MAXIMUS DECIMUS MERIDIUS-GLADIADOR-O QUE É FATO E O QUE É FICÇÃO?

I- INTRODUÇÃO

Acho que se você, amigo leitor, veio até aqui, é porque já viu o filme “Gladiador“, mas, se por acaso, ainda não o tiver assistido, fique alerta de que esse texto tem “SPOILERS“, e nele contamos o enredo do filme (então, a hora de sair é agora, rs!).

O filme é excelente, mas obviamente, como acontece com quase todos os filmes épicos, especialmente os hollywoodianos, o roteiro nem sempre é inteiramente fiel aos acontecimentos históricos.

Identificar no filme o que é fato ou ficção, em si, não é uma tarefa difícil, mas, vamos também, neste artigo, tentar esclarecer se, mesmo no caso dos personagens e situações fictícios, existe alguma verossimilhança, ou, ao menos, verificar se as cenas apresentadas segundo o enredo seriam plausíveis, dentro do que se conhece da História e dos costumes romanos.

II – ROTEIRO

Vamos à trama:

Estamos em 180 D.C: O imperador romano Marco Aurélio encontra-se em Vindobona, na província romana da Panônia, supervisionando o final da campanha contra bárbaros germânicos instalados nas proximidades da fronteira do Império no rio Danúbio. As tropas são conduzidas pelo general hispânico Maximus Decimus Meridius, o “Comandante dos Exércitos do Norte”. A batalha final é sangrenta, mas os romanos vencem. Entretanto, o imperador está doente, e manda chamar de Roma seu casal de filhos: o jovem Cômodo e sua irmã, Lucilla. Após o combate, o esgotado Marco Aurélio chama Maximus para uma conversa particular em sua tenda e lhe conta que deverá morrer em breve, mas que Cômodo não será o seu sucessor, já que o considera incapaz de governar o Império. Além disso, Roma está mergulhada na corrupção, e para remediar isso, ele pretende devolver o poder ao Senado Romano e restaurar a República. Assim, o imperador pede a Maximus que, após a sua morte, este assuma o Império e cuide para que a República seja restaurada. Maximus, que somente anseia ir cuidar de sua mulher e filho e de sua fazenda em Turgalium (atual Trujillo, na Espanha, pede para ser dispensado, mas Marco Aurélio insiste neste propósito. Ao sair da tenda, Maximus reencontra Lucilla, de quem ele já foi amante, e percebe-se que os dois, aparentemente, ainda sentem algo um pelo outro. Marco Aurélio, em seguida, chama Cômodo e informa ao filho que ele não será o novo imperador, pedindo desculpas por não ter sido um bom pai. Cômodo, transtornado ao receber a notícia, mata o pai, asfixiando-o, e, após, informa a irmã que o pai morreu por causa da doença. Maximus, em seguida, é convocado para jurar lealdade ao novo imperador, mas deixa transparecer a sua suspeita pela morte súbita de Marco Aurélio, com quem ele havia estado pouco tempo atrás, e reluta em fazer o juramento. Então, Cômodo, valendo-se da ajuda de Quintus (lugar-tenente de Maximus), manda a Guarda Pretoriana prender Maximus, que é levado à floresta para ser executado. Ali, ele fica sabendo que Cômodo ordenou também a morte de sua família. Porém, na ocasião, Maximus, mesmo após ser ferido, consegue matar seus carrascos e fugir, capturando um cavalo, e galopa da Panônia até a sua propriedade em Trujillo, apenas para constatar que sua mulher e filho tinham acabado de morrer crucificados. Ele desmaia, exausto e com suas feridas apodrecendo. Então, Maximus é encontrado desfalecido por uma caravana de mercadores de escravos destinados à província da Mauritânia, no Norte da África, onde ele é vendido ao lanista (dono de uma escola de treinamento e fornecedor de gladiadores para espetáculos) Proximo, ele mesmo um ex-gladiador. Em pouco tempo, Maximus começa a se destacar na arena, recebendo o apelido de “Espanhol”, e o sucesso dele como gladiador, acaba levando Proximo a conseguir que sua trupe se apresente no Coliseu, em Roma. Enquanto isso, Cômodo, que havia sido falsamente informado da morte de Maximus por Quintus e seus subordinados, tinha voltado imediatamente para Roma sem concluir a guerra, e, ao longo do tempo, vinha se mostrando mesmo inapto para reinar, preferindo dedicar-se à sua paixão pelas lutas de gladiadores, inclusive treinando como um. Então, a luta de Maximus e da trupe de Próximo no Coliseu resultou em grande sucesso, com o “Espanhol” caindo nas graças do público. Cômodo, que assistiu à luta, desce até a arena e pede que Maximus diga o seu nome e mostre o seu rosto. Este inicialmente se recusa, então o imperador faz um gesto chamando a Guarda Pretoriana para punir a todos. Assim, diante da possibilidade dele e seus companheiros gladiadores serem mortos, Maximus se revela e jura que vingará a mulher e o filho. Cômodo fica chocado com a revelação e faz menção de dar a ordem para os Pretorianos matarem Maximus e os outros gladiadores, mas a multidão implorou em coro pela vida deles e, pressionado pela turba, o imperador desiste momentaneamente de executá-los. Todavia, para a próxima luta de Maximus no Coliseu, Cômodo manda preparar umas armadilhas com tigres. Não obstante, Maximus consegue matar todos eles, e, após derrotar seu oponente, poupa a vida dele, contra a vontade de Cômodo, fato que deixa o imperador possesso, mais ainda após o público de novo ovacionar o “Espanhol”. Na saída do Coliseu, Maximus é abordado por seu ex-ajudante de ordens, Cícero, que lhe conta que seus antigos soldados estão acampados nos arredores de Roma. Lucilla, que vinha sendo alvo de investidas, com caráter sexual pelo seu irmão Cômodo, procura Maximus em sua cela na Escola de Gladiadores do Coliseu (Ludus Maximus), junto com o senador Graco, e ambos tentam convencer Maximus a se juntar a uma rebelião para derrubar Cômodo e devolver o poder ao Senado, como planejava Marco Aurélio. Segundo o plano traçado, Maximus fugiria e iria ao encontro de suas antigas legiões, que ele confiava que se uniriam a ele, e derrubariam Cômodo. Porém, o menino Lucius (filho de Lucilla com seu falecido marido, Lucius Verus), que morava junto com a mãe no Palácio, e que é fã do “Espanhol”, acaba inocentemente deixando escapar uma informação e Cômodo ameaça Lucilla, dizendo que se ela não lhe revelar tudo o que sabe sobre os planos de Graco, matará Lucius. A mãe, desesperada, acaba contando tudo e Cômodo ordena que os Pretorianos prendam Graco e matem Maximus, na Escola de Gladiadores. Porém, com a ajuda de Proximo e seus colegas gladiadores, Maximus consegue fugir e vai ao ponto de encontro previamente marcado com Cícero. Porém, os Pretorianos já tinham capturado Cícero e. antes de matá-lo, usam-no para atrair e prender Maximus. Então, Cômodo resolve matar Maximus em um combate encenado no Coliseu lotado, visando ganhar o amor do público, cuidando antes de esfaquear Maximus no pulmão, para que este entrasse na arena enfraquecido. Mas, mesmo mortalmente ferido, durante o combate, Maximus consegue desarmar e derrotar Cômodo, terminando por matá-lo com o seu próprio punhal, enfiando-o lentamente na garganta do imperador. Os Pretorianos adentram a arena parecendo prontos a matar Maximus, porém, Quintus ordena que os soldados fiquem em posição aguardando as ordens do seu antigo comandante. Agonizando, Maximus proclama que o poder deve retornar para o Senado, na pessoa do senador Graco, e morre nos braços de Lucilla, tendo uma visão de sua esposa e de seu filho. O corpo de Maximus é carregado para fora do Coliseu com honras por Graco e Lucius.

Russell Crowe como Maximus, foto: MohamedShnawa, CC BY-SA 4.0 https://creativecommons.org/licenses/by-sa/4.0, via Wikimedia Commons

Resumido o roteiro, cumpre abordar, em primeiro lugar, os personagens do filme que realmente existiram:

III- PERSONAGENS PRINCIPAIS

A) MARCO AURÉLIO E CÔMODO

O imperador Marco Aurélio de fato morreu em Vindobona (atual Viena), em 17 de março de 180 D.C, durante a fase final da duríssima e prolongada campanha do Império Romano contra os bárbaros Marcomanos e Quados, que assolavam a fronteira romana do rio Danúbio.

Busto do Imperador Marco Aurélio, do acervo do Metropolitan Museum, NY.

Porém, ao contrário do que é mostrado no filme, não há evidências de que o filho de Marco Aurélio, o jovem Cômodo (vivido no filme por Joaquim Phoenix, em grande atuação), então com 18 anos de idade e que estava presente quando ele morreu, tenha matado ou mandado matar o próprio pai.

Todas as fontes antigas mencionam que o imperador contraiu a chamada Peste Antonina, que foi trazida para o Império Romano pelos soldados que participaram da campanha contra o Império Parta no início do reinado dele. Somente o historiador romano Cássio Dião escreve ter ouvido um relato de que a morte de Marco Aurélio teria sido acelerada pelos médicos que pretenderam fazer um favor a Cômodo, mas sem ao menos insinuar que teria sido a pedido deste. A verdade é que, segundo todas as fontes, Cômodo não apreciava muito a tarefa de governar, então é muito improvável que, aos 18 anos, ele tenha querido acelerar a morte do pai. Além disso, faltava pouco mais de um mês para o enfermo Marco Aurélio completar 59 anos quando ele morreu, ou seja, Cômodo não precisaria esperar muito para sucedê-lo.

Marco Aurélio, segundo o consenso dos historiadores antigos e modernos, foi um dos melhores imperadores romanos e, provavelmente, o mais erudito entre todos eles. Ele era adepto do Estoicismo, e tentou viver de acordo com os preceitos dessa corrente filosófica, deixando muitos pensamentos e reflexões profundas por escrito, embora não com o intuito de vê-los publicados. Mesmo assim, sentenças e máximas elaboradas por ele até hoje são citadas. Mais detalhes sobre a vida de Marco Aurélio podem ser consultados em nosso blog, em artigo específico.

A famosa estátua equestre de Marco Aurélio, hoje no Museu Capitolino, em Roma. Foto: Nicholas Hartmann, CC BY-SA 4.0 https://creativecommons.org/licenses/by-sa/4.0, via Wikimedia Commons

Embora as fontes antigas realmente mencionem que Marco Aurélio tinha dúvidas acerca da capacidade do filho para reinar, o fato é que, tecnicamente, Cômodo já era imperador desde meados do ano 177 D.C, pois seu pai fez com que ele fosse proclamado Augusto (título exclusivo dos imperadores romanos) neste ano. Portanto, não há o menor indício de que o imperador agonizante tencionasse que outra pessoa que não o seu filho Cômodo o sucedesse, e, muito menos, devolver o poder ao Senado Romano e reinstalar o regime republicano em Roma, algo que um homem sábio como Marco Aurélio certamente sabia não ser factível. Aproveitamos para transcrever os trechos das histórias escritas pelos historiadores romanos Herodiano e Cássio Dião, além da crônica do reinado de Marco Aurélio constante da Historia Augusta:

“Quando o imperador suspeitou que havia pouca esperança na sua recuperação, e percebeu que seu filho se tornaria imperador enquanto ainda era muito jovem, ele temeu que o jovem indisciplinado, privado do conselho paterno, pudesse negligenciar seus excelentes estudos e bons hábitos, e voltar-se para a bebida e depravação (porque as mentes dos jovens, inclinada aos prazeres, são muito facilmente desviadas das virtudes da Educação), quando ele tivesse o poder absoluto e irrestrito.

(…)

Perturbado por esses pensamentos, Marco convocou seus amigos e parentes (para seu quartel-general em Vindobona). Colocando o filho ao seu lado e erguendo-se um pouco de seu leito, ele começou a falar da seguinte maneira:

“Não é surpreendente que vocês fiquem incomodados em me ver nesta condição. É natural que os homens sofram com o sofrimento de um semelhante, e as desgraças que ocorrem ante os seus próprios olhos suscitam uma compaixão ainda maior. Eu penso, entretanto, que um laço de afeição ainda maior exista entre vocês e eu; e, em troca dos favores que eu fiz a vocês, eu tenho o razoável direito de esperar a vossa boa vontade, em reprocidade.

E agora é para mim chegado o momento adequado de descobrir que eu não derramei por tanto tempo sobre vocês honra e estima em vão, e, para vocês, o de retribuir o favor mostrando que vocês não ignoram os benefícios que receberam de mim: Aqui está meu filho, a quem vocês mesmos educaram, chegando à flor da idade e necessitando de pilotos para os mares tormentosos à frente. Eu temo que ele, jogado para lá e para cá pela ignorância das coisas que ele precisa saber, seja despedaçado nas rochas das práticas ruins.

Consequentemente, vocês, juntos, devem assumir meu lugar como pai, cuidando dele e dando-lhe conselhos sábios…Nenhuma quantia de dinheiro é grande o suficiente para compensar os excessos de um tirano, nem a proteção dos guarda-costas é suficiente para proteger o governante que não goze da boa vontade dos seus súditos”

Herodiano, 1.3.1 a 1.4.4

“Ele morreu da seguinte maneira: Quando a sua doença começou a piorar, ele convocou o seu filho e recomendou a ele, em primeiro lugar, que não fizesse pouco caso do que restava da guerra, a fim de que ele não parecesse um traidor do Estado. E quando seu filho respondeu que o seu primeiro desejo era ter boa saúde, ele (Marco) lhe permitiu que procedesse como desejasse, apenas pedindo que esperasse alguns dias e não partisse imediatamente. Então, estando desejoso de morrer, ele recusou-se a comer e beber, assim agravando a doença. No sexto dia, ele convocou seus amigos, e fazendo pouco caso dos assuntos humanos e desprezando a morte, disse a eles: “Por que vocês choram por mim, em vez de se preocuparem com a Peste e com a morte que é parte comum que nos cabe a todos? E quando eles estavam prestes a se retirar, ele resmungou e disse: “E se vocês me dão licença para ir, eu vos dou adeus e morro antes”. E, quando lhe perguntaram a quem ele confiava o seu filho, ele respondeu: “A vocês, e aos deuses imortais”. O exército, quando soube da doença dele, o pranteou em voz alta, porque eles o amavam especialmente. No sétimo dia, ele estava exaurido e somente recebeu o seu filho, e mesmo este, ele despachou imediatamente, por medo de que ele contraísse a doença. E quando seu filho se foi, ele cobriu sua cabeça como se desejasse dormir e, durante a noite, ele deu o seu último suspiro. Comentou-se que ele previu que, após a sua morte, Cômodo viraria o que se tornou, e expressou o desejo de que este morresse, a fim de que ele não se tornasse um outro Nero, Calígula ou Domiciano.”

(Historia Augusta, Life of Marcus Aurelius, 28)

“Agora, se Marcos tivesse vivido mais tempo, ele teria subjugado a região inteira; mas, do jeito que foi, ele faleceu no dia 17 de março, não como resultado da doença da qual ele ainda padecia, mas pela ação de seus médicos, como me foi dito abertamente, que quiseram fazer a Cômodo um favor.

(…)

Apenas uma coisa o impediu (Marco Aurélio) de ser completamente feliz: nomeadamente, que. após criar e educar seu filho da melhor forma possível, ele ficasse tão imensamente desapontado com ele. Esse assunto será o nosso próximo tópico, porque nossa História agora desce de um reino de ouro para um de ferro e ferrugem, como as coisas se tornaram para os Romanos daquele tempo.”

(Cássio Dião, Epítome,LXII, 33 e Livro LXII, 35)

Relevo da Coluna de Marco Aurélio, em Roma, retratando o início da campanha contra os Marcomanos e Quados. Foto:Barosaurus Lentus, CC BY 3.0 https://creativecommons.org/licenses/by/3.0, via Wikimedia Commons

Importante observar que a transcrição de discursos de pessoas célebres pelos historiadores antigos, embora fosse um recurso narrativo e estilístico frequentemente usado por eles, quase certamente não é a transcrição exata do que foi dito na ocasião (algo que até podia ocorrer quando eram proferidos em sessões do Senado e transcritos em ata), e visava mais a contextualizar os fatos segundo a opinião ou a visão ideológica do autor.

