AUGUSTO – O PRIMEIRO

No dia 19 de agosto de 14 D.C , faleceu, em Nola, no sul da Itália, o primeiro imperador de Roma, Augusto, com a avançada idade de 75 anos.

1- Antecedentes Familiares, infância e adolescência

Nascido em 23 de setembro de 63 A.C, em Roma, com o nome de Gaius Otavius (Caio Otávio), em uma pequena propriedade no bairro do Palatino, chamada de “Cabeça de Boi”, ainda em tenra idade ele recebeu o cognome Thurinus, pelo fato de seu pai (que também se chamava Caio Otávio)  ter sufocado uma rebelião de escravos na cidade de Thurii, na região da atual Calábria, em antes de ir assumir o posto de Procônsul da Macedônia, em 60 A.C. Nesta província, as fontes relatam que Otávio pai mostrou-se um administrador justo e capaz, tendo, ainda, obtido uma vitória militar contra a tribo dos Bessi, na Trácia, pela qual foi aclamado “Imperator” (Comandante vitorioso) pelas tropas.

Acredita-se que esta cabeça de estátua retrate Caio Otávio, pai do imperador Augusto (foto: By https://www.flickr.com/photos/carolemage/https://www.flickr.com/photos/carolemage/14464486330/, CC BY-SA 2.0, https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=91027203)

O pai de  Caio Otávio Turino (que por enquanto iremos chamar de Otávio) era um “novus homo” (homem novo), isto é, alguém que chegou ao Senado Romano sem ter nenhum ancestral que o tivesse feito, o que significava não pertencer a uma família ilustre. A família dos Otávios (em latim, “Octavius“, inicialmente um prenome, significando que alguém era o oitavo filho nascido de um casal) era originária da cidade de Velitrae (atual Velletri), a cerca de 40 km a sudoeste de Roma, que fazia parte do território dos Volscos, um povo itálico que por volta de 338 A.C foi incorporado pelos Romanos. O primeiro Otávio a ser mencionado na História de Roma foi o questor Gnaeus Octavius Rufus, que ocupou o cargo por volta de 230 A.C. Ele teve dois filhos, sendo que a descendência do primeiro chegou a exercer cargos importantes. Augusto e seu pai, entretanto, descendiam do segundo filho de Octavius Rufus.

A cidade de Velletri, atualmente ( foto: By Deblu68 – Own work, Public Domain, https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=3883068)

Uma inscrição no Fórum de Augusto sumariza a carreira de Caio Otávio (pai):

Já a mãe de Otávio, Atia Balba, era filha de Marcus Atius Balbus (Balbo), primo do grande general e poderoso político Pompeu, o Grande, e provavelmente graças a esse parentesco, o pai dela foi apontado para o cargo de Pretor, em 62 A.C. Apesar disso, o próprio Pompeu, segundo Cícero, considerava Balbo um homem de pouca importância.

Mais importante, a mãe de Atia era filha de Júlia, a irmã mais nova de Caio Júlio César, político que começava a se tornar uma figura muito influente na política romana.

A carreira do seu pai, somado ao fato deles residirem no bairro do Palatino, um lugar habitado pela elite, ainda que tendo nascido em uma casa não muito grande, demonstra que a família de Otávio gozava de boa situação financeira.

Contudo, Atia ficou viúva do pai de Otávio quando este tinha somente 4 anos, em 59 A.C. O seu novo marido, Lucius Marcius Phillipus já tinha três filhos e, naquele momento, ele estava mais preocupado em se eleger Cônsul apoiado pela facção política dos Optimates, defensores dos privilégios da aristocracia senatorial contra a facção dos Populares, da qual a família dela fazia parte.

Por isso, o menino Otávio foi viver com sua avó Júlia, a irmã de César, que ficou responsável por sua criação até a morte dela, em 51 A.C, após o que ele voltou a morar com sua mãe e padrasto, período em que César concluía a sua brilhante campanha de conquista da Gália e dividia a supremacia política da República com Pompeu, o Grande.

Otaviano menino ([[File:Young Octavian by Edmonia Lewis.jpg|Young_Octavian_by_Edmonia_Lewis]]

Uma grande prova disso foi o fato de que Otávio, com apenas doze anos de idade, ter sido escalado para fazer a oração-fúnebre no velório de sua avó, que era uma cerimônia pública de grande importância para as famílias influentes da nobreza romana, muito embora o chefe do clã fosse César.

Certamente, essa proximidade que Otávio experimentou com a família do seu poderoso tio-avô, Júlio César, fez com que este notasse as qualidades do jovem sobrinho-neto.

Com efeito, após derrotar Pompeu e assumir o título de Ditador, César deu várias demonstrações de estima e consideração por Otávio, e, nos estágios finais da Guerra Civil contra o Senado e os remanescentes dos apoiadores de Pompeu, na Espanha, Otávio esteve com o tio-avô na campanha, apesar de vários episódios de problemas de saúde, algo que se repetiria ao longo de sua longa vida.


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Antes disso, porém, com o falecimento da avó, Otávio voltou a morar com a sua mãe, que se esmerou em lhe fornecer a melhor educação possível para um jovem aristocrata. Desse modo, Otávio recebeu aulas de leitura, escrita, aritmética e de língua grega, sendo ensinado pelo escravo grego chamado Sphaerus, a quem mais tarde ele libertaria e concederia um funeral público, após a morte do tutor. Já adolescente, Otávio teria aulas de Filosofia com os filósofos Areios de Alexandria e Atenodoro de Tarso, de Retórica em Latim com Marcus Epidius, e de Retórica em Grego com Apolodoro de Pérgamo.

Em 48 A.C, formalmente Otávio deixou a infância e ingressou na idade adulta, conforme o costume romano, ao receber a “Toga Virilis“. Nesse período, seu tio-avô Júlio César já havia assumido o poder supremo em Roma, ocupando o cargo de Ditador, muito embora ainda houvesse resistência localizada da oposição no Senado e dos apoiadores de Pompeu. Assim, em mais uma demonstração das intenções de César em promover seu sobrinho-neto, em 47 A.C, Otávio foi eleito para o Colégio de Pontífices, corpo encarregado de celebrar os mais importantes ritos religiosos públicos e destinado aos membros das mais ilustres famílias romanas.

Seguiram-se novas honrarias concedidas por César a Otávio: ele acompanhou o tio-avô no Triunfo celebrado em honra da vitória na Campanha da África, e, em 44 A.C, após ser aclamado Ditador Perpétuo, César nomeou Otávio como Marechal da Cavalaria (Magister Equitum), significando que ele era agora um de seus principais auxiliares.

2- Herdeiro de César

Quando César foi assassinado nos Idos de Março de 44 A.C, Otávio estava estudando e recebendo treinamento militar em Apolônia, na Ilíria, a fim de participar da campanha que César planejava mover contra o Império Parta.

Quando a notícia da morte de César chegou a Apolônia, Otávio decidiu partir para Roma, apesar da oposição de sua mãe e de seu padrasto, tendo sido aconselhado e apoiado nesta decisão por seu amigo de infância, Marco Vipsânio Agripa, que lhe era muito devotado pelo fato de Otávio ter intercedido junto ao tio-avô para que este perdoasse o irmão de Agripa, que havia lutado contra César na Batalha de Tapsos (46 A.C.), na qual ele havia caído prisioneiro.

Ao desembarcar na Itália, Otávio tomou conhecimento de que ele havia sido adotado e nomeado herdeiro de César no recém-aberto testamento do Ditador, que havia sido depositado por este na Casa das Virgens Vestais em 13 de setembro de 45 A.C. Com isso, Otávio passou legalmente a se chamar Caio Júlio César, sendo que a maior parte dos historiadores, seguindo as convenções romanas para os nomes de pessoas adotadas, a partir de então passam a se referir a Otávio como “Caio Júlio César Otaviano”, ou, simplesmente, Otaviano, algo que também faremos a partir daqui, muito embora ele mesmo jamais tenha utilizado esse nome.

Contra o conselho expresso de seu padrasto, Otaviano aceitou os termos do Testamento de César em 8 de maio de 44 A.C, tornando-se formalmente herdeiro do Ditador e, por via de consequência, não só detentor do que era, então, a maior fortuna do Mundo Romano, mas também de um imenso capital político (vale observar que, segundo Cícero, Lucius Marcius Phillipus recusava-se a chamar o enteado pelo nome “César”).

Cabeça de Otaviano, ostentando barba em sinal de luto pela morte de César. Foto; [[File:Head thought to be of Octavian wearing a beard as a sign of mourning after the assassination of Julius Caesar, now said to be of Gaius Caesar, grand-son of Augustus, Musée de l’Arles antique (15158287595).jpg

Entretanto, após o assassinato de César, inicialmente, e por um período muito breve, o poder ficou nas mãos dos assassinos de César, liderados por Marco Júnio Bruto e Caio Cássio Longino, que em um primeiro momento se compuseram com Marco Antônio, o braço-direito de César. Porém, a indignação popular contra os assassinos obrigou os a fugir de Roma.

Vale citar que os senadores conservadores, que dominavam o Senado, temiam e detestavam Antônio, que comandava a maior parte do exército de César.

Porém, com a chegada de Otaviano a Itália e a publicidade acerca dos termos do testamento do Ditador, milhares de veteranos das legiões de César foram ao encontro dele  para oferecer sua lealdade ao seu jovem herdeiro.

Os senadores, liderados pelo prestigiado Marco Túlio Cícero, pensando que poderiam controlar o jovem e inexperiente Otaviano, de apenas 19 anos, e usá-lo para enfraquecer Antônio, rapidamente reconheceram a sua posição e providenciaram fundos para pagar as suas tropas.

Marco Túlio Cícero

Com esse propósito, Cícero passou a elogiar Otaviano publicamente, parecendo mesmo acreditar que o rapaz se guiaria pelos princípios republicanos caros aos Optimates.

Marco Júnio Bruto não concordou com a aproximação de Cícero e Otaviano,  e enviou ao primeiro uma carta, censurando-o por escolher um “tirano gentil” (Otaviano) a um “tirano inimigo” (Antônio).

O propósito de Cícero era enviar Otaviano contra Antônio, que sitiava Décimo Júnio Bruto, um dos conspiradores dos Idos de Março e nomeado governador da Gália, na cidade de Mutina (atual Módena). Assim, Cícero manobrou para que Otaviano fosse elevado ao cargo de Senador, apesar dele estar bem abaixo da idade requerida, e reconhecido oficialmente comandante (Imperator) das suas tropas, legalizando-as como um exército da República.

A chegada do exército de Otaviano, juntamente com as tropas senatoriais lideradas pelos cônsules Hírtio e Pansa, obrigou Antônio a se retirar para a Gália, após combates desfavoráveis nas batalhas de Fórum Gallorum (14 de abril de 43 A.C) e Mutina (21 de abril de 43 A.C), nas quais os dois cônsules morreram. Em consequência, Otaviano assumiu o comando das tropas deles, tornando-se o chefe militar mais poderoso da península italiana naquele momento, controlando oito legiões.

Em seguida, algumas fontes (Apiano e Plutarco) mencionam que Otaviano teria feito uma proposta a Cícero para que este convencesse o Senado a indicá-los para os cargos de Cônsules, em substituição aos falecidos Hírtio e Pansa, instigando assim, astuciosamente, a conhecida vaidade do velho senador, que, animado com a possibilidade de exercer novamente o Consulado, deu andamento à proposta.

As evidências nos mostram que nessa aliança entre Cícero e Otaviano, ambos, a velha raposa política e o jovem herdeiro, estavam tentando aproveitar-se um do outro. Assim, Cícero via Otaviano meramente como um instrumento descartável para neutralizar Antônio. E Otaviano percebeu isso, mas também considerava útil ter o apoio de um dos senadores mais ilustres, o que lhe conferia mais legitimidade.

Com efeito, os dois certamente sabiam que se tratava de uma aliança precária e ao sabor das circunstâncias…Em uma carta de Décimo Bruto a Cícero, que sobreviveu, o primeiro assim escreveu ao grande senador:

Assim, em julho de 43 A.C., Otaviano enviou uma delegação de centuriões ao Senado demandando o cargo de Cônsul. Porém, o Senado respondeu com questionamentos acerca da pouca idade de Otaviano para o cargo. Ele então decidiu marchar em direção a Roma com suas oito legiões, sem encontrar oposição. Segundo Apiano, Cícero ainda conseguiu um encontro com Otaviano, onde enfatizou suas ações no Senado em apoio da candidatura dele, porém o rapaz apenas respondeu com ironia.

Cícero ainda convocou uma sessão noturna no Senado após circular um boato de que duas legiões de Otaviano tinham desertado e se unido à causa senatorial, mas quando a notícia foi desmentida, ele fugiu.

Como resultado, em 19 de agosto de 43 A.C. Otaviano foi eleito Cônsul, tendo apenas 19 anos de idade.

Ainda no mês de julho, Cícero tinha escrito uma carta a Bruto, tentando explicar os fatos e demonstrando a sua impotência diante deles :

3O Segundo Triunvirato

O fato da disputa entre Otaviano e Antônio não ser bem vista pelos soldados deles, quase todos veteranos de César, bem como a percepção de ambos de que o Senado, na primeira oportunidade, tentaria se livrar de todos, revogar as leis instituídas por César e restaurar a República e os privilégios senatoriais, para o “status quo ante” à Ditadura de César, tudo isso levou Otaviano, Marco Antônio e Marco Emílio Lépido, um importante aliado de César a encontraram-se nos arredores de Bononia (atual Bolonha) e formarem o chamado Segundo Triunvirato, em outubro de 43 A.C., ou, como eles mesmos batizaram: “Triúnviros com Poderes Consulares para Confirmar a República“, tendo o arranjo sido oficializado em 27 de novembro de 43 A.C.

Roman male portrait bust, so-called Marcus Antonius. Fine-grained yellowish marble. Flavian age (69—96 A.D.). Rome, Vatican Museums, Chiaramonti Museum.

Nessa reunião, os Triúnviros dividiram entre si as províncias romanas e, emulando Sila, decidiram fazer uma lista de proscrições abrangendo mais de 200 cidadãos (Apiano fala em cerca de 300 senadores e 2 mil equestres), sujeitos à serem executados e terem suas propriedades confiscadas (afinal, os cofres do tesouro estavam vazios). Porém, antes de publicar os decretos, eles resolveram enviar logo os executores para assassinarem doze ou dezessete (os números variam) desafetos, entre os quais estava Cícero.

De acordo com Plutarco, Antônio queria que o nome de Cícero fosse o primeiro da lista de proscritos, mas Otaviano teria sido contra a execução dele, e resistiu em dar a sua concordância durante dois dias, até que, no terceiro, ele acabou cedendo à vontade do colega. O Cônsul Quintus Pedius acabou, inadvertidamente, publicando a lista dos dezessete no dia seguinte. Cícero tentou fugir, mas foi apanhado e decapitado. A cabeça dele foi enviada para Antônio, em Roma, que a fez pendurar na tribuna chamada “Rostra”, em pleno Fórum Romano.

Enquanto isso, Bruto e Cássio, que haviam fugido para a Grécia, obtiveram apoio das lideranças simpáticas aos senadores e antigos apoiadores de Pompeu e reuniram lá um grande exército.

4- A Batalha de Fílipos

Então, Otaviano e Marco Antônio, no comando de 28 legiões, rumaram para a Grécia, derrotando os exércitos de Bruto e Cássio na Batalha de Fílipos, entre 3 e 23 de outubro de 42 A.C, levando os dois conspiradores a cometeram suicídio. Otaviano teve mais um dos seus muitos episódios de mal-estar durante a campanha, motivo pelo qual foi Antônio que participou e liderou os combates mais significativos. Por este motivo, mais tarde, Antônio reiteradamente atribuiria a Otaviano o rótulo de covarde.

Como já mencionado, os Triúnviros haviam feito uma divisão das províncias romanas entre si: Otaviano ficou a África, a Sardenha e a Sicília, Antônio com as Gálias Cisalpina e Transalpina, e Lépido com a Hispania e a Gália Narbonense. As outras províncias continuaram nominalmente com o Senado ou eram controladas pelos adversários do Triunvirato.

Entretanto, após a Batalha de Fílipos, houve um rearranjo: Antônio passaria a controlar a Grécia e as províncias do Oriente, e tomou as Gálias Narbonense e Transalpina de Lépido, que teve que entregar a Hispania e a Gália Cisalpina a Otaviano. A Itália, embora não fizesse parte da divisão, na prática seria administrada por Otaviano. Na ocasião, longe de representar uma vantagem, esse controle apresentava-se mais como um fardo, pois a Otaviano caberia a espinhosa tarefa de assentar os veteranos de César em terras escassas na península e de assegurar o suprimento de trigo para a população de Roma.

Para assentar os veteranos, Otaviano teve que confiscar terras de vários municípios italianos, o que levou a uma grande insatisfação na península, a qual foi explorada por Lúcio Antônio, irmão de Marco Antônio, e Fúlvia, a diligente e combativa esposa deste triúnviro.

Um dos motivos que teriam incentivado Fúlvia a agir foi o fato de Otaviano haver se divorciado da filha dela, Cláudia. Assim, aproveitando-se da crise gerada pelos confiscos de terras, os dois reuniram um exército de oito legiões para combater Otaviano, mas foram derrotados na chamada Guerra de Perusia, iniciada no inverno de 41 A.C , e que culminou no cerco à cidade de Perúgia, em 40 A.C. Ambos foram poupados por Otaviano, como gesto de boa vontade, e Fúlvia, que aparentemente agira sem o consentimento do marido, foi exilada por ordem de Antônio. Fúlvia acabaria morrendo no mesmo ano de 40 A.C, o que acabou sendo providencial para possibilitar uma reconciliação entre Otaviano e Marco Antônio.

Porém, com exceção do irmão e da esposa de Antônio, os demais apoiadores do partido de Antônio na Guerra Perusina seriam alvo de implacável punição por Otaviano e cerca de 300 senadores e equestres foram executados.

Antônio, quando estourou a Guerra de Perusia,  estava envolvido amorosamente com a rainha do Egito, Cleópatra, que já estava grávida dos gêmeos Alexandre Helios e Cleópatra Selene, que nasceriam no mesmo ano de 40 A.C., quando ele estava se preparando para lançar uma grande invasão ao Império Parta.

Busto de Cleópatra

Porém, sentindo sua posição na Itália enfraquecida com o desfecho da Guerra de Perusia, Antônio partiu para a Itália para combater Otaviano, sitiando a cidade de Brindisi (Brundisium).

5- O Tratado de Brundisium

Mais uma vez contudo, falou mais alto a camaradagem dos soldados e oficiais que tinham servido com Júlio César, que integravam os exércitos dos dois Triúnviros, os quais se recusaram a lutar contra seus velhos camaradas. Assim, Otaviano e Antônio foram obrigados a celebrar um novo acordo, instituído pelo Tratado de Brundisium, renovando o Triunvirato e consagrando a divisão do Mundo Romano: Desse modo, Marco Antônio ficou com as províncias do Oriente, Otaviano com as do Ocidente, restando apenas a África para Lépido. Como símbolo da renovada aliança, Marco Antônio casou-se com Otávia, a Jovem, que apesar do nome, era a irmã mais velha de Otaviano.

A divisão do Mundo Romano após o Tratado de Brundisium. (Foto: By Tobias1983 (talk · contribs) – This file was derived from: Roman-Empire-39BC-bg.png:, CC BY 3.0, https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=34775285)

Otaviano tentara atrair Sexto Pompeu para o seu lado durante o conflito contra Fúlvia e Lúcio Antônio. Muito provavelmente tentando cimentar essa aliança, Otaviano casou-se com Escribônia, que, acredita-se, era cunhada de Sexto. Esta união, que seria breve, deu a Otaviano aquela que seria sua única filha e descendente em 1º grau, Júlia, cognominada “Maioris” (isto é, a “Velha”). Aliás, no dia em que Júlia nasceu, 30 de outubro de 39 A.C, Otaviano divorciou-se de Escribônia.

O principal motivo do divórcio foi que, naquele momento, Otaviano estava apaixonado pela jovem Lívia Drusila, esposa de Tibério Cláudio Nero, de quem ela já tinha tido um filho (a quem foi dado o mesmo nome do pai), e grávida do segundo, Druso. Vale mencionar que Tibério Cláudio Nero era primo de Lívia, e, apesar de ter feito parte do governo de Júlio César, depois da morte do Ditador, ele passou a apoiar os seus assassinos, e, após a derrota deles, tomou partido de Marco Antônio. Em 17 de janeiro de 38 A.C, Otaviano e Lívia se casaram, três dias após ela dar à luz ao seu segundo filho do primeiro casamento e duas semanas antes dela completar 21 anos e tendo ele, apesar do imenso poder, ainda apenas 24.

