VITÉLIO – GRANDE APETITE PELO PODER

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Nascido em 24 de setembro de 15 D.C., Aulus Vitelius (o imperador romano Vitélio) era filho de Lucius Vitelius e de Sextilia. O avô dele, Publius Vitelius, teria sido agente financeiro do imperador Augusto e era membro da classe Equestre.

Lucius Vitelius era amigo de Antônia, a Jovem, a influente mãe do imperador Cláudio e também era íntimo deste último. Graças a esses vínculos, ele foi nomeado para o importante posto de governador da Síria e, nesta função, foi o responsável por demitir Pôncio Pilatos do cargo de Procurador da Judéia. Além disso tudo, o pai de Vitélio também foi Cônsul por três vezes, em 34, 43 e 47 D.C.

De acordo como o relato do historiador romano Suetônio, Vitélio passou a sua mocidade na majestosa Villa Jovis de Tibério, em Capri, e teria sido uma das muitas crianças que teriam sido usadas como objetos sexuais no comportamento depravado que marcou a velhice do referido imperador naquela ilha.

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Por volta do ano 40 D.C.,Vitélio casou-se com Petronia, possivelmente filha do Cônsul do ano de 37 D.C., Caio Petrônio Pôncio Nigrino. Eles tiveram um filho, Aulo Vitélio Petroniano, que, de acordo com Suetônio, era cego de um olho. Ainda de acordo com esse historiador, o rapaz somente poderia herdar a fortuna da mãe caso ele fosse emancipado pelo pai. Por isso, Vitélio teria emancipado o rapaz, mas, pouco tempo depois, aquele morreu envenenado, segundo Suetônio após ele beber um veneno que o próprio pai teria preparado para envenená-lo, para por as mãos na herança do filho.

Anos mais tarde, Vitélio casou-se novamente, com Galeria Faudana, filha de um ex-Pretor, que lhe deu um casal de filhos, Aulo Vitélio Germânico, que era surdo-mudo, e Vitélia.

Graças à posição do pai, Vitélio, ocupou vários cargos no serviço público, culminando com sua indicação para o consulado de 48 D.C. Depois, aproximadamente por volta do ano de 61 D.C, já no reinado do imperador Nero, Vitélio foi nomeado Procônsul (Governador) da província da África.

Apesar dele não ter qualquer experiência ou aptidão militar, Vitélio, para a surpresa geral, foi nomeado pelo sucessor de Nero, o imperador Galba, como comandante das legiões da Germânia Inferior.

Segundo Suetônio, essa indicação teria sido conseguida através de Titus Vinius, principal conselheiro de Galba, de quem Vitélio ficara amigo em virtude do prosaico motivo de ambos torcerem pela facção dos Azuis, uma das quatro que dividiam os torcedores das corridas de quadrigas, no Circo Máximo, em Roma…

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Outro motivo da indicação de Vitélio para tão importante comando militar, ainda segundo Suetônio, foi o fato dele ser um notório glutão e bon-vivant, e, portanto, ser considerado como um político incapaz de ameaçar Galba

Porém, algo que o notório temperamento severo e inflexível de Galba não conseguiu perceber, é que as tropas da Germânia estavam muito descontentes pelo fato delas não terem recebido os donativos esperados quando da subida dele ao trono imperial, em recompensa por terem derrotado as legiões de Julius Vindex, cuja revolta desencadeara a sucessão de eventos que levou à derrubada de Nero.

Assim, as credenciais de Vitélio, tendo em vista o seu “pedigree” de filho de um senador que ocupara o consulado por 3 vezes e, ele mesmo, já ter sido Cônsul, não eram de se desprezar como pretendente ao trono,  e, quando ele chegou, em novembro de 68 D.C, à Germânia, legiões estacionadas na província não demoraram em aclamá-lo como novo imperador, em 2 de janeiro de 69 D.C.

O fato é que, ainda que ele não tivesse aderido voluntariamente à revolta, o comportamento de Vitélio não contribuiu nada para a disciplina das legiões. Suetônio conta que durante a marcha para assumir o comando na Germânia, Vitélio chegou até a beijar no rosto  os legionários que encontrava pelo caminho. E, ao chegar na província, ele mandou soltar todos os soldados que estavam presos por qualquer motivo.

Após a aclamarem Vitélio imperador, as legiões do Reno, sob o comando dos generais Cecina e Valente, marcharam em direção à Roma. Quando elas estavam a 150 milhas da capital, os comandantes receberam a notícia de que Galba tinha sido assassinado, e que, agora, Marcus Salvius Otho (Otão) era o novo imperador. Não obstante, o exército de Vitélio resolveu continuar avançando, cruzando os Alpes em março de 69 D.C.

Embora as legiões do Danúbio tivessem se declarado a favor de Otão, o que tornava o somatório das tropas disponíveis favorável ao novo imperador, aquelas estavam bem mais distantes da Capital. Sabendo disso, Cecina e Valente ordenaram a construção de uma ponte sobre o Rio Pó e cruzaram para a outra margem, continuando a marcha para Roma.

Como resultado do rápido avanço de Cecina e Valente, o exército de Otão foi obrigado a dar combate às legiões de Vitélio, em uma situação de inferioridade numérica, sendo derrotado em Cremona, no dia 16 de abril de 69 D.C. Quando a derrota do exército imperial ficou evidente, Otão, como mandava o antigo costume romano, cometeu suicídio.

Vitélio, ao receber a notícia da vitória de suas tropas, partiu para a Roma comportando-se já como se fosse o novo imperador, e a sua viagem até a capital foi uma sucessão de banquetes comemorativos. Afinal, as tropas de Otão aclamaram Vitélio e tudo parecia indicar que a sucessão não seria contestada.

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Porém, o comportamento de Vitélio, ao mesmo tempo soberbo e desregrado, não granjeou simpatias entre o povo romano. Aliás, consta que, durante o seu breve reinado, ele, um notório glutão, costumava se banquetear quatro vezes por dia. Sintomaticamente, as estátuas de Vitélio que sobreviveram até os nossos dias são a de um homem bem obeso, apesar de, tradicionalmente, os escultores sempre tentarem melhorar a aparência dos poderosos representados em suas obras…

Sobre o imenso apetite de Vitélio, descreve Suetônio:

“Ele fazia suas refeições três, às vezes quatro vezes ao dia, café-da-manhã, almoço, jantar e um coquetel, e ele era prontamente capaz dar conta de tudo isso mediante o seu hábito de tomar eméticos (remédio para vomitar). Além disso, ele era convidado para cada uma dessas refeições várias vezes, por diferentes pessoas, no mesmo dia, e os ingredientes para cada uma delas nunca custavam menos do que quatrocentos mil sestércios!  A mais famosa de todas essas foi o jantar dado pelo seu irmão para celebrar a chegada do imperador à Roma, no qual, conta-se, que dois mil peixes, escolhidos entre os melhores, e sete mil aves, foram servidos. Ele mesmo eclipsou até mesmo isso na consagração de uma bandeja, que, devido ao seu enorme tamanho, ele chamou de “Escudo de Minerva, Defensora da Cidade”. Nessa bandeja, ele misturou fígados de lúcios (espécie de peixe), miolos de faisões e pavões, línguas de flamingos e esperma de lampréias, trazidos por seus capitães e navios de guerra de todas as partes do Império, da Pártia ao Estreito de Gibraltar.  Sendo, ademais, um homem de um apetite que era não apenas ilimitado, mas também inoportuno e indecente, ele não podia evitar, mesmo quando estava fazendo sacrifícios religiosos ou viajando, de surrupiar pedaços de carne ou de bolos em meio aos altares, praticamente do próprio fogo, e devorá-los no local, ou dos restaurantes ao longo da estrada, das viandas fumegantes ou até mesmo aquelas que tinham sobrado do dia anterior e estavam parcialmente consumidas.

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Todavia, em julho de 69 D.C., os exércitos do Oriente aclamaram como imperador o respeitado general Vespasiano, que comandava a campanha contra a Revolta dos Judeus. A situação de Vitélio piorou quando as legiões da Panônia, sob o comando de Antonius Primus, e da Ilíria, sob o comando de Cornelius Fuscus, declararam-se a favor de Vespasiano e marcharam para invadir a Itália. O efetivo destes dois exércitos rebeldes compreendia 5 legiões, metade das tropas leais a Vitélio.

Novamente, o encontro das tropas a favor e contra o imperador se deu em Cremona, em 24 de outubro de 69 D.C., terminando com a derrota do exército de Vitélio. Ele ainda mandou tropas para tentar guardar as passagens pelos Apeninos, mas essas também desertaram em favor de Vespasiano.

Desesperado, Vitélio tentou abdicar, com o objetivo de poupar a sua vida e a de sua família e propor um acordo com Vespasiano, mas os seus partidários o persuadiram a continuar no cargo. Em decorrência, o irmão de Vespasiano, o Prefeito Tito Flávio Sabino, que tinha tentado tomar o controle de Roma, foi repelido, e morto pelos guardas de Vitélio. Nesta refrega, o reverenciado Templo de Jupiter Optimus Maximus, na colina do Capitólio, onde Sabino tinha se refugiado, acabou incendiado.

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Dias depois, a vanguarda do exército de Antonius Primus chegou à Roma, sem encontrar nenhuma oposição. Os últimos soldados leais à Vitélio tinham desertado.

Estava tudo acabado, Vitélio ainda tentou se esconder no Palácio deserto, disfarçando-se com roupas humildes e colocando mobília para bloquear a porta do seu quarto, mas ele rapidamente foi descoberto pelos soldados do Danúbio, conduzido seminu, em meio aos insultos da plebe, torturado, nas Escadarias Gemônias, e morto, tendo o corpo arrastado até o rio Tibre, no dia 22 de dezembro de 69 D.C.

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Vitélio reinou por oito meses e morreu aos 54 anos de idade. Ele foi o primeiro imperador romano oriundo da classe equestre, pois quando ele nasceu o seu pai ainda não tinha ingressado no Senado.

O filho de Vitélio, Aulo Vitélio Germânico, foi assassinado no mesmo dia que o pai, mas a filha, Vitélia, sobreviveu e depois teve o auxílio de Vespasiano para arrumar um bom casamento.

 

DOMICIANO, UM BOM “MAU IMPERADOR”…

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PRÓLOGO

Em 18 de setembro de 96 D.C., em um suntuoso aposento da recém-completada Domus Flaviae, o grandioso complexo palaciano que os imperadores da dinastia flaviana haviam construído na colina do Palatino, descortinava-se um sangrento cenário: dois cadáveres sem vida jaziam no chão, junto com duas adagas ensanguentadas, em uma poça de sangue, no meio da luxuosa mobília revirada…Eram os corpos do imperador romano Domiciano e do liberto Stephanus, que em vida fora o secretário pessoal de Flávia Domitila, a irmã do imperador.

HISTÓRICO FAMILIAR, NASCIMENTO E INFÂNCIA

Nascido em 24 de outubro de 51 D.C., Titus Flavius Domitianus (Domiciano) era o filho mais novo do general Tito Flávio Vespasiano (que se tornaria o imperador Vespasiano) e de Flávia Domitila, a Velha. Os Flávios eram uma família de origem sabina, proveniente da cidade de Reate, os quais, no final da República, ingressaram na classe dos Equestres (ou Cavaleiros), que era o segundo ní­vel hierárquico da nobreza romana.

Com efeito, o primeiro Flávio de que se tem notícia havia sido um mero centurião das tropas de Pompeu, na Batalha de Farsália, durante a guerra civil travada entre este e Júlio César, e que, depois deste conflito, estabeleceu-se como coletor de impostos. O filho dele, chamado Titus Flavius Sabinus, também foi coletor de impostos na Proví­ncia romana da Ásia e além de banqueiro.

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Já a família de Domitila, a Velha, a mãe de Vespasiano, havia se estabelecido na cidade de Sabratha, na colônia romana da África, durante o reinado do imperador Augusto, sendo que o pai dela era um simples secretário de um questor daquela proví­ncia.