Assim, o que, ao nosso ver, se extrai do cotejo dos variados relatos, é que Marco Aurélio de fato morreu preocupado com a real capacidade ou com o preparo de Cômodo para ser imperador, e desejava que seus amigos orientassem o filho.

E de fato, os receios de Marco Aurélio quanto à aptidão do filho logo se mostraram justificados:

Em pouco tempo, Cômodo, contrariando o conselho dos amigos de Marco Aurélio, resolveu interromper a campanha contra os bárbaros germânicos e voltou para a Cidade de Roma, onde ele se entregou a uma vida de orgias e à sua paixão pelas lutas de gladiadores. Os assuntos governamentais foram deixados à cargo de seus auxiliares, principalmente seu camareiro, o liberto Saoterus.

Busto de Cômodo, retratado como Hércules. Foto: Capitoline Museums, Public domain, via Wikimedia Commons

Em 182 D.C, entre o segundo e o terceiro ano de seu reinado, Cômodo foi alvo de uma tentativa de assassinato, em uma conspiração da qual a sua irmã Lucilla fez parte, juntamente com alguns senadores, como veremos adiante. No processo de punição aos conspiradores, Saoterus acabou sendo implicado na trama pelo novo Prefeito Pretoriano, Sextus Tigidius Perennis, e assassinado pelo novo camareiro e homem de confiança de Cômodo, o liberto Cleander.

A partir de então, Cômodo deixou de vez às rédeas do governo nas mãos de Cleander e Perennis, que estimularam mais ainda a desconfiança do imperador em relação ao Senado.

O CÔMODO GLADIADOR

Para o leitor que nunca leu sobre a História de Roma, a parte do enredo que talvez pareça mais inverossímil é a de que um imperador romano tenha combatido como gladiador no Coliseu, mas isto realmente aconteceu.

Mesmo assim, o fato do imperador Cômodo ter lutado na arena foi objeto de espanto para os seus contemporâneos e para os historiadores antigos: afinal, a profissão de gladiador era considerada “infamante”, sendo a infamia quase equivalente a uma capitis diminutio (isto é, uma condição que limitava a capacidade civil das pessoas) e aplicável aqueles que praticassem alguma ação ou tivessem alguma profissão, socialmente consideradas como ignomínias (“ignominiosae“), como por exemplo, o fato de ter sido condenado por furto, roubo, bigamia, etc, ou exercício de certas atividades, como a prostituição, a profissão de gladiador e até mesmo a de comediante. Assim, as pessoas consideradas infames não podiam, por exemplo, exercer certos cargos públicos, nem representar alguém em juízo e seu testemunho em juízo tinha valor inferior.

Mosaico Zliten, de Leptis Magna, atual Líbia, mostrando vários tipos de gladiadores e o árbitro das lutas. Foto: By Unknown author – Livius.org, Public Domain, https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=3479030

Entretanto, os relatos dos historiadores variam em poucos detalhes em relação à dimensão da atuação de Cômodo, enquanto gladiador:

Vejamos o relato de Herodiano:

“E agora, o imperador, deixando de lado toda discrição, tomou parte nos espetáculos públicos, prometendo matar com suas próprias mãos animais selvagens de todo tipo e lutar em combates gladiatórios contra os jovens mais valentes. Quando essas novas tornaram-se conhecidas, pessoas de toda a Itália e das províncias vizinhas afluíram a Roma para testemunhar o que ninguém até então havia visto ou até mesmo ouvido falar anteriormente.

(…)

No que concerne a estas atividades, entretanto, mesmo se a conduta dele dificilmente pudesse ser considerada apropriada para um imperador, ele ganhou a aprovação da massa pela sua coragem e boa pontaria. Porém, quando ele adentrou o Anfiteatro (Coliseu) nu, empunhando armas e lutando como gladiador, o povo testemunhou um espetáculo vergonhoso: um imperador dos Romanos, de nascimento nobre, cujos pais e antepassados tinham vencido tantas batalhas, entrando no campo de batalha não contra bárbaros ou inimigos dignos dos Romanos, mas desgraçando a sua alta posição mediante exibições degradantes e desagradáveis.”

Herodiano, 1.15.1

O relato de Cássio Dião, por sua vez, é um pouco mais detalhado:

“Além disso, ele costumava combater como um gladiador; e, fazendo isso em sua casa, de tempos e tempos, ele matava um homem, e, ao treinar golpes com outros, tentando cortar um tufo dos cabelos deles, decepou os narizes de uns e as orelhas de outros, e ainda, partes variadas de outros mais; porém, em público, ele se absteve de usar o aço para derramar sangue humano.

(…)

No primeiro dia, ele matou sozinho uma centena de ursos, acertando-os com dardos a partir da balaustrada do Anfiteatro; porque todo o anfiteatro tinha sido dividido por meio da interseção de dois muros cruzados que suportavam a galeria que percorria toda a sua extensão, com o propósito de que as feras, divididas em quatro matilhas, pudessem ser mais facilmente atingidas com a lança de curta distância de qualquer ponto.

(…)

Então, no primeiro dia, os eventos que eu descrevi ocorriam. Nos outros dias ele descia da arena do seu palanque e abatia todos os animais domésticos que se aproximavam dele e também outros que eram levados a ele em redes. Ele matou também um tigre, um hipopótamo e um elefante. Tendo concluído esses feitos, ele se retirava, mas à tarde, depois de almoçar, ele lutaria como gladiador. A modalidade de luta que ele treinava e a armadura que ele usava eram aquelas dos secutores, como eles eram chamados: ele segurava o escudo em sua mão direita e a espada de madeira na sua esquerda, e de fato ele tinha muito orgulho de ser canhoto. O seu adversário seria algum atleta ou, incidentalmente, um gladiador armado com uma vara; algumas vezes, alguém que ele mesmo havia desafiado, outras vezes, algum escolhido pelo povo, pois nisto, assim como em outras questões, ele se colocava no mesmo plano em relação aos demais gladiadores, exceto pelo fato de que estes eram selecionados para atuar por uma quantia bem pequena, enquanto Cômodo recebia um milhão de sestércios pagos pelo Fundo Gladiatório por cada dia.”

Cassius Dio, Epítome do Livro LXXIII

E, finalmente, a versão relatada pela Historia Augusta:

“Ele combateu na arena contra gladiadores inexperientes, mas, às vezes, contra seus camareiros, atuando como gladiadores, usando espadas afiadas.

(…)

Ele participou de combates gladiatórios, e adotou os nomes geralmente dados aos gladiadores com tanta satisfação como se a ele tivessem sido dados ornamentos triunfais. Ele regularmente tomava parte nos espetáculos, e ordenava que esses fatos fossem inscritos nos registros públicos, tantas quantas fossem as vezes que ele o fazia. Conta-se que ele participou de 735 lutas de gladiadores.”

Historia Augusta, “Life of Commodus”, 5, 5

Portanto, os relatos dão conta de que Cômodo, no Coliseu, geralmente participava de combates com espadas de madeira (rudis), ou seja, espadas de treinamento, apresentando-se como secutor (um tipo de gladiador que lutava com um gládio pequeno ou uma adaga e escudo, tendo um dos braços protegidos por uma manica, que era uma proteção de placas de metal circulares e articuladas, presas a tiras de couro, cobrindo o braço e o antebraço, e a cabeça por um elmo ornamentado) e, ocasionalmente, quando os combates eram para valer, ele lutava com espadas de verdade, enfrentando gladiadores inexperientes ou até mesmo seus próprios servos, indicando nestes casos, que provavelmente tratavam-se de lutas arranjadas. Considerando que os secutores vestiam apenas uma subligaculum (ou seja, roupa de baixo, mais especificamente, uma espécie de cueca atada como se fosse um fraldão), o que era inadmissível para um romano distinto fazer em público, não espanta que Herodiano tenha escrito que Cômodo apresentava-se “nu” na arena.

O gladiador da direita é um secutor, o tipo preferido por Cômodo. (foto This site, Public domain, via Wikimedia Commons)

Segundo Cássio Dião, o próprio Marco Aurélio, nos espetáculos em que este imperador comparecia (e portanto, ainda que não os tivesse patrocinado, ele seria considerado como o Editor, isto é, a pessoa que oferecia e pagava o espetáculo, e portanto, determinava quais seriam as regras, inclusive, se os gladiadores lutariam até a morte e, neste caso, se o perdedor seria poupado), exigia que os atletas lutassem usando armas com as pontas protegidas, para que não houvesse derramamento de sangue (Cássio Dião, Epítome, Livro LXII, 29). Aliás, este fato assinala outra pequena impropriedade do roteiro, pois, no filme, ouvimos Proximo, dizer, em um diálogo com Maximus, que Marco Aurélio tinha proibido os jogos de gladiadores em Roma, o que, como se vê, não corresponde aos fatos.

MORTE DE CÔMODO

Cômodo foi assassinado em 31 de dezembro de 192 D.C., por um lutador. Todavia, ao contrário do que poderia parecer por esta curta descrição, isto ocorreu de maneira bem diferente daquela que é retratada no filme. Como não há divergência entre os relatos dos historiadores antigos, vamos deixar de transcrever as passagens, e apenas relatar como ocorreu o evento.

O absenteísmo de Cômodo pelas tarefas governamentais, seu crescente despotismo e a paixão desmedida pela profissão de gladiador tornaram seu comportamento imprevisível e ameaçador até mesmo para seus auxiliares e pessoas mais íntimas, os quais tentavam dissuadi-lo de atos cada vez mais tresloucados.

Assim, após ter sido aconselhado por sua amante, Márcia, pelo Prefeito Pretoriano, Emílio Leto e por seu camareiro, Ecletus, a não comparecer à sessão de abertura anual do Senado Romano vestido como gladiador e acompanhado de outros gladiadores, conforme desejo que ele havia manifestado Cômodo, contrariado por esses apelos, resolveu decretar a morte dos três, escrevendo a ordem para a execução em uma tabuleta de cera.

Porém, enquanto tomava banho, um dos seus favoritos, um menino que tinha o sugestivo nome de Philocommodus (em grego, “aquele que ama Cômodo”), pegou a tabuleta e a mostrou a Márcia, que imediatamente, percebeu do que se tratava e avisou aos dois auxiliares, também condenados.

Então, os três resolveram assassinar Cômodo antes que ele tivesse a chance de matá-los. Márcia se encarregou de arrumar um veneno e servi-lo a Cômodo misturado em uma taça de vinho. Porém, ao ingerir a bebida, após terminar o seu banho, o imperador começou a se sentir mal, e acabou vomitando o veneno. Temerosos de que Cômodo logo descobriria a causa do seu mal estar, os três conspiradores abordaram Narcissus, que era um jovem lutador (provavelmente de pancratium, uma luta que pode ser considerada como precursora da atual MMA) que treinava com Cômodo no Palácio e o subornaram para que ele desse cabo ao imperador. Assim, Narcissus aceitando o encargo, adentrou os aposentos de Cômodo e o estrangulou, sem dificuldade. O imperador tinha, então, 31 anos de idade.

Para saber mais sobre as vidas e os reinados de Marco Aurélio e Cômodo, recomendamos a leitura do nosso artigos sobre esses imperadores (é só clicar nos seus nomes).

B) LUCILLA

Personagem feminina principal do filme, Lucilla é a irmã de Cômodo e ela aparece no filme como a filha predileta de Marco Aurélio, de quem ela compartilha os ideais. De acordo com o roteiro, Lucilla, antes ou depois de ficar viúva de seu marido, Lúcio Vero, manteve um caso de amor com o principal general de seu pai, Maximus. Segundo o enredo, percebendo as intenções tirânicas de Cômodo, Lucilla resolve colaborar com influentes senadores que se opunham ao reinado de seu irmão, e tramam restaurar a República. Ela também é alvo de investidas com fins libidinosos de Cômodo, mas deixa de resistir de maneira mais enfática por medo de que o irmão possa fazer mal ao seu filho, Lucius. No filme, Lucilla é interpretada pela atriz Connie Nielsen, em atuação primorosa.

Estátua de Lucilla, retratada como a deusa Ceres. Foto: Bardo National Museum, Public domain, via Wikimedia Commons

Na vida real, Lucilla, cujo nome completo era Annia Aurelia Galeria Lucilla, de fato era a irmã mais velha de Cômodo e efetivamente ela se casou com Lúcio Vero, que foi aclamado imperador junto com Marco Aurélio, em 161 D.C (o casamento foi celebrado em 164 D.C., ocasião em que ela tinha entre 14 e 16 anos de idade), e o casamento durou até ele morrer vitimado por uma doença, em 169 D.C. Em consequência de seu casamento com Lúcio Vero, Lucilla recebeu o título de Augusta (Imperatriz), a posição máxima que uma mulher romana poderia aspirar na sociedade patriarcal romana, e todos os privilégios associados a esta posição.

Lucilla e Lúcio Vero tiveram três filhos: Aurelia Lucilla, Lucilla Plautia e Lucius Verus, mas a mais velha e o caçula morreram ainda crianças, e somente Lucilla Plautia parece ter alcançado a idade adulta.

O imperador Marco Aurélio, após a morte de Lúcio Vero, decidiu que sua filha viúva deveria casar de novo, e ele escolheu para ser o novo marido de Lucilla, o general Tiberius Claudius Pompeianus, um de seus auxiliares mais próximos, que comandara com sucesso as legiões da província romana da Panônia, no norte do Império, e que também derrotara invasões dos bárbaros germânicos Lombardos e Marcomanos.

O casamento com Lucilla, sem dúvida, foi uma honra imensa para Pompeianus, que era um cidadão oriundo da ordem equestre e nativo de Antióquia, na Síria, mas que, devido aos seus méritos militares, combatendo sob as ordens de Lúcio Vero na campanha contra os Partas, havia ascendido ao Senado (o que o tornava um integrante da nobreza, embora na condição de novus homo – “homem novo” – isto é, alguém que não tinha ascendentes que tivessem sido senadores) e sido nomeado Cônsul Suffectus, em 162 D.C. (o Cônsul Suffectus era designado para atuar por um período inferior a um ano, na falta do Cônsul Ordinário). Posteriormente, em 173 D.C, Pompeianus seria nomeado Cônsul Ordinário.

Entretanto, embora Pompeianus, então, na oportunidade tivesse um status social elevado, este era ainda bem inferior ao de Lucilla, que era filha e descendente de imperadores, situação que desagradou tanto a noiva como a sua mãe, segundo podemos ver nesta passagem da Historia Augusta:

“Justo antes de partir para Guerra Germânica, e antes que o período de luto tivesse terminado, ele (Marco Aurélio) casou sua filha com Claudius Pompeianus, o filho de um Equestre, e já avançado em anos, um nativo de Antióquia, cujo nascimento não era suficiente nobre (embora depois, Marco Aurélio o tenha feito Cônsul duas vezes), uma vez que a filha de Marco Aurélio era uma Augusta e filha de outra Augusta. De fato, tanto Faustina quanto a jovem que foi dada em casamento se opuseram a esta união.”

(Historia Augusta, Life of Marcus Aurelius, 20)

Além disso, Pompeianus, na ocasião do casamento, tinha cerca de 44 anos de idade, enquanto que Lucilla tinha por volta de 21 anos…

Porém, Marco Aurélio tinha boas razões para unir Lucilla a Pompeianus.

Com efeito, quando Lúcio Vero morreu, seu único filho sobrevivente do sexo masculino era Cômodo, mas que tinha apenas 8 anos de idade. Marco Aurélio com toda a certeza entendeu que, caso ele morresse (uma possibilidade nada desprezível, tendo em vista a Peste que grassava no Império), o risco de que algum pretendente ambicioso liderasse uma revolta reclamando o trono era considerável e a melhor garantia para aumentar as chances de seu jovem filho conseguir ser imperador era trazer um general respeitado para o seio da família, considerado o mais leal e confiável possível à dinastia (o que de fato, Pompeianus provaria ser). Observe-se que o primeiro imperador,Augusto, experimentara exatamente este mesmo dilema em relação a dois de seus únicos descendentes de sangue sobreviventes, os infantes Caio e Lúcio César, obrigando-o a casar sua filha Júlia com seu amigo Agripa, também de classe social inferior, mas um comandante respeitado. Dentro dessa mesma lógica, Marco Aurélio confiava que se Pompeianus (assim como Agripa) reinasse, ele reinaria em conjunto com Cômodo ou seria sucedido por este) .