Estátua de Lívia

Enquanto isso, Otaviano e Marco Antônio consentiram que Sexto Pompeu controlasse a Sicília, a Sardenha e a Córsega. O interesse de Otaviano era garantir os suprimentos de trigo para a Itália, ameaçados pelos bloqueios navais realizados pela frota de Sexto. E Antônio precisava de reforços que Otaviano se comprometera enviar para a sua campanha contra o Império Parta no Oriente.

Porém, quando Otaviano divorciou-se de Escribônia, o insatisfeito Sexto voltou a atacar os navios que levavam grãos para Roma. 

A lei senatorial previa que o mandato de cinco anos de Triunvirato expiraria em 31 de dezembro de 38 A.C. Então, Otaviano, com a intervenção de Otávia, sua irmã e esposa de Antônio,  que viajou junto com o marido para a Itália, concordaram em impor a renovação da aliança até 33 A.C., estipulando, ainda que Antônio forneceria 120 navios para a campanha contra Sexto Pompeu, comprometendo-se em troca a fornecer 20 mil soldados a Antônio. Porém, Otaviano somente enviaria a Antônio um décimo das tropas prometidas, fato que azedaria novamente a relação entre os dois Triúnviros. Todavia, com o auxílio dos navios fornecidos, Otaviano conseguiu recuperar a Córsega e a Sardenha.

Na campanha contra Sexto Pompeu, Otaviano também recebeu o apoio de Lépido e a sua frota, comandada pelo seu fiel amigo Marcos Agripa, que se revelou ser um talentoso almirante, conseguiu destruir a frota inimiga, em 3 de setembro de 36 A.C. Derrotado, Sexto Pompeu fugiu para a cidade grega de Mileto, onde, no ano seguinte, ele seria executado por Antônio.

Em seguida, Lépido tentou ocupar a Sicília, reivindicando a ilha para si, porém, o seu exército desertou para Otaviano. Sem alternativas, a sorte de Lépido repousava nas mãos de Otaviano, que, apesar de destitui-lo do posto de Triúnviro, resolveu mostrar clemência e indicou-o para o cargo de Sumo Pontífice (Pontifex Maximus).

Enquanto isso, no Oriente, a campanha de Marco Antônio contra os Partas enfrentava dificuldades. Isso levou Antônio a ficar cada vez mais dependente de Cleópatra, não só materialmente, como emocionalmente. Assim, a rainha egípcia, cada vez mais, passou a influenciar as decisões do amante, e a união entre os dois era publicamente exibida, para a humilhação de sua esposa legítima, Otávia.

Busto de Otávia. Foto: G.dallorto, Attribution, via Wikimedia Commons

Em Antioquia, onde Antônio se estabelecera para coordenar as operações, ele recebeu a visita de Cleópatra, que obteve dele importantes concessões: O Egito receberia todo o território da Fenícia, exceto Tiro e Sidon, e a cidade de Ptolemais Akko, fundada pelo seu antepassado Ptolomeu II. Cleópatra também recebeu a região da Síria-Coele, uma parte do reino dos Nabateus (parte da atual Jordânia), a cidade de Cyrene, na atual Líbia e duas cidades na ilha de Creta. Em troca, Cleópatra financiaria à campanha de Antônio na Pártia, além de fornecer a ele boa parte do exército egípcio. Isso possibilitou que Antônio armasse o que talvez fosse o maior exército jamais reunido pelos romanos, que alguns estimaram, provavelmente com algum exagero, em 200 mil homens.

Fazer tantas concessões à Cleópatra, sendo cristalino que elas seriam repudiadas pela opinião pública romana, foi uma aposta muito arriscada de Antônio, e uma oportunidade para propaganda negativa que não seria ignorada pelos partidários de Otaviano.

Cleópatra chegou a acompanhar Antônio no início da campanha, que começou pela invasão da Armênia, em 36 A.C., mas voltou para Alexandria, já que agora ela estava grávida do seu terceiro filho com Antônio, que nasceu entre agosto e setembro de 36 A.C. O menino recebeu o nome de Ptolomeu Philadelphus.

Todavia, a campanha contra os Partas foi praticamente um desastre e Antônio, regressando cabisbaixo, teve que afogar as suas mágoas com Cleópatra, em Alexandria.

Aproveitando a oportunidade, Otaviano enviou Otávia de volta para o marido, em Atenas (onde ficava a residência oficial do casal), levando os dois mil soldados que haviam sido prometidos, mas nunca enviados. Ocorre que Antônio, embora tenha aceitado o contingente, não só continuou em Alexandria com Cleópatra, como proibiu que Otávia deixasse Atenas para vir ao seu encontro.

Na prática, isso foi visto publicamente como se Antônio estivesse repudiando a nobre romana Otávia, sua esposa legítima, em favor de sua amante egípcia, e a comoção no seio da opinião pública romana só aumentou quando Otávia recusou o convite do irmão para abrigar-se na casa dele, continuando a residir na residência de Antônio, em Roma, ainda por cima continuando a cuidar não só dos filhos do casal, como também dos filhos que Antônio teve com a falecida Fúlvia, no que pode ter sido um gesto politicamente calculado com o irmão para estimular a compaixão do povo romano por ela e antipatizar Antônio.

6- As Doações da Alexandria e o rompimento com Antônio

Mas foi o próprio Antônio, estimulado por Cleópatra, quem daria o maior golpe na própria reputação, dando a Otaviano um trunfo gigantesco na disputa entre ambos pelo poder supremo:

Com efeito, no outono de 34 A.C., retornando de uma, enfim, moderadamente bem sucedida campanha na Armênia, Antônio e Cleópatra organizaram em Alexandria uma parada triunfal, sendo que Antônio conduzia o carro vestido de deus Dionísio-Osíris, e na qual a família real armênia foi exibida pelas ruas da cidade e conduzida até dois tronos dourados, um para Antônio, outro para Cleópatra.

Chegando ao palanque, Antônio proclamou solenemente ao povo reunido no Gymnasium, que Cleópatra, que na ocasião  estava vestida como a deusa Ísis, era a “Rainha dos Reis” e “Rainha do Egito, Chipre, Líbia e Sìria-Coele“, junto com seu filho, Caesarion, o “Rei dos Reis“. Alexandre Helios foi nomeado “Rei da Armênia, da Média e da Pártia“. Já Ptolomeu Philadelphus foi designado “Rei da Cilícia e da Síria”, e Cleópatra Selene, por sua vez, a “Rainha de Creta e de Cyrene“. Na cerimônia, Antônio também fez questão de proclamar que Cleópatra tinha sido esposa de Júlio César,  e que o filho que eles tiveram, Caesarion, era o filho legítimo de César. O episódio ficou conhecido como “As Doações de Alexandria“.

O prazo renovado do Segundo Triunvirato expirou em 31 de dezembro de 33 A.C, e os episódios recentes deixavam claro que nenhuma das partes teria interesse em uma nova prorrogação. Otaviano e Antônio, então, começaram uma guerra aberta de propaganda, cada um expondo episódios de má conduta, traições, ultrajes, etc., contra o outro, pois já anteviam o conflito que estava por vir e, por antecipação, ambos queriam justificar perante a opinião pública o motivo da  iminente guerra civil, colocando a culpa pelo início da mesma no adversário.

E não causou espécie a ninguém que o motivo mais grave alegado por Otaviano tenha sido o fato de Antônio ter reconhecido oficialmente Caesarion como o filho legítimo e herdeiro de Júlio César

Acredita-se que essa cabeça, encontrada submersa na Baía de Alexandria, retrate Cesárion, filho de Júlio César e Cleópatra

Mas o fato é que, naquele momento, Antônio ainda tinha muitos simpatizantes em Roma, inclusive no Senado. De acordo com o historiador romano Dião Cássio, em 1º de janeiro de 32 A.C., primeiro dia de sessão do Senado no ano, por exemplo, o cônsul e aliado de Antônio, Gaius Sosius, proferiu um discurso atacando violentamente Otaviano, e propondo a aprovação de uma legislação contrária aos interesses deste.

Otaviano resolveu, então, abandonar os escrúpulos de legalidade e, na sessão seguinte do Senado, no outro dia, compareceu à Cúria acompanhado de sua guarda pessoal e de vários correligionários armados com adagas escondidas sob as togas. Considerando que Otaviano controlava as legiões da Itália, bem como as do Ocidente em geral, nos dias seguintes, os cônsules Gaius Sosius e Domitius Ahenobarbus, intimidados, abandonaram Roma e partiram para se unir a Antônio, na Grécia, sendo acompanhados por mais de duzentos senadores que também apoiavam Antônio.

Já preparando-se para a guerra iminente, Cleópatra providenciou duzentos navios de guerra para a frota de oitocentas naves que Antônio estava reunindo, além de, naturalmente, muito dinheiro para o esforço bélico. Em seguida, o casal reuniu-se em Éfeso para organizar a campanha contra Otaviano.

De acordo com o historiador Plutarco, os aristocratas Titius e Lucius Munatius Plancus conheciam os termos do testamento de Antônio, que, conforme o costume, havia sido depositado lacrado em poder das Virgens Vestais, e contaram tudo para Otaviano. Ciente, assim, dos termos da última vontade do rival, Otaviano, ilegalmente, conseguiu se apossar do documento, que foi aberto e lido por ele em uma sessão do Senado. Entre suas cláusulas, segundo consta, havia a recomendação de Antônio para que , caso morresse no decorrer da guerra, o seu corpo fosse entregue à Cleópatra, para ser sepultado em Alexandria. Essa disposição muito convenientemente ia de encontro ao boato que os partidários de Otaviano andavam espalhando por Roma: a de que Antônio, caso vencedor, pretendia transformar Alexandria na capital do “Imperium” romano!

Engenhosamente, o Senado Romano, agora controlado por Otaviano, não declarou guerra a Antônio, apesar dele ser o alvo principal da medida. Preocupados com a opinião pública, e com a posteridade, os senadores formalmente votaram pela declaração de guerra contra Cleópatra, a rainha do Egito, e, dessa forma, todos os tradicionais ritos previstos para uma guerra contra inimigos estrangeiros puderam ser celebrados. Além disso, tal circunstância impedia que os senadores partidários de Antônio fossem considerados desertores ou criminosos, deixando uma porta aberta para o seu retorno e perdão. Não obstante, foi decretada expressamente a retirada de todos os poderes de Triúnviro que Antônio ainda detinha.

Se ainda havia alguma dúvida de que o rompimento era definitivo, ainda em 32 A.C, Antônio divorciou-se de Otávia. A partir daquele momento, Cleópatra não precisaria mais temer a rival e, aparentemente, a opinião dela prevaleceria em todos os aspectos, incluindo a estratégia que seria adotada para a guerra…

Embora o exército de Antônio fosse, nominalmente, maior que o de Otaviano (100 mil x 80  mil), ele e Cleópatra optaram por uma estratégia na qual a guerra seria decidida em um confronto naval, já que a frota deles era não apenas mais numerosa, mas também era composta por navios maiores. Acredita-se que, neste particular, teria prevalecido a opinião de Cleópatra, que, secretamente, tencionaria que a frota romana, pertencente a ambos os adversários fosse destruída ou ficasse bem enfraquecida, fato que beneficiaria o Egito em caso de uma futura tentativa de invasão de Roma. 

7- Começa a Guerra Civil

Mas quem tomaria a iniciativa seria Otaviano. Ele zarpou para a Grécia e se dirigiu para Actium, cidade localizada na entrada do Golfo Ambraciano, onde Antônio e Cleópatra tinham estabelecido o seu quartel-general das operações e reunido sua imensa frota. Enquanto isso, seu almirante, o fiel Marcus Vipsanius Agrippa (Agripa), tomou Corcyra e lá instalou uma base para as operações contra Antônio.

Por sua vez, Otaviano desembarcou suas tropas no lado oposto do Golfo Ambraciano e enviou emissários aos comandantes de Antônio propondo uma negociação, proposta esta que foi recusada. Porém, nas escaramuças que se seguiram com as tropas de Antônio, estacionadas ao longo de Actium, as forças de Otaviano levaram a melhor. Começaram, então, a pipocar deserções entre os aliados de Antônio, que incluíam quase todos os reinos-clientes de Roma no Oriente, além de amigos romanos de longa data, como Quintus Dellius, que fugiu e foi se juntar a Otaviano, fornecendo a este informações valiosas sobra o estado da frota e os preparativos de Antônio.

De acordo com o relato de Cássio Dião, nessa fase da campanha, Cleópatra fez prevalecer a opinião dela de que as posições mais defensáveis deveriam ser ocupadas por guarnições militares, mas que ela e Antônio, juntamente com o grosso das tropas, deveriam rumar para o Egito. Assim, parece realmente que o que importava mesmo para a rainha era a defesa do Egito e, para Antônio, que ele pudesse continuar contando com o suporte financeiro e militar de Cleópatra, dinheiro que, cada vez mais, aparentava ser o elemento crucial para a coesão do seu exército.

Tendo em vista que o número de marinheiros era insuficiente para tripular adequadamente todos os navios da sua frota, Antônio ordenou que aqueles em mau estado fossem queimados, mantendo apenas os melhores. Ele e Cleópatra também ordenaram que, secretamente, todo o tesouro fosse embarcado neles.

8- A Batalha de Actium

No dia 02 de setembro de 31 A.C, Antônio ordenou que os navios zarpassem e se colocassem de costas para o promontório de Actium, ao pé do qual suas sete legiões estavam acampadas, e de onde podiam assistir às manobras. Sua frota agora era composta de 230 grandes galeras.

Comandada por Agripa, a frota de Otaviano tinha 250 quinquerremes, navios menores, porém mais rápidos e manobráveis do que os da frota de Antônio. Graças às informações fornecidas por Quintus Dellius, entretanto, Otaviano e Agripa tinham ciência dos planos de Antônio, e estavam preparados, esperando a frota inimiga.

Ao meio-dia, Antônio deu ordem de avançar. A ala esquerda da sua frota deu a impressão de querer empurrar à ala direita da esquadra de Otaviano para o norte e abrir um caminho em direção ao sul (bombordo), que poderia levar ao Egito, porém, Otaviano, parecendo estar ciente desse propósito, mandou os navios manterem distância, atraindo mais o inimigo para o alto-mar.

Quando ambas as frotas ficaram mais próximas, começaram os disparos de artilharia e flechas. Agripa ordenou que os navios de sua segunda linha se estendessem mais para o norte e para o sul, visando cercar o inimigo em menor número, sendo que Antônio, ao perceber isso, tirou navios do seu centro e esticou a sua linha, deixando no centro os navios mais pesados, que estavam resistindo bem e se dirigindo à direita (estibordo) e ao norte para combater o esquadrão comandado por Agripa. Isso acabou abrindo espaços no centro da sua formação.

Relevo retratando a Batalha de Actium

Foi então que, em um movimento inesperado, os navios que estavam com Cleópatra, aproveitando um buraco no centro da linha da frota comandada por Antônio, e o súbito vento que soprava favoravelmente, ultrapassaram as suas linhas à toda velocidade, e, deixando para trás o resto da frota, rumaram no que parecia ser a direção do Egito, levando consigo todo o tesouro.

O fato é que Antônio, quando viu os navios de Cleópatra se afastando, resolveu ele também fugir, embarcando em outro navio mais veloz e deixando para trás o restante da frota, que ficou lutando acéfala, exceto por cerca de 60 navios egípcios que conseguiram acompanhar a fuga deles. Mesmo assim, os combates duraram até a madrugada do dia seguinte, porém, no final, toda a frota remanescente de Antônio acabou sendo destruída por Otaviano

Embora, mesmo com a derrota naval na Batalha de Actium, Antônio e Cleópatra ainda comandassem, ao menos no papel, um numeroso exército, o fato é que o custo moral da derrota foi muito alto.

Assim, Cleópatra e Antônio e seus navios remanescentes navegaram até o Peloponeso, conseguindo se evadir à breve perseguição dos navios de Otaviano, e rumaram em direção à África.

Antônio foi para a Líbia, pensando em trazer as legiões que ele tinha deixado ali para a defesa da fronteira ocidental do Egito, enquanto Cleópatra voltou para Alexandria. Porém, o governador de Cyrene e comandante daquelas legiões, Lucius Pinarius Scarpus, que era primo de Otaviano, recusou-se a entregá-las a Antônio. Ao perceber que tudo estava desmoronando, Plutarco conta que Antônio chegou a tentar o suicídio, mas foi impedido pelos seus amigos. Ele então partiu para o Egito, para reencontrar Cleópatra.

Em julho de 30 A.C, Otaviano sitiou Alexandria. Embora tenha havido resistência, as forças dele eram numericamente superiores e mais motivadas. Antônio chegou até a vencer uma escaramuça, no meio da qual desafiou Otaviano para um combate pessoal, a fim de resolver a disputa poupando baixas de ambos, mas este negou-se, limitando-se a responder que:

Em 1º de agosto de 30 A.C, retornando para Alexandria, Antônio, acreditando que Cleópatra tinha morrido, matou-se com a própria espada. A rainha, que estava escondida em seu mausoléu, foi capturada e levada para prisão domiciliar em seu próprio palácio.

Otaviano, agora senhor do mundo romano, planejava levar Cleópatra para Roma e exibir a rainha egípcia em seu triunfo, porém, ela conseguiu enganá-lo e cometeu suicídio, alegadamente deixando-se picar por uma serpente.

Restava somenbte Caesarion, que havia fugido para o sul do Egito com a finalidade de embarcar em direção à Ìndia. Ele, oficialmente, após a morte da mãe, agora era o último faraó do Egito. Consta que Otaviano, indeciso sobre o que fazer com o rapaz, recebeu o seguinte conselho do filósofo Areius:

Então, um destacamento de soldados de Otaviano conseguiu interceptar a caravana de Caesarion e ele foi executado.

9- Senhor de Roma

Após vários anos de duas grandes guerras civis, no período do Primeiro e do Segundo Triunviratos, o povo romano, exausto e sequioso de paz e ordem, aguardava ansiosamente qual seria o próximo passo de Otaviano

Busto de Otaviano, aproximadamente da época da derrota de Cleópatra. Foto> By Gautier Poupeau from Paris, France – Octave, CC BY 2.0, https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=35036733

Com a morte de Antônio e Cleópatra, não mais existiam na orla do Mundo Mediterrâneo, terras não controladas por Roma (a não ser por pequenos bolsões interiores, ainda não completamente dominados), e, no Estado Romano, ninguém que pudesse contestar a autoridade suprema de Otaviano, então na flor de seus 34 anos.

A primeira medida de Otaviano, como detentor de fato, ainda que não de direito, do poder absoluto em Roma e nas terras por ela controladas, foi tornar o Egito uma província romana, porém sujeita diretamente à sua pessoa, não sendo admitida qualquer participação do Senado em sua administração e até mesmo a presença de qualquer senador em seus limites, sem expressa autorização dele.

Quando a notícia da vitória completa de Otaviano alcançou Roma, o Senado decretou que ele detivesse as prerrogativas de imunidade dos Tribunos de forma perpétua (o que era importante, pois os Tribunos eram invioláveis não podendo ser alvo de qualquer constrição, processo ou violência). E muitas outras honras inauditas foram votadas e conferidas a Otaviano, antes mesmo dele por os pés novamente na Cidade.

Ao chegar na capital, Otaviano recusou algumas homenagens e privilégios mais extravagantes, mas fez questão de que seus maiores auxiliares, incluindo Agripa, fossem devidamente condecorados. Na Procissão Triunfal das inúmeras vitórias obtidas durante a Guerra Civil e contra povos estrangeiros, foram exibidos os despojos e prisioneiros capturados, destacando-se os filhos de Cleópatra e Antônio, além de uma pintura de Cleópatra (leia nosso artigo sobre esse quadro).

Em 29 A.C., Otaviano e Agripa foram eleitos cônsules, o que legalmente lhes dava o exercício do que poderíamos chamar de poder executivo em Roma.

Percebe-se que, desde que voltou vitorioso e assumiu as rédeas do Estado Romano, Otaviano mostrou-se consciente de que era necessário evitar, ou, quando isto não fosse possível, ao menos mascarar, as práticas e comportamentos que acarretaram o assassinato de seu tio-avô Júlio César, acusado de tentar se tornar Rei de Roma.

Neste propósito, ele contou com o aconselhamento de seus inseparáveis amigos Agripa e Caio Mecenas.

Assim, Otaviano deveria ser visto aos olhos do público como o salvador da República; nunca como um Rei, mas sim como um líder que divinamente nasceu para manter a paz, a ordem e as tradições republicanas, as quais, sem a sua presença, continuariam ameaçadas por novas guerras civis e pela anarquia. Desse modo, as prerrogativas dos Senadores seriam respeitadas, graças à sua proteção, assim como cabia a ele assegurar os direitos da plebe. Todas as formalidades, assembleias e cargos republicanos seriam nominalmente mantidos, mas o seu funcionamento e efetividade, na prática dependeriam da vontade de Otaviano.

Busto de Marco Vipsânio Agripa, fiel colaborador de Augusto

Seguindo essa política, em 28 A.C, Otaviano revogou todos os decretos e leis excepcionais ou de emergência editados durante a Guerra Civil e declarou que estava devolvendo todos os poderes ao Senado, incluindo o comando das várias dezenas de legiões que ele controlava.