Vespasiano, junto com seu irmão, Tito Flávio Sabino, tiveram sucesso no serviço público e no Exército Romano, durante os reinados dos imperadores Calígula e Cláudio.

Ressalte-se que Vespasiano, inclusive, conseguiu ingressar no círculo mais íntimo da corte de Cláudio, muito em função da sua união amorosa com a liberta Antônia Caenis, que era secretária pessoal da mãe de Cláudio, Antônia, a Jovem, e da sua amizade com o poderoso liberto Narcissus, que era um dos principais assessores imperiais, com status de ministro.

Assim, durante o reinado de Cláudio, graças a essas privilegiadas ligações,  Vespasiano conseguiu alcançar o cume da carreira das magistraturas romanas (Cursus Honorum), ao ser nomeado Cônsul, em 51 D.C, mesmo ano em que nasceu Domiciano, o seu filho caçula.

O primogênito de Vespasiano, Tito, nascido em 39 D.C. (doze anos antes de Domiciano), também se beneficiou da proximidade do pai com o palácio no reinado de Cláudio: ele teve o raro privilégio de ser educado junto com Britânico, o filho natural do referido imperador.

Tito e Domiciano também tinham uma irmã, chamada Flávia Domitila, a Jovem, também nascida em 39 D.C.

Curiosidade: a filha desta Flávia Domitila, que também se chamava Domitila, seria cristã e, muitos anos mais tarde, ela seria canonizada pela Igreja Católica como Santa Flávia Domitila e as chamadas Catacumbas de Domitila, em Roma, têm este nome porque as terras onde elas foram escavadas pertenceriam a ela, que as legou para a nascente comunidade cristã da Cidade, ainda no século I D.C. Vide abaixo: Afresco sobre um jazigo nas referidas Catacumbas.

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Apesar dos tempos de fartura e glória vividos pelo pai, as fontes narram que quando Domiciano nasceu, a sua família estava de fato na pobreza. O motivo mais provável para isso, ao que tudo indica, é o fato de que o seu pai Vespasiano teria caí­do em desgraça quando Agripina, a Jovem, a última esposa do imperador Cláudio, foi, pouco a pouco, dominando o velho e influenciável imperador e aproveitou-se disso para afastar os desafetos dela, sobretudo, aqueles que ela julgava que ameaçavam a ascensão de seu filho Nero ao trono. E entre os piores desafetos da nova imperatriz encontrava-se Narcissus, o amigo e protetor de Vespasiano.

Entretanto, enquanto Domiciano era ainda uma criança pequena, a sua mãe, Domitila, a Jovem, morreu. Vespasiano então resolveu assumir o romance com Antônia Caenis e os dois passaram a viver em “Contubérnio“, uma forma de concubinato que era admitida pela lei romana.

Todavia, segundo as fontes, seja por apego à memória da mãe, seja por ciúme do pai, ou por outro motivo qualquer,  Domiciano não gostava de Antônia Caenis e o historiador Suetônio, inclusive, relata que, certa vez, quando a “madrasta” tentou saudá-lo com um beijo, Domiciano a impediu, e em vez de oferecer a face,  estendeu-lhe a mão…

Assim, quem parece ter cuidado mesmo do menino Domiciano foi Phyllis, a sua ama, que esteve próxima a ele  durante toda a sua vida (e até mesmo depois, como veremos mais tarde)…

JUVENTUDE E FORMAÇÃO

Finalmente, quando Nero, passados os primeiros anos do seu reinado, conseguiu dar cabo de Agripina, em 59 D.C., Vespasiano, ainda um general respeitado, voltou a receber comandos importantes. Assim, em 60 ou 63 D.C, ele foi nomeado governador da África. Nesse período, Domiciano ficou aos cuidados de seu tio Sabino, enquanto seu irmão Tito, que já tinha idade militar, fazia carreira no Exército, servindo na Germânia e na Britânia.

Sabemos que Sabino não descurou da educação do sobrinho, pois Suetônio nos conta que, já adolescente, Domiciano estudou Retórica e Literatura, sendo capaz de declamar poetas importantes, como Homero e Virgílio, em público, e de manter uma elegante conversação em eventos sociais. Consta, além disso, que na juventude, Domiciano chegou a publicar poemas e até alguns escritos sobre Direito.

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Suetônio descreve Domiciano como sendo um jovem alto e de boa aparência, mas que, na idade madura, ficaria barrigudo e calvo. Como curiosidade, com relação a esse  último traço, consta que Domiciano  escreveu um “Tratado sobre Cuidados com os Cabelos“, que, infelizmente, não sobreviveu.

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Vespasiano foi nomeado pelo imperador Nero para comandar o grande exército que fora reunido para combater a Grande Revolta Judaica, em 66 D.C., ao qual se juntou, a seguir, Tito, que recebeu o comando da XV Legião.

Em 68 D.C., quando estourou a rebelião do governador Vindex, na Gália o fato que iniciou a cadeia de eventos que resultaria na deposição e no suicídio de Nero Tito foi enviado à Roma por Vespasiano para transmitir o reconhecimento das Legiões na Judéia ao novo imperador, Galba. Porém, antes de chegar à Roma, Tito recebeu a notícia de que Galba havia sido assassinado e de que, agora, Oto (Otão) era o novo imperador. Ele decidiu, então, retornar para a Judéia para ver o que o seu pai decidiria.

Entretanto, no conturbado ano de 69 D.C, que ficaria conhecido como o “Ano dos Quatro Imperadores“, Oto foi derrotado por Vitélio, que se tornou o novo imperador. Enquanto isso se desenrolava na Itália, Tito teve vital importância e participou diretamente das negociações que levaram Muciano, o Governador da Província da Síria, a jogar a cartada de reconhecer Vespasiano como imperador, desprezando o reconhecimento de Vitélio por Roma.

Assim, Vespasiano partiu para a capital para reclamar o trono e deixou sob o comando de Tito a campanha contra a Grande Revolta Judaica, que ficou com a tarefa de liderar a fase mais difí­cil da guerra: o cerco e captura de Jerusalém. Ao tomarem conhecimento da aclamação na Síria, as legiões do Danúbio, sob o comando de Antônio Primo, também escolheram apoiar Vespasiano e invadiram a Itália, derrotando as tropas de Vitélio na Batalha de Bedríaco, saqueando em seguida a cidade de Cremona.

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A ASCENSÃO DE VESPASIANO E O PAPEL DESEMPENHADO POR DOMICIANO

Enquanto isso, em Roma, Vitélio informou a Tito Flávio Sabino, o irmão de Vespasiano, que ocupava, fazia onze anos, o cargo de Prefeito Urbano de Roma, a, sua intenção de renunciar. Porém, os soldados de Vitélio e o populacho da cidade,  quando souberam disso, protestaram violentamente e cercaram Sabino e a sua famí­lia, incluindo o jovem Domiciano, os quais se refugiaram na colina do Capitólio, que chegou a ser incendiada pelos partidários de Vitélio no conflito. Domiciano conseguiu escapar dos perseguidores, mas Sabino foi capturado e executado.

Dois dias depois, as tropas de Antônio Primo tomaram Roma e depuseram Vitélio, que foi arrastado pelas ruas, torturado e morto. Em seguida, as tropas aclamaram Domiciano como “César” (um tí­tulo que começava a adquirir o significado de “príncipe-herdeiro”).

Em dezembro de 69 D.C., o Senado Romano reconheceu Vespasiano como imperador – embora ele ainda estivesse no Oriente. Assim, o seu correligionário Muciano, que havia chegado à Roma um dia depois da morte de Vitélio, imediatamente assumiu o comando das tropas leais a Vespasiano que tinham tomado a capital e passou a administrar o Império em nome do novo imperador, contando com a ajuda de Domiciano, que, então, tinha apenas 18 anos de idade e foi nomeado pelo Senado para o cargo de Pretor com poderes consulares, de acordo com o historiador Tácito.

Narram as fontes que o jovem Domiciano, mostrando  bastante audácia e uma indisfarçável ambição pelo poder,  logo nomeou várias pessoas para diversos cargos importantes, tais como governos de províncias, prefeituras e, até mesmo, para o consulado. Por esse motivo, segundo o historiador Dião Cássio, o sempre bem-humorado Vespasiano teria chegado a mandar uma carta contendo a seguinte mensagem para o filho:

“Obrigado, meu filho, por me permitir manter o meu cargo e por não ter me destronado”.

Ainda durante o Ano dos Quatro Imperadores, havia estourado na Gália uma grave revolta dos auxiliares batavos, liderada por Gaius Julius Civilis. Domiciano, embora não tivesse nenhuma experiência militar, tentou liderar a reação contra a rebelião, assumindo o comando de uma legião, mas acabou sendo dissuadido por Muciano.

Entretanto, Tito, o filho mais velho de Vespasiano, que conduzia com brilho a guerra contra os judeus, enquanto ainda estava no Oriente foi, em 70 D.C, nomeado Cônsul junto com o pai. Em seguida, em 71 D.C, Tito recebeu o Poder Tribunício, no que era um claro sinal de que ele seria o herdeiro e sucessor do pai e afastando qualquer pretensão que Domiciano pudesse ter).

Certamente, com essas medidas, o sábio Vespasiano quis evitar um dos principais fatores de instabilidade nos reinados dos seus antecessores da dinastia dos Júlios-Cláudios: a pouca clareza quanto à sucessão, pela existência de vários pretendentes dinásticos.

Tito também foi nomeado Prefeito da Guarda Pretoriana e, assim, agindo como comandante da guarnição militar da capital e da Guarda de Honra do Imperador, ele foi implacável na vigilância e repressão a potenciais ameaças ao reinado do pai, tendo de fato executado sumariamente vários supostos conspiradores.

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Triunfo de Tito, óleo de Sir LawrenceAlma-Tadema 1885, mostrando Vespasiano, seguido por  Tito e Domiciano, este de mãos dadas com Domícia Longina, que olha sugestivamente para Tito

Durante o reinado de Vespasiano, Domiciano foi designado seis vezes Cônsul Suffectus (um consulado honorário, menos importante do que o ordinário), mas manteve o tí­tulo de César, sendo nomeado sacerdote de vários cultos, além de receber o tí­tulo de “Príncipe da Juventude” (Princeps Juventutis). Mesmo assim, Vespasiano sempre deixou evidente que a precedência seria do irmão mais velho.

Contudo, a primazia dada a Tito não quer dizer que Domiciano estivesse sido excluído da sucessão dinástica: Vespasiano tentou casar Domiciano com Júlia Flávia, que era a filha única de Tito, e, portanto, sobrinha dele, quando esta era apenas uma criança, mas a iniciativa não teve sucesso porque, naquela época,  Domiciano já estava apaixonado por Domícia Longina, filha do famoso general Cneu Domí­cio Corbulão, que tinha se suicidado a mando de Nero por suspeita de haver participado de uma conspiração.

Domícia Longina era filha de Júnia Lépida, tataraneta do imperador Augusto e, portanto, junto com sua irmã, ela era uma das últimas descendentes da dinastia dos Júlios-Cláudios, que fundaram o Império Romano. Domícia era casada com o senador Lucius Aelius Lamia Plautius Aelianus, de quem  ela se divorciou para se casar com Domiciano, por volta de 70 D.C.

CARREIRA PÚBLICA E CASAMENTO

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Em 23 de junho de 79 D.C, Vespasiano morreu de causas naturais e Tito foi imediatamente aclamado como novo Imperador Romano, com a idade de 39 anos.

Tito não tinha herdeiros do sexo masculino e sua única filha, Júlia Flávia, tinha 14 anos de idade. Ele havia se divorciado, ainda durante o reinado de Nero, de sua esposa Márcia Furnilla.