A diferença de idade entre os cônjuges, contudo, não impediu que eles tivessem um filho: por volta de 176 D.C, Lucilla deu a luz a um menino, que recebeu o nome de Lucius Aurelius Commodus Pompeianus.

O historiador Herodiano dá a entender que Marco Aurélio permitiu que Lucilla mantivesse alguns dos privilégios inerentes ao status de imperatriz após a morte de Lúcio Vero, não obstante sua esposa Faustina, a Jovem, a mãe de Lucilla, fosse, desde então, a única Augusta (Imperatriz). Entretanto, conforme já mencionamos, em 177 D.C, Marco Aurélio decidiu que era já hora de nomear Cômodo co-imperador, dando-lhe o título de Augusto, reforçando a posição do filho como seu sucessor natural.

Naturalmente, a elevação de Cômodo afetou diretamente as expectativas que Lucilla pudesse acalentar quanto às chances de seu marido, Pompeianus, vir a suceder Marco Aurélio, e, com isso, ela se tornar novamente a imperatriz-consorte. E quaisquer anseios neste sentido restaram ainda mais enfraquecidos quando, em 178 D.C, seu irmão Cômodo casou-se com a rica aristocrata Bruttia Crispina, que imediatamente recebeu o título de Augusta, tornando-se a única imperatriz romana, tendo em vista que Faustina, a Jovem, morrera em 175 D.C.

Ao contrário do que é retratado no filme, as fontes antigas dão a entender que a verdadeira Lucilla, do mesmo modo que o seu irmão Cômodo, tinha graves falhas de caráter.

Assim, após a morte do pai, e constatando a inaptidão do irmão para governar, a sua ambição e o seu ciúme e orgulho ferido pela posição inferior à da nova imperatriz Bruttia Crispina impeliram Lucilla a participar ativamente da conspiração que, em 182 D.C, tentou assassinar Cômodo.

A conspiração envolveu diretamente familiares e pessoas próximas à Lucilla, como a sua filha Plautia, mas também vários senadores, e o seu objetivo final era assassinar Cômodo e substituí-lo no trono por Tiberius Claudius Pompeianus, o marido de Lucilla, que com isso voltaria à almejada posição de Imperatriz. Segundo o relato de Herodiano, Lucilla instigou seu primo, Marcus Ummidius Quadratus Annianus, de quem ela supostamente seria amante, a dar andamento ao plano. Este, por sua vez, persuadiu um certo Quintianus, jovem senador que seria sobrinho, ou mesmo filho do primeiro casamento de Pompeianus, a ser o executor da trama. Segue o relato:

“Porém, quando Cômodo desposou Crispina, o costume exigia que o primeiro assento no Teatro fosse reservado para a Imperatriz. Lucilla teve dificuldade em suportar isso, e sentia que todas as honras devidas à Imperatriz eram um insulto para ela; No entanto, considerando que ela sabia bem que o seu marido Pompeianus era muito devotado a Cômodo, ela não contou nada a ele sobre os planos dela de tomar o controle do Império. Em vez disso, ela testou os sentimentos de um jovem e rico aristocrata, Quadratus, com quem havia boatos de que ela estivesse dormindo em segredo. Queixando-se constantemente acerca desses assuntos de precedência imperial, ela logo persuadiu o o jovem a dar andamento a conspiração que trouxe destruição sobre si mesma e sobre todo o Senado.”

Herodiano, 1.8.4

Planejou-se, então, que Quintianus, valendo-se de uma adaga escondida sob sua toga senatorial, atacaria Cômodo na ocasião mais propícia. E a ocasião e o local escolhidos foram um dia de espetáculo no Coliseu.

No dia escolhido, Quintianus esperou que Cômodo adentrasse uma passagem onde a luz era escassa, esperando valer-se da escuridão tanto para facilitar a abordagem ao imperador, como a sua fuga. Porém, quando o imperador se aproximou, o jovem, antes de desferir os golpes, resolveu dizer a frase: “Eis a adaga que o Senado vos envia“, alertando os guardas pretorianos, que rapidamente pularam sobre ele e o prenderam.

Com o fracasso do atentado, Quintianus e Quadratus foram imediatamente executados e Lucilla e sua filha foram banidas para a ilha de Capri. Entretanto, antes que o ano de 182 acabasse, Cômodo resolveu mandar executar a irmã e enviou um centurião até a ilha, o qual deu cabo da tarefa e jogou o corpo de Lucilla no mar. Plautia foi poupada.

Surpreendentemente, Tiberius Claudius Pompeianus também foi poupado, dando suporte à versão de Herodiano de que ele, a quem a esposa e os demais conspiradores tencionavam que substituísse Cômodo, ignorava completamente a trama.

Vale citar que Pompeianus foi um dos amigos presentes no leito de morte do pai de Cômodo, aqueles aos quais o moribundo Marco Aurélio pediu que protegessem e guiassem o filho com bons conselhos. Extrai-se do relato dos dias que se seguiram à morte do velho imperador, isto é, os primeiros do reinado de Cômodo, que este ouvia e respeitava Pompeianus, e, seja porque o jovem monarca confiava nele, seja por temer o prestígio dele ou por amor à memória do pai, o fato é que Pompeianus sobreviveu ao próprio Cômodo, morrendo por volta de 193 D.C, quando já tinha quase 70 anos. Inclusive, Pompeianus também entraria para a História Romana, como tendo sido até então a única pessoa que por três vezes teria recusado o trono, que também lhe foi oferecido pelos imperadores Pertinace e Dídio Juliano.

Para finalizar, é altamente improvável que Cômodo tenha tentado se insinuar sexualmente para Lucilla, como aparece no filme. Ela era entre 11 e treze anos mais velha que o irmão. Quando o pai de ambos morreu, ela tinha entre 30 e 32 anos de idade e Cômodo tinha 18 anos.

Assim, falamos sobre os três personagens importantes do filme que realmente existiram. Vamos agora abordar o principal personagem que, contudo, é fictício.

C) MAXIMIS DECIMUS MERIDIUS

Sim, prezado leitor, provavelmente você já sabia disto, mas, caso ainda não saiba, o carismático personagem tão bem interpretado por Russell Crowe jamais existiu.

Para começar, o próprio nome Maximus Decimus Meridius não corresponde ao padrão de nomes adotado pelos romanos: Maximus não era um prenome, mas um cognome, que costumava vir por último, atribuindo uma qualidade ao nomeado, que no caso em questão, seria traduzido como “o maior” ou “enorme”, embora ao longo do tempo tenha virado o sobrenome de algumas famílias romanas ilustres. Assim, o nome correto do nosso herói, de acordo com as convenções romanas seria : Decimus Meridius Maximus, sendo que “Decimus” era um prenome que originalmente significava que alguém seria o décimo filho de determinada pessoa, mas no decorrer da existência de Roma, acabou virando um prenome comum (o mesmo ocorrendo com “Tertius“, “Quintus“, “Sextus” e “Septimus“, por exemplo). Por sua vez, o nome do meio “Meridius“, que seria o nome da gens, ou clã familiar ancestral, a qual o nosso personagem pertenceria, não tem registro nas fontes, sendo provavelmente inventado pelos roteiristas. Traduzido do latim, significaria algo como “do sul”.

IV- A VIDA E A CARREIRA DE MAXIMUS, COMO RETRATADAS NO FILME, SERIAM PLAUSÍVEIS?

Cartaz do filme em baixa resolução, Source: https://en.wikipedia.org/wiki/File:Gladiator_(2000_film_poster).png

É praticamente consenso que o Cônsul e genro do imperador Marco Aurélio, o já mencionado Tiberius Claudius Pompeianus, foi a principal figura histórica que inspirou a personagem Maximus Decimus Meridius, protagonista do roteiro do filme Gladiador.

Vamos às semelhanças:

1) Pompeianus era nativo da rica província da Síria, e, sendo filho de um integrante da classe Equestre (abaixo da classe senatorial), embora sua família pudesse ter dinheiro, isso não lhe assegurava ascensão aos cargos mais importantes do Império. Maximus era oriundo da também próspera província romana da Hispania Lusitania (cuja capital era Emerita Augusta, a atual Mérida, na Espanha), onde ele tinha sua propriedade, ou então das vizinhas Hispania Baetica ou Hispania Tarraconensis), e, da maneira que ele é retratado no filme, também deve ter vindo de uma família relativamente afluente, provavelmente também sendo originalmente um Equestre.

2) Ambos ascenderam socialmente graças a uma carreira militar de sucesso, e chegaram a ser cotados para se tornarem imperadores, sendo que Pompeianus foi nomeado Cônsul pela primeira vez quando tinha cerca de 37 anos, como recompensa pelo desempenho na Guerra contra os Partas. Quando Marco Aurélio morreu, Pompeianus tinha cerca de 55 anos. Podemos estimar a idade de Maximus, na ocasião da morte do imperador, entre 35 e 40 anos de idade (Russell Crowe tinha 36 anos quando o filme foi produzido, e é altamente improvável que alguém atingisse a posição de Maximus antes de completar 35 anos, naquele tempo, em Roma).

3) Os dois personagens, o real e o fictício, ganharam o reconhecimento do imperador Marco Aurélio, de quem se tornaram amigos. Pompeianus casou-se com Lucilla, filha do imperador, após a morte do marido dela, Lucius Verus, e por algum tempo, ainda que de maneira não expressa, ele chegou a ser considerado como sucessor no trono, com o consentimento de Marco Aurélio (consta que este chegou a propor isto ao genro). Já no filme, Maximus não foi casado com Lucilla, mas teve um caso com ela, embora o filme dê a entender que isto tenha ocorrido antes dela se casar.

4) Quando Marco Aurélio morreu, em 180 D.C, no final da campanha contra os Marcomanos no Danúbio, Pompeianus, que era o comandante militar da mesma, estava entre os amigos a quem o imperador moribundo pediu que orientassem o filho Cômodo no comando do Império. Maximus também atingiu alto posto militar, tendo o posto, também fictício, de “Comandante dos Exércitos do Norte“, que, no enredo do filme, também equivaleria ao comando supremo daquela mesma campanha.

5)Maximus, assim como Pompeianus, é um dos poucos amigos chamados por Marco Aurélio para comparecerem ao seu leito de morte, onde Maximus recebe a notícia de que ele será o sucessor, mas com a incumbência de devolver o poder ao Senado. Como vimos, por algum tempo, Marco Aurélio considerou a possibilidade de Pompeianus ser o seu sucessor, embora o tenha feito vários anos antes de sua morte, e com o propósito de assegurar que Cômodo um dia pudesse reinar.

Por sua vez, a fuga, sobrevivência, desaparecimento e mudança de identidade de Maximus como aparecem no filme podem parecer fantasiosas, mas os historiadores romanos por vezes relataram algumas histórias reais semelhantes…Uma que se aproxima bastante de uma trama de Hollywood é a de Sextus Condianus, filho de Sextus Quinctilius Valerius Maximus, que era um senador riquíssimo e muito influente até ser condenado à morte por Cômodo, junto com seu irmão Sextus Quinctilius Condianus, tendo ambos sido Cônsules no ano de 151 D.C. Aliás, talvez (não sabemos) a escolha do nome do personagem do filme tenha sido inspirada por este episódio.

Segundo o relato de Cássio Dião, o Sextus Condianus, filho, ao saber que também havia sido sentenciado à morte por Cômodo junto com seu pai e seu tio, também conseguiu escapar de uma maneira quase tão mirabolante quanto nosso Maximus:

“Sextus Condianus, o filho de Maximus, que superou todos os outros em virtude tanto de sua habilidade inata como de seu treinamento, quando ouviu que a sentença de morte tinha sido pronunciada contra ele também, bebeu o sangue de uma lebre (ele estava morando na Síria na época), e depois montou em uma cavalo, caindo dele de propósito; em seguida, ele vomitou o sangue, que supostamente seria o dele, sendo erguido, aparentemente em vias de morrer, e carregado até o seu quarto. Então, ele mesmo desapareceu, enquanto o corpo de um carneiro foi colocado no seu lugar em um caixão, onde foi cremado. Depois disso, ele vagou por aqui e acolá, constantemente trocando de aparência e de roupas. E quando a sua estória veio à tona (porque é impossível que tais assuntos fiquem ocultos por muito tempo), ele foi procurado diligentemente de cima a baixo. Muitos foram punidos em seu lugar, por conta da semelhança com ele, e também muitos outros que, supostamente teriam lhe dado abrigo em algum lugar; e mais ainda, pessoas que talvez jamais o tenham visto tiveram suas propriedades confiscadas. Mas ninguém sabe se ele realmente foi morto – embora um grande número de cabeças que supostamente seriam a dele tenham sido levadas à Roma – ou se ele conseguiu escapar. Entretanto, outro homem, após a morte de Cômodo, audaciosamente alegou ser Sextus e tentou recuperar a sua riqueza e status. E ele bravamente interpretou esse papel, embora sendo muito questionado por várias pessoas; no entanto, quando Pertinace lhe indagou algo sobre assuntos gregos, com os quais Sextus tinha sido bem familiarizado, ele mostrou o maior embaraço, sendo incapaz até de entender a pergunta. Assim, embora a natureza o tenha feito semelhante a Condianus em aparência, e o treino em outros aspectos, no entanto ele não compartilhava a sua instrução.”

Cassius Dio, Epítome do Livro LXXIII (LXXII), 6

 

E agora, vamos falar sobre as principais inconsistências e inverossimilhanças do roteiro:

1) Embora não seja uma parte fundamental para a trama do filme, vamos começar pela impressionante cena inicial: A batalha na floresta contra os bárbaros germânicos.

O Exército Romano inicia o combate com uma carga de artilharia de onagros, isto é, uma espécie de catapulta que arremessa pedras ou outros materiais pesados, em direção à floresta onde os inimigos estão escondidos. No caso, os projeteis são uma espécie de granada incandescente, com o objetivo de incendiar a floresta.

Ocorre que não há registro do uso desse tipo de arma em batalhas campais. Onagros eram utilizados em sítios ou cercos a muralhas ou posições fortificadas. As máquinas de guerra que os romanos utilizavam em um campo aberto de batalha contra os inimigos eram a ballista e o “escorpião” (scorpio), que atiravam dardos pesados ou pedras, mas não visando uma trajetória parabólica para ultrapassar defesas, e sim um impacto direto e preciso contra alvos. Além disso, vemos que no filme, logo em seguida à barragem de artilharia, o Exército Romano penetra na floresta ainda em chamas, o que, no mínimo, seria uma grande idiotice.

Um onagro romano (foto: Dayot, Armand. Le moyen âge: la Gaule romaine, les invasions, la France féodale, la royauté. (Paris Flammarion 1911), Public domain, via Wikimedia Commons)
Um “escorpião”, em relevo da Coluna de Trajano. Foto: Attributed to Apollodorus of Damascus, Public domain, via Wikimedia Commons
Uma ballista reconstruída. Foto : Rolf Krahl, CC BY-SA 2.0 https://creativecommons.org/licenses/by-sa/2.0, via Wikimedia Commons

2) Vamos abordar agora um episódio fundamental na vida de Maximus, que é altamente improvável da forma que se vê no filme, bem como juridicamente impossível de acordo com o Direito Romano do período, a não ser que fossem inseridas algumas circunstâncias, que em nenhum momento são mostradas:

Como já mencionamos, e pode ser visto na tela, após conseguir escapar de seu assassinato pelos pretorianos, ainda na Panônia, Maximus, ferido, cavalga até a sua fazenda, na Hispania Lusitania (que ficava a cerca de 2.600 km, em um trajeto terrestre que levaria mais de 40 dias, no mínimo, isso usando-se o Correio Imperial em sua velocidade máxima), apenas para encontrar os cadáveres da esposa e do filho, aparentemente recém mortos.

Maximus então desfalece e é recolhido, agonizante, por mercadores de escravos que se dirigem à província da Mauritania Caesariensis (localizada na atual Argélia), onde ele é vendido ao lanista (empresário que explora lutas de gladiadores) e ex-gladiador, Proximo.