Provavelmente, poucos senadores ficaram convencidos da sinceridade do gesto, mas outros tantos, certamente, temiam, com razão, que, sem a autoridade de um líder inconteste como Otaviano, era grande a probabilidade de que as guerras intestinas pelo poder voltassem a assolar o Estado Romano.

Ocorre que, efetivamente, Otaviano, naquele momento, era provavelmente o homem mais rico do planeta, e ele controlava recursos descomunais comparáveis ao do próprio Estado Romano. E comandava uma imensa massa de militares que, naquele momento, estava ligada por laços de lealdade e devoção à causa de César e do herdeiro deste, Otaviano. Esses veteranos precisavam ser desmobilizados, assentados e assegurada a sua subsistência, e com boa dose de certeza, isso não seria possível sem a intervenção de Otaviano.

10 – Início do Principado e o Primeiro Pacto

Este foi o quadro em que se deu o chamado “Primeiro Pacto” entre Otaviano e o Senado Romano: Ante o clamor dos senadores para que ele continuasse à frente do Estado, Otaviano “aceitou” que ele ficaria no controle das províncias onde estavam estacionadas a maior parte das legiões romanas, não por mera coincidência, aquelas mais estratégicas, pelo prazo de dez anos, enquanto que as outras seriam administradas pelo Senado. Criou-se ainda, já que qualquer insinuação de monarquia era inaceitável, um novo título para espelhar a posição de Otaviano na República – ele seria o “Princeps” (o primeiro de todos), um título derivado de uma prerrogativa senatorial conferida ao senador mais antigo de ser o primeiro a falar (Princeps Senatum).

Busto de Augusto. Foto By Dan Mihai Pitea – Own work, CC BY-SA 4.0, https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=117069932

O título foi conferido pelo Senado em 16 de janeiro de 27 A.C., sendo que na mesma sessão, lhe foi conferido o cognome de “Augustus” (significando o “Venerável” ou o “Reverenciado“), após anteriormente vários outros nomes terem sido considerados (e certamente avaliados por Otaviano). Este nome tinha conotações religiosas e visava conferir a Otaviano uma aura sagrada, valendo citar que ele já se apresentava como “Filho do Divino Júlio“, por causa da deificação de Júlio César, tornado divino logo após o seu assassinato. A partir daí, os historiadores passam a se referir a Otaviano como Augusto, e é assim que faremos também.

Seguindo a convenção de conhecimento geral, a partir de 27 A.C, termina o período da República Romana, nascendo o Império Romano.

Observe-se que “Imperium Romanum” significava, originalmente, as terras sobre as quais Roma exercia domínio, mas “Imperium” também significa o comando e a autoridade militar conferidos a um general sobre suas tropas. De acordo com o costume, quando vitorioso, o general era aclamado “Imperator“. Vimos que a primeira providência de Augusto foi continuar tendo o “Imperium” sobre suas legiões – afinal, desde o início do século I A.C, esta vinha sendo a verdadeira fonte de poder dos governantes romanos – Assim, o título de “Imperator” seria, desde o início, adotado por todos os imperadores romanos a partir de Augusto.

Segundo Antônio dissera certa vez, “Otavio deve tudo ao nome“. Embora tenha sido um comentário feito com intenção depreciativa, o fato é que não fosse a conexão familiar dele com Júlio César, o homem que antes dele chegara ao poder supremo ilimitado temporalmente, abrindo as portas para o processo de mudança de regime, certamente Augusto não teria chegado onde chegou, não obstante ele tenha demonstrado, ainda muito jovem, notável determinação, coragem, talento e inteligência para se tornar o primeiro imperador romano e inaugurar uma forma de governo que duraria, praticamente inalterada, até 284 D.C, e que pode ser considerar, ainda, que, com muitas modificações, sobreviveria, sem quebra de continuidade, até a Queda de Constantinopla, em 1453.

Por isso, ao titulo de “Imperator“, em pouco tempo seriam adicionados,  na forma de títulos, os nomes de “Caesar” e “Augustus“. Em pouco tempo, inúmeros imperadores  romanos subsequentes ostentariam nas inscrições e moedas o título de “Imperator Caesar Augustus“.

Mantendo a fachada de retorno à ordem institucional republicana, Augusto assumiu o cargo de Censor, junto com Agripa, o que lhe permitiu escolher novos senadores, excluindo outros para compor aquela Assembleia, que se encontrava bastante desfalcada em função das mortes ocorridas durante a Guerra Civil.

Agripa também foi nomeado “Curador das Águas” e, nesta capacidade, ele reformou o aqueduto Acqua Marcia. Como Edil, ele também limpou e expandiu a rede de esgoto Cloaca Maxima, além de ter construído Termas e muitos templos. Efetivamente, Agripa foi o principal responsável pelo que Augusto, mais tarde, deixaria expresso em seu testamento público como sendo um de seus maiores legados:

Entre os monumentos mais conhecidos que Augusto ergueu em Roma está o Fórum que leva o seu nome, sendo este o segundo Fórum planejado construído em Roma, após o Fórum de César. Neste Fórum, inaugurado em 2 A.C, Augusto cumpriu a promessa que havia feito de construir um templo em honra ao deus Marte, caso ele vencesse a Batalha de Fílipos, ocorrida quarenta anos antes da inauguração. Assim, foi erguido o Templo de Marte Vingador (Mars Ultor), sendo esta denominação devida ao fato de que o deus teria intervindo para vingar a morte de Júlio César, ajudando Augusto a vencer os assassinos dele. O templo foi construído em uma área que pertencia ao próprio Augusto, e o projeto teve que ser alterado porque Augusto se recusou a desapropriar ou confiscar as residências particulares contíguas para que o espaço contemplasse a concepção original do complexo.

Ruínas do Templo de Marte Vingador, no Fórum de Augusto, em Roma. Foto Por Jakub Hałun – Obra do próprio, CC BY-SA 4.0, https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=37645434

Também digno de nota é o Teatro de Marcelo, inaugurado em 12 A.C, que recebeu esse nome em memória do falecido sobrinho de Augusto, sobre o qual falaremos em breve. Com capacidade para 17 mil espectadores, foi o maior teatro já construído na cidade de Roma e suas ruínas, que foram parcialmente transformadas em residências, ainda podem ser aprecidas.

Teatro de Marcelo. Foto By Fiat 500e – Own work, CC BY-SA 4.0, https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=139306337

Outra obra importante, não pela grandiosidade, mas pelo significado político, histórico e artístico, foi a Ara Pacis (Altar da Pax), erguida no Campo de Marte para celebrar aquela que Augusto considerava como uma de suas maiores realizações: A Paz Romana (Pax Romana), ou Paz Augusta (Pax Augusta), que consistia no fim das guerras civis e conquista ou pacificação das nações vizinhas circundantes, garantindo a existência de fronteiras estáveis. A Ara Pacis foi dedicada em 9 de janeiro de 9 A.C e ela é importante também como monumento artístico, graças à excelência de suas proporções e qualidade dos relevos, os quais ilustram uma procissão religiosa com retratos de vários membros da família imperial dos Júlios-Cláudios

A Ara Pacis, reconstruída com parte dos relevos originais. Foto Por Manfred Heyde – Obra do próprio, CC BY-SA 3.0, https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=6435591

11- Grave enfermidade e o Segundo Pacto

Porém, em 23 A.C, Augusto ficou muito doente a ponto de considerar seriamente que não iria sobreviver. Fazia dez anos sucessivos que ele vinha ocupando o cargo de Cônsul, algo que causava desagrado aos senadores tradicionalistas, uma vez que durante a República este era o cargo mais alto que podia ser alcançado por um cidadão, e que conferia grande prestígio às famílias aristocráticas, que o vinham ocupando desde  o início da República, em 509 A.C, com raríssimas exceções.

Até aquele momento, não havia nenhuma norma estabelecida acerca da sucessão de Augusto como Princeps e nem mesmo se esta posição seria exclusiva dele, cessando com sua morte, ou se o regime continuaria. E neste caso, também não se sabia quem seria o escolhido para ser o novo imperador.

O colaborador mais próximo e amigo mais íntimo do imperador, Marco Vipsânio Agripa, certamente poderia contar com o apoio do Exército, que tantas vezes ele havia comandado com brilhantismo durante a Guerra Civil. No entanto, sua família pertencia à classe equestre, o segundo escalão da nobreza romana, e sua aceitação pelos integrantes da aristocracia senatorial provavelmente seria problemática, embora ele, naquele momento, fosse casado com a sobrinha de Augusto, Cláudia Marcela. O herdeiro mais provável parecia ser Marco Cláudio Marcelo, que além de ser sobrinho de Augusto, e seu parente do sexo masculino mais próximo, era casado com Júlia, a única filha de Augusto. No entanto, Marcelo somente tinha 19 anos e não possuía real experiência política e militar. 

Busto de Marcelo. Foto: By Siren-Com – Own work, CC BY-SA 3.0, https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=32780891

Segundo as fontes, no auge da doença, Augusto entregou o anel contendo o seu selo para Agripa, o que muitos entenderam como sendo a escolha dele como sucessor. Entretanto, Augusto também convocou seu colega de consulado, Calpúrnio Pisão, conhecido por ser um adepto das tradições republicanas, e entregou-lhe as contas das finanças do Estado, bem como todos os documentos oficiais que estavam em seu poder, além da lista das legiões existentes, no que pode ter parecido um gesto de que ele tencionava restaurar a República, ou ao menos, manter a divisão de poderes entre o futuro príncipe e o Senado como ele havia deixado. 

Porém, de fato, pode ser que a intenção de Augusto fosse a de que Agripa, que sempre havia se provado o seu amigo e ajudante mais fiel entre todos, administrasse o Estado até que Marcelo estivesse preparado. Essa é a hipótese que me parece mais provável.

No entanto, Augusto, graças aos cuidados do médico Antônio Musa, acabou se recuperando. Em seguida, o imperador começou a dar demonstrações de preferência por Marcelo, conferindo-lhe honras e financiando um grande espetáculo que o sobrinho ofereceu em Roma. Ocorre que o episódio do anel gerou uma certa animosidade de Marcelo em relação a Agripa. Assim, para afastar quaisquer dúvidas, o sempre obediente e dedicado Agripa foi enviado em uma missão no Oriente.

Porém, naquele mesmo ano, Marcelo contraiu uma febre, possivelmente a mesma enfermidade que havia atacado Augusto, sendo igualmente tratado por Musa, mas desta vez sem sucesso. Então, Marcelo morreu aos 19 anos de idade e foi muito pranteado pelo tio, recebendo várias homenagens fúnebres. 

Apesar de ser de conhecimento do público que uma peste grassava em Roma no ano da doença de Augusto e da morte de Marcelo, muitos desconfiaram que o rapaz pudesse ter sido envenenado, e a principal suspeita recaiu sobre a imperatriz Lívia, que estaria interessada em assegurar que seu filho natural mais velho, Tibério, fosse o sucessor de Augusto. Embora provavelmente não tenha passado de um boato, essa suspeita seria reforçada no futuro por acontecimentos semelhantes…

Diante do estado de indefinição sobre quais seriam os limites do poder de Augusto, ou, melhor dizendo, quais os poderes e prerrogativas o Senado ainda poderia manter, os acontecimentos levaram Augusto e os senadores a colocarem em prática o que ficaria conhecido como o “Segundo Pacto“.

Tentando, sinceramente ou não, afastar as incertezas  e os temores que as ações relativas à sua sucessão durante a sua grave enfermidade incutiram tanto em seu círculo, como no Senado  e até na opinião pública, de que o Império se tornaria uma monarquia hereditária, Augusto decidiu renunciar ao Consulado. Isso visava contentar aos Senadores, que agora teriam duas vagas para disputar as muitas honrarias que o cargo proporcionava. Além disso, deixando de ser Cônsul, tecnicamente Augusto não teria mais ingerência, ao menos formalmente, sobre as chamadas Províncias Senatoriais, continuando apenas como Procônsul das chamadas Províncias Imperiais, administradas por seus Legados.

O Segundo Pacto, antes de significar que o Senado tencionasse disputar o poder com Augusto, era uma forma de solucionar impasses legais aptos a gerar confusões e perplexidades no governo do Império. Assim, o Senado votou que Augusto deteria um “Imperium Proconsularis Maius“, que lhe permitia, em caso de necessidade, intervir nas províncias senatoriais, mas que, de maneira inédita, aplicava-se também no interior da cidade de Roma.

Prosseguindo, o Senado também conferiu a Augusto o Poder Tribunício vitalício (mas não, por óbvio, o cargo de Tribuno, que era privativo de plebeus), permitindo-lhe apresentar  ou vetar propostas de leis, incluindo, ainda, os poderes de Censor, muito importante porque permitia arrolar os cidadãos dentro dos diversos estratos da sociedade romana (o que importava em prerrogativas e privilégios para os escolhidos, como o de ocupar certos cargos e não ficar sujeito a penas infamantes), realizar Censos, além de fiscalizar os costumes públicos.

Foi no uso dessas capacidades que Augusto criou um corpo de “Vigiles” (bombeiros) para atuar na cidade de Roma, e também instituiu medidas conservadoras de costumes, como penas para adultério e a obrigação de todo cidadão usar a toga quando adentrasse o Fórum Romano. E também criar uma guarda imperial, que foi chamada de Guarda Pretoriana e era a única guarnição armada admitida no interior da Cidade de Roma.

Nota: originalmente, todos os comandantes militares romanos tinham uma guarda pretoriana, nome derivado do Pretorium, o quartel-general ocupado pelo comandante. Augusto manteve a sua guarda pretoriana quando voltou para Roma, e mais tarde, institucionalizou esse corpo militar, inclusive criando o cargo de Prefeito Pretoriano, que eram dois). Não obstante, a segurança dentro do palácio ficaria a cargo de um corpo de guarda-costas de origem germânica.

A plebe romana, que não confiava na aristocracia senatorial, ao saber que Augusto não mais concorreria ao Consulado, e ignorante das sutilezas do Segundo Pacto (que na realidade havia aumentado os poderes de Augusto), chegou a promover tumultos nas ruas, exigindo que ele concorresse às eleições para o cargo nos anos de 22, 21 e 19 A.C, e até que ele assumisse o posto de Ditador (que era uma magistratura excepcional temporária prevista nas normas constitucionais da República Romana). Augusto, cautelosamente, recusou. Mas quando, no primeiro ano citado, houve escassez de comida na Cidade, seguiram-se maiores tumultos, e o imperador foi obrigado a intervir com recursos próprios para assegurar o fornecimento de trigo. Isso o levaria, anos mais tarde, a instituir o cargo de Prefeito da Anona, que teria muita importância política na história imperial.

O aumento dos poderes do Príncipe não passou despercebido para os mais perspicazes senadores, e, em 22 A.C, foi denunciada a existência de uma conspiração em andamento para derrubar Augusto, liderada por um obscuro Fannius Caepio (provavelmente, as referências ao personagem foram restringidas pela reação imperial), com a participação de Lucius Murena, legado imperial na Síria. Os participantes, que haviam fugido, foram julgados sumariamente à revelia, e executados assim que foram capturados. Nesse julgamento, Tibério, o enteado de Augusto, funcionou como acusador público.

Em 19 A.C,  a aparência de continuidade republicana tão ciosamente promovida por Augusto esvaneceu-se um ainda um pouco mais quando ele recebeu o “Império Consular“, permitindo-lhe exercer os poderes dos Cônsules Ordinários e utilizar seus ornamentos e símbolos, incluindo um séquito de litores carregando “fasces” (o feixe de varas que representava o poder de castigar que detinham os magistrados). Finalmente, em 12 A.C, Augusto recebeu o cargo de  Sumo Pontífice, passando a ser o chefe dos cultos reconhecidos pelo Estado Romano e, finalmente, em 2 A.C, a ele foi conferido o título de “Pai da Pátria“. Podemos, assim considerar que estava concluída a transição da República para o Império.

Estátua de Augusto, vestido de Sumo Pontífice. Foto By Vicenç Valcárcel Pérez – Own work, CC BY-SA 4.0, https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=99990278

12- A Era de Augusto

Augusto e seus auxiliares mais próximos, sobretudo Gaius Mecenas, patrocinaram poetas, artistas e historiadores, como Virgílio e Tito Lívio, reunidos em um círculo, criando uma verdadeira ideologia e estética imperiais. O governo de Augusto foi apresentado como o ponto culminante de toda da História de Roma, desde a sua fundação, e as obras produzidas, como a Eneida, enfatizavam os costumes ancestrais, as virtudes romanas e sua relação com a Era de Augusto, em que o patriotismo, a paz e a concórdia eram estimulados e assegurados pelo imperador. 

Por sua vez, a imperatriz Lívia passou a personificar a virtude das matronas romanas. Tida como casta e incorruptível, segundo divulgou-se, ela até chegava a fiar em seus aposentos as roupas que o marido usava. Porém, Lívia era muito mais do que apenas uma imperatriz-consorte, e por várias vezes constatou-se que ela tinha voz efetiva nos assuntos do governo e Augusto ouvia seus conselhos. Além disso, Lívia tinha o direito de ter seus próprios secretários e geria por conta própria o seu vasto patrimônio.

Como Censor, Augusto tentou reformar práticas considerados imorais da aristocracia romana, tomando medidas contra o adultério (embora ele mesmo fosse um rematado adúltero) e revigorar costumes tradicionais, como por exemplo ao proibir que pessoas entrassem no Fórum Romano sem estarem vestidas com a típica toga romana.

Passada a fase de alguma indefinição acerca de sua posição no Estado Romano, após os dois pactos estabelecendo a sua supremacia sobre qualquer outra instância de governo, Augusto sentiu-se à vontade para expandir e consolidar as fronteiras do Império Romano.

Dissemos nos capítulos anteriores que, ao final da Guerra contra Antônio e Cleópatra, Roma era a senhora da orla do Mediterrâneo, o que era verdade. Porém, no interior dos territórios controlados pelos Romanos, havia várias tribos e regiões ainda não submissas ao poder romano, acarretando, inclusive, alguma descontinuidade territorial entre algumas províncias. Vale citar que o próprio César, por exemplo, teve que negociar com chefes de tribos celtas que controlavam passagens nos Alpes para poder se movimentar da Gália para a Itália e vice-versa, mesmo após a conquista romana e a transformação da Gália em província.

Mesmo antes da completa estabilização política interna, Augusto já havia liderado, até ser obrigado a se afastar por uma enfermidade, uma campanha contra as tribos dos Cântabros, em 26 A.C, e, posteriormente, contra os Astures e os Galaicos, na Hispânia,. Essas campanhas foram concluídas com sucesso pelos governadores da Hispânia Citerior e Ulterior, em 19 A.C., assegurando o controle romano sobre o norte e o noroeste da Península Ibérica, incluindo ricas minas de ouro.

Em 25 A.C, o rei Aminthas, da Galácia, um reino-cliente de Roma, morreu e Augusto aproveitou o fato para anexar o reino.

Entre 16 A.C. e 7 A.C, as tribos que habitavam os Alpes foram conquistadas. Em comemoração, foi erguido o imponente monumento denominado “Troféu dos Alpes” (conhecido como La Turbie, na França), próximo ao atual Principado de Mônaco, cujas ruínas ainda existem, contendo a inscrição com o nome das 45 tribos subjugadas.

La Turbie, originalmente em forma de cilindro, ainda hoje é uma ruína impressionante. (Foto: Berthold Werner, CC BY-SA 3.0 http://creativecommons.org/licenses/by-sa/3.0/, via Wikimedia Commons)

Em 20 A.C, Augusto obteve, mediante diplomacia, a devolução dos estandartes militares romanos que os Partas haviam capturado em 53 A.C, após derrotarem e matar o Triúnviro Crasso (o colega de César e Pompeu no Primeiro Triunvirato). O acontecimento foi alvo de uma bem-sucedida campanha de propaganda para o público interno, apresentada como se o imperador parta, Fraates IV, tivesse se submetido a Augusto. Este até passou a usar uma elaborada couraça com relevos retratando a devolução dos estandartes, que pode ser apreciada na famosa estátua conhecida como “Augusto de Prima Porta“, atualmente nos Museus Vaticanos, em Roma.

A famosa estátua do Augusto de Prima Porta

Todas essas vitórias foram orgulhosamente relacionadas na Res Gestae Divi Augusti (Atos do Divino Augusto), um documento escrito pelo próprio Augusto, descrevendo todas as suas realizações civis e militares desde que iniciou sua vida pública, sobretudo após vencer a Guerra Civil e exercer o poder supremo em Roma (o texto encontra-se gravado nas paredes de um templo, em Ancyra (atual Ancara), na Turquia, e por isso é conhecido como Monumentum Ancyranum.

As paredes do Templo de Augusto e Roma, em Ancara, contendo as inscrições com o texto da Res Gestae Divi Augusti

Porém, Augusto, não é de surpreender, não contou as, diga-se de passagem, poucas derrotas que os romanos sofreram em seu longuíssimo reinado. Ele omitiu, particularmente, o famoso “Desastre de Varo”, na Germânia.