Durante a Guerra Judaica, Tito se apaixonou pela rainha Berenice, filha de Herodes Agripa, que logo tornou-se sua amante e, depois  da guerra, ela foi viver com ele em Roma. Esta era uma união politicamente inviável para Tito, e qualquer filho advindo desta relação estaria obviamente excluí­do da linha sucessória do trono. Com efeito, devido à pressão da opinião pública, Tito teve que despachar Berenice de volta para o Oriente. Portanto, agora, naquele momento, Domiciano era, de fato, o herdeiro natural do trono imperial.

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Os autores antigos mencionam que a relação entre os irmãos Tito e Domiciano era, no mí­nimo, fria e distante. Isto provavelmente decorria da grande diferença de idade entre eles e do pouco contato que eles devem ter tido, já que, enquanto Domiciano crescia, Tito já tinha entrado no Exército, acompanhando Vespasiano em suas campanhas. Deve-se mencionar, todavia, que o historiador Flávio Josefo relata que, durante a Guerra Judaica, Tito comemorou o aniversário de Domiciano em uma cerimônia pública, em Cesaréia.

Em 80 D.C., nasceu o único filho de Domiciano e Domí­cia Longina, cujo nome, entretanto, não foi preservado.

Em 13 de setembro de 81 D.C, Tito morreu de uma febre súbita, após reinar por apenas dois anos. Consta que as suas últimas palavras teriam sido:

“Cometi somente um erro”.

O real significado da frase derradeira de Tito sempre suscitou muita discussão entre os historiadores. Para alguns, ele se referia ao fato de não ter executado o irmão Domiciano, cujo caráter já há tempos já dava mostras de ser tirânico, ou pelo motivo dele teria conspirado para derrubar Tito, mas não há qualquer evidência de nenhum desses fatos.  Alega-se, também, que Tito nunca reconheceu formalmente Domiciano como sucessor e herdeiro, mas vale notar que Domiciano já era o Cônsul designado para o ano de 80 D.C. e talvez as medidas destinadas a lidar com os efeitos da erupção do Vesúvio, ocorrida ainda em 79 D.C., e que consumiram muito do tempo do primeiro ano do reinado de Tito, tenham-no distraído da questão sucessória, ou então, ante à ausência de qualquer outro rival, a posição de Domiciano tenha parecido óbvia (na verdade, o mais provável é que Tito jamais tenha previsto que o seu reinado seria tão curto). No plano das fofocas, também argumentou-se que Tito poderia ter tido um caso com a cunhada, Domícia Longina.

ASCENSÃO AO TRONO E REINADO

Consta que no mesmo dia da morte do irmão, Domiciano correu para o quartel da Guarda Pretoriana, em Roma, onde ele foi aclamado imperador.

No dia seguinte, em 14 de setembro de 81 D.C., o Senado Romano reconheceu Domiciano, conferindo-lhe os títulos de Augusto, Pai da Pátria e Pontifex Maximus, além do Poder Tribuní­cio. Mais do que uma possí­vel demonstração de falta de apreço e de respeito pelo irmão falecido, a conduta de Domiciano de partir imediatamente para o quartel dos pretorianos, ao invés de velar o corpo de Tito, deve ser vista como uma cautela necessária, recomendada pelo histórico das sucessões imperiais.

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Desde os primeiros dias de seu reinado, Domiciano mostrou-se um governante interessado por todos os detalhes da administração pública, como poucas vezes se tinha visto na História de Roma: Ele publicou leis detalhadas sobre vários assuntos e seu estilo de governo pode ser descrito como “microgerenciamento”. Ele também comparecia em pessoa às audiências no Tribunal do Fórum Romano, concedidas por ele mesmo aos que apelavam das decisões das Cortes.

Uma das primeiras medidas econômicas de Domiciano foi promover uma valorização do denário, aumentando o seu teor de prata em 12%. Embora , depois de 85 D.C., ele tenha sido obrigado a promover uma pequena desvalorização devido aos gastos com expedições militares e programas de reconstrução, ainda assim, a moeda ainda continuou mais valorizada do que durante o reinado de Vespasiano. Ele também deu especial atenção à taxação dos impostos, aprimorando a cobrança e aumentando as receitas do Estado.

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Graças a outra medida de Domiciano, pela primeira vez na História de Roma, foi possí­vel ter alguma previsão dos gastos e receitas futuras, estabelecendo-se uma espécie de orçamento público embrionário.

Devido ao grande incêndio no reinado de Nero, às devastações da guerra civil  causadas durante o Ano dos Quatro Imperadores e a um outro incêndio, ocorrido em 80 D.C., Domiciano determinou que se executasse um grande projeto de reconstrução dos monumentos destruí­dos, incluindo o vetusto Templo de Júpiter Optimus Maximus, no Capitólio (foto abaixo), que foi coberto com um magní­fico telhado de bronze dourado. No total, cerca de 50 edifí­cios importantes seriam reconstruí­dos ou reparados, caracterizando um recorde entre os imperadores romanos.

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Mas novos edifí­cios também foram erguidos, como o Palácio de Domiciano, parte do complexo palaciano da Domus Flaviae, e o enorme Estádio de Domiciano, onde eram disputados os Jogos Agonais (Agone), e que cujo formato, preservado entre as arquibancadas substituídas por sobrados, daria origem, na Idade Média, à atual Praça Navona (cujo nome vem de “Piazza in Agone“).

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Além de reformar a paisagem urbana de Roma, Domiciano, que se revelou um moralista, também pretendeu reformar os costumes romanos, os quais ele julgava degradados. Em 85 D.C., ele se autoproclamou “Censor Perpetuus“, ou seja, censor vitalí­cio, com a atribuição de supervisionar a moral e os bons costumes. Isso incluí­a velar pela observância dos rituais da religião tradicional de Roma, cuja ortodoxia e pureza ele pretendia restaurar. Assim, Domiciano proibiu a castração de meninos e o comércio de eunucos em todo o Império Romano.

Fontes relatam que Domiciano era particularmente hostil ao Judaí­smo e não é à toa que autores cristãos (religião que, para muitos romanos, aparentava ser apenas uma seita judaica), apontam aquele imperador como um dos grandes perseguidores do Cristianismo. Não há, contudo, nas fontes romanas, evidência de nenhuma perseguição oficial à religião cristã. Com relação aos Judeus, contudo,  é certo que eles foram alvo de um aumento nas taxas e impostos cobrados.

Domiciano também estabeleceu os Jogos Capitolinos, em homenagem a Minerva, a deusa da sabedoria, que ele considerava ser a sua divindade protetora, e a Júpiter.

Uma medida que causou comoção na época (87 D.C.) foi a ressuscitação da arcaica punição às Virgens Vestais que quebrassem o voto de castidade – a de serem enterradas vivas – o que não ocorria havia séculos, mesmo durante a República.

O imperador também renovou a Lex Iulia de Adulteriis Coercendis, que punia com exílio o adultério, e vários senadores foram processados por condutas consideradas imorais, incluindo homossexualismo.

Não obstante, Suetônio registra que, em 83 D.C., a imperatriz Domícia Longina teve um caso com um ator chamado Páris, que, por  causa disso, teria sido morto pelo próprio imperador em pessoa.

Como punição, Domícia Longina foi exilada. Neste mesmo ano, também morreria o único filho do casal. Talvez corroído pelo remorso, Domiciano chamou de volta Longina, e os dois voltaram a viver juntos. Ou quem sabe, talvez a morte do menino tenha sido a causa do exílio e o adultério não tenha ocorrido.

O detalhismo da polí­cia de costumes de Domiciano chegou ao nível de exigência de que os cidadãos romanos usassem togas nos espetáculos públicos, muito embora essa vestimenta tradicional estivesse em desuso, pois era cara para os pobres e desconfortável para todos usarem. A orientação autocrática e moralista do reinado também ficou patente no agravamento da punição aos que escrevessem textos considerados ofensivos ao Imperador e na proibição de sátiras e comédias com teor crítico, chegando à completa proibição da apresentação de Mimes, uma espécie de teatro de comédia vulgar e grosseira, onde frequentemente as figuras públicas eram satirizadas.

No entanto, a corrupção no serviço público foi duramente combatida, havendo muitos casos de punições a juízes acusados de receberem propinas, uma queixa recorrente.

Nas províncias, Domiciano também aprimorou a taxação e majorou impostos, mas, em contrapartida, ele criou o cargo de “Curator” (Curador) para investigar casos de má administração nas cidades do Império. Domiciano também construiu várias estradas na Ásia Menor, Sardenha e Danúbio, e melhorou as instalações defensivas no Norte da África.

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No serviço público, Domiciano privilegiou a nomeação de cidadãos da classe dos Equestres, e até mesmo de libertos, para os cargos mais importantes, em detrimento da classe senatorial. Para alguns autores, as más experiências que Domiciano deve ter tido no Senado, durante os eventos que resultaram na morte de seu tio Sabino e também durante os reinados de Vespasiano e Tito, predispuseram o imperador contra os senadores.

Assim, o imperador, seguindo a tendência inaugurada por Cláudio, administrava o Império auxiliado por um conselho privado que frequentemente se reunia na Vila de Domiciano, na cidade de Alba, a cerca de 20 km de Roma (ou seja, para os padrões antigos, a no mí­nimo uma hora de viagem de Roma, a todo galope ou mais de duas, de carruagem). Esse conselho era composto por amigos (amicii), libertos do imperador e  altos funcionários, como os prefeitos urbano e da guarda pretoriana. Domiciano também manteve a política adotada pelo pai e de pelo irmão de reservar o exercí­cio dos consulados majoritariamente para o imperador, seus filhos e parentes.

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Criptopórtico, ou passagem subterrânea, da Villa de Domiciano, em Alba

Indubitavelmente,  todas as medidas citadas caracterizavam uma guinada para um principado absolutista e centralizador. E tudo isso se coadunava com uma ênfase na sacralização da figura do monarca. Não é a toa de que uma das maiores crí­ticas dos autores antigos é a mencionada predileção por parte de Domiciano do tratamento de “Dominus et Deos(“Senhor e Deus”), o qual, contudo, até onde se averiguou, jamais constou de documentos oficiais.

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Estátua de bronze dourado de Domiciano, retratado como Hércules

Como era de se esperar, essa forma de governar adotada por Domiciano em nada contribuiu para melhorar as relações do imperador com o Senado Romano. Os reinados de Tibério, Calí­gula e Nero, sem falar nos eventos que levaram ao assassinato de Júlio César, tinham já mostrado que os senadores viam a si mesmos como uma classe que tinha direito manifesto a prerrogativas, poderes, cargos e influência no Estado, cuja preterição gerava atritos entre o imperador e o Senado. Augusto havia entendido isso o suficiente para criar um sistema em que, ainda que de forma condescendente e não equânime, uma parcela do poder do Estado Romano era dividida entre o Imperador e o Senado, que continuou intitulado a governar certas Províncias, a poder ocupar as mais altas magistraturas e, não menos importante, a ser merecedor de tratamento deferente pelo Príncipe (“Princeps” –tí­tulo que, sintomaticamente, tem em sua origem o significado de “primeiro senador”).

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Com efeito, em várias passagens dos livros de história podemos inferir que, para os senadores, tão importantes quanto o poder de fato eram a deferência e as honrarias…E a personalidade arredia de Domiciano tornou as relações com o trono mais difí­ceis…Ele, segundo as fontes, gostava da solidão, possivelmente um traço adquirido pelo afastamento de seus pais na infância.