Pois bem, no Direito Romano Clássico (que abrange o período do reinado de Cômodo), as causas de escravidão, ou seja, aquelas pelas quais um ser humano nascia ou se tornava escravo estavam previstas no ius gentium (lit. “Direito das Gentes”, aquele reconhecido pelos romanos como praticado por – e aplicável a – todos os povos) e no ius civile (direitos instituídos diretamente por Roma, e reconhecidos apenas aos cidadãos romanos).

De acordo com o ius gentium, as duas causas de escravidão eram o nascimento (ter nascido como filho de escrava) e a captura na guerra por um inimigo (ou na paz, caso Roma não tivesse tratado de amizade com o Estado ou povo do qual o escravo era oriundo).

Já com base no ius civile, tornavam-se escravos: a) o condenado a morte ou a trabalhos forçados nas minas; b) a mulher livre amante de um escravo, que, notificada três vezes pelo proprietário do escravo para que cessasse a prática, continuasse a manter relações sexuais com este; c) o homem livre, maior de 20 anos, que, fingindo ser escravo, combinava a sua venda para outra pessoa com um comparsa, dividindo o preço com este (um tipo de estelionato que, por incrível que pareça, devia ocorrer com alguma frequência); d) o liberto que demonstrasse ingratidão com seu antigo dono.

Na época de Cômodo, já havia caído em desuso, aliás, desde os tempos da República, a figura do addictus, isto é, aquele devedor que, ao não pagar a dívida, poderia ser “adjudicado” ao credor pelo juiz, e, após 60 dias, caso o débito não fosse pago por ele ou outra pessoa, o credor tinha a faculdade de vendê-lo como escravo no estrangeiro ou até matá-lo.

Dito isto, o leitor deve estar se perguntando: “Mas Maximus não foi condenado a morte por Cômodo?”

De acordo com o que se vê no filme, a eliminação de Maximus claramente não se trata da execução legal de uma sentença de morte, mas de um assassinato (por isso ele é levado secretamente até a floresta). Aliás, o fato da mulher e o filho dele terem sido crucificados é um claro indício disto: de acordo com a lei romana, cidadãos romanos não podiam ser crucificados! (Até os Atos dos Apóstolos ecoam essa regra, quando São Paulo informa ao Governador da Síria que é um cidadão romano da cidade de Tarso, e, após apelar ao Imperador (Provocatio ad Princeps), é levado à Roma e afinal executado por decapitação).

A escravidão era um instituição central na sociedade romana, e juízes, juristas e governantes, mesmo nos reinados de imperadores mais absolutistas, observavam criteriosamente a legislação e os costumes aplicáveis ao instituto. Eu estudo sobre Roma há mais de 40 anos e já li incontáveis relatos sobre atos tirânicos e despóticos atribuídos aos imperadores romanos, incluindo assassinatos, estupros, tortura e massacres, mas não me lembro de nenhum caso em que um deles tenha conscientemente escravizado algum cidadão romano livre sem um processo legal.

Desse modo, Maximus não poderia ter sido vendido como escravo a Proximo.

Assim, a forma pela qual Maximus poderia ter se tornado gladiador seria tornando-se um auctoratus, o homem livre que se compromete ao lanista, mediante contrato por juramento (auctoramentum), a lutar como gladiador, consentindo a “se deixar queimar, prender, açoitar, morrer, etc”. Os juristas a consideravam uma forma de “quase-servidão”, que não retirava do gladiador o status de homem livre, mas que impunha graves restrições à sua capacidade jurídica, sobretudo aquelas decorrentes da condição de infame, inerentes a certas profissões, como a de gladiador.

Entretanto, não há no filme qualquer situação que presuma o auctoramentum de Maximus.

3) Mas, finalmente, talvez a maior inverossimilhança de todas no roteiro do filme tenha sido o propósito manifesto de Marco Aurélio de que Maximus devolvesse o poder ao Senado Romano e restaurasse a República…

Segundo os textos históricos, especialmente os relatos dos historiadores Cássio Dião, Flávio Josefo e Suetônio, a última vez em que isso chegou a ser cogitado seriamente foi em 41 D.C (140 anos antes dos eventos mostrados no filme), após o assassinato do imperador Calígula.

Os guardas pretorianos que mataram Calígula, após encontrarem o tio deste, Cláudio, escondido atrás de uma cortina, o levaram para o quartel da Guarda e o aclamaram imperador.

Cláudio, sincera ou fingidamente, tentou recusar a púrpura imperial, mas acabou cedendo à pressão dos guardas, aceitou. Porém, alguns senadores, especialmente Sentius Saturninus, que fez no Senado um discurso neste sentido, e, até mesmo, alguns outros pretorianos, cogitaram acabar com o Principado e restaurar a República Romana, tal como ela era nos tempos anteriores aos Césares.

Consta até que o Senado, com o objetivo de enfrentar os partidários de Cláudio, chegou a mobilizar na oportunidade os parcos recursos armados que a cidade de Roma dispunha. Porém, este contingente, composto apenas por alguns soldados, vigiles (bombeiros), gladiadores e, mesmo, escravos libertos dos senadores, logo debandou para o lado dos Pretorianos que apoiavam Cláudio.

Esse estado de indefinição entre a aclamação de Cláudio e a restauração da democracia, segundo Suetônio, durou dois dias, ao final dos quais o historiador narra  que teria ocorrido uma crucial intervenção de uma massa de populares gritando pela elevação de Cláudio, que também teria prometido quinze mil sestércios como donativo aos soldados que o aclamaram imperador.

E de fato, em vários outros episódios da Roma Imperial, restaria evidente que a plebe preferia ser governada pelos príncipes em vez dos senadores…

V- CONCLUSÃO

O filme Gladiador é um excelente filme épico sobre a época da Roma Antiga. Como toda superprodução de Hollywood, o roteiro algumas vezes se desvia dos fatos históricos e faz concessões ao drama e ao espetáculo, mas se você chegou até aqui, pôde constatar que ele nem é tão inverossímil e muitas das façanhas e vicissitudes vividas por Maximus e os demais personagens de fato aconteceram ou, ao menos, poderiam ter acontecido como no filme.

Aliás, para nós que amamos o filme, temos uma boa notícia: a estreia de Gladiador 2 esta prevista para novembro de 2024, com Russell Crowe no elenco e novamente dirigido por Ridley Scott!

FIM

Fontes:

Maximus Decimus Meridius

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DURA-EUROPOS – A POMPÉIA DO DESERTO

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(A Porta Palmirena, o principal portão de entrada de Dura-Europos, na Muralha Oeste da cidade)

Um dos sítios arqueológicos mais fascinantes do antigo Império Romano provavelmente nunca mais poderá ser visitado, pelo menos como era até bem pouco tempo atrás.

A cidade de Dura-Europos, na margem direita do Rio Eufrates, na atual Síria, situa-se próximo à fronteira oriental deste país com o Iraque, área que se encontra dentro da antiga Mesopotâmia. Mas, infelizmente, o lugar esteve no centro do território controlado pelo Estado Islâmico (ISIS ou DAESH), que durante três anos, sistematicamente pilhou e destruiu o sítio arqueológico.

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Ninguém sabe ainda o quanto foi saqueado e quais ou quantos tesouros podem ter desaparecido para sempre. Com base em imagens de satélite, estima-se que 70% do sítio arqueológico teria sido destruído pelos fundamentalistas (vide https://www.npr.org/sections/parallels/2015/03/10/392077801/via-satellite-tracking-the-plunder-of-middle-east-cultural-history).

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(Foto mostrando a extensão dos danos, com a cidade completamente escavada pelo ISIS, extraída do site da Universidade de Oxford,  satellite image © DigitalGlobe. Taken on 25/12/15)

Origem e período selêucida

 Dura-Europos foi fundada em 303 A.C. por Seleuco I Nicator, um general macedônio que, após a morte de Alexandre, o Grande, foi nomeado sátrapa (governador) da Babilônia. Após a guerra civil travada entre os generais que reivindicavam suceder o falecido rei (os chamados Diádocos), Seleuco autoproclamou-se rei da maior parte do território conquistado por Alexandre na Ásia, que incluía o que hoje é a Turquia, a Síria, o Iraque, o Irã, e partes do Afeganistão e do Paquistão, assim fundando o Império Selêucida.

A cidade foi construída segundo o modelo ortogonal das cidades helenísticas, seguindo a planta chamada de hipodâmica (porque idealizada pelo arquiteto grego e precursor do urbanismo, Hipódamo de Mileto).

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(Imagem do plano urbano de Dura-Europos )

O motivo principal da fundação de Dura-Europos foi estratégico, pois o local onde ela foi construída era o ponto de cruzamento fluvial da rota comercial leste-oeste que ligava as recém-fundadas cidades selêucidas de  Antióquia e Selêucia do Tigre, sendo também um ponto de passagem da rota norte-sul ao longo do rio Eufrates.  Ademais, o local era ideal para a construção de uma cidade fortificada: um promontório bem elevado em três lados, um deles dando para o rio, possibilitando que o único lado aberto fosse facilmente fechado por uma muralha (que seria construída décadas mais tarde). Por isso, a cidade ficou conhecida, na língua semítica dos habitantes nativos locais, como “Dura“, que vem da palavra “duru” (fortaleza, em aramaico), embora o seu nome oficial grego fosse Europos, um nome provavelmente dado em homenagem à cidade de nascimento do seu fundador, Seleuco I, na Macedônia, que também se chamava Europos. (O nome composto “Dura-Europos”, pelo qual a cidade hoje é conhecida, só começou a ser empregado bem mais tarde).

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(Na foto acima é possível notar a posição privilegiada da cidade, dominando o rio Eufrates, somente sendo acessível pelo lado oposto ao rio, que foi fechado pela muralha).

Com o colapso do Império Selêucida, sobretudo devido às seguidas derrotas sofridas contra a República Romana, Dura-Europos foi conquistada, em 113 A.C. pelo Império Parta, que em sua essência era uma coalizão de tribos iranianas chefiadas pela dinastia dos Arsácidas que recuperou a maior parte das terras do antigo Império Persa, conquistadas pela dinastia dos Aquemênidas.

Período Arsácida (Parta)

Em Dura-Europos, o período dos Arsácidas caracterizou-se por um certo compromisso d do Império com as elites de origem grega que governavam as cidades que pontilhavam a Anatólia e a Síria, inclusive as fundadas pelos Selêucidas, como foi o caso da cidade (Aliás, diga-se de passagem, o próprio Império Parta adquiriu apreciável grau de helenização). Por outro lado, estando a cidade inserida em uma região de fronteira entre o mundo helenístico e o mesopotâmico, de substrato étnico majoritariamente semita e babilônio, mas que estava sujeita a um império dominado por iranianos, não surpreende que, ao longo dos anos, a sua população fosse composta por vários grupos étnicos e que a sua cultura tivesse se tornado altamente sincrética.

No decorrer desse período, nota-se que a função estratégica militar de Dura-Europos perdeu importância. E, talvez por isso, durante o governo parta, a cidade virou uma espécie de centro administrativo e comercial da região próxima, prosperando bastante.

Entretanto, como resultado das campanhas do expansionista imperador romano Trajano, que declarou guerra ao Império Parta sob o pretexto de coibir a interferência dele na Armênia, e também, provavelmente visando a glória militar e, ainda, eliminar o controle parta sobre o fluxo da Rota da Seda para o Império Romano, Dura-Europos foi conquistada pelos romanos, em 113 D.C.

Todavia, com a morte de Trajano, em 117 D.C., o seu sucessor, Adriano, resolveu abrir mão da recém-conquistada Província da Mesopotâmia, seguindo o seu pensamento estratégico de manter fronteiras melhor defensáveis, e a cidade, então, foi reocupada pelos Partas.

Com o passar dos anos, porém, no final do reinado do imperador romano Antonino Pio, o Império Parta, governado pelo rei Vologeso IV, voltou a intervir nos assuntos da Armênia. Assim, em 161 D.C., logo após a morte de Pio, que foi sucedido por Marco Aurélio, Vologeso invadiu o referido reino-cliente de Roma, depondo o rei que era simpático aos romanos e instalando Pacorus, um parente, no trono. Isso marcou o início da Guerra Romano-parta de 161-166 D.C.

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(moeda parta com a efígie de Vologeso IV)

Em 165 D.C., após vários sucessos ao longo dos dois anos anteriores, os romanos capturaram Dura-Europos, comandados pelo grande general Avídio Cássio (Nota: Avídio era tataraneto de Júlia Lépida, que por sua vez, era tataraneta de Júlia, a Jovem, sendo ele, assim, descendente direto do imperador Augusto, pai da última). Em seguida, o Avídio Cássio logrou saquear e incendiar a capital parta, Ctesifonte.

Essa guerra terminou no ano seguinte, com a vitória romana, embora o exército romano tenha sido obrigado a voltar para o território romano em virtude da terrível epidemia que ficaria conhecida como Peste Antonina. Como resultado da vitória, a fronteira romana da Síria avançou mais quase 250 km na direção sul do rio Eufrates, parando em Dura-Europos.

Começava, assim, o período da dominação romana em Dura-Europos.

Período Romano

O Império Romano, como anteriormente procedera em relação a maior parte das cidades de cultura grega conquistadas, permitiu que os magistrados civis da cidade mantivessem certo grau de autonomia. Assim, a elite grega da cidade manteve o seu status, ainda que, agora, a autoridade sobre questões relativas à segurança e ordem pública provavelmente coubesse, em última instância, ao comandante militar romano.

Com a chegada do Exército Romano, Dura-Europos acrescentou novos elementos ao fascinante  e variado cadinho étnico-cultural que habitava um perímetro tão pequeno. De fato, estima-se que a população da cidade, então, seria de aproximadamente cinco mil habitantes. Os indícios até agora encontrados apontam que, integrando as tropas romanas, ou acompanhando as mesmas, chegaram os judeus e os cristãos.

Com efeito, sendo uma cidade pequena, mesmo para os padrões da Antiguidade, é impressionante que, na época do período romano, fossem faladas oito línguas diferentes em Dura-Europos (grego, latim, pahlavi, persa médio, aramaico, safaitico, siríaco e palmireno), existindo na cidade dez santuários pagãos de divindades de diferentes povos (Artemis Nanaïa, Zeus Megistos Artemis Azzanathkona, Zeus Kyrios, Atargatis, Bel, Aphlad, Zeus Theos, Gad, Adonis e Mitra), além de uma sinagoga e de uma igreja cristã, conforme os vestígios arqueológicos revelaram,  todos aparentemente coexistindo em harmonia. A arquitetura e as obras de arte existentes na cidade também demonstram esse sincretismo, misturando elementos ocidentais e orientais. (cf.https://www.researchgate.net/publicatio/326929394_Dura_Europos_a_Greek_Town_of_the_Parthian_Empire_in_T_Kaizer_ed_Religion_Society_and_Culture_at_Dura-Europos_YCS_38_2016_Cambridge_University_Press_pp_16-29. e https://archive.archaeology.org/online/features/dura_europos/)

No reinado do imperador Septímio Severo, que infligiu aos Partas nova derrota e dessa vez ainda mais esmagadora, os romanos estabeleceram uma guarnição militar permanente na cidade, destacando-se uma coorte de arqueiros originários da cidade síria de Palmira, a Cohors XX Palmyrenorum (cidade que, embora nominalmente fizesse parte do Império Romano, gozava de alto grau de autonomia) e também soldados da Cohors II Ulpia Equitata, e para isso foi necessário instalar, em 209 D.C., um quartel, ocupando alguns quarteirões do canto norte da cidade, que, transformados em distrito militar,  foram separados por um muro. Dentro dos muros do quartel, além das barracas dos soldados, a maioria utilizando residências convertidas, ficava o palácio do comandante (Dux Ripae). E com a presença dos soldados, a cidade ganhou também um pequeno anfiteatro.

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(Afresco do templo que ficava dentro do quartel da Cohors XX Palmyrenorum, em Dura-Europos, mostrando os soldados da unidade, capitaneados por seu comandante, Julius Terentius, participando de uma cerimônia religiosa).