Hoje não há dúvidas, cotejando os relatos das fontes antigas com os achados arqueológicos, que Augusto pretendia transformar toda a Germânia (Germania Magna) em uma província romana. Seus generais, notadamente seus enteados Druso e Tibério, obtiveram muitas vitórias sobre as tribos germânicas e chegaram a alcançar o rio Elba , indo até mesmo além. Quartéis e até algumas cidades foram construídas a leste do rio Reno.

Porém, quando tudo parecia correr para que este projeto desse certo, o governador da Germânia, Públio Quintílio Varo, seria atraído para uma emboscada por seu auxiliar germânico, Arminius, e ele e três legiões romanas completas seriam massacrados na Batalha da Floresta de Teutoburgo, em 9 D.C. Os próprios romanos desmantelaram ao menos uma das cidades e os quartéis queimados pelos germanos. Segundo consta, após receber a notícia do desastre, Augusto passou vários dias lamentando-se, chegando a bater a cabeça na parede, enquanto dizia :

Não obstante, Augusto fez importantes reformas militares e fixou o número de legiões, espalhadas predominantemente pelas fronteiras estratégicas, em 28, reduzindo assim a quantidade imensa de legiões criadas durante as Guerras Civis, que pesavam no orçamento público.

A carreira militar também foi incentivada com a criação de um fundo público para o pagamento de pensões, o Aerarium Militare, um passo importante para assegurar a existência de um exército permanente.

Até mesmo inovações tecnológicas no equipamento militar foram implantadas no governo de Augusto, como a adoção da lorica segmentata, a célebre armadura de placas articulares, tão famosa nos filmes de Hollywood.

Voltando às iniciativas no campo da administração civil, Augusto estabeleceu um sistema de tributação permanente e estável, para vigorar em todo o território controlado por Roma, mas ao mesmo tempo acabando com os confiscos e tributos extraordinários e irregulares que eram impostos frequentemente às províncias, e aproveitando para aliviar a taxação sobre os Italianos (O sistema, elaborado em bases mais racionais, também restringiu a atuação dos odiados publicanos, que eram particulares que recebiam comissões para cobrarem impostos, ficando com uma parte, o que passou a ser predominantemente feito por servidores públicos).

Aliás, foi Augusto quem primeiro estabeleceu a Itália como uma região político-administrativa, compreendendo a península italiana.

13- A procura de um herdeiro e os últimos anos

Mas o grande insucesso de Augusto foi mesmo não conseguir ser sucedido por um parente sanguíneo, legítimo integrante da gens Júlia.

O primeiro candidato a não vingar, como vimos, foi Marcelo. Augusto, então determinou que a viúva deste, a  sua filha Júlia, se casasse com aquele que talvez fosse a pessoa em que ele mais confiava: Marcos Agripa, em 21 A.C. (que, após o falecimento de Marcelo, recebeu o império proconsular pelo prazo de cinco anos. O casamento dos dois seria prolífico, gerando três meninos  e duas meninas: O primeiro, Caio César, nasceu em 20 A.C, sendo seguido por Júlia, a Jovem. Em 17 A.C. nasceria Lúcio César. Depois se seguiriam Agripina, a Velha, e Agripa, cognominado Póstumo (por ter nascido após o falecimento do pai).

Cabeça de Júlia, a Velha, filha de Augusto. Foto By Didier Descouens – Own work, Public Domain, https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=115964066(Toulouse) Portrait de Julie Ra 338

Eu acredito, vale repetir, que Augusto nunca pretendeu de fato que Agripa fosse o seu sucessor permanente, confiando que o amigo cumpriria o planejado e abdicaria em favor de um dos filhos, quando eles se tornassem maiores de idade. Assim, Caio e Lúcio César foram adotados oficialmente por Augusto, tornando-se legalmente os seus herdeiros, em 17 A.C. Augusto providenciou para que os rapazes fossem nomeados cônsules para os anos de 1 D.C. e 4 D.C, apesar deles estarem bem abaixo da idade legal. Como já visto, Agripa faleceu em 12 A.C, pouco antes do nascimento de seu terceiro filho com Júlia, que seria chamado de Agripa Póstumo.

Contudo, Lúcio César faleceu em Marselha, enquanto se dirigia para completar seu treinamento militar na Hispânia, aparentemente de alguma enfermidade não identificada, em 20 de agosto de 2 D.C., quando tinha 18 anos de idade.

Cabeça de Lúcio César

Por sua vez,  Caio César seria ferido em um cerco a uma fortaleza na Armênia, em 9 de setembro de 2 D.C. Segundo as fontes, o ferimento não teria sarado adequadamente, e Caio César acabaria falecendo em 21 de fevereiro de 4 D.C, aos vinte e três anos, em uma cidade da Lícia, na atual Turquia.

Cabeça de Gaius Caesar, neto de Augusto. Foto By Unknown artist – Marie-Lan Nguyen (2011), CC BY 2.5, https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=15469314

Autores antigos levantaram a suspeita de que a imperatriz Lívia estaria por trás da morte dos rapazes, de modo semelhante aos boatos que circularam no caso da morte de Marcelo, e pelo mesmo propósito: assegurar o trono para seu filho Tibério.

É muito difícil chegar a uma conclusão sobre essas suspeitas…Realmente, as mortes de três jovens bem nascidos e, aparentemente, sem problemas de saúde reportados previamente, parece improvável. Mas devemos lembrar que a mortalidade na Roma Antiga, assolada por epidemias e cuja medicina era mais rudimentar, era bem maior do que hoje.

Eu acho difícil que Lívia possa ter tido participação no episódio que resultou no ferimento de Caio César, ocorrida em uma ação militar em um território distante e fora da jurisdição de Roma. Entretanto, há um considerável intervalo de tempo de mais de um ano entre este episódio e a morte do rapaz, que ocorreu já em uma província romana oriental.

Note-se que Caio, que estava mais próximo na corrida pela sucessão, foi o segundo a morrer, em circunstâncias que não chegam a parecer tão suspeitas. Por outro lado, Lúcio, o mais novo, morreu mais perto de Roma, em Marselha, e em circunstâncias um tanto mais obscuras. Mas, para quem acredita que Lívia realmente encomendou a morte dos rapazes, não teria sido mais fácil matá-los enquanto ainda crianças? Afinal, a mortalidade infantil era algo corriqueiro na Roma Antiga. E o pai deles, Agripa, que poderia inspirar algum receio em Lívia, morreu em 12 A.C, quando o mais velho tinha 8 anos e o mais novo, 5. Faria mais sentido assassinar os dois antes que eles chegassem à idade adulta.

O fato é que a morte do sobrinho e dos dois netos deixou Augusto sem uma opção de herdeiro imediata. Isto em uma época em que ele estava entrando em uma idade avançada para os padrões romanos. Assim, ele foi obrigado a recorrer ao seu enteado Tibério.

Cabeça de Tibério

A posição de Tibério, a quem parece que Augusto nunca foi afeiçoado, já tinha melhorado  na “corrida sucessória” com a morte de Agripa, uma vez que, no mesmo ano do falecimento deste, em 12 A.C., Augusto obrigou-o a divorciar-se de sua amada esposa, Vipsânia Agripina, filha de Agripa, e casar-se com sua filha Júlia, viúva do falecido, no que seria uma união notoriamente infeliz. Além disso, Tibério vinha se destacando como um excelente general, e sendo encarregado de importantes missões estatais, as quais cumpriu com eficiência.

Augusto, em 6 A.C, chegou a compartilhar o “Poder Tribunício” com Tibério. Surpreendentemente, contudo, neste mesmo ano, o enteado resolveu abandonar tudo e ir morar na ilha de Rodes, em verdadeiro autoexílio. Ninguém sabe ao certo quais foram os motivos de Tibério para sua partida, mas há várias hipóteses plausíveis. 

Na minha opinião, há uma coincidência sintomática entre esta decisão e o fato de que, também no ano de 6 A.C., o Comício das Centúrias, certamente por sugestão de Augusto, tenha decidido eleger Caio e Lúcio César para os consulados do ano 1 e 4 D.C.:

Assim, o seu “autoexílio” seria um gesto de retaliação de Tibério contra o propósito de Augusto de avançar a carreira dos rapazes e prepará-los para serem os sucessores o mais rápido possível, retirando a perspectiva de que Tibério pudesse sucedê-lo, ou, no caso de que isto ocorresse, devido à morte de Augusto antes de que eles fossem Cônsules, de que o reinado dele fosse breve. Desse modo, Tibério, ao contrário de Agripa, teria querido deixar claro que ele não aceitava ser apenas um  imperador “interino”. Muitos estudiosos defendem esta hipótese. 

Mas há outros historiadores que acreditam que a causa principal do exílio de Tibério teriam sido os frequentes adultérios de Júlia em Roma, os quais maculavam a reputação do próprio Tibério enquanto marido traído. Foi em 2 A.C. que o comportamento escandaloso de Júlia chegou ao conhecimento de Augusto que, envergonhado pelo comportamento da filha, contrário às leis moralizantes instituídas por ele próprio, decidiu pelo divórcio de Tibério e Júlia.

Indo além, Augusto mandou exilar os amantes da filha e até mesmo obrigou alguns a cometerem suicídio. A própria Júlia também foi exilada para a remota ilha de Pandatária. A mágoa de Augusto foi tanta, que, em seu testamento, ele proibiu que ela, quando morresse, fosse sepultada no Mausoléu dele, em Roma, proibição que se estendia à  sua neta Júlia, a Jovem, filha de Júlia, que também seria exilada em 8 D.C, igualmente sob a acusação de adultério. Dada a dimensão desse rancor, aventou-se a possibilidade de que Júlia também teria participado de uma conspiração contra Augusto, fato que, segundo uma fonte, ele mesmo teria comentado no Senado. Júlia morreria em 14 D.C, após a morte de Augusto, ainda no exílio, agora em Regium, segundo consta, de depressão ou até mesmo inanição deliberadamente provocada por ordem ou no interesse de Tibério, aos 52 anos de idade.

Seja como for, as fontes mencionam que o auto-exílio de Tibério deixou Augusto muito preocupado pelo fato de Caio e Lúcio César serem ainda meros adolescentes, o que colocaria em perigo a própria continuidade do Principado, caso Augusto morresse subitamente naquele momento, no qual, mais uma vez, ele lidava com um problema de saúde. Porém, como das outras vezes, Augusto se recuperou e, pelas aparências, não perdoou Tibério, que, reiteradamente, após passar alguns anos em Rodes, fazia  pedidos de autorização para retornar para Roma, todos recusados pelo imperador. Certamente Augusto, com a chegada de Caio à idade adulta, não via mais utilidade no enteado. Somente em 2 D.C, Augusto consentiu com a volta de Tibério a Roma, porém, como mero particular, sem dar-lhe nenhum cargo ou função pública.

Tudo mudaria, porém, com a morte dos dois netos, Caio e Lúcio. Sem mais nenhuma opção viável para a sucessão, Augusto foi obrigado a adotar imediatamente Tibério como filho e herdeiro, conferindo-lhe, ainda, o Poder Tribunício e o Império Proconsular Maior.

Todavia, ainda assim, Augusto não abandonou completamente o desejo de que um dia alguém  do seu sangue herdasse o Império: ao adotar Tibério, ele exigiu que este, por sua vez, adotasse o seu sobrinho-neto, Germânico, filho de Antônia, a Jovem, que era filha de sua irmã, Otávia. Além disso, juntamente com Tibério, Augusto adotou seu único neto vivo, Agripa Póstumo (que não havia sido adotado junto com os irmãos para que ele pudesse dar continuidade ao nome de seu pai, Marco Vipsânio Agripa).

Cabeça que se acredita ser de estátua de Agripa Póstumo

Por que, então, Augusto não adotou apenas Agripa Póstumo como herdeiro? Na verdade, este tinha 16 anos quando Augusto adotou-o junto com Tibério. Assim, se Augusto falecesse subitamente, era grande a chance de que Póstumo não tivesse apoio suficiente para ser imperador ou então fosse facilmente “bypassado” por outros. Consequentemente, naquele momento, o respeitado e experiente Tibério era a garantia de continuidade do principado.

Ademais, segundo várias fontes, Agripa Póstumo seria um rapaz brutal, estúpido, insolente e depravado, portanto, não deve ter demorado muito tempo para que o próprio Augusto tenha percebido que ele seria inapto para sucedê-lo.

Assim, em 7 D.C, Póstumo foi banido para Sorrento, e, posteriormente, para Planásia, outra remota ilha  É bem provável que Lívia e o próprio Tibério tenham influído nesta decisão e o rapaz ficaria sob guarda armada na ilha, em exílio perpétuo. Especula-se que ele também possa ter se envolvido em alguma conspiração que ensejou esta medida. De fato, no ano seguinte, Júlia, a Jovem, irmã de Póstumo e neta de Augusto, seria exilada sob a alegação de ter cometido adultério, sendo que, segundo Suetônio, o marido dela, Lúcio Emílio Paulo, foi executado por ter conspirado contra Augusto, em data não apontada.

Suetônio também menciona que dois homens de baixa condição, Lucius Audasius, um estelionatário, e Asinius Epicadus, mestiço de origem ilíria, chegaram a planejar o resgate de Júlia e Póstumo e levá-los até um contingente de tropas, certamente com o propósito de derrubar Augusto, então existe alguma possibilidade de que ambos os irmãos tenham mesmo se envolvido em alguma conspiração.

14- Morte de Augusto e sucessão

Nesta época, Augusto se tornara septuagenário, uma idade avançada mesmo para romanos da classe alta. Pouco a pouco ele foi deixando os assuntos de Estado mais importantes a cargo de Tibério, embora, segundo as fontes, ele nunca tenha deixado de despachar e ler os documentos de governo.

Esta estátua de bronze, encontrada no Mar Egeu, hoje no Museu Arquológico Nacional de Atenas, é uma das poucas a retratar Augusto em idade madura e de forma não idealizada, sendo provavelmente uma de suas representações mais realistas. Foto George E. Koronaios, CC BY-SA 4.0 https://creativecommons.org/licenses/by-sa/4.0, via Wikimedia Commons

Em 13 D.C, foram dados a Tibério todos os poderes de Augusto, em pé de igualdade. Portanto, na prática, Tibério era, agora, co-imperador. Ele passara os dois últimos anos na Germânia, lidando com os problemas militares que sucederam o Desastre de Varo. Ao voltar para Roma, Tibério celebrou um Triunfo, a procissão da vitória que, no governo de Augusto, tinha se tornado exclusiva do Imperador.

Em meados de 14 D.C, a saúde de Augusto começou a piorar. Mesmo assim, ele resolveu fazer uma viagem para Nola, hospedando-se na mesma velha casa de verão da sua família. Ele estava chegando aos 75 anos. Apesar disso, em Nola, ele chegou a melhorar um pouco. Porém, em 19 de Agosto de 14 D.C, o vetusto imperador sentiu que iria morrer. Ele deitado no mesmo quarto em que o seu pai havia falecido. As suas últimas palavras para os que estavam em seu aposento foram: 

Julgo que a frase é de extrema sutileza, pois Augusto de fato interpretou com maestria o personagem de “rei que não deveria ser e nem quer ser um rei”…

Novamente, alguns nutriram, mais uma vez, a suspeita de que Lívia teria envenenado o marido, mencionando até que ela teria utilizado figos envenenados. Entretanto, não há nenhuma evidência sólida de que isto teria acontecido. O fato de alguém muito doente melhorar um pouco antes da morte é algo bem corriqueiro e frequentemente observado.

Um dos motivos para a suspeita é que, durante o trajeto da viagem para Nola, algumas fontes aventaram o fato de que Augusto teria pego um barco até a ilha de Planásia e feito uma visita a Agripa Póstumo, com o suposto objetivo de reabilitar o neto. Porém, aberto o testamento de Augusto, não havia nenhuma menção ao rapaz (é bem verdade que não se pode excluir terminantemente a hipótese dele ter sido adulterado, a mando de Lívia ou de Tibério).

De qualquer forma, Póstumo foi executado no mesmo ano e aproximadamente na mesma época em que Augusto morreu, não se sabe ao certo se exatamente antes ou depois. Tácito conta que um centurião teria abordado Tibério após ele ser aclamado pelo Senado, e dito que “as ordens dele foram cumpridas“, mas Tibério negou que tivesse dado qualquer ordem, e que o centurião teria se referido a uma ordem dada por Augusto.

O corpo de Augusto foi levado para Roma, cremado e as cinzas depositadas no Mausoléu de Augusto, que foi recentemente reformado pela Prefeitura de Roma. Vários outros imperadores e membros da dinastia dos Júlios-Cláudios seriam sepultados ali.

Maquete reconstituindo o Mausoléu de Augusto, modelo da cidade de Roma por E. Gismondi. Foto Por Jean-Pierre Dalbéra from Paris, France – Maquette du mausolée d’Auguste (musée de la civilisation romaine, Rome), CC BY 2.0, https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=24668980

15- Características pessoais de Augusto

Segundo relatos das fontes e traços detectados nas estátuas sobreviventes, Augusto tinha uma bela aparência, possuindo cabelos castanhos claros, puxados um tanto para o louro e ligeiramente ondulados, e olhos azuis claros. A tez de sua pele ficava entre clara e morena, e ele tinha muitas pintas no corpo. Ele gostava de estar bem barbeado e penteado. Seus dentes eram separados, pequenos e mal cuidados. O imperador tinha 1,70m de altura, não sendo baixo para os padrões da época, mas gostava de usar calçados para aumentar a sua estatura.

Augusto gostava de morar na mesma casa que ele habitava no Palatino e dormiu no mesmo quarto por quarenta anos, uma casa que depois foi aumentada e anexada ao templo do deus Apolo, de quem ele era especial devoto. Ele tinha o costume de, mesmo depois, de adulto, usar de propósito algumas palavras com erros que ele cometia quando criança. Ele era moderado no comer e no beber, mas era muito friorento no Inverno, quando costumava vestir quatro túnicas, uma por cima da outra, para diminuir a sensação de frio, e calorento no verão, quando gostava de ser abanado e dormir de portas e janelas abertas. E também não gostava de pegar sol. Seu principal divertimento eram jogos de tabuleiro e especialmente os que envolviam apostas.

Acredita-se que esse aposento, soterrado por cosntruções posteriores, pertence à Casa de Augusto, no Palatino. Foto By Cassius Ahenobarbus – Own work, CC BY-SA 3.0, https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=26372292

Augusto viveu a maior parte de sua vida junto à sua terceira esposa, Lívia, com quem ele casou aos 25 anos, tendo o casamento durado 51 anos. Durante a união, Lívia chegou a engravidar de Augusto e dar a luz a uma criança, que, no entanto, nasceu morta. Eles nunca conseguiram ter outro bebê. Muito provavelmente, Lívia, que já tinha tido dois filhos de seu casamento anterior, deve ter ficado estéril devido às complicações deste último parto.

Não obstante, embora isso fosse comum na sociedade romana, Augusto  não se divorciou da esposa infértil e eles ficaram casados até morrer. Por tudo isso, acredito que havia amor genuíno entre o casal.  Mas era público e notório que Augusto teve casos com várias mulheres durante o casamento, e Lívia deixou também publicamente transparecer que ela sabia das traições, mas preferia ignorá-las, como escreveu Cássio Dião:

16 – Legado

Durante a sua longuíssima carreira pública, iniciada aos 19 anos, já em uma posição de poder, Augusto adotaria vários comportamentos: Inicialmente mostrou-se implacável e até sanguinário, na luta contra seus adversários políticos, mas, após assumir o poder supremo, ele assumiu uma postura bem mais benevolente. As suas grandes virtudes foram a de conseguir inspirar lealdade e respeito, reunindo e mantendo um círculo de partidários leais e talentosos, e, em troca, ser leal  e devotado aos seus amigos. Sem ser general e quase totalmente ignorante na arte da guerra, ele fez com que outros lutassem e vencessem por ele, dando-lhe alegremente as glórias.

Augusto soube avaliar os erros dos que os precederam e compreender que era necessário dar uma aparência republicana de legitimidade ao seu governo. Sobretudo, ele compreendeu que não era viável governar o Império Romano sem a classe senatorial, ao mesmo tempo que era necessário cultivar o apoio da plebe e, sobretudo, dos soldados.

O mero fato de Augusto governar o Império por mais de quarenta anos, sem conflitos internos, e apenas contendo os inimigos externos (com a exceção do Desastre de Varo) foi uma grande contribuição para a prosperidade e desenvolvimento econômicos do Mundo Romano.

Augusto estabeleceu um sistema de governo que durou, praticamente inalterado, até o reinado de Diocleciano, iniciado em 284 D.C.  As fronteiras do Império e até mesmo o número de 28 legiões que ele julgou suficiente para defendê-las foram mantidas, mais ou menos inalterados, até o reinado de Constantino, e mesmo além. Seu único insucesso foi não ter conseguido implantar uma regra estável para a sucessão.

