos por um círculo de carroções parecidos com os dos pioneiros do Velho Oeste americano (formação conhecida como “laager“), sem se dar conta de que a cavalaria Goda estava ao largo. Assim, deu-se o desfecho trágico e antes que a noite do dia 09 de agosto de 378 D.C. terminasse, dois terços do exército romano, cerca de 40 mil soldados, morreriam na chamada Batalha de Adrianópolis, incluindo o imperador Valente, cujo corpo jamais foi encontrado em meio à montanha de cadáveres, vários generais e centenas de oficiais.

(Foto 1: Moeda Solidus de Valente; Foto 2: Círculo defensivo de carroções)

A morte de Valente automaticamente tornaria seu sobrinho Graciano, o Imperador Romano do Ocidente (lembrando que a Itália, da África e de parte da Ilíria, eram formalmente governadas pelo seu irmão Valentiniano II, de apenas 7 anos de idade) o governante também do Oriente.

Com os Godos à vontade para se locomoverem nos Bálcãs ( o que ameaçava a própria Itália), sem opções militares, tendo em vista que mal acabara de concluir uma campanha contra os Alamanos, poucos meses antes do desastre de Adrianópolis, e não havendo mais generais experientes no Oriente, Graciano resolve chamar Teodósio de seu retiro na Espanha e, em raro gesto de desprendimento somado à necessidade, o nomeia Augusto, em 19 de janeiro de 379 D.C, entregando-lhe o trono da metade oriental do Império Romano.

Obviamente que o primeiro problema que o novo Imperador Romano do Oriente teve que enfrentar foi a ameça dos Godos, que pilhavam à vontade a Trácia e a Ilíria, somente sendo incapazes de sitiar com sucesso cidades protegidas por boas muralhas, por falta do “hardware” e do “know-how” necessários para esta difícil tarefa.

Para isso, ele precisava de tropas e ele tentou formar um exército, convocando veteranos e até trazendo unidades do Egito. Segundo o historiador pagão Zózimo, Teodósio também recrutou amplamente guerreiros bárbaros, observando que as tropas do Egito acabaram tendo a disciplna severamente enfraquecida pelo convívio com os indisciplinados germanos.

Neste ponto, deve ser observado que o Exército Romano do Oriente sofrera duas grandes derrotas no espaço de quinze anos. Em 363 D.C, a invasão da Pérsia pelo Imperador Juliano resultara em uma grave derrota, com o imperador sendo ferido no campo de batalha e morrendo em sua tenda. E agora, pouco antes da ascensão de Teodósio, dois terços do exécito tinham sido aniquilados em Adrianopla.

O problema do recrutamento sempre foi recorrente durante o Império Romano. A Itália, esteio principal do Exército durante a República, ao longo do Império cessou de contar como fornecedora de tropas. Seus cidadãos tinham ficado durante muito tempo praticamente isentos do serviço militar. De fato, depois que O primeiro imperador Augusto estabelecera as 28 legiões em quartéis na fronteira, os legionários passaram a ser recrutados entre colonos de cidadania romana estabelecidos nos locais onde as legiões estavam baseadas. Já os auxiliares eram recrutados entre os povos vizinhos que tinham vocação guerreira e adquiriam a cidadania romana após 20 anos de serviço. A vida de soldado era dura e não era para qualquer um. Os citadinos amolecidos pelos confortos da vida urbana dificilmente seriam aptos para uma vida de longas marchas em terreno difícil, dormir em barracas precárias em lugares inóspitos e combates cada vez mais sangrentos.

O fato é que os romanos, ainda durante a República, recrutaram contingentes de origem estrangeira para o seu exército. Unidades de cavalaria germânica, por exemplo, foram empregadas por César e Augusto. Porém, o normal era empregar as unidades estrangeiras subordinadas a uma legião, sob o comando de um general romano e submetidas à disciplina militar romana.

As evidências apontam que, a partir do imperador Constantino, uma boa parte dos soldados do Exército Romano era de origem germânica, sobretudo no Ocidente. A “germanização” do Exército é um fato atestado. O próprio Constantino foi aclamado imperador pelas suas tropas e erguido em cima de um escudo, um tradicional costume germânico de saudar um novo chefe. No século IV D.C, registrou-se que os soldados romanos utilizavam o tradicional grito de batalha dos bárbaros, o “baritus”. E o nome de vários generais e soldados mencionados nos textos denota clara origem germânica.