Ainda, com a vitória de Severo na última guerra romano-pártica, a fronteira romana avançou mais 160 km na direção sul do Eufrates, abaixo de Dura-Europos, parando na cidade de Kifrin.

Severo, com o objetivo de limitar o poder dos governadores da Síria, que em décadas passadas tinha sido a origem de vários pretendentes ao trono, resolveu dividir a província, destacando dela a nova província da Síria-Coele, da qual Dura-Europos passou a fazer parte.

Em 211 D.C., Septímio Severo concedeu a Dura-Europos o status de Colônia, o que conferia aos seus habitantes livres a cidadania romana e o acesso a vários privilégios, incluindo isenções de tributos.

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Uma fortaleza romana contra a Pérsia Sassânida

Apesar dos séculos de guerra e várias vitórias (e derrotas), contudo, não seriam os romanos quem dariam o golpe final no Império Parta…

Em 224 D.C., Ardashir (ou Artaxerxes), que havia substituído Papak como rei dos Persas (os quais então eram súditos dos Arsácidas), aproveitou-se dos conflitos internos entre os Partas e iniciou uma revolta contra os Arsácidas, incorporando ou recebendo a adesão de outros governantes vassalos, terminando por derrotar o último rei parta, Artabanes, na Batalha de Hormozdgan. Dois anos depois, em 226 D.C., Ardashir I foi coroado Rei dos Reis (Shahanshah em persa), em Ctesifonte, fundando o Império Sassânida (assim chamado porque Ardashir era neto de Sasan).

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(Relevo em Naqsh Rajab, Irã, mostrando Ardashir I recebendo o anel real do deus Ahura-Mazda, foto de Sahand Ace)

Um dos motivos para o sucesso dos Sassânidas foi a insatisfação dos nobres do Império Parta com as seguidas derrotas militares sofridas pelas Arsácidas contra o Império Romano, e eles aparentemente ansiavam pela volta dos tempos gloriosos do Império Persa da época dos Aquemênidas, quando foram governados pelos grandes reis Ciro e Dario.

A orientação nacionalista e o desejo de restaurar as fronteiras do antigo Império Persa obviamente só podia levar ao confronto com Roma e Ardashir I logo tomou a iniciativa, em 230 D.C., sitiando a estratégica cidade de Nísibis (Nusaybin), uma praça-forte que havia sido recapturada pelos romanos no século anterior.

Somente a muito custo o imperador Severo Alexandre conseguiu repelir a invasão de Ardashir I.  Embora, no final, os persas tenham sido contidos, o exército romano sofreu algumas derrotas e houve vários motins, onde as tropas mostraram extraordinária falta de disciplina.

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(Busto do Imperador Severo Alexandre)

Para piorar a situação, em concomitância com a ressurgimento de um inimigo poderoso no Oriente, o Império Romano começava a enfrentar, no Ocidente, as invasões de tribos germânicas, que por sua vez demonstravam ser mais numerosas, belicosas e bem-preparadas do que as suas antepassadas de mais de dois séculos atrás.

Por isso, muitos estudiosos consideram que um dos fatores mais decisivos para o declínio e queda do Império Romano do Ocidente foi o surgimento do Império Sassânida, que ao  infligir várias derrotas militares romanos, drenou tropas que poderiam ter sido empregadas na defesa da fronteira Reno-Danúbio,  facilitando, assim, a penetração dos bárbaros germânicos, acarretando, ainda, a necessidade de reorganização política do Império, sendo uma das causas principais da criação do Império Romano do Oriente.

Para lidar com o pesadelo estratégico da guerra em dois fronts foi necessário aumentar o número de soldados e manter duas cortes, uma no Ocidente e outra no Oriente, contribuindo para o aumento dos gastos públicos, o que por sua vez, impôs a realização de reformas fiscais a partir do reinado de Diocleciano, aumentando a tributação, com sérias consequências econômicas, políticas e sociais.

Os sucessores de Septímio Severo e de Caracala caracterizaram-se por serem manipulados pelas imperatrizes-mãe, que na verdade controlavam a burocracia palaciana e as finanças imperiais.

Severo Alexandre acabou sendo assassinado pelos soldados, após tentar negociar com os bárbaros germânicos, em 235 D.C. Ironicamente, a dinastia dos Severos, cujo fundador elegeu o prestígio e o bem-estar dos militares como prioridade absoluta, favoreceu o aumento da indisciplina e os dois últimos imperadores, Elagábalo e Severo Alexandre, reputados como fracos., foram assassinados pelas tropas. Assim, Roma agora entrava na chamada Crise do Século III.

O ressurgimento de um Império Persa poderoso foi uma péssima notícia para os habitantes de Dura-Europos. Afinal, a cidade fronteiriça estava obviamente na linha de frente de qualquer ataque persa. A guarnição da cidade teve que ser reforçada e os assuntos militares tornaram-se preponderantes.

Pelos nomes existentes em inscrições e papiros que foram descobertos nas suas ruínas, aparentemente houve no período um grande influxo de habitantes de origem síria, incluindo soldados provenientes de destacamentos (vexillationes) de legiões acantonadas na província. Tudo indica que o status político da elite de origem grega, que já vinha perdendo proeminência e poder a partir da instalação de um comandante militar romano no interior da cidade, diminuiu bastante e muitos dos seus membros podem até ter emigrado (cf. “The Palmyrenes of Dura-Europos: A Study of Religious Interaction in Roman Syria“, Lucinda Dirven, pág. 15)

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Dura-Europos agora, era praticamente mais um forte militar do que uma cidade. Sentindo a ameaça do renovado poder sassânida, a cidade passou por uma série de obras visando reforçar as suas defesas.

Entrementes, a morte de Severo Alexandre e o caos reinante no Império Romano incentivou Ardashir I a atacar novamente a Síria e a Mesopotâmia romanas. Ele sitiou e tomou as estratégicas cidades de Nísibis e Carras (Harran), em 238 D.C.

Em 242 D.C, Ardashir I foi sucedido por seu hábil e determinado filho, Sapor I (Shapur), que receberia o cognome do “O Grande”, e, fazia dois anos já vinha governando a Pérsia junto com o pai. Inicialmente, Sapor teve que submeter as tribos medas nas montanhas do Irã e os Kushan na fronteira oriental do Império Persa, e, assim, os romanos, durante o reinado de Gordiano III, aproveitaram para invadir a Mesopotâmia sassânida e conseguiram retomar Nísibis e Carras, em 242 D.C.

Sapor I retornou para dar combate à invasão e os Persas derrotaram os romanos na Batalha de Misiche, próximo à atual Fallujah, no Iraque, em 244 D.C. Segundo as fontes persas e um relevo comemorativo que Sapor I mandou fazer em uma rocha no local, o imperador Gordiano III foi morto nessa batalha, embora o fato não seja mencionado nas fontes romanas. De qualquer forma, o imperador romano, se não morreu na batalha, foi assassinado imediatamente depois, e sucedido pelo Prefeito Pretoriano, Filipe I, cognominado “o Árabe” (ele nasceu na província romana da Arabia Petraea, na cidade de Philippopolis, atual Shabbah, a 90 km ao sul de Damasco).

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(Busto de Filipe, o Árabe)

Filipe, o Árabe não teve muitas alternativas senão assinar um tratado de paz com o Império Sassânida, o qual foi considerado humilhante pelos romanos, a fim de evitar a destruição ou captura do exército romano sobrevivente da Batalha de Misiche, fato que poderia colocar todo o Oriente romano em risco.

Mas na verdade, dadas as circunstâncias, os termos da trégua não foram tão ruins. Os Persas colocaram um pretendente de sua confiança no trono da Armênia e receberam uma indenização de 500 mil denários de ouro. Os romanos mantiveram Nísibis, Carras e Dura-Europos.

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(Relevo persa em Naqsh-e Rostam, mostrando Filipe, o Árabe se ajoelhando perante Sapor I, que também captura Valeriano, o seu sucessor – este último fato ocorreu em 260 D.C.)

Não se sabe com exatidão o que sucedeu em Dura-Europos nesses anos, mas, apesar da cidade estar no centro do conflito Roma x Pérsia, a sua comunidade judaica, por exemplo, teve recursos suficientes para erguer uma nova sinagoga no lugar da antiga, muito mais suntuosa do que a anterior, no ano de 244 D.C.

Como é frequente no período entre 240 e 270 D.C., o auge da Crise do Século III, as fontes escritas romanas são esparsas e pouco confiáveis.

O caos em que se encontrava o Império Romano, sobretudo após a desastrosa derrota sofrida contra os Godos na Batalha de Abritus, em 251 D.C. que resultou na morte em combate do imperador Trajano Décio, muito provavelmente encorajou Sapor I a invadir novamente a Sìria e a Mesopotâmia romanas.

Em 253 D.C., segundo as inscrições nos relevos comemorativos que Sapor mandou fazer em Naqsh-i Rostam, os Persas derrotaram um grande exército romano com 60 mil soldados, na Batalha de Barbalissos, cidade às margens do rio Eufrates na província romana da Síria-Coele.

A vitória possibilitou os Persas sitiarem e tomarem várias cidades importantes (37 segundo o relevo de Naqsh-i-Rostam), incluindo a grande cidade de Antióquia, capital da Síria romana, que tinha cerca de 400 mil habitantes (Há, inclusive, entre os acadêmicos, uma corrente, com argumentos respeitáveis, que vê indícios de que, nessa ocasião, Dura-Europos foi uma das cidades capturadas, sendo, posteriormente, retomada pelos romanos, como por exemplo, a professora de Arqueologia  Jennifer Baird, da Univesidade de Londres (cf. https://www.academia.edu/656310/Dura_Deserta_The_Death_and_Afterlife_of_Dura-Europos)

Os Persas Sassânidas haviam herdado milênios de cultura e tradições das civilizações do Oriente Médio, eram disciplinados e bem mais determinados do que seus antecessores arsácidas. E, além disso, eles eram conhecedores das mais avançadas técnicas de cerco e máquinas de assédio da Antiguidade.

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Indubitavelmente, a guarnição e os habitantes de Dura-Europos sabiam que a vez deles chegaria logo… (OBS: É possível, e há algumas evidências que parecem apoiar essa tese, que a população civil tenha sido deportada pelos persas, caso eles tenham tomado a cidade em 253 D.C., ou evacuada pelos romanos, em preparação para o cerco)

Cerco persa e abandono

Não há nenhum relato escrito sobre o cerco de Dura-Europos, mas o excepcional estado de preservação de todo o sítio arqueológico, permitiu aos estudiosos reconstruir com bastante precisão como ele ocorreu e o seu desfecho.

A guarnição romana certamente teve algum tempo para se preparar e antecipar o que os Persas fariam. Eles sabiam que a muralha oeste, que dava para o deserto aberto, seria o foco principal das investidas inimigas e que os persas usariam arietes para tentar abrir brecha por onde poderiam entrar. Assim, os soldados construíram à frente da muralha de pedra uma cinta de tijolos de barro inclinada, que na base tinha 6 metros de profundidade, denominada de glacis.

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(Militares romanos da Cohors XX Palmyrenorum reproduzindo os uniformes retratados no mural do templo que decorava o templo. A suástica para os romanos era um elemento decorativo, e talvez tivesse o objetivo de trazer boa sorte, não tendo nenhuma relação com a futura ideologia nazista)

Por sua vez, à parede do fundo da muralha, os romanos ajuntaram um aterro que tinha o comprimento de 20 metros para trás e subia até 8 metros de altura. Esse aterro cobriu a rua e a fileira de casas e edifícios adjacente à muralha oeste e tinha a finalidade de dar mais sustentação à muralha para resistir aos arietes e grandes pedras que fossem arremessadas contra ela. Foi graças a esse aterro que, quase 1700 anos mais tarde, seriam descobertas, praticamente intactas, a sinagoga e a igreja cristã primitiva da cidade.

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(Esquema mostrando os reforços à muralha feitos pelos romanos para resistir ao cerco persa, extraída dehttps://www.academia.edu/1448923/Death_in_the_dark_at_Dura-Europos_Did_the_Sassanids_use_chemical_warfare)

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(Na foto, podem ser vistas algumas partes- não escavadas – do aterro feito pelos romanos)

O exército persa, estimado em 20 mil homens, chegou a Dura-Europos em 256 D.C., provavelmente no início da primavera, construindo um acampamento próximo à cidade. Era uma força que não ficava nada a dever aos romanos em termos de disciplina, equipamentos e e capacidade tática.  A tropa incluía, além da infantaria, a temível e vistosa cavalaria couraçada chamada pelos romanos de clibanários (clibanarii), grandes catapultas e sapadores especializados em cavar túneis.

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(Um relevo sassânida em Taq-i-bostan, no Irã, mostrando um clibanarius persa, foto de Zereshk )

Por sua vez, sua vez, a guarnição romana certamente recebeu reforços, mas, em todo caso, o seu número deveria ser de 3 mil soldados, sendo, na estimativa mais larga, de 5 mil soldados.

Os romanos sabiam que, devido a superioridade numérica dos Persas, eles somente teriam chance de sobreviver se conseguissem resistir às tentativas dos inimigos de penetrar nas muralhas de Dura por tempo suficiente para que eles desistissem em face das perdas sofridas ou, então, até que o resto do exército romano, vindo de outras províncias, chegasse em socorro. A resistência, assim, dependia da defesa e da solidez das muralhas, pois a cidade contava com fonte de água dentro dela e provisões tinham sido estocadas em antecipação.

Acredita-se, com base nos vestígios, que os persas devem ter feito algumas incursões exploratórias junto à muralha oeste, com suas 15 torres, principalmente onde ficava o portão principal de entrada da cidade (Porta Palmirense), para testar a força dos defensores. Eles logo devem ter percebido que eram guarnecidas por muitas armas de arremesso do tipo balista, o temível escorpião ( scorpio ), como eram chamadas pelos romanos (vide fotos abaixo), que tinham o alcance de 400m e eram capazes de perfurar um escudo a mais de 100m de distância, além das flechas disparadas pelos experientes arqueiros da Cohors XX Palmyrenorum.

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(foto de MatthiasKabel)

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(Um scorpio, defendendo uma posição fortificada, retratada na Coluna de Trajano, em Roma – foto acima. OBS; Nas duas fotos aparecem a cheiroballistra uma variante do scorpio)

Os Persas, então, começaram a usar as suas catapultas, que atiravam enormes bolas de pedra, a fim de causar dano à muralha, matar os defensores que estavam nos muros e nas torres, além de causar o máximo de pânico na população civil.

Sobretudo, a barragem de artilharia facilitava dissimular o principal objetivo dos Persas: cavar túneis que chegassem até as fundações das muralhas, que, sem o apoio necessário, eles esperavam que ruíssem nos trechos escolhidos, permitindo um assalto direto pelas tropas sassânidas.

Os Persas começaram a cavar esses túneis a partir do cemitério de Dura-Europos, que, como em todas as cidades antigas, ficava do lado de fora das muralhas. Isso permitia que eles aproveitassem as tumbas já escavadas no solo rochoso sobre o qual se assentava a própria cidade. Dois dos locais que os Persas escolheram para fazer o trabalho de sapa foram as denominadas Torres 14 e 19 da Muralha Oeste de Dura-Europos.  A primeira fica ao sul, e a segunda, ao norte, da Porta Palmirense. Isso, provavelmente, tinha o propósito de fazer com que os defensores romanos se espalhassem mais, não ficando concentrados num só ponto de ataque.

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(Desenho reconstituindo a aparência interna da Porta Palmirena, de A. Henry Detweiler, 1937. Unpublished drawing, Yale University Art Gallery, Dura-Europos Archives).

A Batalha pela Torre 19

Com o objetivo de derrubar a Torre 19, os Persas começaram a cavar um túnel a cerca de 40 metros dela. Em dado momento, quando o túnel chegou mais próximo, os defensores romanos certamente conseguiram ouvir, vindo do subsolo, o barulho das ferramentas persas escavando a rocha e, da mesma forma que nos relatos sobre vários outros cercos da Antiguidade, eles resolveram cavar uma contramina, isto é, o seu próprio túnel, visando interceptar o dos Persas e impedi-los de continuar a ação deles, seja matando os inimigos em combate corpo-a-corpo, seja fechando o túnel inimigo.