FIM

ANTÊMIO

Em 11 de julho de 472 D.C, o imperador romano do Ocidente, Antêmio, após tentar se refugiar na antiga Basílica de São Pedro, na colina do Vaticano, em Roma, foi capturado e decapitado por Gundobado, o Burgúndio, sobrinho do general bárbaro a serviço de Roma, Ricimero.

Moeda (solidus) de Antêmio, imperador. Foto Classical Numismatic Group, Inc. http://www.cngcoins.com, CC BY-SA 2.5 https://creativecommons.org/licenses/by-sa/2.5, via Wikimedia Commons

ANTECEDENTES E CARREIRA DE ANTÊMIO

Procópio Antêmio era filho de Procópio (Vamos chamá-lo aqui de Procópio Pai), um general que ocupou o posto de Marechal do Império Romano do Oriente para as províncias orientais (Magister Militum per Orientem). Procópio Pai, por sua vez, era descendente de outro Procópio (ao qual chamaremos aqui de Procópio, o Velho), que era primo do imperador romano Juliano (cognominado “o Apóstata“, pelos historiadores cristãos), e, após a morte deste na fracassada expedição contra o Império Persa, em 363 D.C (da qual Procópio, o Velho participou e, por motivos até hoje ignorados, não conseguiu unir a sua coluna à expedição comandada pelo imperador). Após a morte súbita de Joviano, o sucessor de Juliano, e a ascensão de Valentiniano I e do irmão dele, Valente, respectivamente, ao trono da Parte Ocidental e Oriental do Império Romano, este Procópio, o Velho se autoproclamou Imperador, tornando-se, assim, um usurpador, mas foi derrotado, capturado e executado, em 366 D.C. Portanto, considerando que Juliano era sobrinho do Constantino, o Grande, pode-se considerar que Antêmio era um dos últimos integrantes, ainda que distante, da prestigiosa dinastia constantiniana.

Por parte de mãe, Antêmio era neto de outro famoso Antêmio (vamos chamá-lo aqui de Antêmio, o Velho), o Prefeito Pretoriano do Oriente (404 a 415 D.C) que, após a morte do Imperador Romano do Oriente, Arcádio, em 408 D.C, na prática foi o regente e virtual governante de metade oriental do Império Romano durante a infância do sucessor deste, Teodósio II. Neste papel, Antêmio, o Velho foi o responsável pela construção das inexpugnáveis Muralhas Teodosianas, que protegeriam a capital por mais de um milênio. A família dos Antêmios estava solidamente estabelecida no seio da aristocracia romana oriental, pois Flavius Philippus, o avô de Antêmio, o Velho, também havia sido Prefeito Pretoriano do Oriente, em 346 D.C, e Cônsul, em 348 D.C., durante o reinado do imperador Constâncio II.

Muralhas Teodosianas, erguidas por Antêmio, o Velho, em Constantinopla. Foto A.Savin, FAL, via Wikimedia Commons

Não se sabe o ano exato que Antêmio nasceu, mas deve ter sido durante o início da década de 420 D.C, época em que seu pai ocupou cargos importantes e se casou com sua mãe, que era filha do poderoso Antêmio, o Velho.

Com tamanho “pedigree“, não espanta que Antêmio tenha recebido uma excelente formação, seguindo a tradição dos jovens da aristocracia romana: ele foi enviado para estudar em Alexandria na famosa escola do filósofo neoplatônico Proclo, que também era retórico, astrônomo e matemático.

Em 453 D.C, Antêmio casou-se com Eufêmia, filha única do imperador romano do Oriente, Marciano. O imperador nomeou Antêmio Comes rei militaris, ou seja, Comandante dos Comitatenses, um dos postos militares mais importantes do Império, abaixo apenas do Magister Peditum e do Magister Equitum (Marechal da Infantaria e Marechal da Cavalaria) e enviou-o para a fronteira do rio Danúbio, com a tarefa de reconstruir as fortificações. No ano seguinte, Antêmio foi chamado de volta a Constantinopla, onde recebeu o título de Patrício e, em seguida, foi nomeado Magister Utriusque Militari (Comandante-em-Chefe da Infantaria e da Cavalaria). Para completar, em 455 D.C, ele foi escolhido para ser Cônsul, tendo o imperador romano do Ocidente, Valentiniano III, como colega, situações que deixavam claro que Antêmio estava sendo escolhido por Marciano como seu sucessor. Na verdade, parece que Marciano chegou a considerar nomear Antêmio como novo imperador romano do Ocidente, após o imperador Avito ser deposto, em outubro de 456 D.C, pelo general de origem suevo-visigótica Flávio Ricimero, o homem-forte do governo ocidental, e, posteriormente, morto, não se sabe ao certo se assassinado ou de causas naturais.

Moeda (solidus) de Marciano. Foto Classical Numismatic Group, Inc. http://www.cngcoins.com, CC BY-SA 2.5 https://creativecommons.org/licenses/by-sa/2.5, via Wikimedia Commons

Entretanto, em 27 de janeiro de 457 D.C, o imperador Marciano morreu, de gangrena (ele tinha uma inflamação na perna que o impedia de caminhar direito, sem que ele tivesse expressamente escolhido o seu herdeiro.

Embora Antêmio fosse um candidato natural à sucessão, naquele momento, quem controlava o exército do Império Romano do Oriente era o marechal Flavius Ardaburius Aspar (Áspar), que vinha sendo o homem-forte da metade oriental do Império desde antes de 430 D.C, e que já tinha colocado Marciano, que havia sido seu subordinado no Exército Romano por 15 anos, no trono, em 450 D.C. Sendo de origem bárbara, mais propriamente, alano-gótica, Áspar não poderia assumir o trono ele mesmo, então ele precisava nomear algum romano legítimo que ele pudesse controlar.

Detalhe de um prato em relevo mostrando Áspar e seu filho Ardaburio, como Cônsul,. Foto I, Sailko, CC BY-SA 3.0 http://creativecommons.org/licenses/by-sa/3.0/, via Wikimedia Commons

E o escolhido de Áspar foi Leo Marcellus (Leão), um militar que ascendeu até o posto de Tribuno dos Mattiari (um regimento do Exército Romano cujos soldados eram especializados no uso da “mattea”, ou seja, maça), cargo em que ele ficava diretamente subordinado à Áspar. Assim, em 07 de fevereiro de 457 D.C.. em Constantinopla, Leão I foi coroado Imperador Romano do Oriente.

Todavia, Leão não se mostraria tão dócil e subserviente como Áspar planejou que ele seria. Astucioso e determinado, o novo imperador, ao longo dos anos, começou a recrutar soldados de origem isáuria (um povo semi-romanizado que vivia na Anatólia, no interior da atual Turquia) e com eles formou uma guarda imperial, chamada de Excubitores (literalmente, “os que dormem do lado de fora do leito imperial”).

No ano de 460 D.C, Antêmio, que mantivera o posto de Magister Militum, derrotou uma incursão dos Ostrogodos liderados pelo rei Valamir, na Ilíria. E, entre o final deste ano e o ano seguinte, ele derrotou uma incursão de Hunos, que haviam tomado a cidade de Serdica (atual Sofia, capital da Bulgária), após sitiá-la. Nenhuma dessas vitórias chegou a ser definitiva, pois sabe-se que Leão concordou em pagar 300 libras de ouro aos Ostrogodos pela paz.

A SITUAÇÃO NO IMPÉRIO ROMANO DO OCIDENTE

Enquanto isso, o trono do Império Romano do Ocidente continuava vago, após a deposição e posterior morte de Avito, que, acredita-se, tenha ocorrido entre o final de 456 D.C e o início de 457 D.C.

Os responsáveis pela queda e morte de Avito tinham sido os generais Ricimero e Júlio Valério Majoriano. Este último era uma figura rara naqueles conturbados tempos: um aristocrata romano que tinha seguido uma sólida carreira militar, derrotando contingentes bárbaros germânicos em algumas oportunidades. Majoriano entrou para o Exército Romano servindo sob as ordens do Marechal Aécio, que habilmente tinha comandado a estratégia militar do Império Romano do Ocidente durante 20 anos (entre 433 e 454 D.C), fazendo o possível para restaurar o poder imperial, e que, por isso, receberia a alcunha de “O Último dos Romanos”. Por sua vez, Ricimero era um general de origem germânica, de ascendência sueva e visigótica.

Entendo ser necessário agora, então, fazer uma breve digressão sobre os eventos que antecederam a supracitada vacância do trono ocidental.

Após o assassinato de Aécio, morto pelo imperador Valentiniano III em pessoa, em 454 D.C, e o assassinato deste último, vingado por dois auxiliares de Aécio, no ano seguinte, Majoriano, contando com o apoio de Ricimero, chegou a ser cogitado para suceder o imperador, mas o escolhido, com o apoio da aristocracia senatorial da Itália, foi o senador Petrônio Máximo, envolvido na trama que resultara na morte do grande comandante e também na do citado imperador. Após ser aclamado, Petrônio Máximo nomeou Majoriano para ser Comes Domesticorum (Comandante da Guarda Imperial).

O reinado de Petrônio Máximo seria breve, uma vez que a aristocracia e o populacho da cidade de Roma, indignados com a invasão dos Vândalos, que controlavam o Norte da África, liderados pelo rei Geiserico, e o cerco à cidade de Roma, que logo cairia e seria saqueada, apedrejou e linchou o imperador, em 31 de maio de 455 D.C .

Então, Ricimero, Majoriano e a aristocracia senatorial italiana não viram alternativa senão apoiar a escolha de Avito, um senador galo-romano que tinha laços estreitos com os Visigodos, naquele momento uma das poucas forças capazes de confrontar os Vândalos e outros adversários que ameaçavam o Império do Ocidente.

Entretanto, Avito, adotando uma linha que, de certo modo, era estrategicamente mais racional, mostrou-se mais preocupado em defender a sua nativa Gália de novas invasões bárbaras, mas ele dependia excessivamente das tropas visigóticas. Ele também nomeou muitos de seus conterrâneos galo-romanos para cargos importantes. A elite senatorial e o populacho de Roma ressentiram-se dessa política que entenderam como detrimental da Itália. Enquanto isso, Ricimero obteve duas vitórias navais contra os Vândalos na Sícília e na Córsega. Então, com o apoio dos senadores e da plebe romana, Ricimero e Majoriano iniciaram a rebelião que resultou na queda de Avito.

Moeda (solidus) de Avito. Foto Numismatica Ars Classica NAC AG, CC BY-SA 3.0 DE https://creativecommons.org/licenses/by-sa/3.0/de/deed.en, via Wikimedia Commons

Apesar do trono ocidental igualmente, nessa oportunidade, ter ficado vago, já que inexistia um imperador reconhecido pelo Senado do Ocidente ou pelo Imperador do Oriente, Ricimero recebeu, ou melhor dizendo, se conferiu o posto de Magister Militum e o título de Patrício, que naquele tempo significava algo como grão-vizir ou shogun significariam no Império Otomano ou no Japão Feudal. Por sua vez, Majoriano também foi alçado a Magister Militum.

Por volta de abril de 457 D.C, um bando de cerca de 900 bárbaros alamanos invadiu a Itália e foi derrotado pelo Conde Burco, seguindo ordens de Majoriano. Em outros tempos, esta seria não mais que um confronto insignificante, indigno sequer de menção nas fontes, mas, na situação em que o Império do Ocidente se encontrava, foi considerado uma grande vitória, e Majoriano foi aclamado imperador pelas tropas. O acontecimento foi celebrado pelo poeta Sidônio Apolinário.

Somente em 28 de dezembro de 457 D.C, Majoriano foi formalmente declarado imperador pelo Senado Romano. Provavelmente, a demora deveu-se ao fato dos senadores estarem esperando um reconhecimento formal por parte do Imperador Romano do Oriente, como de costume. Contudo, Leão, tudo indica, ao menos inicialmente, não reconheceu Majoriano, o que é reforçado pelo fato dele ter assumido o consulado do ano seguinte sozinho, sem um colega ocidental, de acordo com as fontes orientais contemporâneas.

Moeda (solidus) de Majoriano. Foto Numismatica Ars Classica NAC AG, CC BY-SA 3.0 DE https://creativecommons.org/licenses/by-sa/3.0/de/deed.en, via Wikimedia Commons

Majoriano seria o último imperador ocidental realmente capaz e também o último imperador ocidental a comandar exércitos no campo de batalha. Ele conseguiu, ainda que com o auxílio vital de tropas bárbaras, restaurar o controle imperial sobre o sul da Gália e boa parte da Hispânia (e também a Sicília), reduzindo os Visigodos, Burgúndios e Suevos, que já se intitulavam como reinos, ao status de Foederati (Federados, segundo a lei romana do período tardio, eram povos que recebiam por tratado a autorização de residir no interior do Império, mantendo seus chefes como rei-clientes e como súditos do Imperador, ficando obrigados a fornecerem soldados para o Exército).

Mapa do Império do Ocidente no reinado de Majoriano. Foto Wojwoj, CC BY-SA 3.0 https://creativecommons.org/licenses/by-sa/3.0, via Wikimedia Commons

Infelizmente, em 460 D.C, Majoriano sofreria um grande revés: Ele reunira uma grande frota em Cartagena para invadir o reino dos Vândalos no Norte da África, mas o astucioso rei Geiserico conseguiu destruir os navios. Se o plano tivesse dado certo, ele poderia ter representado a salvação do Império do Ocidente. Entretanto, Majoriano tinha investido recursos e reunido um exército basicamente formado por bárbaros, os quais, sem ter mais dinheiro para pagar, foi obrigado a desmobilizar. O único contingente militar significativo restante estava sob as ordens de Ricimero. Então, quando Majoriano, desmoralizado pelo revés em Cartagena, retornava para a Itália, escoltado apenas por uma pequena guarda imperial, ele foi interceptado na altura de Tortona, capturado e, após cinco dias de torturas, executado por Ricimero, em 07 de agosto de 461 D.C.

Sem mais ninguém para lhe fazer sombra, Ricimero esperou três meses até indicar o novo imperador ao submisso Senado Romano, o obscuro senador Líbio Severo, que, no entanto, não foi reconhecido por Leão. Após reinar quatro anos como imperador-fantoche, Líbio Severo foi descartado por Ricimero, que precisava do apoio de Leão para poder manter o que restava do Império do Ocidente. Não se sabe realmente se Ricimero mandou matar Líbio Severo, mas este morreu em 14 de novembro de 465 D.C.

Então, o trono ocidental ficou novamente ficou vago por um ano e meio, sendo o Império do Ocidente governado, de fato, por Ricimero.

Contudo, apesar de Ricimero ter sido a eminência parda do Império do Ocidente desde 456 D.C., e o responsável pelas nomeações dos imperadores Majoriano, Líbio Severo e, posteriormente, Olíbrio, ele mesmo, na prática, não poderia atrever-se a assumir o trono, uma vez que Ricimer era filho de Rechila, o rei dos Suevos, na Galícia e norte do atual Portugal e neto, por parte de mãe, de Wallia, rei dos Visigodos.

Selo de Ricimero. Foto See page for author, Public domain, via Wikimedia Commons

ANTÊMIO, IMPERADOR DO OCIDENTE

Ricimero, então, recorreu a Leão para que o imperador romano do Oriente, legalmente, indicasse o novo imperador romano do Ocidente. Leão escolheu Antêmio.

O fato é que Ricimero precisava do apoio de Constantinopla para contrabalançar a influência de Geiserico, rei dos Vândalos, que estava tentando compelir o Senado Romano a escolher Olíbrio, um senador da influente família dos Anícios, casado com Placídia, filha de Valentiniano III, que, junto com sua mãe, a imperatriz Licínia Eudoxia, e sua irmã, Eudocia, foram levadas para Cartago pelos Vândalos, após o Saque de Roma, em 455 D.C.

Como retribuição à sua aceitação de Antêmio, e também como uma provável compensação por abrir mão de colocar um outro fantoche seu no trono ocidental, Ricimero recebeu a mão de Alypia, a filha de Antêmio, em casamento.

Mas é provável também que Leão tenha tido mais um motivo para escolher Antêmio. Com efeito, este era um experiente homem público de origem tão ilustre que ele chegou até ser considerado um candidato potencial ao trono. Leão, assim, astutamente, ao tê-lo enviado para a Itália, com um exército, para fazer valer os interesses de Constantinopla no Ocidente, estava livrando-se, ao mesmo tempo, de um provável rival e pretendente ao seu próprio trono.

Desse modo, Antêmio foi proclamado Imperador em 12 de abril de 467 D.C.

Agora, pela primeira vez em várias décadas, havia a chance real de que os imperadores romanos do Ocidente e do Oriente cooperassem efetivamente para enfrentar a ameaça bárbara.

Solidus de Antêmio, imperador do Ocidente. No verso, ele e Leão dão as mãos, sinalizando a união dos Impérios Ocidental e Oriental. Foto Numismatica Ars Classica NAC AG, CC BY-SA 3.0 DE https://creativecommons.org/licenses/by-sa/3.0/de/deed.en, via Wikimedia Commons

De fato, como imperador, Antêmio procurou atacar os dois maiores problemas que ameaçavam a sobrevivência do Império do Ocidente:  a) a ocupação dos Vândalos na África, governados pelo astuto e competente rei Geiserico, que fazia incursões na Itália (entre as quais o Grande Saque de Roma, em 455 D.C) e em várias outras regiões na orla do Mediterrâneo, e intervinha constantemente nos assuntos do governo e, b) a expansão dos Visigodos na Gália.

Para isso, Antêmio contava com o apoio de Leão I, que também estava comprometido com uma estratégia de enfraquecimento do poder dos bárbaros e, como visto, mostrava-se preocupado com a situação do Império do Ocidente. E, sem a participação de Constantinopla, nenhum plano nesse sentido seria possível, porque os recursos materiais e humanos à disposição de Leão eram muitos superiores aos disponíveis ao imperador ocidental. Outro apoio importante seria do Conde Marcelino, um comandante militar romano que, desde a morte de seu amigo Aécio, controlava a Dalmácia e que também havia apoiado Majoriano (ele, inclusive, iria participar da fracassada campanha que este imperador havia planejado contra Geiserico e os Vândalos, em 460 D.C).

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Busto de Leão I. Foto Louvre Museum, CC BY 2.5 https://creativecommons.org/licenses/by/2.5, via Wikimedia Commons

Com efeito, o fato é que, após a perda da África, em  sua maior fonte de grãos, em 435 D.C., para os Vândalos,  e de boa parte da Gália, a sua província mais rica, o Império do Ocidente praticamente não tinha recursos para pagar o seu exército composto, majoritariamente, de mercenários bárbaros e tribos germânicas servindo como foederati.

Ainda em 467 D.C, Antêmio planejou uma campanha contra o Vândalos, chegando a reunir uma frota, mas o mau tempo obrigou a frota a retornar ao porto.

Expedição à África

Todavia, os Vândalos haviam se tornado um problema também para o Império do Oriente, chegando a fazer incursões navais de saque até a Grécia, no coração dos domínios ocidentais, e prejudicando a navegação em todo o Mediterrâneo.

Leão, Antêmio e Marcelino então, planejaram uma gigantesca operação militar combinada das forças armadas orientais e ocidentais, em sua maior parte financiada pelo tesouro oriental, visando a esmagar os Vândalos para sempre:

Uma gigantesca frota de 1.113 navios zarpou de Constantinopla, transportando forças estimadas em 100 mil homens (há controvérsias sobre esse número), sob o comando de seu cunhado Basilisco, para atacar diretamente Cartago, a capital vândala. Concomitantemente, o general Heráclio deveria zarpar do Egito com direção à Tripolitana, e dali, marchar por terra contra Cartago. Enquanto isso, o Conde Marcellinus atacaria a Sicília e, após derrotar os invasores Vândalos lá instalados, rumaria também para Cartago.

A operação até começou bem, pois Heráclio conseguiu desembarcar em Tripolitana e Marcellinus dominou os Vândalos na Sicília. Porém, o grande erro de Leão foi ter escolhido o seu incompetente cunhado Basilisco, irmão da Imperatriz Verina, como comandante da principal ponta do ataque.

Efetivamente, Basilisco após conseguir dispersar a frota vândala na Sicília, facilmente fundeou na Baía de Cartago, mas, ao invés de imediatamente atacar Geiserico, inexplicavelmente, ele aceitou um pedido de trégua de 5 dias pedido pelo rei bárbaro. Ocorre que Geiserico aproveitou o refresco para construir novos barcos e balsas incendiárias. Como, normalmente, a sorte não ajuda a incompetência, no final da trégua, fortes ventos impulsionaram as balsas vândalas em chamas contra a frota romana e metade dela foi incendiada, na chamada Batalha do Cabo Bon. Assim,Basilisco teve que fugir com os remanescentes para a Sicília, visando se juntar a Marcelino. Este porém, logo em seguida foi assassinado na Ilha, suspeita-se, a mando de Ricimer. Já o general Heráclio, quando soube da derrota romana em Cartago, resolveu recuar de volta para o Egito.