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(soldados romanos do início do século IV D.C)

A partir da metade do século III, Roma passou a enfrentar o desafio estratégico de lutar em dois fronts: 1) A constante investida dos povos germânicos situados na fronteira do Reno e Danúbio começou a aumentar devido a pressão gerada pelas migrações de povos vindos da Escandinávia e do Leste Europeu, deslocadas pelo avanço dos Hunos para o Ocidente a partir da fronteira com a China; 2) A subida ao poder dos nacionalistas Sassânidas na Pérsia que adotaram uma política de confronto militar para conter a influência romana na Armênia e no Oriente Médio, resultando em um estado de guerra constante do século III ao século VII.

Feita essa explanação da situação estratégica de Roma e da situação do Exército Romano antes da derrota de Adrianópolis, é sintomático que uma das medidas tomadas por Teodósio, a qual demonstra a magnitude que o problema do recrutamento de tropas representava para o Império Romano naqueles tempos e o estado desesperador do setor militar romano, tenha sido reformar um Decreto de Valentiniano I determinando que aqueles que tentassem fugir do recrutamento cortando os próprios polegares seriam queimados vivos – Teodósio mudou o Decreto para prever que para cada recruta que se apresentasse sem um dos polegares, outro recruta, da mesma circunscrição, deveria ser apresentado, ou seja, o recruta amputado teria que servir e o seu vilarejo ainda teria que mandar outro!

Não obstante esse quadro, o historiador Zózimo narra que Teodósio começou o seu reino demonstrando indolência e luxo, aumentando o número de funcionários-eunucos e aumentando os gastos com a manutenção da corte. Parece que o julgamento do cristão devoto Teodósio pelo pagão Zózimo seria de uma suspeita severidade, mas certamente a gravidade dos tempos pedia um líder da estatura de um Cipiáo , de um César ou Diocleciano, este último um reformador implacável que enfrentou uma situação parecida com a de Teodósio.

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(Prato de prata, dito Missorium de Teodósio, que está representado no centro.)

De qualquer forma, parece que a tentativa de Teodósio de reforçar o exército romano oriental não teve sucesso. As fontes não são claras, mas tudo indica que, no verão de 380 D.C, o novo exército de Teodósio foi, mais uma vez, derrotado pelos Godos, na Macedônia e na Tessália, ainda que não de forma catastrófica. Teodósio, então, teve que deixar a cidade de Tessalônica, que havia sido o seu quartel-general durante os dois primeiros anos à testa do governo do Oriente e se refugiar na inexpugnável Constantinopla.

A tarefa de conter os Godos nos Bálcãs ficou a cargo do Imperador do Ocidente, Graciano, que enviou para lá um exército comandado pelos generais Bauto e Arbogaste, ambos militares bárbaros de origem franca que serviam o Império.

Os Godos se dividiram em vários bandos. Um dos principais grupos, chamado de Ostrogodos, rumou para o oeste e invadiu a Panônia, No outro grupo importante, conhecido como Visigodos, estourou uma guerra entre o chefe Fritigern e o antigo rei, Atanarico, que foi se abrigar em Constantinopla, lugar onde, em 381 D.C., ele foi recebido com surpreendentes honras por Teodósio.

Em 3 de outubro de 382 D.C, Teodósio firmaria um polêmico Tratado de Paz com os Godos, um inédito acordo que teria consequências duradouras: os Visigodos seriam recebidos dentro do Império Romano como aliados (foederati), recebendo a autorização para se instalarem na Moésia, diocese setentrional da Trácia, continuando a serem governados pelos seus chefes e somente com a obrigação de lutarem quando convocados pelo Imperador, porém como um exército independente. Os visigodos também receberiam tributos em forma de provisões a serem pagas pelos súditos romanos da Mésia e seus chefes um pagamento anual em ouro.

Talvez tenha parecido, a muitos contemporâneos, que uma composição com os Godos era uma medida razoável. Um orador do período, Themistius, louvando Teodósio, até escreveu, esperançosa ou aduladoramente, que os Godos trocariam a espada pelo arado e, romanizados, revitalizariam aquela província. A posteridade, porém, reconheceria que aquele ato de Teodósio foi desastroso: O assentamento permanente dos visigodos dentro do Império seria um fator decisivo de enfraquecimento romano. Com efeito, em 410 D.C, o Império seria abalado pelo saque de Roma pelos visigodos, e eles ainda pilhariam a Gália, até se instalarem na Hispânia, onde criariam um reino independente que duraria até a invasão árabe no início do século VIII D.C.

Enquanto isso, em 25 de agosto de 383 D.C, morreu Graciano, o colega de Teodósio no Ocidente, assassinado em Lyon, para onde teve que fugir após não conseguir debelar a revolta do general da Britânia, Magnus Maximus, um militar também de origem espanhola que havia servido como subordinado do Conde Teodósio, e invadira a Gália para depor o imperador, filho do primeiro, supostamente pelo fato das tropas estarem insatisfeitas com a preferência que Graciano dava às tropas compostas por bárbaros alanos.