Porém, os Persas conseguiram chegar primeiro embaixo da base da Torre 19 e, retirando o trecho de terra que estava acima de suas cabeças, começaram a minar as fundações de blocos de pedra da muralha, escorando com vigas de madeira.

Por sua vez, o túnel romano foi cavado através do aterro que os defensores tinham feito anteriormente para escorar a muralha e conseguir interceptar o túnel inimigo, embora ficando 3 metros acima dele.

O arqueólogo francês Robert du Mesnil du Buisson, que escavou o local entre as décadas de 20 e 30 do século XX, encontrou, no túnel escavado pelos Persas, 20 corpos de soldados romanos, identificados pelo seu característico equipamento, e o corpo de um soldado persa, identificado por seu elmo e cota de malha. além de outros materiais.

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(Restos mortais do soldado sassânida encontrado no túnel sob a Torre 19, ainda com a sua cota de malha).

Segundo a interpretação de Robert du Mesnil, os soldados romanos conseguiram descer até o túnel persa e invadi-lo, entrando em combate com os Persas, mas acabaram repelidos para o seu próprio túnel, deixando apenas um inimigo morto. Porém, os soldados romanos que estavam do lado de fora devem ter pensado que um grande número de persas tinha conseguido derrotar os seus colegas e estavam vindo invadir a cidade pelo próprio túnel romano, e, assim, teriam entrado em pânico e rapidamente fechado a sua entrada, deixando os seus camaradas trancados. Em seguida, os Persas atearam fogo às escoras de madeira em seu túnel, embaixo da fundação das muralhas, valendo-se de betume e cristais de enxofre, cujos vestígios foram encontrados no local, matando os soldados romanos asfixiados pela fumaça.

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Os vestígios mostram que por muito pouco o estratagema persa não deu certo.  Após as escoras serem incendiadas, a Torre 19 chegou a afundar, descendo apenas um metro mas se estabilizou, provavelmente contida pelo aterro que os romanos, previdentemente, tinham construído atrás de toda a Muralha Oeste. Um trecho inteiro dela também levemente cedeu, afundando um pouco verticalmente, mas sem, contudo, desmoronar. Um piso interno da torre desabou, soterrando embaixo dele escudos romanos e uma armadura para cavalo.

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(Os efeitos do trabalho de minagem persa na região da Torre 19 ainda são clarametne visíveis, quase 1800 anos depois).

O ataque final

Com o insucesso da investida sobre a Torre 19, os Persas provavelmente resolveram se concentrar no trecho sul da Muralha, entre a Torre 14 e a Torre 15, que ficava na quina sul da cidade, onde uma rampa de assédio estava sendo engenhosamente construída. Efetivamente, as escavações encontraram não um monte de terra, mas uma rampa sólida, com com muros laterais e pavimentada com tijolos de argila, por onde certamente subiria uma torre de cerco com rodas. A Torre 14 chegou a iniciar um colapso, mas a estrutura também se manteve em pé, ainda que desconjuntada, igualmente contida pelo aterro de arrimo. Além disso, ao lado da rampa, os Persas escavaram um túnel largo o suficiente para permitir a passagem de quatro soldados lado-a-lado.  Houve também outras tentativas de invasão pela porta da cidade que dava para o rio Eufrates e intensos ataques dirigidos à Porta Palmirense, mas o mais provável é que o ataque final tenha se dado pela rampa, em um ataque conjunto com o avanço pelo túnel subterrâneo.

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(A Torre 14, vista de dentro, que foi desconjuntada pela minagem persa, mas não colapsou totalmente)

Embora não se tenha certeza sobre o ponto exato por onde os Persas conseguiram penetrar, o fato é que, após várias semanas, ou, mais provável, alguns meses de cerco, eles conseguiram invadir Dura-Europos. Escavações mais recentes demonstraram que houve luta dentro da cidade no reduto final romano: o quartel no norte da cidade, onde foram encontrados alguns restos mortais de soldados romanos nos alojamentos e uma boa quantidade de flechas de metal, voltadas para dentro da cidade, para serem disparadas pelos escorpiões.

Como já dissemos acima, não há relatos escritos do cerco a Dura-Europos, mas quem quiser ter uma boa idéia de como  se desenvolvia um cerco persa contra uma cidade romana na região, vale a pena ler o emocionante, mas bem fidedigno, relato que o historiador romano Amiano Marcelino fez do cerco à cidade de Amida, ocorrido em 359 D.C. Uma obra moderna que também faz uma excelente descrição do fim de Dura-Europos é o romance histórico Fogo no Leste,  integrante da série Guerreiros de Roma, do  historiador britânico Harry Sidebottom (no livro, a cidade é chamada de Arete).

O fim de Dura-Europos

Certamente os soldados romanos que não morreram na defesa de Dura-Europos foram levados como prisioneiros pelos Sassânidas para trabalhar como cativos em seus domínios. A população civil, caso ainda estivesse vivendo algum particular em Dura-Europos quando do cerco, também foi deportada para a Pérsia (OBS: se procedente a tese de que a cidade já havia sido uma primeira vez capturada pelos persas em 253 D.C., isso teria ocorrido, então, nesta oportunidade). Vale notar que a deportação de soldados romanos e da população capturada em batalhas e cercos era um costume arraigado entre os Persas, desde o tempo dos Aquemênidas, tendo se verificado, por exemplo, em várias cidades da Síria e da Mesopotâmia romanas, e, portanto, em Dura-Europos isso não deve ter sido diferente.

Algumas inscrições persas parecem indicar que os sassânidas ficaram ainda, no mínimo por alguns meses, em Dura-Europos, mas não há dúvida de que a cidade foi abandonada, seja logo após a sua queda ou pouco tempo depois.

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(Inscrições em persa, na sinagoga de Dura-Europos)

Pouco mais de cem anos depois, em 352/363 D.C., Amiano Marcelino, servindo na campanha de Juliano contra a Pérsia, conta que este imperador passou por Dura-Europos e que ela, então, era uma cidade deserta.

A redescoberta de Dura-Europos

Dura-Europos foi visitada por uma expedição norte-americana, que, inclusive, fotografou a Porta Palmirena, em 1885.

Em termos arqueológicos, a cidade foi “redescoberta” poucos anos após o fim da 1ª Guerra Mundial, quando, em 30 de março de 1920, um soldado britânico cavando uma trincheira encontrou paredes com pinturas murais no Templo de Bel. Como a Síria estava sob administração francesa, em mandato conferido pela Liga das Nações, o arqueólogo belga Franz Cumont, com o patrocínio da Académie des Inscriptions et Belles-Lettres  de Paris iniciou as escavações científicas. Por sua vez, entre 1929 e 1937, a Universidade de Yale, junto com a Académie patrocinaram os trabalhos, sob a diração do prestigiado historiador russo, Michael. I. Rostovtzeff, que publicou o livro Dura-Europos and Its Art. Os trabalhos arqueológicos foram interrompidos pelo advento da 2ª Guerra Mundial e somente seriam reiniciados em 1986, pela Missão Franco-Síria, que revelou vestígios que sugerem que houve um grande combate seguido de incêndio, na Porta Palmirense e outros que sugerem que a cidade foi ocupada pelos Sassânidas durante algum tempo após o sítio de 256 D.C. (cf. https://www.persee.fr/doc/crai_0065-0536_1994_num_138_2_15369?pageId=T1_398)

A “Pompéia do Deserto”

O fato da cidade nunca mais ter sido habitada, ao menos em caráter permanente, após a sua captura pelos Sassânidas, em 256 D.C. e, sobretudo, vários edifícios terem sido deliberadamente sepultados pela construção do aterro junto à Muralha Oeste, foram responsáveis por uma grande quantidade de achados de valor incalculável, cuja enumeração e comentários pormenorizados fica um tanto difícil em um blog de divulgação como o nosso. As condições climáticas do sítio arqueológico, somadas as circunstâncias ligadas às obras defensivas feitas pelos romanos, à própria dinâmica dos combates travados e ao abandono final da cidade contribuíram muito para o excelente estado de preservação desses achados.

Entre os achados que consideramos mais notáveis, podemos mencionar:

1) A sinagoga

A sinagoga de Dura-Europos, em seu formato derradeiro, é uma das mais antigas já encontradas.  Ela foi remodelada em 244 D.C, expandindo um prédio mais antigo. O fato de ter sido intencionalmente soterrada pelo aterro defensivo construído pelos romanos às vésperas do cerco de 256 D.C. ajudou a preservar boa parte da sua estrutura, disposição e decoração internas.  Em uma das paredes, por exemplo, há um nicho para a Torá, que fica na direção de Jerusalém. Os arqueólogos ficaram tão estupefatos com a riqueza e quantidade de suas pinturas murais, retratando várias passagens bíblicas, que, inicialmente, eles pensaram tratar-se de um templo pagão, devido ao fato da existência de uma proibição divina na Bíblia quanto a feitura de imagens de pessoas e animais. Observe-se que essas pinturas, alguns estudiosos acreditam, trazem indícios de que havia um modelo amplamente disseminado de imagens narrativas bíblicas, que teria sido copiado pelos artistas que fizeram os murais, e também de que esse modelo influenciou a arte cristã primitiva. A sinagoga ficava bem próxima à igreja cristã da cidade, bem como de outros templos pagãos, o que parece indicar que havia uma convivência harmônia entre as diversas religiões em Dura. Por outro lado, a qualidade das pinturas e o tamanho do edifício é prova de que a comunidade judaica da cidade era bastante próspera e gozava de boas relações com a classe dominante de Dura. As pinturas e vários elementos arquitetônicos da sinagoga, incluindo os muito fragmentos do forro original do teto, foram remontados no Museu de Damasco e ainda estão em ótimo estado.

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2) A igreja cristã

Trata-se da igreja cristã mais antiga já encontrada. Ocupa uma casa particular, remodelada para servir como igreja, como era comum no início da cristandade. Fica próxima à sinagoga, tendo sido construída alguns anos antes da remodelação daquela, e também foi preservada graças ao mesmo aterro. É, contudo, bem menor e mais modesta do que a sua vizinha. No seu interior, ha um salão para a reunião dos fiéis e um acesso para uma pequena, que foi adaptada para servir como batistério, em um nicho parecido com o que foi feito para abrigar a Torá na sinagoga. Inclusive, estudiosos acreditam que a igreja pode ter sido decorada pelos mesmos artesãos que trabalharam na primeira. Entre as pinturas existentes na parede do batistério estão as mais antigas imagens retratando Jesus Cristo encontradas até hoje, uma sobre a cura do paralítico (vide foto abaixo, onde ele carrega o próprio catre, como narrado no evangelho) e o outra mostrando Cristo caminhando sobre as águas e amparando São Pedro que afundava (as pinturas hoje estão na Universidade de Yale, nos EUA). O fato da igreja estar colada à Torre 17 e bem próxima a uma casa de banho e da casa dos escribas romanos é um sinal de que os cristãos eram bem tolerados em Dura-Europos, a despeito dos relatos de escritores cristãos de perseguições no reinado do imperador Trajano Décio (249-251 D.C).

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3) O mitreu

O mitreu (santuário do deus Mitra) de Dura-Europos foi construído em 168 D.C., logo depois da conquista pelos soldados do exército romano, já que o deus era extremamente popular entre os militares. O santuário também foi preservado pela construção do aterro defensivo e foi remontado na Universidade de Yale.

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(Imagem de um soldado romano participando de um culto no Mithraeum (templo de Mitra), em Dura)

4) Equipamentos bélicos  e vestígios relacionados com o cerco persa e a batalha travada em Dura-Europos

As escavações no sítio arqueológico de Dura-Europos proporcionaram achados de valor incalculável no que se refere aos equipamentos e táticas militares utilizados pelos exércitos romano e persas.

Os trabalhos dos arqueólogos nas torres e muralhas da cidade renderam exemplos raríssimos e, até mesmo inéditos, de vestígios decorrentes de guerras de antiguidade que congelaram no tempo situações de combate enquanto elas estavam se desenrolando.

A situação mais dramática foi a já mencionada operação de minagem persa e contra-minagem romana na Torre 19 da Muralha Oeste.

Recentemente, o arqueólogo Simon James, da Universidade de Leicester,  publicou suas conclusões sobre os achados na Torre 19 e concluiu, de modo bem convincente, que os 20 soldados romanos  cujos restos foram encontrados no interior do túnel que eles mesmo cavaram para interceptar o túnel persa foram mortos em virtude de deliberada queima de cristais de enxofre e betume pelos inimigos, tratando-se de um episódio de guerra química, que, aliás, não era estranha aos antigos, sendo mencionada por fontes antigas gregas.

De acordo com James, os soldados romanos não foram mortos em combate corpo-a-corpo, e sim  asfixiados e envenenados por dióxido de enxofre, proveniente dos elementos  acima mencionados, queimados pelos persas em um braseiro, provavelmente com o uso de um fole (ou em função do efeito sucção causado pela abertura do túnel romano). Posteriormente, os corpos dos soldados romanos inconscientes ou já mortos foram propositalmente empilhados no fundo do túnel romano, para impedir a entrada de reforços romanos. Porém, na operação, o único soldado persa cujo corpo foi encontrado, provavelmente um oficial comandante, dada a qualidade da sua armadura e elmo, acabou também morrendo asfixiado (vide https://www.academia.edu/1448923/Death_in_the_dark_at_Dura-Europos_Did_the_Sassanids_use_chemical_warfare)

(Desenho ilustrando a “guerra química” empregada pelos persas contra os romanos nos túneis subterrâneos embaixo da Torre 19, extraído do artigo do Prof. Simon James)

Um acessório militar importante encontrado no mesmo túnel foi o elmo utilizado pelo oficial persa que provavelmente morreu acendendo o braseiro que sufocou os romanos. Segundo estudiosos, o desenho deste tipo de elmo provavelmente influenciou o design dos elmos romanos utilizados no final do século III até o final do império, e, consequentemente até mesmo, os elmos europeus medievais *Cf. artigo de Simon James em https://www.persee.fr/doc/syria_0039-7946_1986_num_63_1_6923)

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(O desenho reconstitui o elmo e proteção de cota de malha do soldado persa que morreu na Torre 19, extraído do artigo do Prof. Simon James, acima citado)

Ainda em relação aos persas sassânidas, os achados no sítio de Dura-Europos demonstram que, ao contrário de que as fontes romanas, suspeitas de parcialidade, relatavam, e alguns historiadores ocidentais acreditavam,  o exército persa detinha capacidade logística, especialização e táticas militares avançadas para manter um cerco a uma cidade tão fortificada como Dura.

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(Foto tirada nos anos 20 mostra projéteis para catapultas trazidas pelo persas ainda no local exato onde eles as empilharam para serem usadas no cerco a Dura. Provavelmente, a cidade caiu antes que o lote precisasse ser utilizado).

Do lado romano, as escavações em Dura-Europos também renderam objetos muito valiosos para os historiadores militares.

Talvez o  mais icônico desses artefatos seja o escudo romano encontrado embaixo de detritos de uma das torres da muralha oeste. Simplesmente, este é o único escudo retangular romano já encontrado, do célebre tipo retratado em tantos relevos existentes em monumentos romanos. Este achado permitiu compreender a técnica construtiva do escudo, entender melhor o seu emprego e determinar que o seu tipo ainda continuava em uso em meados do século III (vide foto abaixo).

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Também foram encontrados exemplares de escudos redondos, tradicionalmente associados às unidades de auxiliares (auxilia), muito embora hoje acredite-se que ambos  poderia ser empregados por legionários ou auxiliares, conforme a situação exigisse. Um desses escudos é particularmente interessante porque ostenta uma pintura mostrando um mapa, ainda que impreciso como representação geográfica, mostrando o nome de várias fortificações romanas ao longo do Mar Negro, onde, presumivelmente, o soldado a quem ele pertencia deve ter servido. Esse costume castrense, aliás, é mencionado pelo poeta romano Ovídio, em seu poema Metamorfoses. (vide primeira foto abaixo)

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Finalmente, foram achadas armaduras para cavalos romanas, utilizadas pelas tropas equestres chamadas de catafractos, encontradas na Torre 19. Uma delas estava em tão bom estado que chegou a ser colocada em um cavalo que estava na escavação, nos anos 30.