Mapa de Cartago, mostrando o Cabo Bon. Foto Eric Gaba (Sting), CC BY-SA 3.0 https://creativecommons.org/licenses/by-sa/3.0, via Wikimedia Commons

Assim, este foi o final desastroso da campanha que poderia ter salvo o Império do Ocidente. Ela tinha sido, na verdade, uma retomada, mais ambiciosa, dos planos de Majoriano, o que mostra como os imperadores mais comprometidos com os reais interesses romanos tinham a consciência de que a reconquista da África era vital para a existência de um império ocidental viável.

Antêmio, então, teve que dirigir sua atenção aos Visigodos, que, sob a liderança do rei Eurico, tinham aproveitado o enfraquecimento militar verificado após a morte de Majoriano para se expandir pela Gália. Os provinciais galo-romanos inclusive enviaram uma embaixada ao imperador, em Roma, liderada por Sidônio Apolinário, solicitando proteção. Carente de tropas, após o desastre da expedição africana, Antêmio recrutou, em 470 D.C, um contingente de doze mil Bretões, liderados pelo rei Riothamus, para atacar Eurico, os quais chegaram a ocupar a cidade de Bourges.

Nota: especula-se que esses bretões poderiam ser remanescentes de tropas “fronteiriças” – ou limitanei- romano-britânicas, que no final do Império tinham sido rebaixadas à condição de uma quase-milícia. E que Riothamus, cujo nome na verdade seria um título, poderia ser na verdade um certo Ambrosius Aurelianus, uma liderança romano-britânica que resistiu aos invasores saxões da Grã-Bretanha, que por sua vez seria tio e antecessor do rei Arthur nas lendas e crônicas medievais britânicas.

Entretanto, os Visigodos conseguiram repelir os homens de Riothamus, obrigando Antêmio a enviar, como último recurso, uma tropa chefiada pelos generais Thorisarius e Everdingus, provavelmente chefes bárbaros a serviço do Império e pelo Conde dos Estábulos Hermianus, que foi derrotada por Eurico, por volta de 471 D.C, em uma batalha nas vizinhanças de Arles, inclusive matando o filho do imperador, Anthemiolus, que era o comandante formal da expedição.

Esses insucessos tornaram Antêmio muito mais dependente de seu general Ricimer, que, ostensivamente, já se mexia para colocar um novo fantoche no trono ocidental. Para piorar a situação, Leão, em uma Constantinopla, praticamente falida pelos custos astronômicos da expedição contra os Vândalos, naquele momento era incapaz de fornecer qualquer auxílio (segundo o historiador J.B. Bury, o impacto financeiro da expedição foi tão grande que o tesouro oriental levou mais de trinta anos para se recuperar – “History of the Later Roman Empire, vol, 1, p. 337).

O fim de Antêmio

O estopim para  o conflito aberto entre Antêmio e o seu comandante-em-chefe Ricimer foi a execução do senador Romanus, amigo próximo e aliado do general bárbaro, acusado de conspiração, o que levou Ricimero a abandonar Roma acompanhado de 6 mil  guerreiros, em direção a Milão, onde ficou instalado como se fosse um imperador de fato ou um rei independente.

O bispo de Pavia tentou intermediar uma trégua entre Antêmio e Ricimer, a qual durou um ano. Quando as hostilidades recomeçaram,  Antêmio julgou mais seguro ir se refugiar na Basílica de São Pedro, no Vaticano, que, desde o reinado de Constantino I era a sede do Bispado de Roma.

Aparência da antiga Basílica de São Pedro, no mesmo local da atual, construída pelo Imperador Constantino, no Vaticano, em Roma. Desenho de Henry William Brewer (1836-1903) – https://www.ribapix.com/old-st-peters-basilica-rome-about-the-year-1450-restored-from-ancient-authorities_riba127584, Public Domain, https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=151052485

Leão I, preocupado com a crise, resolveu mandar à Roma o senador Olíbrio, que se encontrava em Constantinopla para intermediar um novo acordo entre os adversários, além de um emissário levando uma carta para Antêmio

Segundo uma das fontes, porém, a verdadeira intenção de Leão I era se livrar de Olíbrio, já que este era suspeito de ser aliado de Geiserico, o rei dos Vândalos, que por duas vezes, já tinha patrocinado a candidatura dele ao trono ocidental. Leão também havia, finalmente, conseguido, com a ajuda dos Excubitores e seu comandante isáurio, Tarasis Kodisa (o futuro imperador Zenão I), livrar-se de seu Magister Militum, o general bárbaro Áspar.

Contudo, os soldados de Ricimero controlavam o Porto de Roma e a carta do imperador foi interceptada. Ao ser aberta a carta, uma surpresa: Nela, Leão I dava instruções a Antêmio para executar Olíbrio assim que este chegasse à Roma, além de informar ao colega ocidental que ele havia conseguido dar cabo de Áspar, aconselhando Antêmio a fazer o mesmo com Ricimero. Não de surpreender, diante dessas circunstâncias, que o estratagema de Leão acabasse tendo efeito contrário: Em abril de 472 D.C. (data provável), Ricimer proclamou Olíbrio como novo imperador do Ocidente.

Porém, os nobres e a população de Roma ficaram do lado de Antêmio.

Seguiram-se cinco meses de combates urbanos nas ruas de Roma, com Antêmio e seus partidários entrincheirados no Palatino. Porém, quando Ricimer conseguiu  cortar a rota entre o Palácio e o Porto fluvial do Tibre, interrompendo o abastecimento de víveres, Antêmio foi obrigado a ir se refugiar novamente na Basílica de São Pedro (outra fonte menciona a Igreja de Santa Maria in Trastevere). Vale citar que, entre as tropas comandadas por Ricimero, estava Odoacro, chefe da tribo dos Scirii, que poucos anos mais tarde entraria para a História como o homem que destronaria o último imperador romano do Ocidente.

Em uma última tentativa desesperada, durante o conflito, Antêmio enviou um pedido de ajuda às tropas da Gália, também compostas de mercenários germânicos, sendo que Ricimero havia feito, concomitantemente, idêntica solicitação.

Ocorre que o primeiro a atender o pedido foi Gundobado, o sobrinho de Ricimero, cognominado “O Burgúndio”, que ocupava o cargo de Magister Militum per Gallias, que veio em apoio do tio. Efetivamente, o substituto de Gundobado, Bilimer, também veio em socorro de Antêmio, mas ele foi derrotado e morto nas proximidades de Roma.

Então, em 11 de julho de 472 D.C., com seus últimos soldados desertando e sem esperança de reforços, Antêmio tentou fugir disfarçado de mendigo, refugiando-se na Igreja de São Crisógono, no bairro de Trastevere, em Roma, mas foi identificado e decapitado por Gundobado, que não deu a mínima para o fato do imperador estar refugiado em uma igreja, teoricamente um santuário que deveria ser respeitado pelo bárbaro supostamente cristão.

Igreja de São Crisógono, em Roma, onde Antêmio foi decapitado, coincidentemente, a mesma forma pela qual o santo foi martirizado. Foto Por LPLT – Obra do próprio, CC BY-SA 3.0, https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=7586506

EPÍLOGO

Pouco mais de um mês depois da morte de Antêmio, o general Ricimero também morreria, aparentemente de causas naturais, após vomitar sangue. Durante mais de quinze anos ele tinha sido o homem mais poderoso do Ocidente, tendo seu poder apenas diminuído um pouco durante o reinado de imperadores capazes como Majoriano e Antêmio, notadamente mais sob o primeiro. Historiadores debatem se ele foi um general bárbaro leal ao Império ou, se ao contrário, apenas buscava o poder para o seu benefício imediato, ao arrepio dos interesses imperiais, e, consciente ou inconscientemente, agia a favor dos seus conterrâneos germânicos. O fato é que muitas ações de Ricimero foram apoiadas, senão estimuladas, pela aristocracia senatorial italiana. Por outro lado, o comportamento dele durante a expedição de Basilisco contra os Vândalos foi indubitavelmente nocivo ao Império.

Olíbrio ocuparia o trono ocidental apenas por alguns meses, morrendo de edema em 02 de novembro de 472 D.C., sendo sucedido por mais um imperador-fantoche, Glicério, agora alçado ao trono por Gundobado, em março de 473 D.C, que não foi reconhecido por Leão.

Sem o apoio oriental, que, diga-se de passagem, naquele momento, somente poderia se dar de maneira muito limitada, não havia muito o que qualquer imperador pudesse fazer no Ocidente: a Gália e a Hispânia encontravam-se tomadas por povos germânicos e a Ilíria era governada por um subordinado leal ao Império do Oriente.

Na prática, o Imperador do Ocidente controlava apenas a Itália, que era defendida por tropas bárbaras leais aos seus chefes, que apenas nominalmente tinham títulos de comandantes do exército romano. Para se ter uma ideia do quadro de anarquia e desagregação que grassava, durante o igualmente curto reinado de Glicério, quando recebeu a notícia da morte do pai, Gundobado preferiu deixar a Itália e partir para a Borgonha, para garantir o seu direito à sucessão do reino burgúndio. Assim, o Império Romano do Ocidente agonizava.

DOMICIANO, UM BOM “MAU IMPERADOR”…

PRÓLOGO

Em 18 de setembro de 96 D.C., em um suntuoso aposento da recém-completada Domus Flaviae, o grandioso complexo palaciano que os imperadores da dinastia flaviana haviam construído na colina do Palatino, descortinava-se um cenário sangrento: dois cadáveres sem vida jaziam no chão, junto com duas adagas ensanguentadas, em uma poça de sangue, no meio da luxuosa mobília revirada. Eram os corpos do imperador romano Domiciano e do liberto Stephanus, que em vida fora o secretário pessoal de Flávia Domitila, a sobrinha do imperador.

HISTÓRICO FAMILIAR, NASCIMENTO E INFÂNCIA

Nascido em 24 de outubro de 51 D.C., Titus Flavius Domitianus (Domiciano) era o filho mais novo do general Tito Flávio Vespasiano (que se tornaria o imperador Vespasiano) e de Flávia Domitila, a Velha. Os Flávios eram uma família de origem sabina, proveniente da cidade de Reate, os quais, no final da República, ingressaram na classe dos Equestres (ou Cavaleiros), que era o segundo ní­vel hierárquico da nobreza romana.

Com efeito, o primeiro Flávio de que se tem notícia havia sido um mero centurião das tropas de Pompeu, na Batalha de Farsália, durante a guerra civil travada entre este e Júlio César, e que, depois deste conflito, estabeleceu-se como coletor de impostos. O filho dele, chamado Titus Flavius Sabinus, também foi coletor de impostos na Proví­ncia romana da Ásia e além de banqueiro.

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Já a família de Domitila, a Velha, a mãe de Vespasiano, havia se estabelecido na cidade de Sabratha, na colônia romana da África, durante o reinado do imperador Augusto, sendo que o pai dela era um simples secretário de um questor daquela proví­ncia.

Vespasiano, junto com seu irmão, Tito Flávio Sabino, tiveram sucesso no serviço público e no Exército Romano, durante os reinados dos imperadores Calígula e Cláudio.

Ressalte-se que Vespasiano, inclusive, conseguiu ingressar no círculo mais íntimo da corte de Cláudio, muito em função da sua união amorosa com a liberta Antônia Caenis, que era secretária pessoal da mãe de Cláudio, Antônia, a Jovem, e da sua amizade com o poderoso liberto Narcissus, que era um dos principais assessores imperiais, com status de ministro.

Assim, durante o reinado de Cláudio, graças a essas privilegiadas ligações,Vespasiano conseguiu alcançar o cume da carreira das magistraturas romanas (Cursus Honorum), ao ser nomeado Cônsul, em 51 D.C, mesmo ano em que nasceu Domiciano, o seu filho caçula.

O primogênito de Vespasiano, Tito, nascido em 39 D.C. (doze anos antes de Domiciano), também se beneficiou da proximidade do pai com o palácio no reinado de Cláudio: ele teve o raro privilégio de ser educado junto com Britânico, o filho natural do referido imperador.

Tito e Domiciano também tinham uma irmã, chamada Flávia Domitila, a Jovem, também nascida em 39 D.C. (Curiosidade: a filha dela, que também se chamava Domitila, seria cristã e, muitos anos mais tarde, ela seria canonizada pela Igreja Católica como Santa Flávia Domitila e as chamadas Catacumbas de Domitila, em Roma, têm este nome porque as terras onde elas foram escavadas pertenceriam a ela, que as legou para a nascente comunidade cristã da Cidade, ainda no século I D.C).

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Apesar dos tempos de fartura e glória vividos pelo pai, as fontes narram que quando Domiciano nasceu, a sua família estava de fato na pobreza. O motivo mais provável para isso, ao que tudo indica, é o fato de que o seu pai Vespasiano teria caí­do em desgraça quando Agripina, a Jovem, a última esposa do imperador Cláudio, foi, pouco a pouco, dominando o velho e influenciável imperador e aproveitou-se disso para afastar os desafetos dela, sobretudo, aqueles que ela julgava que ameaçavam a ascensão de seu filho Nero ao trono. E entre os maiores desafetos da nova imperatriz encontrava-se Narcissus, o amigo e protetor de Vespasiano.

Entretanto, enquanto Domiciano era ainda uma criança pequena, a sua mãe, Domitila, a Velha, morreu. Vespasiano então resolveu assumir o romance com Antônia Caenis e os dois passaram a viver em “Contubérnio“, uma forma de concubinato que era admitida pela lei romana.

Todavia, segundo as fontes, seja por apego à memória da mãe, seja por ciúme do pai, ou por outro motivo qualquer, Domiciano não gostava de Antônia Caenis e o historiador Suetônio, inclusive, relata que, certa vez, quando a “madrasta” tentou saudá-lo com um beijo, Domiciano a impediu, e em vez de oferecer a face, estendeu-lhe a mão…

Assim, quem parece ter cuidado mesmo do menino Domiciano foi Phyllis, a sua ama, que esteve próxima a ele durante toda a sua vida (e mesmo depois, como veremos adiante).

JUVENTUDE E FORMAÇÃO

Finalmente, quando Nero, passados os primeiros anos do seu reinado, conseguiu dar cabo de Agripina, em 59 D.C.,Vespasiano, ainda um general respeitado, voltou a receber comandos importantes. Assim, em 60 ou 63 D.C, ele foi nomeado governador da África. Nesse período, Domiciano ficou aos cuidados de seu tio Sabino, enquanto seu irmão Tito, que já tinha idade militar, fazia carreira no Exército, servindo na Germânia e na Britânia.

Sabemos que Sabino não descurou da educação do sobrinho, pois Suetônio nos conta que, já adolescente, Domiciano estudou Retórica e Literatura, sendo capaz de declamar poetas importantes, como Homero e Virgílio, em público, e de manter uma elegante conversação em eventos sociais. Consta, além disso, que na juventude, Domiciano chegou a publicar poemas e até alguns escritos sobre Direito.

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Suetônio descreve Domiciano como sendo um jovem alto e de boa aparência, mas que, na idade madura, ficaria barrigudo e calvo. Como curiosidade, com relação a este último traço, consta que Domiciano escreveu um “Tratado sobre Cuidados com os Cabelos“, que, infelizmente, não sobreviveu.

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Vespasiano foi nomeado pelo imperador Nero para comandar o grande exército que fora reunido para combater a Grande Revolta Judaica, em 66 D.C., ao qual se juntou, a seguir, Tito, que recebeu o comando da XV Legião.

Em 68 D.C., quando estourou a rebelião do governador Vindex, na Gália o fato que iniciou a cadeia de eventos que resultaria na deposição e no suicídio de Nero Tito foi enviado à Roma por Vespasiano para transmitir o reconhecimento das Legiões na Judéia ao novo imperador, Galba. Porém, antes de chegar à Roma, Tito recebeu a notícia de que Galba havia sido assassinado e de que, agora, Otho (Otão) era o novo imperador. Ele decidiu, então, retornar para a Judéia para ver o que o seu pai decidiria.

Entretanto, no conturbado ano de 69 D.C, que ficaria conhecido como o “Ano dos Quatro Imperadores“, Otão foi derrotado por Vitélio, que se tornou o novo imperador. Enquanto isso se desenrolava na Itália, Tito teve vital importância e participou diretamente das negociações que levaram Muciano, o Governador da Província da Síria, a jogar a cartada de reconhecer Vespasiano como imperador, desprezando o reconhecimento de Vitélio por Roma.

Assim, Vespasiano partiu para a capital para reclamar o trono e deixou sob o comando de Tito a campanha contra a Grande Revolta Judaica, que ficou com a tarefa de liderar a fase mais difí­cil da guerra: o cerco e captura de Jerusalém. Ao tomarem conhecimento da aclamação na Síria, as legiões do Danúbio, sob o comando de Antônio Primo, também escolheram apoiar Vespasiano e invadiram a Itália, derrotando as tropas de Vitélio na Batalha de Bedríaco, saqueando em seguida a cidade de Cremona.

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A ASCENSÃO DE VESPASIANO E O PAPEL DESEMPENHADO POR DOMICIANO

Enquanto isso, em Roma, Vitélio informou a Tito Flávio Sabino, o irmão de Vespasiano, que ocupava, fazia onze anos, o cargo de Prefeito Urbano de Roma, sua intenção de renunciar. Porém, os soldados de Vitélio e o populacho da cidade, quando souberam disso, protestaram violentamente e cercaram Sabino e a sua famí­lia, incluindo o jovem Domiciano, os quais se refugiaram na colina do Capitólio, que chegou a ser incendiada pelos partidários de Vitélio no conflito. Domiciano conseguiu escapar dos perseguidores, mas Sabino foi capturado e executado.

Dois dias depois, as tropas de Antônio Primo tomaram Roma e depuseram Vitélio, que foi arrastado pelas ruas, torturado e morto. Em seguida, as tropas aclamaram Domiciano como “César” (um tí­tulo que começava a adquirir o significado de “prí­ncipe-herdeiro”).

Em dezembro de 69 D.C., o Senado Romano reconheceu Vespasiano como imperador – embora ele ainda estivesse no Oriente. Assim, o seu correligionário Muciano, que havia chegado à Roma um dia depois da morte de Vitélio, imediatamente assumiu o comando das tropas leais a Vespasiano que tinham tomado a capital e passou a administrar o Império em nome do novo imperador, contando com a ajuda de Domiciano, que, então, tinha apenas 18 anos de idade e foi nomeado pelo Senado para o cargo de Pretor com poderes consulares, de acordo com o historiador Tácito.

Narram as fontes que o jovem Domiciano, mostrando bastante audácia e uma indisfarçável ambição pelo poder, rapidamente nomeou várias pessoas para diversos cargos importantes, tais como governos de províncias, prefeituras e, até mesmo, para o consulado. Por este motivo, segundo o historiador Dião Cássio, o sempre bem-humorado Vespasiano teria chegado a mandar uma carta contendo a seguinte mensagem para o filho:

“Obrigado, meu filho, por me permitir manter o meu cargo e por não ter me destronado“.

Ainda durante o Ano dos Quatro Imperadores, havia estourado na Gália uma grave revolta dos auxiliares batavos, liderada por Gaius Julius Civilis. Domiciano, embora não tivesse nenhuma experiência militar, tentou liderar a reação contra a rebelião, assumindo o comando de uma legião, mas acabou sendo dissuadido por Muciano.

Entretanto, Tito, o filho mais velho de Vespasiano, que conduzia com brilho a guerra contra os judeus, enquanto ainda estava no Oriente foi, em 70 D.C, nomeado Cônsul junto com o pai. Em seguida, em 71 D.C, Tito recebeu o Poder Tribunício, no que era um claro sinal de que ele seria o herdeiro e sucessor do pai e afastando qualquer pretensão que Domiciano pudesse ter).

Certamente, com essas medidas, o sábio Vespasiano quis evitar um dos principais fatores de instabilidade nos reinados dos seus antecessores da dinastia dos Júlios-Cláudios: a pouca clareza quanto à sucessão, pela existência de vários pretendentes dinásticos.

Tito também foi nomeado Prefeito da Guarda Pretoriana e, assim, agindo como comandante da guarnição militar da capital e da Guarda de Honra do Imperador, ele foi implacável na vigilância e repressão a potenciais ameaças ao reinado do pai, tendo de fato executado sumariamente vários supostos conspiradores.

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(Triunfo de Tito, óleo de Sir LawrenceAlma-Tadema 1885, mostrando Vespasiano, seguido por Tito e Domiciano, este de mãos dadas com Domícia Longina, que olha sugestivamente para Tito)

CARREIRA PÚBLICA E CASAMENTO

Durante o reinado de Vespasiano, Domiciano foi designado seis vezes Cônsul Suffectus (um consulado honorário, menos importante do que o ordinário), mas manteve o tí­tulo de César, sendo nomeado sacerdote de vários cultos, além de receber o tí­tulo de “Príncipe da Juventude” (Princeps Juventutis). Mesmo assim, Vespasiano sempre deixou evidente que a precedência era do irmão mais velho.