Há uma anedota, contada por Suetônio, de que, durante o tempo em que Domiciano passava trancado em seu gabinete, nos intervalos de trabalho, ele se distraí­a capturando moscas e traspassando-as com um fino estilete. Então, jocosamente, quando alguém chegava para despachar e perguntava se havia alguém com o Imperador, os porteiros respondiam:

Nem uma mosca…

As fontes descrevem Domiciano como sendo frio, distante, arrogante e, por vezes, insolente e cruel. Esses traços, somados às medidas autocráticas, desgastaram as relações com o Senado e, certamente, não lhe granjearam amizades nesta assembleia. Vale notar que: medidas como a punição dos maus administradores e juízes, o afastamento de homossexuais do Senado, e a execução das Virgens Vestais que violavam a sua castidade, atingiam, precipuamente, os membros da elite senatorial. Entretanto, nos oito primeiros anos do reinado de Domiciano aparentemente não houve conspirações…

Enquanto isso, Domiciano dedicou muita atenção à polí­tica exterior e aos assuntos militares e ele aumentou o pagamento do soldo dos militares de 300 para 400 denários.

Em 82 D.C., as legiões sob o comando de Cneu Júlio Agrí­cola derrotaram as tribos no norte da Britânia, chegando até a costa oposta à Irlanda. Há quem sustente que os romanos chegaram até a fazer uma expedição na referida ilha. Posteriormente, no verão de 84 D.C., Agrí­cola derrotou os Caledônios,, os quais se refugiaram nas Terras Altas da atual Escócia (Highlands). Depois, em 85 D.C., apesar do sucesso desta campanha, Agrícola foi chamado de volta à Roma.

Segundo o historiador Tácito, que era genro de Agrí­cola e escreveu uma obra sobre a vida do sogro, o motivo do retorno foi o ciúme de Domiciano de que as conquistas de Agrí­cola ofuscassem o duvidoso triunfo que Domiciano tinha celebrado pela vitória contra a tribo germânica dos Catos, que tinham atacado a Gália.

Porém, mesmo que Domiciano tivesse a intenção de promover uma grande campanha contra os Catos, visando obter uma vitória completa, a mesma foi por água abaixo devido a invasão da Província da Moésia pelos Dácios, em 85 D.C. os quais chegaram a matar o governador romano da proví­ncia. 

A campanha contra os Dácios, que no início chegou a contar com a presença de Domiciano, terminou com a vitória parcial dos romanos, comandados por Cornélio Fusco, em 86 D.C. Porém, pouco tempo depois, os Dácios novamente voltaram a atacar os romanos, ocasião em que a Legião V, comandada por Fusco, foi destruída, morrendo seu comandante. Os Dácios, posteriormente, foram derrotados pelo general Tettius Julianus (Segunda Guerra Contra os Dácios), sem que, contudo, a capital dácia, Sarmizegetusa, fosse tomada.

Provavelmente devido à crescente pressão na fronteira do Danúbio, devido a guerra contra os Dácios e incursões dos Suevos e Sármatas, somada à agressão dos Catos, Domiciano foi obrigado a ordenar uma retirada total das tropas romanas na Caledônia, recuando a fronteira romana uns 120 km para o sul da ilha da Grã-Bretanha.

O fato é que o Exército Romano não podia mais se dar ao luxo de luxo de se comprometer em uma guerra em dois fronts, sendo que a relação custo-benefício de manter a Caledônia não justificava a manutenção daquele território.

E Domiciano, realmente,  deve ter avaliado que a situação estratégica no momento também não recomendava o comprometimento total do exército com uma campanha no Danúbio, pois, logo após a cessação dos combates contra os Dácios ele assinou com eles um tratado de paz no qual Roma concordava em pagar ao rei Decébalo um subsídio anual de oito milhões de sestércios, uma concessão  que foi muito criticada pelos autores antigos.

Desse modo, os Dácios somente seriam conquistados pelos romanos em 106 D.C., pelo imperador Trajano, em uma campanha que de fato  revelou-se durí­ssima.

CONSPIRAÇÃO CONTRA DOMICIANO

Como tantas vezes se veria na História do Império Romano, a combinação de insucessos militares com a impopularidade de um imperador entre os Senadores  teve como resultado uma conspiração para assassinar o monarca. Assim, no iní­cio do ano de 89 D.C., o general Lúcio Antônio Saturnino, um senador que comandava duas legiões na Germânia Superior, foi proclamado imperador pelas suas tropas, na cidade de Moguntiacum (atual Mainz, na Alemanha).

Saturnino, muito provavelmente, fazia parte de um grupo de senadores insatisfeitos com o reinado de Domiciano. Ele esperava que o governador da Germânia Inferior, o também senador Aulus Lappius Maximus, se juntasse à rebelião, mas este comandante se manteve fiel ao imperador. Para piorar, os esperados reforços de tribos aliadas germânicas foram impedidos de cruzar o rio Reno devido a uma cheia.

Assim, as tropas rebeldes acabaram sendo derrotadas pelos soldados leais ao imperador na Batalha de Castellum, e Saturnino foi executado. Note-se que a conduta de Aulus Lappius de queimar as cartas apreendida em poder de Saturnino é um forte indício de que havia outros senadores envolvidos na trama, em Roma.

Todavia, a revolta de Saturnino exacerbou os já existentes traços de paranoia que já estavam sendo notados em Domiciano. De fato, embora possa ter havido algumas execuções de senadores anteriores a 89 D.C, considera-se que o “reinado de terror” atribuído a Domiciano efetivamente começou após à referida conspiração.

No ano seguinte, Domiciano dividiu o consulado com o veterano senador Marco Cocceio Nerva (o futuro imperador Nerva), um jurista que, mais de vinte anos antes, havia ajudado Nero a desbaratar a chamada Conspiração Pisoniana.

No chamado “reinado de terror” de Domiciano, cerca de onze senadores foram executados, por motivos variados. Para se ter uma comparação, o imperador Cláudio executou 35 senadores durante o seu reinado, e, mesmo assim, ele  foi deificado pelo Senado após a sua morte. E o imperador Adriano, logo no primeiro ano de seu reinado, executou quatro, mas os historiadores não se referem a tais execuções como um período de “terror”..

A propósito, consta que Domiciano, certa vez,  teria dito:

“Os imperadores são a gente mais desafortunada, pois, quando eles descobrem uma conspiração, ninguém lhes dá crédito, a não ser que eles sejam assassinados…”.

Mas o motivo alegado para essas execuções dos senadores nem sempre foi o envolvimento deles com conspirações: No caso do primo de Domiciano, Tito Flávio Clemente, um ex-Cônsul, a acusação era de sacrilégio contra a religião romana. Os historiadores acreditam que Clemente se converteu ao Judaí­smo ou ao Cristianismo. Devido a essa acusação, a esposa dele, Flávia Domitila, que era sobrinha de Domiciano, foi banida para uma ilha remota. Essa Flávia Domitila, de quem já falamos acima, era filha da irmã de Domiciano e é mencionada na História Eclesiástica, do bispo cristão Eusébio de Cesaréia, escrita no século IV D.C., como sendo uma mártir cristã que morreu no exílio na ilha de PonzaI e filha da irmã do cônsul Flávio Clemente.

Curiosidade: Há quem associe Tito Flávio Clemente com o Papa Clemente,que depois passou a ser venerado como São Clemente pela Igreja Católica. De fato, uma inscrição teria sido encontrada, durante o Renascimento, nos subterrâneos da Basí­lica de São Clemente, em Roma, contendo a inscrição “T. Flavius Clemens, vir consularis”. Assim, 60 anos após a execução de Jesus Cristo e o início da pregação pelos seus apóstolos, a nascente religião já teria, ao menos, alguns adeptos nas mais altas esferas da sociedade romana.


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Entrada lateral da Basílica de São Clemente, em Roma

ASSASSINATO DE DOMICIANO

Em 96 D.C., até os auxiliares mais próximos de Domiciano estavam apreensivos com o comportamento cada vez mais paranoico do imperador. E a insatisfação do Senado atingiu o limite e, assim,  tudo estava pronto para uma nova conspiração com o objetivo de libertar Roma daquele que eles consideravam ser um odiado tirano.

Com efeito, Domiciano tinha mandado executar seu camareiro, Epafrodito e o substituto deste, Partênio, prevendo que não demoraria muito para que ele sofresse o mesmo destino, contactou um liberto do imperador, Maximus, e Stephanus, que era o secretário pessoal da imperatriz Flávia Domitila

Já premeditando a execução do assassinato, Stephanus tinha simulado um ferimento no braço dias antes, com o objetivo de poder esconder embaixo da atadura uma adaga. Para ter um motivo para ser recebido, Stephanus fez chegar ao imperador a informação de que ele tinha descoberto uma trama para assassinar Domiciano, e lhe traria as provas.

Assim, quando Stephanus foi admitido no quarto do imperador, ele aproveitou o momento em que Domiciano estava distraído, lendo o documento que provaria a suposta conspiração, e cravou a adaga na virilha dele. Mesmo ferido, Domiciano conseguiu escapar e apanhar uma adaga. Seguiu-se uma luta feroz, em que Stephanus e Domiciano rolaram pelo chão do aposento. Então, no meio do combate, Stephanus foi ajudado por Maximus e por Satur, um colega do camareiro Partênio, que tinham lhe acompanhado ao quarto imperial. Após levar sete golpes de adaga, Domiciano faleceu, mas não sem antes levar consigo o próprio Stephanus, que também havia sido golpeado pelo imperador.

Domiciano tinha 44 anos de idade quando morreu.

EPÍLOGO

O Senado Romano imediatamente aclamou o  velho senador Marco Cocceio Nerva como imperador, que, por já ser bem idoso e não ter filhos, parecia o candidato mais capaz de ser aceito por todas as facções senatorias e, principalmente, pelo Exército. Aliás, é bem provável que esta solução já fosse apoiada pelos generais mais influentes, entre os quais se destacava Públio Élio Trajano

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O Senado também decretou que a memória de Domiciano devia ser banida (procedimento conhecido como “damnatio memoriae” e que implicava em apagar inscrições, destruir estátuas e qualquer referência oficial ao nome do imperador).

O cadáver de Domiciano foi levado embora do seu palácio e cremado por iniciativa de sua ex-babá Phyllis, que, tudo indica, nunca se afastou de Domiciano. As cinzas dele foram depositadas no Templo dos Flávios, situado na colina do Quirinal, em Roma.

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O Templo dos Flávios, no Quirinal, foto de Cassius Ahenobarbus

CONCLUSÃO

Os historiadores modernos tendem a favorecer uma revisão do reinado de Domiciano, que foi um governante aplicado e que adotou várias medidas racionais. A imagem negativa dele hoje é considerada por muitos como fruto da antipatia do Senado Romano, valendo observar que os historiadores romanos que escreveram sobre Domiciano, tais como Suetônio, Tácito e Dião Cássio, ou eram todos senadores, como os dois últimos, ou auxiliares próximos à  dinastia que sucedeu Domiciano, como é o caso de Suetônio.

O texto desses historiadores da classe senatorial costuma dividir os imperadores romanos entre “Bons” e “Maus“, sendo que, invariavelmente, os “Bons” são aqueles que mantiveram relações amistosas com o Senado Romano. Já os ‘Maus” são todos aqueles que desrespeitaram as prerrogativas dos senadores ou perseguiram os seus integrantes. Ironicamente, Tácito e Suetônio foram homens que começaram a sua carreira pública no reinado de Domiciano, mas que escreveram as suas histórias no reinado do sucessor de Nerva, o muito apreciado Trajano.

Assim, a nova dinastia tinha todo o interesse em se legitimar comparando-se com uma imagem necessariamente negativa do reinado de Domiciano, e para isso, ela contou com a pena solícita dos historiadores da classe senatorial.

Entretanto, o estudo do reinado de Trajano, considerado o “Melhor dos Príncipes” (Optimus Princeps) pelo Senado, nos mostra, que, em diversos setores, ele deu continuidade a muitas das iniciativas de Domiciano

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A foto foi tirada no ano de 2003, em Pont du Gard, próximo à cidade francesa de Nîmes, no Sul da França. A Ponte-Aqueduto sobre o rio Gard é uma das obras-primas da engenharia romana. Eu fui um dos últimos a entrar neste sítio, naquele dia de final de outono. A pessoa que pode ser vista no cantinho superior da foto é minha esposa. Nós tivemos a oportunidade de andar praticamente sozinhos pelo sítio e de certa forma ter a mesma sensação de admiração e reverência que  teria um viajante medieval que percorresse aquele caminho e topasse com aquela construção magnífica, testemunho de uma  antiga e mais sofisticada civilização.