Valentiniano II, o jovem irmão de Graciano, que, por influência dos generais francos havia sido reconhecido por ele como co-imperador seria o próximo alvo de Maximus. Teodósio então, pressionado pelas circunstâncias, acabou concordando em reconhecer Maximus como novo imperador das províncias governadas por Graciano, sob o compromisso de que Maximus reconheceria Valentiniano II como co-imperador no Ocidente.

Esse arranjo durou até 387 D.C, quando Maximus resolveu invadir a Itália para derrubar Valentiniano II e assumir o controle total do Ocidente. Um dos motivos principais era a crescente influência de Teodósio nos assuntos da corte de Valentiniano II. Assim, em um momento em que a ameaça externa era enorme, mais uma vez os maltratados exércitos romanos se enfrentariam em uma nova guerra civil, pois Teodósio resolveu intervir e, após juntar suas forças com as de Valentiniano II, que recuara para Tessalônica, valendo-se de seus aliados visigodos e de mercenários hunos, conseguiu derrotar Maximus na Batalha de Siscia, no rio Sava, na atual Croácia, em 388. Maximus conseguiu fugir, mas foi capturado e executado próximo a Aquiléia, em 28 de agosto de 388 D.C.

Na prática, mas ainda não de direito, Teodósio tornou-se o virtual imperador de todo o Império Romano. Ele ficaria ainda três anos na Itália, voltando para Constantinopla em 391 D.C. Oficialmente, porém, o novo imperador único do Ocidente passara a ser Valentiniano II. Contudo, o real poder militar estava nas mãos do general de origem franca Arbogaste, na qualidade de Comandante-em-chefe da Infantaria (Magister Peditum Praesentalis).

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(base do obelisco de Teodósio, no Hipódromo de Constantinopla, mostrando o Imperador presidindo uma corrida)

Em 392 D.C, após um desentendimento público com Arbogaste, Valentiniano II foi encontrado enforcado em seus aposentos. As suspeitas, obviamente, recaíram sobre o general franco. A esposa de Teodósio, a imperatriz Gala, irmã do falecido, não engoliu a tese de suicídio e instou que o marido investigasse a morte do irmão. Porém, Arbogaste não perdeu tempo e, incapaz de assumir ele mesmo o trono, devido a sua origem bárbara, aclamou, em 22 de agosto de 392 D.C, o inesperado Eugênio, que era apenas um professor de retórica, e ministro de Valentiniano II, como novo Imperador Romano do Ocidente.

Teodósio recusou-se a reconhecer Eugênio e preparou-se para invadir a Itália. Durante os preparativos, Teodósio nomeou, em janeiro de 393 D.C, o seu filho de 4 anos, Honório, como Augusto do Ocidente, o que inviabilizou qualquer tentativa de composição com Eugênio. Além disso, Eugênio, embora aparentemente fosse cristão, tomou medidas simpáticas aos pagãos, especialmente para o ainda muito influente grupo de senadores pagãos de Roma, inclusive financiando a restauração de templos pagãos na Cidade. Ele provavelmente tinha, portanto, o suporte de uma boa parte da aristocracia romana tradicional e, indiretamente, de todos os pagãos ainda influentes…

Em 394 D.C, Teodósio estava pronto e marchou em direção a Itália, com seu exército. A longa preparação era necessária pois, nominalmente, o exército do Ocidente era considerado maior e melhor. Ele ainda mantinha um núcleo de tropas tradicionalmente romanas, no que se refere à disciplina e táticas e não havia sofrido tantas baixas como o exército oriental, derrotado fragorosamente em 363 e 378 D.C .

Os oponentes se encontraram no rio Frigidus, no território da atual Eslovênia, em 5 de setembro de 394 D.C. Consta que imediatamente, dispensando qualquer reconhecimento ou preparação, Teodósio mandou os seus 20 mil Visigodos comandados pelo rei Alarico (que mais tarde saquearia Roma) atacarem uma posição bem defendida pelas tropas de Eugênio. Após duríssimos combates, os Visigodos foram repelidos, perdendo 10 mil homens. Muitos estudiosos acreditaram que com esse ataque, Teodósio deliberadamente visou enfraquecer os seus aliados Godos, que eram reconhecidamente a principal ameaça militar ao Império Romano.