Contudo, a primazia dada a Tito não quer dizer que Domiciano estivesse sido excluído da sucessão dinástica: Vespasiano tentou casar Domiciano com Júlia Flávia, que era a filha única de Tito, e, portanto, sobrinha dele, quando esta era apenas uma criança, mas a iniciativa não teve sucesso porque, naquela época, Domiciano já estava apaixonado por Domícia Longina, filha do famoso general Cneu Domí­cio Corbulão, que tinha se suicidado a mando de Nero por suspeita de haver participado de uma conspiração.

Domícia Longina era filha de Júnia Lépida, tataraneta do imperador Augusto e, portanto, junto com sua irmã, ela era uma das últimas descendentes da dinastia dos Júlios-Cláudios, que fundaram o Império Romano. Domícia era casada com o senador Lucius Aelius Lamia Plautius Aelianus, de quem ela se divorciou para se casar com Domiciano, por volta de 70 D.C.

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Em 23 de junho de 79 D.C, Vespasiano morreu de causas naturais e Tito foi imediatamente aclamado como novo Imperador Romano, com a idade de 39 anos.

Tito não tinha herdeiros do sexo masculino e sua única filha, Júlia Flávia, tinha 14 anos de idade. Ele havia se divorciado, ainda durante o reinado de Nero, de sua esposa Márcia Furnilla.

Durante a Guerra Judaica, Tito se apaixonou pela rainha Berenice, filha de Herodes Agripa, que logo tornou-se sua amante e, depois da guerra, ela foi viver com ele em Roma. Esta era uma união politicamente inviável para Tito, e qualquer filho advindo desta relação estaria obviamente excluí­do da linha sucessória do trono. Com efeito, devido à pressão da opinião pública, Tito teve que despachar Berenice de volta para o Oriente. Portanto, agora, naquele momento, Domiciano era, de fato, o herdeiro natural do trono imperial.

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Os autores antigos mencionam que a relação entre os irmãos Tito e Domiciano era, no mí­nimo, fria e distante. Isso provavelmente decorria da grande diferença de idade e do pouco contato que eles devem ter tido, já que, enquanto Domiciano crescia, Tito já tinha entrado no Exército, acompanhando Vespasiano em suas campanhas. Deve-se mencionar, todavia, que o historiador Flávio Josefo relata que, durante a Guerra Judaica, Tito comemorou o aniversário de Domiciano em uma cerimônia pública, em Cesaréia.

Em 80 D.C., nasceu o único filho de Domiciano e Domí­cia Longina, cujo nome, entretanto, não foi preservado.

Em 13 de setembro de 81 D.C, Tito morreu de uma febre súbita, após reinar por apenas dois anos. Consta que as suas últimas palavras teriam sido:

“Cometi somente um erro”.

O real significado da frase derradeira de Tito sempre suscitou muita discussão entre os historiadores. Para alguns, ele se referia ao fato de não ter executado o irmão Domiciano, cujo caráter já há tempos já dava mostras de ser tirânico, ou porque ele teria conspirado para derrubar Tito, mas não há qualquer evidência de nenhum desses fatos. Alega-se, também, que Tito nunca reconheceu formalmente Domiciano como sucessor e herdeiro, mas vale notar que Domiciano já era o Cônsul designado para o ano de 80 D.C. e talvez as medidas destinadas a lidar com os efeitos da erupção do Vesúvio, ocorrida ainda em 79 D.C., e que consumiram muito do tempo do primeiro ano do reinado de Tito, tenham-no distraído da questão sucessória, ou então, ante à ausência de qualquer outro rival, a posição de Domiciano tenha parecido óbvia. No plano das fofocas, também cogitou-se que Tito poderia ter tido um caso com a cunhada, Domícia Longina.

ASCENSÃO AO TRONO E REINADO

Consta que no mesmo dia da morte do irmão, Domiciano correu para o quartel da Guarda Pretoriana, em Roma, onde ele foi aclamado imperador.

No dia seguinte, em 14 de setembro de 81 D.C., o Senado Romano reconheceu Domiciano, conferindo-lhe os títulos de Augusto, Pai da Pátria e Pontifex Maximus, além do Poder Tribuní­cio. Mais do que uma possí­vel demonstração de falta de apreço e de respeito pelo irmão falecido, a conduta de Domiciano de partir imediatamente para o quartel dos pretorianos, ao invés de velar o corpo de Tito, deve ser vista como uma cautela necessária, recomendada pelo histórico das sucessões imperiais.

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Desde os primeiros dias de seu reinado, Domiciano mostrou-se um governante interessado por todos os detalhes da administração pública, que acompanhava de perto como poucas vezes se tinha visto nos reinados anteriores: Ele publicou leis detalhadas sobre vários assuntos e o seu estilo de governo pode ser descrito como “microgerenciamento“. Ele também comparecia em pessoa às audiências no Tribunal do Fórum Romano, que ele mesmo concedia aos que apelavam das decisões das Cortes.

Uma das primeiras medidas econômicas de Domiciano foi promover uma valorização do denário, aumentando o seu teor de prata em 12%. Embora, depois de 85 D.C., ele tenha sido obrigado a promover uma pequena desvalorização devido aos gastos com expedições militares e programas de reconstrução, ainda assim, a moeda ainda continuou mais valorizada do que durante o reinado de Vespasiano. Ele também deu especial atenção à taxação dos impostos, aprimorando a cobrança e aumentando as receitas do Estado.

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Graças a outra medida de Domiciano, pela primeira vez na História de Roma, foi possí­vel ter alguma previsão dos gastos e receitas futuras, estabelecendo-se uma espécie de orçamento público embrionário.

Devido ao grande incêndio no reinado de Nero, às devastações da guerra civil causadas durante o Ano dos Quatro Imperadores e a um outro incêndio, ocorrido em 80 D.C., Domiciano determinou que se executasse um grande projeto de reconstrução dos monumentos destruí­dos, incluindo o vetusto Templo de Júpiter Optimus Maximus, no Capitólio, que foi coberto com um magní­fico telhado de bronze dourado. No total, cerca de 50 edifí­cios importantes seriam reconstruí­dos ou reparados, caracterizando um recorde entre os imperadores romanos.

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Mas novos edifí­cios também foram erguidos, como o Palácio de Domiciano, parte do complexo palaciano da Domus Flaviae, e o enorme Estádio de Domiciano, onde eram disputados os Jogos Agonais (Agone), e que cuja forma sobrevivente daria origem, na Idade Média, à atual Praça Navona (cujo nome vem de “Piazza in Agone“).

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Além de reformar a paisagem urbana de Roma, Domiciano, que se revelou um moralista, também pretendeu reformar os costumes romanos, os quais ele julgava degradados. Em 85 D.C., ele se autoproclamou “Censor Perpetuus“, ou seja, censor vitalí­cio, com a atribuição de supervisionar a moral e os bons costumes. Isso incluí­a velar pela observância dos rituais da religião tradicional de Roma, cuja ortodoxia e pureza ele pretendia restaurar. Assim, Domiciano proibiu a castração de meninos e o comércio de eunucos em todo o Império Romano.

Fontes relatam que Domiciano era particularmente hostil ao Judaí­smo e não é à toa que autores cristãos (religião que, para muitos romanos, aparentava ser apenas uma seita judaica), apontam aquele imperador como um dos grandes perseguidores do Cristianismo. Não há, contudo, nas fontes romanas, evidência de nenhuma perseguição oficial à religião cristã. Com relação aos Judeus, contudo, é certo que eles foram alvo de um aumento nas taxas e impostos cobrados.

Domiciano também estabeleceu os Jogos Capitolinos, em homenagem a Minerva, a deusa da sabedoria, que ele considerava ser a sua divindade protetora, e a Júpiter.

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Uma medida que causou comoção na época (87 D.C.) foi a ressuscitação da arcaica punição às Virgens Vestais que quebrassem o voto de castidade – serem enterradas vivas – o que não ocorria havia séculos, mesmo ainda durante a República.

O imperador também renovou a Lex Iulia de Adulteriis Coercendis, que punia com exílio o adultério, e vários senadores foram processados por condutas consideradas imorais, incluindo homossexualismo.

Não obstante, Suetônio registra que, em 83 D.C., a imperatriz Domícia Longina teve um caso com um ator chamado Páris, que, por causa disso, teria sido morto pelo próprio imperador em pessoa.

Como punição, Domícia Longina foi exilada. Neste mesmo ano, também morreria o único filho do casal. Talvez corroído pelo remorso, Domiciano chamou de volta Longina, e os dois voltaram a viver juntos. Ou quem sabe, talvez a morte do menino tenha sido a causa do exílio e o adultério não tenha ocorrido.

O detalhismo da polí­cia de costumes de Domiciano chegou ao nível de exigência de que os cidadãos romanos usassem togas nos espetáculos públicos, muito embora essa vestimenta tradicional estivesse em desuso, pois era cara para os pobres e desconfortável para todos usarem. A orientação autocrática e moralista do reinado também ficou patente no agravamento da punição aos que escrevessem textos considerados ofensivos ao Imperador e na proibição de sátiras e comédias com teor crítico, chegando à completa proibição da apresentação de Mimes, uma espécie de teatro de comédia vulgar e grosseira, onde frequentemente as figuras públicas eram satirizadas.

No entanto, a corrupção no serviço público foi duramente combatida, havendo muitos casos de punições a juízes acusados de receberem propinas, uma queixa recorrente.

Nas províncias, Domiciano também aprimorou a taxação e majorou impostos, mas, em contrapartida, ele criou o cargo de “Curator” (Curador) para investigar casos de má administração nas cidades do Império. Domiciano também construiu várias estradas na Ásia Menor, Sardenha e Danúbio, e melhorou as instalações defensivas no Norte da África.

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No serviço público, Domiciano privilegiou a nomeação de cidadãos da classe dos Equestres, e até mesmo de libertos, para os cargos mais importantes, em detrimento da classe senatorial. Para alguns autores, as más experiências que Domiciano deve ter tido no Senado, durante os eventos que resultaram na morte de seu tio Sabino e também durante o reinado de Vespasiano e Tito, predispuseram o imperador contra os senadores.

Assim, o imperador, seguindo a tendência inaugurada por Cláudio, administrava o Império auxiliado por um conselho privado que frequentemente se reunia na Vila de Domiciano, na cidade de Alba, a cerca de 20 km de Roma (ou seja, para os padrões antigos, a no mí­nimo uma hora de viagem de Roma, a todo galope ou mais de duas, de carruagem). Esse conselho era composto por amigos (amicii), libertos do imperador e altos funcionários, como os prefeitos urbano e da guarda pretoriana. Domiciano também manteve a política adotada pelo pai e de pelo irmão de reservar o exercí­cio dos consulados majoritariamente para o imperador, seus filhos e parentes.

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(Criptopórtico, ou passagem subterrânea, da Villa de Domiciano, em Alba)

Indubitavelmente, todas as medidas citadas faziam parte de uma guinada para um principado mais absolutista e centralizador. E tudo isso se coadunava com uma ênfase na sacralização da figura do monarca. Não é a toa de que uma das maiores crí­ticas dos autores antigos é a mencionada predileção por parte de Domiciano do tratamento de “Dominus et Deos” (“Senhor e Deus”), o qual, contudo, até onde se averiguou, jamais constou de documentos oficiais.

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(Estátua de bronze dourado de Domiciano, retratado como Hércules)

Como era de se esperar, essa forma de governar adotada por Domiciano em nada contribuiu para melhorar as relações do imperador com o Senado Romano. Os reinados de Tibério, Calí­gula e Nero, sem falar nos eventos que levaram ao assassinato de Júlio César, tinham já mostrado que os senadores viam a si mesmos como uma classe que tinha direito manifesto a prerrogativas, poderes, cargos e influência no Estado, cuja preterição gerava atritos entre o imperador e o Senado. Augusto havia entendido isso o suficiente para criar um sistema em que, ainda que de forma condescendente e não equânime, uma parcela do poder do Estado Romano era dividida entre o Imperador e o Senado, que continuou intitulado a governar certas Províncias, a poder ocupar as mais altas magistraturas e, não menos importante, a ser merecedor de tratamento deferente pelo Príncipe (“Princeps“, tí­tulo que, sintomaticamente, tem em sua origem o significado de “primeiro senador”).

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Com efeito, em várias passagens dos livros de história podemos inferir que, para os senadores, tão importantes quanto o poder de fato eram a deferência e as honrarias…E a personalidade arredia de Domiciano tornou as relações com o trono mais difí­ceis…Ele, segundo as fontes, gostava de solidão, possivelmente um traço adquirido pelo afastamento de seus pais na infância.

Há até uma anedota na qual se conta que, durante o tempo em que Domiciano passava trancado em seu gabinete, nos intervalos de trabalho, ele se distraí­a capturando moscas e traspassando-as com um fino estilete. Então, jocosamente, quando alguém chegava para despachar e perguntava se havia alguém com o Imperador, os porteiros respondiam:

Nem uma mosca…

As fontes descrevem Domiciano como sendo frio, distante, arrogante e, por vezes, insolente e cruel. Esses traços, somados às medidas autocráticas, desgastaram as relações com o Senado e, certamente, não lhe granjearam amizades nesta assembleia. Vale notar que: medidas como a punição dos maus administradores e juízes, o afastamento de homossexuais do Senado, e a execução das Virgens Vestais que violavam a sua castidade, atingiam, precipuamente, os membros da elite senatorial. Entretanto, nos oito primeiros anos do reinado de Domiciano aparentemente não houve conspirações…

Enquanto isso, Domiciano dedicou muita atenção à polí­tica exterior e aos assuntos militares e ele aumentou o pagamento do soldo dos militares de 300 para 400 denários.

Em 82 D.C., as legiões sob o comando de Cneu Júlio Agrí­cola derrotaram as tribos no norte da Britânia, chegando até a costa oposta à Irlanda. Há quem sustente que os romanos chegaram até a fazer uma expedição na referida ilha. Posteriormente, no verão de 84 D.C., Agrí­cola derrotou os Caledônios, os quais se refugiaram nas Terras Altas da atual Escócia (Highlands). Depois, em 85 D.C., apesar do sucesso desta campanha, Agrícola foi chamado de volta à Roma.

Segundo o historiador Tácito, que era genro de Agrí­cola e escreveu uma obra sobre a vida do sogro, o motivo do retorno foi o ciúme de Domiciano de que as conquistas de Agrí­cola ofuscassem o duvidoso triunfo que Domiciano tinha celebrado pela vitória contra a tribo germânica dos Catos, que tinham atacado a Gália.

Porém, mesmo que Domiciano tivesse a intenção de promover uma grande campanha contra os Catos, visando obter uma vitória completa, a mesma foi por água abaixo devido a invasão da Província da Moésia pelos Dácios, em 85 D.C. os quais chegaram a matar o governador romano da proví­ncia.

A campanha contra os Dácios, que no início chegou a contar com a presença de Domiciano, terminou com a vitória parcial dos romanos, comandados por Cornélio Fusco, em 86 D.C. Porém, pouco tempo depois, os Dácios novamente voltaram a atacar os romanos, ocasião em que a Legião V, comandada por Fusco, foi destruída, morrendo seu comandante. Os Dácios, posteriormente, foram derrotados pelo general Tettius Julianus (Segunda Guerra Contra os Dácios), sem que, contudo, a capital dácia, Sarmizegetusa, fosse tomada.

Provavelmente devido à crescente pressão na fronteira do Danúbio, devido a guerra contra os Dácios e incursões dos Suevos e Sármatas, somada à agressão dos Catos, Domiciano foi obrigado a ordenar uma retirada total das tropas romanas na Caledônia, recuando a fronteira romana uns 120 km para o sul da ilha da Grã-Bretanha.

O fato é que o Exército Romano não podia mais se dar ao luxo de luxo de se comprometer em uma guerra em dois fronts, sendo que a relação custo-benefício de manter a Caledônia não justificava a manutenção daquele território.

E Domiciano, realmente, deve ter avaliado que a situação estratégica no momento também não recomendava o comprometimento total do exército com uma campanha no Danúbio, pois, logo após a cessação dos combates contra os Dácios ele assinou com eles um tratado de paz no qual Roma concordava em pagar ao rei Decébalo um subsídio anual de oito milhões de sestércios, uma concessão que foi muito criticada pelos autores antigos.

Desse modo, os Dácios somente seriam conquistados pelos romanos em 106 D.C., pelo imperador Trajano, em uma campanha que de fato revelou-se durí­ssima.

CONSPIRAÇÃO CONTRA DOMICIANO

Como tantas vezes se veria na História do Império Romano, a combinação de insucessos militares com a impopularidade de um imperador entre os Senadores teve como resultado uma conspiração para assassinar o monarca.

Assim, no iní­cio do ano de 89 D.C., o general Lúcio Antônio Saturnino, um senador que comandava duas legiões na Germânia Superior, foi proclamado imperador pelas suas tropas, na cidade de Moguntiacum (atual Mainz, na Alemanha). Saturnino, muito provavelmente, fazia parte de um grupo de senadores insatisfeitos com o reinado de Domiciano. Ele esperava que o governador da Germânia Inferior, o também senador Aulus Lappius Maximus, se juntasse à rebelião, mas este comandante se manteve fiel ao imperador. Para piorar, os esperados reforços de tribos aliadas germânicas foram impedidos de cruzar o rio Reno devido a uma cheia.

Consequentemente, as tropas rebeldes acabaram sendo derrotadas pelos soldados leais ao imperador na Batalha de Castellum, e Saturnino foi executado. Note-se que a conduta de Aulus Lappius de queimar as cartas apreendidas em poder de Saturnino após a derrota deste é um forte indício de que havia outros senadores envolvidos na trama, em Roma.

Todavia, a revolta de Saturnino exacerbou os traços de paranoia que já estavam sendo notados em Domiciano. De fato, embora possa ter havido algumas execuções de senadores anteriores a 89 D.C, considera-se que o “reinado de terror” atribuído a Domiciano efetivamente começou após à referida conspiração.

No ano seguinte, Domiciano dividiu o consulado com o veterano senador Marco Cocceio Nerva (o futuro imperador Nerva), um jurista que, mais de vinte anos antes, havia ajudado Nero a desbaratar a chamada Conspiração Pisoniana.

Entretanto, no chamado “reinado de terror” de Domiciano, cerca de onze senadores foram executados, por motivos variados. Para se ter uma comparação, o imperador Cláudio executou 35 senadores durante o seu reinado, e, mesmo assim, ele foi deificado pelo Senado após a sua morte. E o imperador Adriano, logo no primeiro ano de seu reinado, executou quatro, mas os historiadores não se referem a tais execuções como um período de “terror”, o que mostra a má vontade da elite senatorial em relação a Domiciano.

A propósito, consta que Domiciano, certa vez, teria dito:

“Os imperadores são a gente mais desafortunada, pois, quando eles descobrem uma conspiração, ninguém lhes dá crédito, a não ser que eles sejam assassinados...”

Mas o motivo alegado para essas execuções dos senadores nem sempre foi o envolvimento deles com conspirações: No caso do primo de Domiciano, Tito Flávio Clemente, um ex-Cônsul, a acusação era de sacrilégio contra a religião romana. Os historiadores acreditam que Clemente se converteu ao Judaí­smo ou ao Cristianismo. Devido a essa acusação, a esposa dele, Flávia Domitila, que era sobrinha de Domiciano, foi banida para uma ilha remota. Essa Flávia Domitila, de quem já falamos acima, era filha da irmã de Domiciano e é mencionada na História Eclesiástica, do bispo cristão Eusébio de Cesaréia, escrita no século IV D.C., como sendo uma mártir cristã que morreu no exílio na ilha de Ponza e filha da irmã do cônsul Flávio Clemente.

Curiosidade: Há quem associe Tito Flávio Clemente com o Papa Clemente,que depois passou a ser venerado como São Clemente pela Igreja Católica. De fato, uma inscrição teria sido encontrada, durante o Renascimento, nos subterrâneos da Basí­lica de São Clemente, em Roma, contendo a inscrição “T. Flavius Clemens, vir consularis“. Assim, 60 anos após a execução de Jesus Cristo e o início da pregação pelos seus apóstolos, constata-se que a nascente religião já tinha, ao menos, alguns adeptos nas mais altas esferas da sociedade romana.

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(Entrada lateral da Basílica de São Clemente, em Roma)

ASSASSINATO DE DOMICIANO

Em 96 D.C., até os auxiliares mais próximos de Domiciano estavam apreensivos com o comportamento cada vez mais paranoico do imperador. E a insatisfação do Senado com ele atingiu o limite e, assim, tudo estava pronto para uma nova conspiração com o objetivo de libertar Roma daquele que eles consideravam ser um odiado tirano.