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A BATALHA DO RIO FRÍGIDO

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(Batalha do Rio Frígido, ilustração de Angus McBride)

Em 05 de setembro de 394 D.C, o exército do Imperador Romano do Oriente, Teodósio, o Grande,  após marchar pela província da Ilíria e atravessar os Alpes Julianos, chegou no Rio Frigidus (o rio que separa o que hoje é a Eslovênia da Itália).

Quando o exército oriental chegou, já estavam acampadas no local as tropas do usurpador Eugênio, comandadas pelo general de origem franca, Arbogaste, o homem-forte do Império Romano do Ocidente, e padrinho da nomeação de Eugênio, com o objetivo de darem combate a Teodósio.

A cadeia de eventos que levou ao conflito começa em 383 D.C,com a morte do imperador Graciano, que foi assassinado em Lyon, após não conseguir debelar a revolta do general da Britânia, Magnus Maximus,

Desaparecido Graciano, o vitorioso Maximus resolveu marchar contra Valentiniano II, o jovem meio-irmão de Graciano, que o havia reconhecido como co-imperador por pressão dos generais francos. quando ele sucedeu ao pai de ambos, o grande Valentiniano I, em 375 D.C.

Por sua vez, o imperador Teodósio, (que havia sido elevado ao trono do Oriente por Graciano após a morte em combate de seu outro irmão, Valente, na desastrosa Batalha de Adrianópolis, em 378 D.C), pressionado pelas circunstâncias, acabou concordando em reconhecer Maximus como o novo imperador das províncias ocidentais, que até então tinham sido governadas por Graciano, mas sob  a condição de que Maximus reconhecesse Valentiniano II como co-imperador no Ocidente. Continuaria a haver, portanto, dois imperadores romanos no Ocidente.

Esse acerto durou até 387 D.C, quando Maximus resolveu invadir a Itália para derrubar Valentiniano II e, assim, assumir o controle total do Ocidente. Dessa vez, contudo, Teodósio resolveu intervir e, após reunir as suas tropas com as de Valentiniano II, as quais eram comandadas pelo general Arbogaste, e também valendo-se da ajuda dos seus aliados visigodos e mercenários hunos,  ambos conseguiram derrotar Maximus, na Batalha de Siscia, em 388 D.C.

Oficialmente, portanto, o novo imperador único do Ocidente passara a ser Valentiniano II,  que tinha apenas 17 anos de idade. Porém, o poder de fato no Ocidente estava nas mãos do general de origem franca Arbogaste, que ocupava o cargo de Comandante-em-chefe da Infantaria (Magister Peditum Praesentalis).

Católico devoto e adepto do credo Niceno, durante o seu reinado Graciano promoveu muito a Igreja, ao ponto de instituir o catolicismo como a religião oficial do Império Romano, no Edito de Tessalonica e chegando a ordenara a retirada do ancestral Altar da deusa Vitória da cúria do Senado, em Roma, sob protestos dos senadores pagãos, que ainda eram muito influentes na antiga capital do Império. Quando estes apelaram a Valentiniano II para que o altar fosse restaurado, Ambrósio, o poderoso bispo de Milão, que instigara aquela medida, convenceu o jovem imperador a negar o pedido senatorial.

Enquanto isso, Valentiniano II atingiu a idade adulta e começou a se ressentir do papel de virtual imperador-fantoche de Arbogaste, que além disso parecia nutrir simpatias pelos senadores pagãos.

A tensão entre o imperador e seu comandante-em-chefe aumentou ainda mais quando Valentiniano II resolveu demitir Arbogaste do cargo de Marechal da Infantaria do Ocidente. Consta que ao receber do imperador a ordem escrita, Arbogaste, teria respondido:

Não foi você quem me deu o meu comando e tampouco é você quem pode tirá-lo de mim”,

E, em seguida ao desaforo, Arbogaste jogou a carta no chão, dando as costas ao imperador perplexo, e  retirou-se do recinto!

Pouco tempo depois desse incidente, Valentiniano II foi encontrado morto em seus aposentos imperiais, tendo as suspeitas naturalmente recaído sobre Arbogaste, embora uma fonte relate que o imperador teria se suicidado, deprimido pela impossibilidade de confrontar o poderoso general.

O fato é que Arbogaste conseguiu manter o seu poder e fez o Senado Romano nomear o inexpressivo Eugênio, um funcionário palaciano que era professor de Retórica, como o novo Imperador do Ocidente. Esta nomeação foi, inicialmente, tolerada por Teodósio. Não obstante, à míngua de um reconhecimento formal por parte do legítimo Imperador do Oriente, Eugênio é considerado pelos historiadores como um usurpador.

Entretanto, Eugênio e Arbogaste aproximaram-se da influente facção pagã do Senado Romano,  que vinha patrocinando um renascimento do paganismo em Roma, autorizando, inclusive, a reabertura dos templos e a celebração de rituais pagãos em Roma, culminando com a restauração do Altar da Vitória na Cúria do Senado, ato que enfureceu o influente bispo Ambrósio e deixou Teodósio em uma posição politicamente difícil na ortodoxa Constantinopla.

Considera-se que esse episódio configurou a última tentativa  de se restaurar a proeminência do paganismo no Império Romano.

Em função desses acontecimentos, em 393 D.C, Teodósio concedeu oficialmente ao seu filho, Honório o título de Augusto no Ocidente, isto é, reconhecendo-o como Imperador, o que significava, obviamente, o rompimento com Arbogaste e o seu imperador-fantoche, Eugênio.

Em seguida, o devoto Imperador Romano do Oriente decidiu acabar com o renascimento pagão e começou a se preparar para invadir o Ocidente e entrar na Itália para derrubar Eugênio e Arbogaste. Teodósio, então, iniciou os preparativos para a guerra iminente, reunindo um exército, e até recrutando e treinando como soldados cidadãos romanos, em uma iniciativa que não ocorria com empenho desde a destruição do exército do Oriente pelos visigodos na Batalha de Adrianópolis, 15 anos antes.

Em 394 D.C., o novo exército romano do Oriente estava pronto e, sob o comando do próprio Teodósio e do fiel general Estilicão, ele deixou Constantinopla rumo à fronteira do Oriente com o Ocidente, que ficava na Ilíria (o território ocidental começava no que hoje é a Sérvia).

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O rei Alarico recebeu ordens para que os seus visigodos, que viviam nas terras do Império do Oriente sob a condição de foederati (federados) juntassem-se à ofensiva.

O avanço pelas províncias limítrofes foi fácil, assim como a passagem pelos Alpes Julianos, pois Arbogaste decidiu esperar o ataque próximo à cidade de Aquileia, no norte da península.

Durante os preparativos do exército ocidental para a batalha, ficou claro que o renascimento pagão era a mola inspiradora da campanha: Eugênio e Arbogaste ordenaram que uma estátua do deus Júpiter fosse colocada nos limites do acampamento e que os estandartes das tropas ostentassem imagens de Hércules.

Assim que alcançou o Rio Frigidus, no dia 05 de setembro de 394 D.C., Teodósio viu as tropas ocidentais acampadas e mandou os visigodos atacarem. Entretanto, o terreno era desfavorável e metade dos soldados bárbaros morreu neste ataque (totalizando cerca de 10 mil baixas). Observe-se que, com esta ação, segundo alguns estudiosos acreditam, Teodósio intencionalmente quis enfraquecer os visigodos, para diminuir a grande e duradoura ameaça que eles vinham representando ao Império, apesar deles,  momentaneamente, estarem do seu lado.

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(Rio Vipava, na Eslovênia, chamado pelos romanos de rio Frigidus, foto de Johann Jaritz )

No dia seguinte, 06 de setembro de 394 D.C.,, Arbogaste, achando que o exército de Teodósio não se recuperaria do revés sofrido, mandou uns destacamentos atacarem o acampamento oriental, Porém, o que ele não esperava é que o matreiro Teodósio subornaria os soldados enviados para essa ataque, os quais acabaram juntando-se ao exército oriental.

Em seguida, enquanto Teodósio deslocava o seu exército por uma passagem estreita, Arbogaste ordenou  um ataque de emboscada Porém, no exato momento em que os soldados dele iriam atacar, soprou com força de tempestade o característico vento daquela região, chamado até hoje de Bora, jogando uma grande quantidade de poeira nos olhos dos atacantes, atrapalhando-os de tal forma que eles foram desbaratados pelos soldados orientais.

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Assim, as tropas de Teodósio, com seus escudos decorados com o monograma chi-ro (XP), iniciais em grego de “Cristo” derrotaram o exército de Eugênio, com seus escudos com a imagem de Hércules, fato que os propagandistas cristãos fartariam-se de cantar em prosa e verso.

O próprio Eugênio foi capturado e implorou clemência. Porém, após ser exibido em várias cidades como troféu de guerra, ele foi decapitado. Já Arbogaste, conseguiu fugir por alguns dias, vagando pelos Alpes, mas, após reconhecer que estava em um beco sem saída, ele acabou cometendo suicídio.

Como resultado da batalha, Teodósio passou a reinar sobre as duas metades do Império Romano, mas não por longo tempo, pois ele morreria no ano seguinte, de causas naturais, em 395 D.C, sendo sucedido por seu filho, Arcádio, no trono oriental. No trono do Ocidente, Teodósio, após a vitória no rio Frígido, instalou Honório, no lugar de Eugênio.

Alarico, convicto de que os godos eram os que mais tinham se sacrificado pela vitória de Teodósio na Batalha do Rio Frígido, após a morte deste imperador passou a exigir altas recompensas para si e para o seu povo, mas não obteve o reconhecimento pretendido. Ele seria duramente confrontado por Estilicão, que durante muito tempo seria o homem-forte do Império Romano, nos anos que se seguiram, mas, após a execução deste, o rei visigodo acabou dando  um golpe terrível nos romanos, ao executar o Saque de Roma, em 410 D.C.

RÔMULO AUGÚSTULO E O FIM DO IMPÉRIO ROMANO DO OCIDENTE

Em 04 de setembro de 476 D.C., o bárbaro Odoacro, chefe militar dos Hérulos, e comandante de um exército de mercenários a serviço de Roma, depôs o jovem Imperador do Ocidente, Rômulo Augústulo, em sua capital Ravena, enviando-o para viver em paz próximo a Nápoles, e ainda com o direito de receber uma pensão anual.

Em seguida, Odoacro, ao invés de escolher um fantoche para ser o novo Imperador Romano do Ocidente, como vinha sendo o costume nos últimos 20 anos, devolveu as insígnias imperiais ao Imperador Romano do Oriente, Zenão I, em Constantinopla, em um gesto que caracterizou o que a maioria dos historiadores considera como o fim do Império Romano do Ocidente  (27 A.C-476 D.C.). Não obstante, Zenão, embora tenha aceitado as insígnias, nunca reconheceu Rômulo Augustúlo como imperador legítimo, mas sim Júlio Nepos, que, naquele momento, controlava a Dalmácia, e ali se manteve até  480 D.C., quando foi assassinado.

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Então, para a historiografia tradicional, a data de 04 de setembro de 476 D.C. passou a marcar o fim da Antiguidade e o começo da Idade Média, muito embora discuta-se, e com propriedade, se efetivamente ela representa o fim do Império do Ocidente, pois há várias opiniões respeitáveis defendendo que o que se chama de Queda do Império Romano não teria sido um evento, mas sim, um processo, o qual já tinha começado muito antes da referida data, e que, no ano de  476 D.C ainda não estaria terminado, um entendimento que, aliás, também pode ser aplicado ao próprio Mundo Antigo.