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5) Outros achados (tão ou mais) relevantes

Vários papiros bem conservados foram achados no que seriam os arquivos da Cohors XX Palmyrenorum abarcando um período de 50 anos de atividades da unidade em Dura-Europos. Os documentos são relativos a escalas de serviços dos soldados, inventários de suprimentos, licenças e autorizações para transferência de militares, listas de pagamentos, datas de pagamentos de soldos e de dispensas militares, além de um calendário das datas comemorativas próprias da unidade, bem como de feriados religiosos e aniversários dos imperadores, a serem celebrados com paradas.

Um  fragmento de pergaminho (nº 24) contendo uma Harmonia do Evangelho em grego, um texto buscando conciliar as narrativas dos 4 Evangelhos Canônicos sobre a vida de Jesus Cristo, que se estima datar do século III D.C (sendo portanto anterior a 256 D.C, data do cerco e abandono de Dura-Europos). Para alguns estudiosos, o fragmento seria uma cópia do Diatessaron escrito por Taciano cerca de 165/170 D.C, embora para outros trate-se de uma obra independente.

Outro pergaminho, escrito em hebraico, parece derivar do Didache (Didaque), uma espécie de catecismo escrito cristão primitivo (alguns estudiosos estimam que ele dataria do século I A.C.), originado da comunidade de judeus-cristãos da Síria ou até da própria Jerusalém, sendo que alguns trechos são muito semelhantes a bençãos judaicas sobre a comida e o vinho ( Birkot-ha-mazon,). O fragmento foi assim traduzido:

“Bendito seja o Senhor, Rei do Universo, que criou todas as coisas, deu de comer e beber a todas os filhos da carne com os quais eles serão saciados; mas concedeu a nós, seres humanos, participar do alimento das miríades do seu angélico corpo. Por tudo isso, nós devemos dar graças cantando nas reuniões do povo”.

Conclusão

Dura-europos é um dos sítios arqueológicos mais fascinantes do mundo. A cidade existiu durante 560 anos, mais do que qualquer cidade brasileira, por exemplo, e, apesar de ter tido uma população que não ultrapassou 5 mil habitantes, foi o lar de diversas etnias e religiões que, tudo indica, coabitaram em harmonia.

Há um vasto material  sobre as escavações arqueológicas realizadas na cidade que ainda aguarda publicação.

Dezoito séculos depois,  uma nova tragédia se abateu sobre Dura-Europos: a devastação feita pelo Estado Islâmico, que, na busca por artefatos antigos para  vender no mercado negro e, também, por fanatismo religioso, vem sistematicamente destruindo o sítio.

                                                               F I M

DISCIPLINA ROMANA: MAIS FORTE QUE O VESÚVIO !

ARQUEOLOGIA

Durante séculos, os arqueólogos que trabalharam nas escavações das cidades soterradas pela erupção do Vesúvio em 79 D.C notaram uma particularidade: Em Pompéia foram achados muitos restos humanos, sobretudo em cavidades formadas nos depósitos de detritos, que, preenchidas por resina, resultaram nos impressionantes figuras moldadas de pessoas e animais que os turistas ainda hoje podem ver quando visitam a cidade (Técnica inventada por Giuseppe Fiorelli, em 1864, vide foto abaixo).

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Contudo, na vizinha Herculano, quase nenhum vestígio das vítimas daquela catástrofe havia sido achado, sendo que, embora  sendo uma cidade bem menor do que Pompéia, Herculano tinha cerca de 5 mil habitantes.

A explicação mais aceita era a de que Herculano era uma espécie de balneário chique à beira-mar, e os seus ricos habitantes deviam ter conseguido fugir em massa da vila, usando até barcos particulares.

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Entretanto, em 1982, um arqueólogo fez uma impressionante descoberta: ao escavar as grandes arcadas dando entrada para as massivas galerias que eram utilizadas como garagem para barcos, de frente para a antiga praia em frente a Herculano, um trecho que tinha sido totalmente soterrado pelos detritos da erupção do vulcão, ele encontrou os esqueletos de cerca de trezentas pessoas.

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(Garagem dos barcos em Herculano, com os esqueletos das vítimas, foto de Norbert Nagel)

 

Quase todos os esqueletos estavam dentro das garagens, separados por sexo e idade (homens separados de mulheres).

E um achado, em especial, intrigou os arqueólogos: mais afastado das garagens, eles encontraram um esqueleto de um homem de cerca de 40 anos de idade e 1,70m de altura, que ainda portava um cinturão com uma espada (gládio) embainhada, colada ao lado direito de sua cintura. O corpo recebeu a identificação de indivíduo E26. (vide foto abaixo).

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O cenário e a posição em que o cadáver foi encontrado deixavam claro que o homem estava do lado de fora das garagens, na praia e voltado para a direção do mar, quando ele foi atingido pela massiva explosão piroplástica do Vesúvio, tendo o seu corpo sido instantaneamente calcinado.

Não havia nenhum barco dentro das garagens e alguém obviamente tinha organizado as pessoas para que, de maneira ordeira, separassem-se em grupos de homens e mulheres e crianças, que, infelizmente, também morreram imediatamente devido à nuvem de calor de cerca de 500 graus. A erupção foi relatada pelos historiadores antigos, destacando-se a descrição feita por Plínio, o Jovem, que presenciou a tragédia.

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Plínio narra que seu tio, Gaius Plinius Secundus,  (Plínio, o Velho) era comandante da frota imperial em Miseno, a 30 km de Pompéia e Herculano. Plínio, o Velho, quando presenciou a erupção do vulcão, começou a receber pedidos de ajuda de habitantes das cidades afetadas e montou uma operação de resgate usando os navios da esquadra. Ele mesmo chegou a desembarcar na cidade de Stabiae, para resgatar conhecidos seus, porém, devido aos ventos desfavoráveis, o navio não conseguiu regressar e ele acabou morrendo no local.

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CONCLUSÃO

Portando um gládio militar, com uma bainha e cinturão muito bem decorados, o homem caído na praia certamente era um militar, provavelmente um oficial, já que seu esqueleto também apresentava marcas típicas de quem costumava cavalgar. É até possível que ele fosse um dos integrantes da operação comandada por Plínio, o Velho.

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(Reprodução da espada e cinturão do indivíduo E26. A qualidade do material permite supor que se tratava ao menos de um centurião)

Nossa opinião é que o oficial E26 morreu enquanto esperava a volta da frota, que deve ter passado por Herculano em direção à Stabiae. Enquanto isso, ele deve ter organizado a retirada dos últimos habitantes de Herculano.

Não havia mais barcos e a frota era a única esperança deles saírem dali. Eles não sabiam o que era um erupção vulcânica e as garagens, muito bem construídas com paredes grossas, devem ter parecido ao E26 um lugar seguro para aguardar o socorro.

O fato é que E26 morreu em seu posto, no cumprimento do dever e não abandonou as pessoas que dependiam dele. Felizmente, tudo indica que a onda de calor chegou tão rápida e violentamente que as pessoas no local sequer tiveram tempo de perceber antes que seus cérebros praticamente vaporizassem e explodissem dentro dos crânios.

Por tudo isso, homenageamos o soldado E26 e todos militares, bombeiros e policiais que porventura morreram ou se arriscam para garantir a nossa segurança.

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AS INSÍGNIAS IMPERIAIS DO IMPERADOR MAXÊNCIO

Em 2006, arqueólogos italianos anunciaram uma notável descoberta em uma vala escavada em um pequeno templo na colina do Palatino, em Roma, onde, durante o período imperial romano, foram construídos as moradias dos imperadores romanos (em verdade, devido a este fato, “palácio” é uma palavra derivada do nome da colina do Palatino).

Vide o link da notícia: http://www.nbcnews.com/id/16031991/ns/technology_and_science-science/t/rare-insignia-constantines-foe-found/

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Foram encontrados, no interior dos restos de caixas de madeira, aparentemente envolvidas em fragmentos de seda, objetos parecidos com 3 lanças , 4 dardos, os quais aparentemente serviriam como base para algum objeto, 3 esferas coloridas de vidro e calcedônia, além de uma haste com aparência de ser um cetro, em cuja ponta havia uma flor estilizada segurando um globo verde-azulado (caracterizando uma representação bem acurada da forma e da cor verdadeira do globo terrestre).

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( A foto 1 mostra as lanças e a reprodução da sua aparência original. A foto 2 mostra a ponta do cetro com o globo de calcedônia)

Os arqueólogos estimaram que a camada onde os objetos foram encontrados remetia ao fim do século III D.C. e o início do século IV D.C., o que foi confirmado pela datação de carbono 14 dos restos de linho.

Concluiu-se. portanto, que efetivamente os objetos eram um cetro e lanças porta-estandarte imperiais, sendo que a data e o contexto em que os artefatos foram encontrados permitem também considerar que se tratam das insígnias imperiais do imperador romano Maxêncio, filho do imperador Maximiano, e que, após a abdicação do imperador Diocleciano e de seu pai, disputou o trono contra outros imperadores, culminando com a sua morte na Batalha da Ponte Mílvio, em Roma, conflito no qual ele foi derrotado por Constantino, o Grande, em 312 D.C.

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(Ponte Mílvio, em Roma, foto de Anthony Majanlahti )

Assim, as insígnias de Maxêncio deven ter sido escondidas por algum partidário fiel para evitar que fossem capturadas por Constantino.

Moedas do período em questão mostram insígnias imperiais muito semelhantes as encontradas no Palatino, sendo estas os únicos itens da regalia imperial romana a chegarem até os nossos dias, motivo pela qual devem as mesmas serem admiradas com reverência, e quem quiser pode visitá-las no Museu Nacional Romano, no Palácio Massimo, em Roma, onde hoje elas se encontram expostas.

 

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(Relevo da Apoteose de Antonino e Faustina. A imperatriz segura um cetro parecido com o encontrado no Palatino – Römisch-Germanisches Zentralmuseum, Mainz)

 

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(Moeda cunhada por Maxêncio

 

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UM ESCRITOR ROMANO ESCREVEU O PRIMEIRO LIVRO DE FICÇÃO CIENTÍFICA

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Luciano de Samosata, um escritor romano de origem síria e fala grega, escreveu o que podemos considerar a primeira novela de ficção científica, com o título de “A História Verdadeira”.

Luciano nasceu na cidade de Samosata; antiga capital do reino da Comagena, anexado pelos romanos em 72 D.C.  Pouco é conhecido sobre a sua vida,  mas ele deixou cerca de 80 obras literarias, a maioria sátiras sobre os costumes e a sociedade do seu tempo. Acredita-se que ele morreu por volta de 180 D.C., em Alexandria.

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No livro, escrito durante o reinado do imperador Marco Aurélio (161-180 D.C), Luciano narra uma expedição para além do estreito de Gibraltar, na qual o navio em que ele e seus amigos viajavam foi jogado ao espaço por um ciclone, levando-os, em uma viagem de sete dias, até a Lua!

Na inovadora obra, Luciano descreve as paisagens e os seres que viviam no satélite, inclusive uma raça somente de indivíduos do sexo masculino, cujas crias nasciam das próprias pernas deles. Esses habitantes da Lua encontravam-se em guerra contra uma raça que habitava o Sol, e o motivo do conflito foi a disputa pela colonização do planeta Vênus, então chamado de “Estrela Matinal”.

Luciano, após visitar também aqueles corpos celestes, descreve em detalhe as suas paisagens, numa visão  bem diferente da crença tradicional dos antigos; que os identificavam  como deuses…

 

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A TOCANTE CARTA ESCRITA POR UM LEGIONÁRIO ROMANO LONGE DE CASA À SUA FAMÍLIA

Aurelius Polion era um legionário romano que servia na Legião II Auditrix, estacionada na província da Panônia. A família de Aurelius morava na cidade egípcia de Tebtunis  (atual Umm el-Baragat), que floresceu no período ptolomaico. Portanto, assim como muitos outros habitantes da cidade, Aurelius e seus familiares deviam ser de origem grega, ou então, egípcios helenizados.

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(Ruínas de Tebtunis, Egito. A cidade era um centro do culto ao deus-crocodilo Sobek)

O nome de Aurelius, bem como a unidade e o local onde esta estava estacionada, indicam que Aurélio ou seus pais devem ter recebido a cidadania romana no reinado de Caracala, que, em sua “Constitutio Antoniniana“, estendeu a cidadania romana a todos os habitantes livres do Império Romano.

Uma carta enviada por Aurelius à sua família, escrita em grego, foi encontrada, há 115 anos, em Tebtunis, mas ela somente foi traduzida em 2012, por Grant Adamson, doutorando da Rice University.

Infelizmente, faltam alguns pedaços do papiro em que a referida missiva foi escrita, causando algumas lacunas no texto, que vamos traduzir do italiano, mantendo as mesmas (vide https://amantidellastoria.wordpress.com/2015/02/15/lincredibile-lettera-di-un-soldato-romano-alla-famiglia/):

Aurelius Polion, soldado da Legião II Auditrix, ao seu irmão Heron, à sua irmã Ploutou, à sua mãe Seinouphis, a padeira e senhora (?) e a tantos parentes, saudações! Rezo dia e noite para que vocês gozem de boa saúde, e ofereço sempre a todos os deuses em vosso nome. Não paro de vos escrever, mas vocês não pensam em mim. Mas eu faço a minha parte vos escrevendo sempre e não deixando de estar próximo de vocês com a mente e com o coração. No entanto, vocês não me escrevem mais para me contarem acerca da vossa saúde e de como vocês estão.. Estou preocupado com vocês, porque, tendo recebido muitas cartas minhas, não me responderam mais, assim, não posso saber como vocês (…) enquanto estava na Panônia, eu vos mandei (uma carta), mas me trataram como a um estranho (…) Fui embora (…) e vocês estão felizes? (…) o Exército eu não (…) vocês (…) para o Exército, mas eu (…) deixei vocês. vos mandei cartas (…) tentarei conseguir uma permissão do comandante e e irei até ti a fim de que tu possas entender que eu sou teu irmão (… )Não pedi nada a vocês para o Exército, mas eu os decepcionei porque embora eu vos tenha escrito, nenhum de vocês (?) (…) teve consideração(…) Vejam, vosso (?). Próximo (…) sou teu irmão. Vocês, também, respondam-me (…) escrevam-me. Cada um de vocês, mandem-me o seu (…) para mim. Saúdem a meu pai Aphrodisios e meu (?) tio (?) Atesios (…) sua filha (…) seu marido e Orsinouphis e os filhos da irmã de sua mãe, Xenphon e Ouenophis, conhecido também como Protas (…) os Aurélios (…) a carta (…) para os filhos e para Seinouphis , a padeira (…) da (?) Aurelius (?)Polion, da Legião II Adiutrix (…) da(?) Pannonia Inferior (?) (…)entregue a Acutius(?) Leon(?), veterano da legião (…) Da parte de Aurelius Polion, soldado da legião II Adiutrix, a fim de que possa enviá-la para casa.

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Como podemos ver, o veterano Acutius Leon cumpriu fielmente o seu encargo e a carta foi entregue à família de Aurelius Polion, atravessando os milhares de quilômetros que separam a Panônia do Egito.

Nós, aqui do blog “Histórias de Roma”, gostaríamos de acreditar que Aurelius tenha se reconciliado com seus familiares e que tenha podido, um dia, reencontrar seus entes queridos.

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SENADORES ROMANOS DA GÁLIA – ANTEPASSADOS DA NOBREZA EUROPEIA?

 

Publicamos no blog um artigo sobre o Imperador Avito (455-456 D.C). Na crônica que fizemos do seu reinado, me chamaram a atenção o patriotismo e a notável coesão da aristocracia senatorial galo-romana durante o século V, especialmente da região da Auvergne, centrada na cidade de Clermont, além das cidades de Tours, Arles e Lyon.

As cartas e poemas de Sidônio Apolinário ( *430 +489 D.C), um conhecido diplomata, político e poeta galo romano sobre quem escrevemos outro artigo, um membro da prestigiada classe senatorial da Província que chegou a ocupar o cargo de Prefeito Urbano de Roma, descrevem as provações que a Gália e sua elite enfrentaram durante as invasões bárbaras da fase final do Império Romano do Ocidente.