As fontes também relatam que, antes do início da batalha, Eugênio e Arbogaste ordenaram que duas estátuas de Júpiter fossem colocadas nos flancos do seu Exército e que estandartes fossem pintados com a imagem de Hércules, dando, assim, um nítido caráter de guerra religiosa ao confronto, já que as tropas de Teodósio, incluindo os Visigodos que professavam a heresia Ariana, eram cristãs.

Assim, no primeiro dia da batalha, o exército de Eugênio e Arbogaste levou a melhor, sendo relatado que houve entusiasmadas comemorações em seu respectivo acampamento.

No dia seguinte, Teodósio, que passara a noite em claro, foi estimulado pela notícia de que um contingente que Arbogaste enviara para guardar umas passagens entre as montanhas desertara para o seu lado. Reanimado, ele decidiu, assim, renovar o ataque. Então, segundo o relato das fontes, no exato momento em que suas tropas atacavam, começou a soprar o fortíssimo vento conhecido como “Bora“, um fenômeno natural que ocorre ainda hoje na região. jogando nuvens de poeira nos olhos das tropas de Eugênio, que, impedidas de combater com eficiência, foram derrotadas. Posteriormente, o influente Ambrósio, Bispo de Milão, mencionaria que o vento decorreu da intervenção divina em favor da Cristandade.

Eugênio, capturado, foi decapitado. Já Arbogaste conseguiu fugir, mas, após vagar sem rumo, perseguido durante dias, preferiu cometer suicídio.

Teodósio tornava-se, assim, o único Augusto reinante, e, efetivamente, o último Imperador a reinar oficialmente sobre as duas metades do Império Romano.

Todavia, em 17 de janeiro de 395 D.C, apenas 4 meses após se tornar o último Imperador a reinar sobre as duas metades, Ocidental e Oriental, do Romano, Teodósio faleceu, em Milão, de causas naturais. Antes de morrer, porém, o imperador tomou as medidas necessárias para que seus filhos Honório e Arcádio se tornassem, respectivamente, após a sua morte, os Imperadores Romanos do Ocidente e do Oriente.

CONCLUSÃO

Para quem olhasse de fora, apenas contemplando um mapa do Império Romano, era um império cuja área era maior do que aquele sobre o qual Augusto reinara, 400 anos antes, e somente um pouco menor do que o de Trajano.

Contudo, era um Império que tinha dentro de si um povo inimigo inteiro, e que dependia de outras tropas recrutadas entre essas mesmas etnias para se defender de outros inimigos que rodeavam suas fronteiras; e, tão grave quanto isso, cuja economia suportava um esforço enorme para custear essa defesa e, que, não menos importante, ainda se via corroído por sangrentas disputas religiosas.

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Assim, em 27 de fevereiro de 380 D.C, Teodósio promulgou, em conjunto com Graciano e Valentiniano II, o Édito de Tessalônica, declarando o Credo Niceno-Trinitário como a única religião legítima do Império e a única passível de ser considerada “católica” (universal), e determinando que todo apoio oficial às demais religiões politeístas fosse encerrado.

Cristão devoto, Teodósio permitiu que a crescente intolerância religiosa por parte do Cristianismo triunfante desaguasse na destruição de importantes templos pagãos, como o Serapeum, em Alexandria, que degeneraram em massacres. Ele também proibiu os sacrifícios pagãos e os Jogos Olímpicos .

Com efeito, em vários episódios, Teodósio mostraria-se submisso à forte personalidade de Santo Ambrósio, Bispo de MIlão, e, quando ele foi excomungado pelo referido prelado, chegou a fazer meses de penitência, fato inaudito para um imperador romano que inaugurou a tendência, frequente na Idade Média, de submissão do poder temporal ao poder eclesiástico.

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(Mosaico do século V, com a figura de Santo Ambrósio, que demonstrou ter ascendência moral sobre o imperador Teodósio)

Ademais, a Batalha do Rio Frígido terminaria por desmoralizar de vez o Exército Romano. Embora houvesse bárbaros lutando dos dois lados, o exército vencedor, o de Teodósio, fora quem empregara os foederati Visigodos em larga escala. E foram eles quem suportaram o maior castigo, reivindicando, a partir daí, a primazia e as recompensas das quais julgavam que o seu esforço era merecedor. O exército de Eugênio, que ainda tinha um núcleo romano tradicional, fora derrotado. A partir de então, a esperança de que o imperador poderia formar e treinar um exército composto majoritariamente de cidadãos romanos começou a desvanecer.

Por tudo isso, para muitos historiadores, Teodósio lançou o Império em um “ponto de não-retorno”, cujo resultado foi a Queda do Império Romano do Ocidente.

FIM