Flavius Romulus (Rômulo Augústulo) era filho do general e político romano Orestes, um cidadão romano natural da Panônia, que ascendeu no serviço público graças às suas ligações com os Hunos (ele chegou a ser notarius (secretário) de Átila, o Huno).

Orestes foi nomeado Comandante do Exército Romano do Ocidente (Magister Militum) por Júlio Nepos, que por sua vez havia sido nomeado Imperador Romano do Ocidente por Leão I, o Imperador Romano do Oriente que reinava em Constantinopla, no início de 474 D.C., para substituir Glicério, um governante que era considerado um usurpador pela corte oriental.

Porém, Orestes tinha outros planos e,  aproveitando-se do fato do Império Romano do Oriente estar conflagrado pela luta entre Zenão I, o sucessor de Leão I, e o usurpador Basilisco, o general,  valendo-se das tropas bárbaras que comandava,  depôs Júlio Nepos, o qual teve que fugir para a Dalmácia.

No lugar de Júlio Nepos, o general Orestes, em 31 de outubro de 475 D.C., proclamou imperador o seu próprio filho, que adotou o nome de Flavius Romulus Augustus. Porém, como o rapaz somente tinha 15 anos de idade, ele logo ficaria conhecido como Romulus Augustulus, ou, traduzindo, “Rômulo, o Pequeno Augusto“, que foi reconhecido pelo Senado Romano. De fato, naquele momento, os senadores italianos pareciam mais satisfeitos em manter-se livres da influência da corte de Constantinopla do que livrar-se da ameaça dos bárbaros germânicos..

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Contudo, quando da aclamação de Rômulo Augústulo, os únicos territórios que o Império Romano do Ocidente controlava, além da Itália, eram alguns pequenos enclaves na Gália e na Ilíria. Consequentemente, um dos principais problemas causados pela exiguidade desse território apresentou-se de imediato: a completa insuficiência da arrecadação de impostos…Assim, não tendo dinheiro para pagar os bandos de bárbaros que constituíam o que ainda se chamava de Exército Romano, uma revolta contra o novo imperador não tardou a acontecer.

Sem pagamento, uma coalizão de mercenários germânicos, majoritariamente Hérulos e Scirii exigiu que lhes fossem dadas terras correspondentes a um terço do território da Itália, aclamando o seu comandante, Odoacro, como “Rex Italiae” (Rei da Itália). Orestes, cujo poder e reconhecimento dependiam do apoio e do reconhecimento do Senado Romano, recusou.

Em 28 de agosto de 476 D.C. Orestes foi capturado pelas tropas comandadas por Odoacro e executado, próximo à Piacenza. Os mercenários avançaram contra Ravena, a capital do Império do Ocidente, que, apesar de uma breve resistência dos poucos soldados romanos que restavam, caiu, em 2 de setembro de 476 D.C.

Dois dias depois, Odoacro compeliu o jovem Rômulo Augustúlo a abdicar. Consta, todavia, que Odoacro, tomado de pena e também impressionado com a beleza do rapaz, decidiu poupar o imperador deposto e enviou-o para viver em uma vila romana fortificada no que hoje é a cidade de Nápoles, recebendo uma pensão de seis mil solidii de ouro. Essa villa, que havia pertencido ao riquíssimo aristocrata romano Lucius Licinius Lucullus (Lúculo), no século I A.C., hoje é o medieval Castello dell’Ovo (na foto abaixo)

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Em seguida Odoacro, marcando uma ruptura com uma prática de décadas, ao invés de colocar um fantoche seu no trono do Império Romano do Ocidente, resolveu aceitar o título de “Rei da Itália”, com o apoio implícito do Senado Romano.

Com efeito, Odoacro mandou devolver ao Imperador Romano do Oriente as insígnias imperiais, que, acredita-se, compunham-se principalmente do cetro e da coroa. Uma embaixada de senadores levou os objetos enviados por Odoacro até Constantinopla, acompanhada da mensagem do Senado Romano :

” A majestade de um monarca único é suficiente para proteger, ao mesmo tempo, o Mundo”

Ao aceitar as insígnias, consta que Zenão I respondeu aos senadores italianos, em tom de reprimenda:

“Que os romanos do Ocidente tinham recebido dois homens enviados pelo Império do Oriente, expulsando um e matando o outro, Antêmio…”

Odoacro, entretanto, agiu de modo prudente e respeitoso para com o trono oriental, e continuou mantendo as aparências externas de que ele, no máximo, tornara-se um rei-cliente do Império Romano do Oriente…Com efeito, ele até cunhou moedas ostentando o nome do Imperador Zenão I.

Porém, Odoacro ignorou solenemente o mais importante dos pedidos do Imperador: a de que ele reconhecesse Júlio Nepos como o legítimo Imperador Romano do Ocidente. Nisso, com certeza, ele teve o apoio do Senado de Roma, que passou a cooperar intimamente com ele na administração da Itália.

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As evidências indicam que, em 507 D.C., Rômulo Augústulo ainda recebia uma pensão, que teria sido mantida pelo rei ostrogodo Teodorico, o Grande, que havia conquistado a Itália, após derrotar Odoacro, fundando o Reino Ostrogodo, que duraria até a reconquista da Itália pelo imperador Justiniano I, em 554 D.C.

Em uma grande ironia do destino, o jovem soberano, que tanto tinha o nome do lendário fundador de Roma, Rômulo, como também o do fundador do Império Romano, Augusto, terminou sendo o último soberano do Império Romano do Ocidente…

FIM

ANTÊMIO

Em 11 de julho de 472 D.C, o imperador romano do Ocidente, Antêmio, após tentar se refugiar na antiga Basílica de São Pedro, na colina do Vaticano, em Roma, foi capturado e decapitado por Gundobado, o Burgúndio, sobrinho do general bárbaro a serviço de Roma, Ricimero.

Moeda (solidus) de Antêmio, imperador. Foto Classical Numismatic Group, Inc. http://www.cngcoins.com, CC BY-SA 2.5 https://creativecommons.org/licenses/by-sa/2.5, via Wikimedia Commons

ANTECEDENTES E CARREIRA DE ANTÊMIO

Procópio Antêmio era filho de Procópio (Vamos chamá-lo aqui de Procópio Pai), um general que ocupou o posto de Marechal do Império Romano do Oriente para as províncias orientais (Magister Militum per Orientem). Procópio Pai, por sua vez, era descendente de outro Procópio (ao qual chamaremos aqui de Procópio, o Velho), que era primo do imperador romano Juliano (cognominado “o Apóstata“, pelos historiadores cristãos), e, após a morte deste na fracassada expedição contra o Império Persa, em 363 D.C (da qual Procópio, o Velho participou e, por motivos até hoje ignorados, não conseguiu unir a sua coluna à expedição comandada pelo imperador). Após a morte súbita de Joviano, o sucessor de Juliano, e a ascensão de Valentiniano I e do irmão dele, Valente, respectivamente, ao trono da Parte Ocidental e Oriental do Império Romano, este Procópio, o Velho se autoproclamou Imperador, tornando-se, assim, um usurpador, mas foi derrotado, capturado e executado, em 366 D.C. Portanto, considerando que Juliano era sobrinho do Constantino, o Grande, pode-se considerar que Antêmio era um dos últimos integrantes, ainda que distante, da prestigiosa dinastia constantiniana.

Por parte de mãe, Antêmio era neto de outro famoso Antêmio (vamos chamá-lo aqui de Antêmio, o Velho), o Prefeito Pretoriano do Oriente (404 a 415 D.C) que, após a morte do Imperador Romano do Oriente, Arcádio, em 408 D.C, na prática foi o regente e virtual governante de metade oriental do Império Romano durante a infância do sucessor deste, Teodósio II. Neste papel, Antêmio, o Velho foi o responsável pela construção das inexpugnáveis Muralhas Teodosianas, que protegeriam a capital por mais de um milênio. A família dos Antêmios estava solidamente estabelecida no seio da aristocracia romana oriental, pois Flavius Philippus, o avô de Antêmio, o Velho, também havia sido Prefeito Pretoriano do Oriente, em 346 D.C, e Cônsul, em 348 D.C., durante o reinado do imperador Constâncio II.

Muralhas Teodosianas, erguidas por Antêmio, o Velho, em Constantinopla. Foto A.Savin, FAL, via Wikimedia Commons

Não se sabe o ano exato que Antêmio nasceu, mas deve ter sido durante o início da década de 420 D.C, época em que seu pai ocupou cargos importantes e se casou com sua mãe, que era filha do poderoso Antêmio, o Velho.

Com tamanho “pedigree“, não espanta que Antêmio tenha recebido uma excelente formação, seguindo a tradição dos jovens da aristocracia romana: ele foi enviado para estudar em Alexandria na famosa escola do filósofo neoplatônico Proclo, que também era retórico, astrônomo e matemático.

Em 453 D.C, Antêmio casou-se com Eufêmia, filha única do imperador romano do Oriente, Marciano. O imperador nomeou Antêmio Comes rei militaris, ou seja, Comandante dos Comitatenses, um dos postos militares mais importantes do Império, abaixo apenas do Magister Peditum e do Magister Equitum (Marechal da Infantaria e Marechal da Cavalaria) e enviou-o para a fronteira do rio Danúbio, com a tarefa de reconstruir as fortificações. No ano seguinte, Antêmio foi chamado de volta a Constantinopla, onde recebeu o título de Patrício e, em seguida, foi nomeado Magister Utriusque Militari (Comandante-em-Chefe da Infantaria e da Cavalaria). Para completar, em 455 D.C, ele foi escolhido para ser Cônsul, tendo o imperador romano do Ocidente, Valentiniano III, como colega, situações que deixavam claro que Antêmio estava sendo escolhido por Marciano como seu sucessor. Na verdade, parece que Marciano chegou a considerar nomear Antêmio como novo imperador romano do Ocidente, após o imperador Avito ser deposto, em outubro de 456 D.C, pelo general de origem suevo-visigótica Flávio Ricimero, o homem-forte do governo ocidental, e, posteriormente, morto, não se sabe ao certo se assassinado ou de causas naturais.

Moeda (solidus) de Marciano. Foto Classical Numismatic Group, Inc. http://www.cngcoins.com, CC BY-SA 2.5 https://creativecommons.org/licenses/by-sa/2.5, via Wikimedia Commons

Entretanto, em 27 de janeiro de 457 D.C, o imperador Marciano morreu, de gangrena (ele tinha uma inflamação na perna que o impedia de caminhar direito, sem que ele tivesse expressamente escolhido o seu herdeiro.

Embora Antêmio fosse um candidato natural à sucessão, naquele momento, quem controlava o exército do Império Romano do Oriente era o marechal Flavius Ardaburius Aspar (Áspar), que vinha sendo o homem-forte da metade oriental do Império desde antes de 430 D.C, e que já tinha colocado Marciano, que havia sido seu subordinado no Exército Romano por 15 anos, no trono, em 450 D.C. Sendo de origem bárbara, mais propriamente, alano-gótica, Áspar não poderia assumir o trono ele mesmo, então ele precisava nomear algum romano legítimo que ele pudesse controlar.

Detalhe de um prato em relevo mostrando Áspar e seu filho Ardaburio, como Cônsul,. Foto I, Sailko, CC BY-SA 3.0 http://creativecommons.org/licenses/by-sa/3.0/, via Wikimedia Commons

E o escolhido de Áspar foi Leo Marcellus (Leão), um militar que ascendeu até o posto de Tribuno dos Mattiari (um regimento do Exército Romano cujos soldados eram especializados no uso da “mattea”, ou seja, maça), cargo em que ele ficava diretamente subordinado à Áspar. Assim, em 07 de fevereiro de 457 D.C.. em Constantinopla, Leão I foi coroado Imperador Romano do Oriente.