A leitura de Sidônio Apolinário, que pode e deve ser feita em conjunto com a “História dos Francos“, de Gregório de Tours (ele também um descendente da classe senatorial galo romana, mas que escreveu pouco mais de um século depois de Sidônio), demonstra como os senadores galo romanos conseguiram não apenas preservar em um grau considerável as suas propriedades e a sua posição social, durante os primeiros reinos bárbaros instalados no que tinha sido a província romana da Gália, mas até mesmo influenciar a política e o desenvolvimento destes mesmos estados originados do desmembramento do Império.

As fontes do período demonstram que, para conseguir feito tão notável, a ferramenta principal utilizada pela aristocracia galo romana foi a Igreja Católica.

Com efeito, quase todos os senadores galo romanos que abordamos no artigo sobre Avito, bem como os que mencionaremos a seguir, tornaram-se Bispos de Clermont-Ferrand, Tours, Arles, Metz, Uzes, Lyon, Reims e muitas outras cidades da atual França, exatamente aquelas onde a língua e a cultura clássica romana foram melhor preservadas.

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Pela simples leitura de Apolinário e de Gregório de Tours, percebemos que, com o desaparecimento da autoridade civil e militar romanas, os bispados passaram a atuar como se fossem verdadeiros magistrados romanos: resolvendo disputas jurídicas, provendo o abastecimento em situações de calamidade, organizando a defesa das cidades contra os bandos armados, etc.

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( A igreja católica copiou a organização administrativa do Império Romano Tardio)

E, para conferir um mínimo de organização aos primeiros reinos bárbaros, bem como para regular as suas relações com os seus novos súditos -os antigos cidadãos romanos (que ainda constituíam a maioria da respectiva população) os reis germânicos dependiam do auxílio de homens letrados. Note-se, por exemplo, que os primeiros códigos de leis do reino visigótico e do reino burgúndio foram elaborados por membros da citada aristocracia senatorial, os quais continuaram ocupando postos importantes nas cortes germânicas.

Penso que a situação da Gália pós-imperial, nas primeiras décadas que se seguiram ao desmembramento do Império Romano do Ocidente, devia ser  parecida a uma mistura de Velho Oeste Americano, de Sertão brasileiro dos coronéis e cangaceiros. e da Sicília, no apogeu da Máfia Italiana, onde, em meio a um Estado fraco, os grandes senhores ou chefes locais exerciam a sua autoridade, cada um com seu bando armado. Vale observar que os bárbaros, fossem os Visigodos, na Aquitânia (e, depois, na Hispânia), os Burgúndios (que dariam o nome à Borgonha, onde se assentaram) ou os Francos, não eram numerosos. Para os primeiros, por exemplo, a estimativa é a de que a sua população deveria estar na casa dos 200 mil indivíduos. Os Burgúndios deveriam ser por volta de 80 mil. E os Francos deviam estar entre algum desses números…

E os bárbaros provavelmente não tinham nem o efetivo, nem o ânimo para controlar diretamente cada uma das imensas propriedades detidas pela nobreza galo romana, onde devia trabalhar e morar uma considerável população de colonos e escravos, proporcionando aos seus proprietários uma força não desprezível para se defender, senão de um exército, pelo menos de pequenos ou até mesmo bandos médios de atacantes bárbaros, caso isso fosse inevitável. Assim, um compromisso entre os chefes germânicos e os grandes senhores de terra era mais do que natural…

Com a conversão dos Francos ao Cristianismo Católico do Credo Niceno, foi-se o último obstáculo para uma acomodação com a classe dirigente galo romana. Na verdade, a conversão do rei franco Clóvis ( que foi convertido pelo bispo Remigius,  que depois viraria Saint Remy, também ele um integrante da aristocracia galo romana e amigo de Sidônio Apolinário) é um dos fatores pelos quais a França manteve a sua herança romana de forma muito mais marcante do que os outros reinos bárbaros.

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(São Remígio batizando Clóvis, relevo em marfim, c. 870 D.C.)

GENEALOGIA DA NOBREZA EUROPEIA  ATUAL RECUARIA ATÉ A ROMA ANTIGA

É fato incontroverso que praticamente todas (senão todas) as casas reais da Europa, reinantes ou pretendentes em caso de restauração monárquica, podem, sem muita dificuldade, traçar sua árvore genealógica até o rei Carlos Magno, rei dos Francos e fundador do Sacro Império Romano-Germânico, no ano de 800 D.C.

Carlos Magno nasceu por volta do ano 742 D.C e teve 18 filhos. Portanto, somente por esse fato, muitos milhares de pessoas, hoje, podem traçar sua genealogia até ele. Genealogistas conseguem desenhar, com certa segurança, o traçado de uma árvore genealógica de uma pessoa viva até o grande rei franco, desde que essa pessoa provenha de uma família que tenha mantido alguns documentos de ancestrais não muito distantes e  assim é torna-se possível conectá-los com a legião de nobres europeus que descendem do referido Sacro-imperador.

 

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(“denário” cunhado por Carlos Magno. O Imperador se considerava um sucessor dos imperadores romanos e se a Prosopografia estiver correta, a pretensão tinha bases não apenas políticas, mas  também genealógicas)

Porém, recuar qualquer genealogia europeia para aquém do século VIII D.C, sempre foi bastante difícil: antes disso, a Europa estava mergulhada no período mais sombrio da Idade Média, ao que corresponde a escassez de documentos e fontes históricas sobre o período entre o século VI, quando os últimos autores remanescentes do Império Romano começaram a serem engolfados pelo caos, e o século VIII, quando houve o chamado “Renascimento Carolíngio” e as condições do continente europeu experimentaram uma melhora.

Alguns pesquisadores tem se valido, para tentar preencher esse hiato, da “Prosopografia“, que pode ser entendida como o estudo das características comuns de um grupo social histórico, cujas biografias individuais podem ser consideravelmente não-traçáveis, através do estudo coletivo de suas vidas, em análises de múltiplas carreiras. A pesquisa prosopográfica, portanto, tem como meta o estudo de padrões de relacionamentos e atividades através do estudo biográfico coletivo. Assim, ela coleta e analisa estatisticamente quantidades relevantes de dados biográficos acerca de um grupo bem definido de indivíduos.

Por conseguinte, a Prosopografia vai além da Genealogia (embora inevitavelmente tenha que se valer muito desta), pois o escopo da primeira é estudar a relação entre um grupo social e os acontecimentos históricos, valendo-se da trajetória individual pública, dos relacionamentos públicos e privados entre os integrantes deste grupo e entre estes e os demais grupos sociais. Não obstante, a Prosopografia pode também contribuir para completar as lacunas da genealogia dos indivíduos, através do estudo de uma “rede prosopográfica“, que se vale das ferramentas da análise de redes sociais, onde, inclusive, podem ser empregadas a matemática de sistemas complexos e estudos gráficos.

A maior autoridade na Prosopografia do final do Império Romano e da Alta Idade Média é o historiador francês Christian Settipani, autor das obras ” Les Ancêtres de Charlemagne” e “Nos ancêtres de l’Antiquité“.

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Segundo os estudos de Settipani, a conexão de Carlos Magno com os senadores galo-romanos segue a genealogia da família dos Pipinidas, também conhecidos como Arnulfidas:

É consenso que Carlos Magno (*742 +814 D.C.) era filho de Pepino, o Breve (* 714 + 768 D.C.), que era filho de Carlos Martelo (* 686 +741 D.C.), que era filho de Pepino de Herstal (*635 +714 D.C.), que era filho de Ansegisel (*602 ou 610 + antes de 679 D.C.), que era filho de Arnulfo (Santo Arnulfo, Bispo de Metz *582 +645 D.C.), que era filho de Arnoaldo (*540 ou 560 +611 D.C), também Bispo de Metz .

Segundo Paulo, o Diácono (século VIII D.C), Arnoaldo era um romano de “família senatorial” e era filho de Ansbertus (uma crônica do reino dos Francos, também do século VIII confirma isso) e de Blithilde ou Bilichilde (*538 +603 D.C), filha do rei franco merovíngio Cariberto I e neta de Clotário, rei dos Francos que, por sua vez, era filho do rei Clóvis, o fundador da dinastia dos Merovíngios.

De acordo com a Commemoratio Genealogiae Domni Karoli Glorissimi Imperatoris , do início do século IX, Ansbertus era filho do aristocrata galo-romano Ferreolus de Rodez (* c. 485 D.C.), originalmente de Narbonne, e que depois se estabeleceu em Rodez, e de  Doda, filha de Cloderico, rei dos Francos Ripuários. Ferreolus de Rodez, por sua vez, era filho do senador galo-romano Tonantius Ferreolus (II) *c.440 + c.517 D.C. e de sua esposa Industria.

Acredita-se que Industria fosse a filha de Flavius Probus, senador romano originário de Narbonne. Flavius Probus era filho de Flavius Magnus, Senador de Narbonne e Cônsul para o ano de 460 D.C. Há uma teoria de que Flavius Magnus seria filho de Flavius Felix, Cônsul para o ano de 428 D.C, e sua mãe seria filha de Flavius Julius Agricola, senador de Narbonne, duas vezes Prefeito Pretoriano da Gália e Cônsul para o ano de 421 D.C., e que se supõe ter sido o pai de Avito, Imperador Romano do Ocidente (455-456 D.C.), o qual era originário da nobreza senatorial galo-romana da cidade de Clermont-Ferrand.

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(Solidus do imperador romano Avito)

Tonantius Ferreolus (II) era filho de Tonantius Ferreolus (I) e de sua esposa Papianilla. Ele era muito amigo de Sidônio Apolinário, também ele um aristocrata romano da Gália, da cidade de Clermon-Ferrand, que chegou a ser Prefeito Urbano de Roma em 469 D.C. e senador. As cartas de Sidônio Apolinário são uma importante fonte para os eventos do final do Império Romano na Gália. Em uma das cartas, Sidônio menciona a boa acolhida que teve na grande propriedade do pai do amigo, Tonantius Ferreolus  (I), em Prusianum, na região de Gard.

Tonantius Ferreolus (I) *390 +475 D.C., também foi senador e  ocupou o importante cargo de Prefeito Pretoriano da Gália, em 451 D.C. e, embora o nome de sua mãe não seja citado nas fontes, sabe-se que ela era filha de Flávio Afrânio Siágrio, originário de Lyon, que foi Prefeito Urbano de Roma e Cônsul no ano de 382 D.C. Este Flávio Afrânio Siágrio muito provavelmente é ancestral do Siágrio que protagonizou a última resistência contra os Francos e o seu rei Clóvis, na Batalha de Soissons, em 486 D.C.

A esposa de Tonantius Ferreolus (I), Papianilla, segundo Christian Settipani, seria sobrinha do imperador Avito.

O último Tonantius Ferreolus citado, pai, era casado com Papianilla, que provavelmente era prima de outra Papianilla, esposa de Sidônio Apolinário, e esta, por sua vez, era filha do Imperador Romano do Ocidente, Avito, como já mencionamos no artigo sobre este último, o qual recomendamos aos nossos amigos que também leiam para ter um panorama completo da importância da classe senatorial galo-romana nos eventos que marcaram o fim do Império e o nascimento da Europa Medieval.

Os estudiosos propõem também uma linha alternativa, não necessariamente excludente, através do tataravô de Carlos Magno, Angegisel, cuja esposa, Begga, era filha de Pepino de Landem, Major Domus do Palácio de reino franco da Austrásia, e de sua esposa Itta, que que seria filha do Bispo de Metz, Arnoaldo, que já mencionamos acima. E por meio deste último, essa linha genealógica também recuaria até Ansbertus e os senadores galo-romanos.

Obviamente que se tratam de teorias conjecturais e especulativas, mas com um bom grau de consistência, que ainda podem vir a ser comprovadas pela arqueologia e, quem sabe, pela pesquisa genética. Nesse caso, a rainha Elizabeth II, Dom Pedro II e todos os Orleans e Bragança e, quem sabe, até você, leitor, seriam descendentes de senadores romanos!

 

GETTY VILLA – UMA MANSÃO ROMANA NA CALIFÓRNIA

Há poucos dias visitei a Getty Villa, uma reconstrução perfeita da Villa dos Papiros, uma mansão romana, na verdade um casa de praia de luxo, em Herculano, que foi soterrada pela erupção do Vesúvio, em 79 D.C.

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A Villa dos Papiros foi redescoberta a partir de 1758, rendendo a maior coleção de esculturas romanas já encontrada em um simples lugar. Mas o motivo pelo qual ela se tornou famosa ainda no século XVIII foi o fato de mais de 1800 rolos carbonizados de papiros terem sido encontrados no biblioteca da propriedade. Vale observar que boa parte da Villa ainda não foi escavada, entre outros motivos, pelo fato de vários quarteirões de casas atualmente ocupadas terem sido construídas sobre os detritos da erupção que cobriram a vasta área do imóvel.

O bilionário americano John Paul Getty, um aficionado pelas obras de arte da antiguidade clássica, mandou reconstruir a Villa a partir de 1954, em um terreno próximo às praias de Santa Monica, que ele tinha  na elegante região de Pacific Palisades, na Califórnia, na área metropolitana de Los Angeles,  para hospedar a sua inestimável coleção de arte antiga. Nos anos 70, a Getty Villa foi aberta à visitação gratuita pelo público (porém, o estacionamento custa 15 dólares), e faz parte da instituição do Getty Museum.

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Um inventor italiano, ainda no século XVIII, inventou uma máquina para desenrolar parcialmente e fatiar os papiros, possibilitando a leitura de boa parte dos textos. Hoje, técnicas de escaneamento de imagens aumentaram ainda mais a capacidade de revelar o conteúdo dos papiros. A maior parte das obras pertence ao filósofo epicurista Philodemos (Filodemo).

Acredita-se que a casa pertenceu a Lúcio Calpúrnio Pisão Caesoninus, que era um rico senador e sogro de Júlio César. Pisão era patrono de Filodemo, que provavelmente morou na Villa e há até um estudioso que acredita que a casa teria pertencido ao próprio Filodemo, talvez como presente de Pisão.

Getty mandou acrescentar ao projeto da reconstrução, ambientes de outras ruínas antigas, como por exemplo, uma reprodução de uma fonte de uma casa de Pompéia. Houve uma cuidadosa reconstituição do paisagismo original da Villa dos Papiros em Herculano, baseada nos vestígios de plantas e sementes carbonizadas encontradas “!in situ” pelos arqueólogos.Também foram colocadas nos mesmos lugares onde se encontravam no imóvel original, reproduções das esculturas de mármore e bronze encontradas na casa em Herculano, que hoje se encontram no Museu Nacional de Nápoles.

Eu recomendo muito a visita à Getty Villa para todos os amantes da História de Roma e apreciadores da Antiguidade Clássica em geral, mas também como atração turística, pela beleza do lugar.

Veja o vídeo em https://youtu.be/ByRSRfCvpq0

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OS PORTÕES DO INFERNO

This Roman ‘gate to hell’ killed its victims with a cloud of deadly carbon dioxide

Fonte: Science Magazine

Cientistas desvendam os mistérios do “Plutonium” , no complexo de templos dedicados ao deus Plutão, na cidade de Hierápolis, na atual Turquia.

O Plutonium era um santuário dedicado a Plutão, deus romano que governava o mundo subterrâneo para onde iam os mortos. No local, sacerdotes castrados traziam animais, geralmente touros, para serem sacrificados, sendo que as vítimas morriam rapidamente sem qualquer intervenção humana, mas os homens que os traziam não sofriam qualquer dano.

Os arqueólogos descobriram que no meio do santuário quadrado, circundado por degraus para os fiéis sentarem-se, ficava uma porta dando para uma pequena gruta, que se comunicava com uma falha geológica que corta a cidade de Hierápolis, em um dos lugares mais geologicamente ativos da região.

Redescoberto a apenas 7 anos atrás, constatou-se que a fissura no solo onde ficava o Plutonium emite constantemente dióxido de carbono vulcânico, que forma uma pequena névoa, que se forma de noite, mas, pela manhã, é dissipada pelos raios de sol. A névoa que se forma no solo é capaz de matar, até a altura de 40 cm, mas acima disso, a concentração de CO² cai rapidamente. Assim, os sacerdotes não eram afetados pelo gás, mas os animais, miraculosamente, morriam asfixiados, ao menos para os antigos, que atribuíam o fato ao poder de Plutão.