Todavia, Leão não se mostraria tão dócil e subserviente como Áspar planejou que ele seria. Astucioso e determinado, o novo imperador, ao longo dos anos, começou a recrutar soldados de origem isáuria (um povo semi-romanizado que vivia na Anatólia, no interior da atual Turquia) e com eles formou uma guarda imperial, chamada de Excubitores (literalmente, “os que dormem do lado de fora do leito imperial”).

No ano de 460 D.C, Antêmio, que mantivera o posto de Magister Militum, derrotou uma incursão dos Ostrogodos liderados pelo rei Valamir, na Ilíria. E, entre o final deste ano e o ano seguinte, ele derrotou uma incursão de Hunos, que haviam tomado a cidade de Serdica (atual Sofia, capital da Bulgária), após sitiá-la. Nenhuma dessas vitórias chegou a ser definitiva, pois sabe-se que Leão concordou em pagar 300 libras de ouro aos Ostrogodos pela paz.

A SITUAÇÃO NO IMPÉRIO ROMANO DO OCIDENTE

Enquanto isso, o trono do Império Romano do Ocidente continuava vago, após a deposição e posterior morte de Avito, que, acredita-se, tenha ocorrido entre o final de 456 D.C e o início de 457 D.C.

Os responsáveis pela queda e morte de Avito tinham sido os generais Ricimero e Júlio Valério Majoriano. Este último era uma figura rara naqueles conturbados tempos: um aristocrata romano que tinha seguido uma sólida carreira militar, derrotando contingentes bárbaros germânicos em algumas oportunidades. Majoriano entrou para o Exército Romano servindo sob as ordens do Marechal Aécio, que habilmente tinha comandado a estratégia militar do Império Romano do Ocidente durante 20 anos (entre 433 e 454 D.C), fazendo o possível para restaurar o poder imperial, e que, por isso, receberia a alcunha de “O Último dos Romanos”. Por sua vez, Ricimero era um general de origem germânica, de ascendência sueva e visigótica.

Entendo ser necessário agora, então, fazer uma breve digressão sobre os eventos que antecederam a supracitada vacância do trono ocidental.

Após o assassinato de Aécio, morto pelo imperador Valentiniano III em pessoa, em 454 D.C, e o assassinato deste último, vingado por dois auxiliares de Aécio, no ano seguinte, Majoriano, contando com o apoio de Ricimero, chegou a ser cogitado para suceder o imperador, mas o escolhido, com o apoio da aristocracia senatorial da Itália, foi o senador Petrônio Máximo, envolvido na trama que resultara na morte do grande comandante e também na do citado imperador. Após ser aclamado, Petrônio Máximo nomeou Majoriano para ser Comes Domesticorum (Comandante da Guarda Imperial).

O reinado de Petrônio Máximo seria breve, uma vez que a aristocracia e o populacho da cidade de Roma, indignados com a invasão dos Vândalos, que controlavam o Norte da África, liderados pelo rei Geiserico, e o cerco à cidade de Roma, que logo cairia e seria saqueada, apedrejou e linchou o imperador, em 31 de maio de 455 D.C .

Então, Ricimero, Majoriano e a aristocracia senatorial italiana não viram alternativa senão apoiar a escolha de Avito, um senador galo-romano que tinha laços estreitos com os Visigodos, naquele momento uma das poucas forças capazes de confrontar os Vândalos e outros adversários que ameaçavam o Império do Ocidente.

Entretanto, Avito, adotando uma linha que, de certo modo, era estrategicamente mais racional, mostrou-se mais preocupado em defender a sua nativa Gália de novas invasões bárbaras, mas ele dependia excessivamente das tropas visigóticas. Ele também nomeou muitos de seus conterrâneos galo-romanos para cargos importantes. A elite senatorial e o populacho de Roma ressentiram-se dessa política que entenderam como detrimental da Itália. Enquanto isso, Ricimero obteve duas vitórias navais contra os Vândalos na Sícília e na Córsega. Então, com o apoio dos senadores e da plebe romana, Ricimero e Majoriano iniciaram a rebelião que resultou na queda de Avito.

Moeda (solidus) de Avito. Foto Numismatica Ars Classica NAC AG, CC BY-SA 3.0 DE https://creativecommons.org/licenses/by-sa/3.0/de/deed.en, via Wikimedia Commons

Apesar do trono ocidental igualmente, nessa oportunidade, ter ficado vago, já que inexistia um imperador reconhecido pelo Senado do Ocidente ou pelo Imperador do Oriente, Ricimero recebeu, ou melhor dizendo, se conferiu o posto de Magister Militum e o título de Patrício, que naquele tempo significava algo como grão-vizir ou shogun significariam no Império Otomano ou no Japão Feudal. Por sua vez, Majoriano também foi alçado a Magister Militum.

Por volta de abril de 457 D.C, um bando de cerca de 900 bárbaros alamanos invadiu a Itália e foi derrotado pelo Conde Burco, seguindo ordens de Majoriano. Em outros tempos, esta seria não mais que um confronto insignificante, indigno sequer de menção nas fontes, mas, na situação em que o Império do Ocidente se encontrava, foi considerado uma grande vitória, e Majoriano foi aclamado imperador pelas tropas. O acontecimento foi celebrado pelo poeta Sidônio Apolinário.

Somente em 28 de dezembro de 457 D.C, Majoriano foi formalmente declarado imperador pelo Senado Romano. Provavelmente, a demora deveu-se ao fato dos senadores estarem esperando um reconhecimento formal por parte do Imperador Romano do Oriente, como de costume. Contudo, Leão, tudo indica, ao menos inicialmente, não reconheceu Majoriano, o que é reforçado pelo fato dele ter assumido o consulado do ano seguinte sozinho, sem um colega ocidental, de acordo com as fontes orientais contemporâneas.

Moeda (solidus) de Majoriano. Foto Numismatica Ars Classica NAC AG, CC BY-SA 3.0 DE https://creativecommons.org/licenses/by-sa/3.0/de/deed.en, via Wikimedia Commons

Majoriano seria o último imperador ocidental realmente capaz e também o último imperador ocidental a comandar exércitos no campo de batalha. Ele conseguiu, ainda que com o auxílio vital de tropas bárbaras, restaurar o controle imperial sobre o sul da Gália e boa parte da Hispânia (e também a Sicília), reduzindo os Visigodos, Burgúndios e Suevos, que já se intitulavam como reinos, ao status de Foederati (Federados, segundo a lei romana do período tardio, eram povos que recebiam por tratado a autorização de residir no interior do Império, mantendo seus chefes como rei-clientes e como súditos do Imperador, ficando obrigados a fornecerem soldados para o Exército).

Mapa do Império do Ocidente no reinado de Majoriano. Foto Wojwoj, CC BY-SA 3.0 https://creativecommons.org/licenses/by-sa/3.0, via Wikimedia Commons

Infelizmente, em 460 D.C, Majoriano sofreria um grande revés: Ele reunira uma grande frota em Cartagena para invadir o reino dos Vândalos no Norte da África, mas o astucioso rei Geiserico conseguiu destruir os navios. Se o plano tivesse dado certo, ele poderia ter representado a salvação do Império do Ocidente. Entretanto, Majoriano tinha investido recursos e reunido um exército basicamente formado por bárbaros, os quais, sem ter mais dinheiro para pagar, foi obrigado a desmobilizar. O único contingente militar significativo restante estava sob as ordens de Ricimero. Então, quando Majoriano, desmoralizado pelo revés em Cartagena, retornava para a Itália, escoltado apenas por uma pequena guarda imperial, ele foi interceptado na altura de Tortona, capturado e, após cinco dias de torturas, executado por Ricimero, em 07 de agosto de 461 D.C.

Sem mais ninguém para lhe fazer sombra, Ricimero esperou três meses até indicar o novo imperador ao submisso Senado Romano, o obscuro senador Líbio Severo, que, no entanto, não foi reconhecido por Leão. Após reinar quatro anos como imperador-fantoche, Líbio Severo foi descartado por Ricimero, que precisava do apoio de Leão para poder manter o que restava do Império do Ocidente. Não se sabe realmente se Ricimero mandou matar Líbio Severo, mas este morreu em 14 de novembro de 465 D.C.

Então, o trono ocidental ficou novamente ficou vago por um ano e meio, sendo o Império do Ocidente governado, de fato, por Ricimero.

Contudo, apesar de Ricimero ter sido a eminência parda do Império do Ocidente desde 456 D.C., e o responsável pelas nomeações dos imperadores Majoriano, Líbio Severo e, posteriormente, Olíbrio, ele mesmo, na prática, não poderia atrever-se a assumir o trono, uma vez que Ricimer era filho de Rechila, o rei dos Suevos, na Galícia e norte do atual Portugal e neto, por parte de mãe, de Wallia, rei dos Visigodos.

Selo de Ricimero. Foto See page for author, Public domain, via Wikimedia Commons

ANTÊMIO, IMPERADOR DO OCIDENTE

Ricimero, então, recorreu a Leão para que o imperador romano do Oriente, legalmente, indicasse o novo imperador romano do Ocidente. Leão escolheu Antêmio.

O fato é que Ricimero precisava do apoio de Constantinopla para contrabalançar a influência de Geiserico, rei dos Vândalos, que estava tentando compelir o Senado Romano a escolher Olíbrio, um senador da influente família dos Anícios, casado com Placídia, filha de Valentiniano III, que, junto com sua mãe, a imperatriz Licínia Eudoxia, e sua irmã, Eudocia, foram levadas para Cartago pelos Vândalos, após o Saque de Roma, em 455 D.C.

Como retribuição à sua aceitação de Antêmio, e também como uma provável compensação por abrir mão de colocar um outro fantoche seu no trono ocidental, Ricimero recebeu a mão de Alypia, a filha de Antêmio, em casamento.

Mas é provável também que Leão tenha tido mais um motivo para escolher Antêmio. Com efeito, este era um experiente homem público de origem tão ilustre que ele chegou até ser considerado um candidato potencial ao trono. Leão, assim, astutamente, ao tê-lo enviado para a Itália, com um exército, para fazer valer os interesses de Constantinopla no Ocidente, estava livrando-se, ao mesmo tempo, de um provável rival e pretendente ao seu próprio trono.

Desse modo, Antêmio foi proclamado Imperador em 12 de abril de 467 D.C.

Agora, pela primeira vez em várias décadas, havia a chance real de que os imperadores romanos do Ocidente e do Oriente cooperassem efetivamente para enfrentar a ameaça bárbara.

Solidus de Antêmio, imperador do Ocidente. No verso, ele e Leão dão as mãos, sinalizando a união dos Impérios Ocidental e Oriental. Foto Numismatica Ars Classica NAC AG, CC BY-SA 3.0 DE https://creativecommons.org/licenses/by-sa/3.0/de/deed.en, via Wikimedia Commons

De fato, como imperador, Antêmio procurou atacar os dois maiores problemas que ameaçavam a sobrevivência do Império do Ocidente:  a) a ocupação dos Vândalos na África, governados pelo astuto e competente rei Geiserico, que fazia incursões na Itália (entre as quais o Grande Saque de Roma, em 455 D.C) e em várias outras regiões na orla do Mediterrâneo, e intervinha constantemente nos assuntos do governo e, b) a expansão dos Visigodos na Gália.

Para isso, Antêmio contava com o apoio de Leão I, que também estava comprometido com uma estratégia de enfraquecimento do poder dos bárbaros e, como visto, mostrava-se preocupado com a situação do Império do Ocidente. E, sem a participação de Constantinopla, nenhum plano nesse sentido seria possível, porque os recursos materiais e humanos à disposição de Leão eram muitos superiores aos disponíveis ao imperador ocidental. Outro apoio importante seria do Conde Marcelino, um comandante militar romano que, desde a morte de seu amigo Aécio, controlava a Dalmácia e que também havia apoiado Majoriano (ele, inclusive, iria participar da fracassada campanha que este imperador havia planejado contra Geiserico e os Vândalos, em 460 D.C).

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Busto de Leão I. Foto Louvre Museum, CC BY 2.5 https://creativecommons.org/licenses/by/2.5, via Wikimedia Commons

Com efeito, o fato é que, após a perda da África, em  sua maior fonte de grãos, em 435 D.C., para os Vândalos,  e de boa parte da Gália, a sua província mais rica, o Império do Ocidente praticamente não tinha recursos para pagar o seu exército composto, majoritariamente, de mercenários bárbaros e tribos germânicas servindo como foederati.

Ainda em 467 D.C, Antêmio planejou uma campanha contra o Vândalos, chegando a reunir uma frota, mas o mau tempo obrigou a frota a retornar ao porto.

Expedição à África

Todavia, os Vândalos haviam se tornado um problema também para o Império do Oriente, chegando a fazer incursões navais de saque até a Grécia, no coração dos domínios ocidentais, e prejudicando a navegação em todo o Mediterrâneo.

Leão, Antêmio e Marcelino então, planejaram uma gigantesca operação militar combinada das forças armadas orientais e ocidentais, em sua maior parte financiada pelo tesouro oriental, visando a esmagar os Vândalos para sempre:

Uma gigantesca frota de 1.113 navios zarpou de Constantinopla, transportando forças estimadas em 100 mil homens (há controvérsias sobre esse número), sob o comando de seu cunhado Basilisco, para atacar diretamente Cartago, a capital vândala. Concomitantemente, o general Heráclio deveria zarpar do Egito com direção à Tripolitana, e dali, marchar por terra contra Cartago. Enquanto isso, o Conde Marcellinus atacaria a Sicília e, após derrotar os invasores Vândalos lá instalados, rumaria também para Cartago.

A operação até começou bem, pois Heráclio conseguiu desembarcar em Tripolitana e Marcellinus dominou os Vândalos na Sicília. Porém, o grande erro de Leão foi ter escolhido o seu incompetente cunhado Basilisco, irmão da Imperatriz Verina, como comandante da principal ponta do ataque.

Efetivamente, Basilisco após conseguir dispersar a frota vândala na Sicília, facilmente fundeou na Baía de Cartago, mas, ao invés de imediatamente atacar Geiserico, inexplicavelmente, ele aceitou um pedido de trégua de 5 dias pedido pelo rei bárbaro. Ocorre que Geiserico aproveitou o refresco para construir novos barcos e balsas incendiárias. Como, normalmente, a sorte não ajuda a incompetência, no final da trégua, fortes ventos impulsionaram as balsas vândalas em chamas contra a frota romana e metade dela foi incendiada, na chamada Batalha do Cabo Bon. Assim,Basilisco teve que fugir com os remanescentes para a Sicília, visando se juntar a Marcelino. Este porém, logo em seguida foi assassinado na Ilha, suspeita-se, a mando de Ricimer. Já o general Heráclio, quando soube da derrota romana em Cartago, resolveu recuar de volta para o Egito.

Mapa de Cartago, mostrando o Cabo Bon. Foto Eric Gaba (Sting), CC BY-SA 3.0 https://creativecommons.org/licenses/by-sa/3.0, via Wikimedia Commons

Assim, este foi o final desastroso da campanha que poderia ter salvo o Império do Ocidente. Ela tinha sido, na verdade, uma retomada, mais ambiciosa, dos planos de Majoriano, o que mostra como os imperadores mais comprometidos com os reais interesses romanos tinham a consciência de que a reconquista da África era vital para a existência de um império ocidental viável.

Antêmio, então, teve que dirigir sua atenção aos Visigodos, que, sob a liderança do rei Eurico, tinham aproveitado o enfraquecimento militar verificado após a morte de Majoriano para se expandir pela Gália. Os provinciais galo-romanos inclusive enviaram uma embaixada ao imperador, em Roma, liderada por Sidônio Apolinário, solicitando proteção. Carente de tropas, após o desastre da expedição africana, Antêmio recrutou, em 470 D.C, um contingente de doze mil Bretões, liderados pelo rei Riothamus, para atacar Eurico, os quais chegaram a ocupar a cidade de Bourges.

Nota: especula-se que esses bretões poderiam ser remanescentes de tropas “fronteiriças” – ou limitanei- romano-britânicas, que no final do Império tinham sido rebaixadas à condição de uma quase-milícia. E que Riothamus, cujo nome na verdade seria um título, poderia ser na verdade um certo Ambrosius Aurelianus, uma liderança romano-britânica que resistiu aos invasores saxões da Grã-Bretanha, que por sua vez seria tio e antecessor do rei Arthur nas lendas e crônicas medievais britânicas.

Entretanto, os Visigodos conseguiram repelir os homens de Riothamus, obrigando Antêmio a enviar, como último recurso, uma tropa chefiada pelos generais Thorisarius e Everdingus, provavelmente chefes bárbaros a serviço do Império e pelo Conde dos Estábulos Hermianus, que foi derrotada por Eurico, por volta de 471 D.C, em uma batalha nas vizinhanças de Arles, inclusive matando o filho do imperador, Anthemiolus, que era o comandante formal da expedição.

Esses insucessos tornaram Antêmio muito mais dependente de seu general Ricimer, que, ostensivamente, já se mexia para colocar um novo fantoche no trono ocidental. Para piorar a situação, Leão, em uma Constantinopla, praticamente falida pelos custos astronômicos da expedição contra os Vândalos, naquele momento era incapaz de fornecer qualquer auxílio (segundo o historiador J.B. Bury, o impacto financeiro da expedição foi tão grande que o tesouro oriental levou mais de trinta anos para se recuperar – “History of the Later Roman Empire, vol, 1, p. 337).

O fim de Antêmio

O estopim para  o conflito aberto entre Antêmio e o seu comandante-em-chefe Ricimer foi a execução do senador Romanus, amigo próximo e aliado do general bárbaro, acusado de conspiração, o que levou Ricimero a abandonar Roma acompanhado de 6 mil  guerreiros, em direção a Milão, onde ficou instalado como se fosse um imperador de fato ou um rei independente.

O bispo de Pavia tentou intermediar uma trégua entre Antêmio e Ricimer, a qual durou um ano. Quando as hostilidades recomeçaram,  Antêmio julgou mais seguro ir se refugiar na Basílica de São Pedro, no Vaticano, que, desde o reinado de Constantino I era a sede do Bispado de Roma.

Aparência da antiga Basílica de São Pedro, no mesmo local da atual, construída pelo Imperador Constantino, no Vaticano, em Roma. Desenho de Henry William Brewer (1836-1903) – https://www.ribapix.com/old-st-peters-basilica-rome-about-the-year-1450-restored-from-ancient-authorities_riba127584, Public Domain, https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=151052485

Leão I, preocupado com a crise, resolveu mandar à Roma o senador Olíbrio, que se encontrava em Constantinopla para intermediar um novo acordo entre os adversários, além de um emissário levando uma carta para Antêmio

Segundo uma das fontes, porém, a verdadeira intenção de Leão I era se livrar de Olíbrio, já que este era suspeito de ser aliado de Geiserico, o rei dos Vândalos, que por duas vezes, já tinha patrocinado a candidatura dele ao trono ocidental. Leão também havia, finalmente, conseguido, com a ajuda dos Excubitores e seu comandante isáurio, Tarasis Kodisa (o futuro imperador Zenão I), livrar-se de seu Magister Militum, o general bárbaro Áspar.

Contudo, os soldados de Ricimero controlavam o Porto de Roma e a carta do imperador foi interceptada. Ao ser aberta a carta, uma surpresa: Nela, Leão I dava instruções a Antêmio para executar Olíbrio assim que este chegasse à Roma, além de informar ao colega ocidental que ele havia conseguido dar cabo de Áspar, aconselhando Antêmio a fazer o mesmo com Ricimero. Não de surpreender, diante dessas circunstâncias, que o estratagema de Leão acabasse tendo efeito contrário: Em abril de 472 D.C. (data provável), Ricimer proclamou Olíbrio como novo imperador do Ocidente.

Porém, os nobres e a população de Roma ficaram do lado de Antêmio.

Seguiram-se cinco meses de combates urbanos nas ruas de Roma, com Antêmio e seus partidários entrincheirados no Palatino. Porém, quando Ricimer conseguiu  cortar a rota entre o Palácio e o Porto fluvial do Tibre, interrompendo o abastecimento de víveres, Antêmio foi obrigado a ir se refugiar novamente na Basílica de São Pedro (outra fonte menciona a Igreja de Santa Maria in Trastevere). Vale citar que, entre as tropas comandadas por Ricimero, estava Odoacro, chefe da tribo dos Scirii, que poucos anos mais tarde entraria para a História como o homem que destronaria o último imperador romano do Ocidente.

Em uma última tentativa desesperada, durante o conflito, Antêmio enviou um pedido de ajuda às tropas da Gália, também compostas de mercenários germânicos, sendo que Ricimero havia feito, concomitantemente, idêntica solicitação.

Ocorre que o primeiro a atender o pedido foi Gundobado, o sobrinho de Ricimero, cognominado “O Burgúndio”, que ocupava o cargo de Magister Militum per Gallias, que veio em apoio do tio. Efetivamente, o substituto de Gundobado, Bilimer, também veio em socorro de Antêmio, mas ele foi derrotado e morto nas proximidades de Roma.

Então, em 11 de julho de 472 D.C., com seus últimos soldados desertando e sem esperança de reforços, Antêmio tentou fugir disfarçado de mendigo, refugiando-se na Igreja de São Crisógono, no bairro de Trastevere, em Roma, mas foi identificado e decapitado por Gundobado, que não deu a mínima para o fato do imperador estar refugiado em uma igreja, teoricamente um santuário que deveria ser respeitado pelo bárbaro supostamente cristão.

Igreja de São Crisógono, em Roma, onde Antêmio foi decapitado, coincidentemente, a mesma forma pela qual o santo foi martirizado. Foto Por LPLT – Obra do próprio, CC BY-SA 3.0, https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=7586506

EPÍLOGO

Pouco mais de um mês depois da morte de Antêmio, o general Ricimero também morreria, aparentemente de causas naturais, após vomitar sangue. Durante mais de quinze anos ele tinha sido o homem mais poderoso do Ocidente, tendo seu poder apenas diminuído um pouco durante o reinado de imperadores capazes como Majoriano e Antêmio, notadamente mais sob o primeiro. Historiadores debatem se ele foi um general bárbaro leal ao Império ou, se ao contrário, apenas buscava o poder para o seu benefício imediato, ao arrepio dos interesses imperiais, e, consciente ou inconscientemente, agia a favor dos seus conterrâneos germânicos. O fato é que muitas ações de Ricimero foram apoiadas, senão estimuladas, pela aristocracia senatorial italiana. Por outro lado, o comportamento dele durante a expedição de Basilisco contra os Vândalos foi indubitavelmente nocivo ao Império.

Olíbrio ocuparia o trono ocidental apenas por alguns meses, morrendo de edema em 02 de novembro de 472 D.C., sendo sucedido por mais um imperador-fantoche, Glicério, agora alçado ao trono por Gundobado, em março de 473 D.C, que não foi reconhecido por Leão.

Sem o apoio oriental, que, diga-se de passagem, naquele momento, somente poderia se dar de maneira muito limitada, não havia muito o que qualquer imperador pudesse fazer no Ocidente: a Gália e a Hispânia encontravam-se tomadas por povos germânicos e a Ilíria era governada por um subordinado leal ao Império do Oriente.

Na prática, o Imperador do Ocidente controlava apenas a Itália, que era defendida por tropas bárbaras leais aos seus chefes, que apenas nominalmente tinham títulos de comandantes do exército romano. Para se ter uma ideia do quadro de anarquia e desagregação que grassava, durante o igualmente curto reinado de Glicério, quando recebeu a notícia da morte do pai, Gundobado preferiu deixar a Itália e partir para a Borgonha, para garantir o seu direito à sucessão do reino burgúndio. Assim, o Império Romano do Ocidente agonizava.