Com efeito, Domiciano tinha mandado executar seu camareiro, Epafrodito e o substituto deste, Partênio, prevendo que não demoraria muito para que ele sofresse o mesmo destino, contatou um liberto do imperador, Maximus e também Stephanus, que era o secretário pessoal da sobrinha do imperador, Flávia Domitila,

Já premeditando a execução do assassinato, Stephanus tinha simulado um ferimento no braço dias antes, com o objetivo de poder esconder embaixo da atadura uma adaga. Para ter um motivo relevante para ser recebido pelo imperador, Stephanus fez circular a informação de que ele tinha descoberto uma trama para assassinar Domiciano, e lhe traria as provas.

Assim, quando Stephanus foi admitido no quarto do imperador, ele aproveitou o momento em que Domiciano estava distraído, lendo o documento que provaria a suposta conspiração, e cravou a adaga na virilha dele. Mesmo ferido, Domiciano conseguiu escapar e apanhar uma adaga. Seguiu-se uma luta feroz, em que Stephanus e Domiciano rolaram pelo chão do aposento. Durante o combate, Stephanus foi ajudado por Maximus e por um colega do camareiro Partênio, Satur, que tinham lhe acompanhado ao quarto imperial. Então, após levar sete golpes de adaga, Domiciano faleceu, mas não sem antes levar consigo o próprio Stephanus, que também havia sido golpeado pelo imperador. Domiciano tinha 44 anos de idade quando morreu.

EPÍLOGO

O Senado Romano imediatamente aclamou o  velho senador Marco Cocceio Nerva como imperador, que, por já ser bem idoso e não ter filhos, parecia o candidato mais capaz de ser aceito por todas as facções senatorias e, principalmente, pelo Exército. Aliás, é bem provável que esta solução já fosse apoiada pelos generais mais influentes, como Marco Úlpio Trajano.

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O Senado também decretou que a memória de Domiciano devia ser banida (procedimento conhecido como “damnatio memoriae” e que implicava em apagar inscrições, destruir estátuas e qualquer referência oficial ao nome do imperador).

O cadáver de Domiciano foi levado embora do seu palácio e cremado por iniciativa de sua ex-babá Phyllis, que, tudo indica, nunca se afastou de Domiciano. As cinzas dele foram depositadas no Templo dos Flávios, na colina do Quirinal, em Roma.

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(O Templo dos Flávios, no Quirinal, foto de Cassius Ahenobarbus)

CONCLUSÃO

Os historiadores modernos tendem a favorecer uma revisão do reinado de Domiciano, que foi um governante aplicado e que adotou várias medidas racionais. A imagem negativa dele hoje é considerada por muitos como fruto da antipatia do Senado Romano, valendo observar que os historiadores que escreveram sobre Domiciano, tais como Suetônio, Tácito e Cássio Dião, ou eram todos senadores, como os dois últimos, ou auxiliares próximos à dinastia que sucedeu Domiciano, como é o caso de Suetônio.

O texto desses historiadores da classe senatorial normalmente divide os imperadores romanos entre “Bons” e “Maus“, sendo que, invariavelmente, os “Bons“são aqueles que mantiveram boas relações com o Senador Romano. Já os ‘Maus” são aqueles que desrespeitaram as prerrogativas dos senadores ou perseguiram os seus integrantes. Com efeito, Tácito e Suetônio foram homens que começaram a sua carreira pública no reinado de Domiciano, mas que escreveram as histórias deles no reinado do sucessor de Nerva, Trajano. Assim, a nova dinastia tinha todo o interesse em se legitimar em contraste com uma imagem necessariamente negativa do reinado de Domiciano, e para isso, ela contou com a pena solícita dos historiadores da classe senatorial.

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FIM

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GALBA E SEMPRÔNIO, O PRETORIANO FIEL

Em 15 de janeiro de 69 D.C,  em Roma, morreram o imperador romano Galba e o centurião da Guarda Pretoriana, Semprônio Denso.

Origens e Infância

Sérgio Sulpício Galba (Galba), nasceu em 24 de dezembro de 3 A.C., próximo à Terracina, uma cidade litorânea do Lácio, a 76 km de Roma, filho de Gaius Sulpicius Galba, que era corcunda e se destacou como advogado nos tribunais, e de Mummia Achaica, sendo ambos integrantes de famílias muito ilustres da aristocracia romana.

Porém, a mãe de Galba morreu pouco tempo depois do nascimento dele, e seu pai, viúvo, casou-se, então, com Livia Ocellina, que pode ter sido parente da imperatriz Lívia Drusila, que na época era a poderosa esposa do imperador Augusto. Este deve ter sido o principal motivo pelo qual Galba chegou a mudar o seu nome e passar a empregar o sobrenome Ocello, antes de sua elevação ao trono.

Ruínas do teatro romano em Terracina, foto Mænsard vokser, CC BY-SA 4.0 https://creativecommons.org/licenses/by-sa/4.0, via Wikimedia Commons

Quando Galba ainda era apenas um menino, Suetônio conta que, durante uma audiência na qual as crianças da elite romana foram prestar uma homenagem a Augusto, o imperador beliscou carinhosamente a bochecha dele, e disse, em grego:

Tu também, criança, vais ter um bocadinho deste meu Poder”

Galba casou-se uma única vez, com Emília Lépida, também ela membro de uma ilustre família nobre e uma provável descendente do Triúnviro Marco Emílio Lépido. Porém, tanto ela como os filhos que o casal teve morreram quando Galba devia estar na casa dos quarenta anos de idade. Consta até que, ainda antes da esposa morrer, Galba foi ostensivamente cortejado por Agripina, a Jovem, mãe do futuro imperador Nero.

Carreira

Provavelmente, graças ao seu sobrenome ilustre e ao possível parentesco de sua madrasta e mãe adotiva com Lívia, durante o reinado do filho desta, e sucessor de Augusto, o imperador Tibério, Galba teve uma carreira pública de respeito, ocupando os cargos de Pretor, onde presidiu uma extravagante cerimônia na festilidade religiosa da Floralia, e de Cônsul, em 33 D.C. Efetivamente, Suetônio narra que Galba era muito devotado à imperatriz e que foi graças à influência de Lívia que ele obteve cargos tão importantes.

Inclusive, quando Lívia morreu, ela deixou em testamento, em legado a Galba, a fortuna de 5 milhões de sestércios. Porém, o imperador Tibério diminuiu esta disposição testamentária para somente 500 mil sestércios, e, segundo Suetônio, nem isto Galba recebeu. De qualquer maneira, Galba era riquíssimo, e segundo Plutarco, ele seria o homem mais rico que ocupou o trono até os dias do historiador, que escreveu provavelmente no início do século II D.C.

Galba foi também governador da província da Gália Aquitânia, ainda durante o reinado de Tibério.

A proximidade de Galba com a dinastia dos Júlio-Cláudios foi confirmada no reinado de Calígula, quando ele foi escolhido, em 39 D.C, para substituir o governador da Germânia Superior, Gnaeus Cornelius Lentulus Gaetulicus, que caíra em desgraça com Calígula.

A Germânia Superior era um dos comandos militares mais importantes do Império, e no comando das legiões da província, Galba notabilizou-se pela severidade e disciplina inflexível, constantemente ordenando manobras e exercícios, os quais, diga-se de passagem, contribuíram para a excelência das mesmas e eficiência no combate a algumas incursões dos Germanos.. Aliás, parece que este era um traço marcante da personalidade, pois Suetônio relata que ele era fo único em Roma que mantinha um antigo costume de ordenar os que os seus escravos domésticos e libertos diariamente entrassem em formação, uma vez ao amanhecer e outra ao anoitecer, para lhe desejar bom dia e boa noite.

Há até o relato de que Galba, quando Calígula visitou a província, acompanhou por 20 milhas, de escudo na mão, a carruagem do imperador.

Após o assassinato de Calígula, consta que Galba chegou a ser sondado para assumir o trono, mas, mantendo a sua fidelidade à dinastia Júlio-Cláudia, ele declinou, o que lhe valeu também a confiança do novo imperador, Cláudio, passando, assim, a integrar o círculo mais íntimo e o conselho deste monarca.

Em consequência, Galba foi designado governador da província da África, ocupando o cargo por dois anos, sendo especialmente escolhido para restaurar a ordem na província, que enfrentava uma revolta de nativos, provavelmente entre 44 e 46 D.C.. Novamente, no comando das legiões daquela província, são relatados atos de extrema severidade disciplinar por parte de Galba, quando, ao punir um soldado acusado vender parte da sua ração, Galba ordenou que o mesmo fosse impedido de receber comida, depois que as suas rações acabassem, morrendo de inanição.

De qualquer modo, os serviços de Galba na`África foram reconhecidos pela concessão dos ornamentos triunfais (no Império, somente o Imperador poderia celebrar Triunfos), uma grande honraria.

Após ele voltar da África, Suetônio relata que Galba retirou-se da vida pública até que, entre 59 e 60 D.C, já durante o reinado de Nero, sucessor de Cláudio, ele recebeu a oferta de governar a província da Hispânia Tarraconense, ficando neste cargo durante oito anos.

Caminho para o trono

Então, na primeira metade de 68 D.C, enquanto presidia julgamentos em Cargago Nova (atual Cartagena), Galba recebeu notícias de que na província da Gália Lugdunense, o governador Gaius Julius Vindex planejava uma conspiração para destronar Nero, mas consta que Galba, a princípio, manteve-se inerte. Mesmo assim, após deflagrada a revolta, VIndex enviou uma nova carta a Galba, instando-o a se tornar o “Libertador” de Roma e “Líder da Raça Humana“.

Embora Galba não tenha de pronto aceitado a oferta de Vindex, o mero fato dele ter sido procurado pelos revoltosos e não ter delatado a revolta levou Nero a ordenar a sua morte. Entretanto, os emissários enviados com a sua sentença de morte foram interceptados por homens de Galba e ele, então, premido pelas circunstâncias,e instado por Titus Vinius, capitão de sua guarda pessoal, Galba mandou reunir a soldadesca e declarou que assumia o título de “General do Povo e do Senado Romano” e que ele estava “à disposição do Senado para restaurar a liberdade“…

Nero, que aparentemente não tinha dado a devida importância à rebelião de VIndex, quando soube que Galba também tinha aderido à rebelião ficou preocupado, devido às credenciais aristocráticas do seu nome e a boa reputação de que o rival gozava. Consequentemente, Nero, que ainda mantinha algum controle da situação, conseguiu que o Senado declarasse GalbaInimigo Público” e ordenou que todas as suas propriedades fossem confiscadas.

Enquanto isso, a revolta de Vindex foi rapidamente derrotada pelas legiões da Germânia Superior, fiéis a Nero, sob o comando de Lucius Verginius Rufo, nos arredores da cidade de Vesontio (atual Besançon), tendo logo após o líder rebelde cometido suicídio.

Todavia, as legiões vitoriosas imediatamente declararam-se em rebelião contra Nero, embora Rufo tenha permanecido leal ao imperador, recusando-se a aderir ao movimento e a aceitar a sua aclamação como imperador pelos seus soldados, que, ao que parece, já começavam a farejar a possibilidade de obterem polpudas recompensas caso o seu comandante assumisse o trono (Nota: A postura de Rufo mostrou-se sábia. No ano seguinte, ele recusaria novamente apelos de soldados para assumior trono, após o assassinato do imperador Otão, e viveria uma vida pacífica em sua propriedade na Etrúria, até ser nomeado novamente Cônsul pelo imperador Nerva, em 97 D.C, mesmo ano em que ele morreria, com a avançada idade de 82 anos!)

Galba, entrementes, fez preparativos para enfrentar a retaliação de Nero, chegando a fortificar uma cidade, mas teve que lidar com uma tentativa de deserção de uma unidade de cavalaria, e quase sofreu um atentado. Ele, além disso, ficou muito preocupado quando chegou a notícia da derrota da rebelião de Vindex, chegando até a cogitar o suicídio.

No meio deste confuso e atribulado quadro, os partidários de Galba no Senado em Roma não ficaram imóveis, e procuraram aliados: Assim, em algum momento entre  o final demaio e o início de junho de 68 D.C., um dos Prefeitos da Guarda Pretoriana, Ninfídio Sabino (consta que o outro Prefeito, Ofonius Tigellinus, que era amigo de Nero, já percebendo a sua iminente ruína, afastou-se alegando uma suposta doença naquele momento), persuadiu os pretorianos, em Roma, de que os rumores de que Nero havia fugido para o Egito eram verdadeiros, induzindo-os a se declararem a favor de Galba.

Para o azar de Nero, a defecção dos Pretorianos ocorrera antes da chegada à Roma da notícia da vitória de Rufo contra Vindex, algo que daria ao imperador certa esperança de readquirir o controle da situação.

Sem a Guarda Pretoriana, o próprio palácio de Nero ficou desguarnecido, fato que ele, desesperado, descobriu quando acordou no meio da noite e não viu ninguém nos corredores desertos. Circulou, então, a notícia de que o Senado tinha declarado NeroInimigo Público“. Assim, o emotivo imperador, apavorado com a situação, após tentar fugir, cometeu suicídio,

Em 8 de junho de 68 D.C., aos 70 anos de idade, Galba foi reconhecido pelo Senado Romano como o novo imperador romano. Era o fim da dinastia dos Júlio-Cláudios, que fundara o Império, em 27 A.C, mas governava Roma há mais de um século, desde que Júlio César havia sido nomeado Ditador Perpétuo e, após o assassinato deste, Otávio Augusto venceu a Guerra Civil.

Busto de Galba no Museu de Antiguidades Gustavo III, em Estocolmo. Foto de Richard Mortel from Riyadh, Saudi Arabia 

Quando a noticia da morte de Nero chegou à cidade de Clunia, na Hispânia, para onde Galba havia se retirado, nova que lhe foi trazida pelo liberto Icelus Martianus, então ele sentiu-se seguro em partir para Roma.

Reinado

Cássio DIão conta que Galba começou a reinar de maneira moderada e, de modo geral, correta. Porém, a excessiva severidade e avareza, que parecem terem sido traços características de sua personalidade, e provavlmente agravados pela velhice (Galba seria um dos homens mais velhos a se tornar imperador em toda história romana), logo o fariam impopular e odiado.

Segundo Suetônio:

Ele condenou a morte homens distintos de ambas as ordens por suspeitas triviais sem julgamento. Ele raramente conferiu a cidadania romana, e os privilégios que deviam gozar os pais de três filhos para raramente um ou dois, e mesmo para estes, por um tempo fixo e limitado. Quando os jurados peticionaram que fosse adicionado uma sexta divisão aumentando o número deles, ele não apenas recusou, mas retirou deles os privilégios conferidos por Cláudio, de não serem convocados a servir nos tribunais durante o inverno e no começo do ano.

Também acreditava-se que ele tencionava limitar os cargos abertos aos senadores e cavaleiros a um período de dois anos, e dá-los somente aos que não os desejassem ou tivessem recusado.

Ele revogou todas as benesses e presentes dados por Nero, autorizando que apenas fosse retida a décima parte deles; e ele cobrou essas devoluções com o auxílio de 50 Equestres, estipulando que mesmo que os atores e atletas já tivessem vendido o que eles tinham recebido, o valor correspondente deveria ser debitado do pagamento, caso os beneficiados tivesem gasto o dinheiro e não pudessem devolver. Por outro lado, não houve nada que ele não tivesse permitido que os seus amigos e libertos vendessem por um preço ou agraciassem como favor: taxas e isenções, a punição de inocentes ou a impunidade de culpados. (…)

Tendo dessa maneira incorrido no ódio de quase todos os homens de todas as classes, ele foi especialmente odiado pelos soldados; porque, embora os oficiais deles tenham-lhes prometido uma recompensa maior do que a usual quando eles juraram fidelidade à Galba, em vez de honrar a promessa, ele declarou que “estava acostumado a recrutar soldados, não comprá-los”; e por conta disso, ele amargurou os soldados ao redor do Império.”(…)

Vida de Galba, em A Vida dos Césares, Suetônio, 15-16

Vale observar que, mesmo antes de Galba adentrar a cidade de Roma, um episódio sombrio prenunciou o seu jeito de ser, embora sua conduta não possa ser condenada em função das circunstãncias: ele foi abordado na estrada por algumas dezenas de marinheiros que tinham sido recrutados por Nero e demandavam o seu alistamento formal como uma unidade militar. Galba, então, disse que trataria do assunto mais tarde. Então, alguns homens começaram a reclamar de maneira mais enfática e alguns teriam at´desembainhado as espadas. Galba, assim, ordenou que a sua cavalaria atacasse os homens, que correram. Mesmo assim, todos foram passados a fio de espada.

Aureus de Galba. Foto Classical Numismatic Group, Inc. http://www.cngcoins.com, CC BY-SA 2.5 https://creativecommons.org/licenses/by-sa/2.5, via Wikimedia Commons

Uma das primeiras medidas de Galba foi condenar a execução vários integrantes do círculo íntimo de Nero, tais como a feiticeira e envenenadora Locusta, após fazê-los desfilar acorrentados pelas ruas, e isso deve ter sido apreviado pela população. Mas outras figuras odiadas, como TIgellinus e o eunuco Haloto, que era suspeito de ter envenenado o imperador Cláudio,, o imperador Galba poupou, e, no caso do segundo, até nomeou-o para um cargo importante e lucrativo, talvez ligado à coleta de impostos, algo que se coaduna com a apontada avareza e sede de tributos que é imputada a este imperador.

Parece que a idade avançada de Galba acabou fazendo com que ele tivesse que confiar e deixar a maior parte da tarefa de governar nas mãos de três auxiliares de confiança: Titus Vinius, Cornelius Laco e o liberto Icelus Martianus. Eles demonstraram ter tanta influência sobre Galba que passaram a ser chamados, sarcasticamente, de “Os Três Pedagogos“…

O braço-direito de Galba no governo passou a ser TItus Vinius, que o imperador escolheu para ser seu colega de Consulado para o ano de 69 D.C. Dar tanto poder a VInius pode ter sido um gesto de gratidão, mas foi uma péssima escolha, pois Vinius era excessivamente ganancioso e desregrado. Aliás, Plutarco conta dois episódios acerca da vida pregressa de Vinius: o primeiro contando que, ainda no início de sua carreira militar, Vinius cometeu adultério com a esposa do comandante da sua unidade, fazendo-a entrar no quartel disfarçada de soldado e praticando o ato sexual em pleno quartel-general. Na segunda passagem, Plutarco conta que Vinius surrupiou uma taça de prata em um banquete no palácio de Calígula, motivo pelo qual este imperador, no banquete seguinte, ordenou Vinius fosse servido apenas com utensílios de cerâmica.

Segundo Plutarco, Vinius teria sido o maior responsável pelo fato de Tigellinus não ter sido punido, devido ao fato dele ter recebido suborno do amigo de Nero.

Cornelius Laco foi nomeado Prefeito da Guarda Pretoriana, e substituição a Tigellinus. A sua nomeação desagradou NInfídio Sabino, que, durante o tempo em que Galba ainda estava a caminho da Itália, exerceu grande poder em Roma e chegou a cogitar de assumir o trono ele mesmo, aspiração que, por sinal, a sua origem humilde obviamente tornava quase impossível naquele tempo. Sabendo desta realidade, Ninfídio tentou espalhar o boato de que ele seria filho ilegítimo do finado imperador Calígula, pelo fato de que sua mãe, que era dotada de beleza e filha de um liberto deste imperador, teria tido com o mesmo um relacionamento íntimo, quando ele ainda era muito jovem.

Não satisfeito, Ninfídio tentou incitar os Pretorianos a demandarem o afastamento de Vinius e Laco, mas os oficiais da Guarda, inicialmente fiéis ao seu Comandante, ficaram desconfiados e temerosos e, mudando de disposição, convocaram Ninfídio para o Quartel da Guarda Pretoriana. local onde, após discussões, os principais soldados decidiram manter-se leais ao imperador e, então, Ninfídio foi morto em uma tenda de um soldado onde ele foi buscar abrigo, sendo depois o seu corpo arrastado, ficando exposto aos que passavam pelos muros do Quartel.

Titus Vinius, foi o responsável pela indicação de seu amigo Vitélio para o importante comando militar das legiões da Germânia Inferior, apesar do segundo não ter a menor experiência militar. Vinius e Vitélio ficaram amigos em virtude do prosaico motivo de ambos torcerem pela facção dos Azuis, uma das quatro que dividiam os torcedores das corridas de quadrigas, no Circo Máximo, em Roma…

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A aceitação da indicação de Vitélio para tão importante comando militar, segundo Suetônio, deve-se ao fato dele ser um notório glutão e bon-vivant, e, portanto, ter sido considerado como uma pessoa incapaz de ameaçar Galba

Porém, algo que o notório temperamento severo e inflexível de Galba não conseguiu perceber, é que as tropas da Germânia estavam muito descontentes pelo fato delas não terem recebido os donativos esperados quando da subida dele ao trono imperial, em recompensa por eles terem derrotado as legiões de Julius Vindex, cuja revolta desencadeara a sucessão de eventos que levou à derrubada de Nero e, logicamente, a coroação do próprio Galba.

O fato é que as credenciais de Vitélio, tendo em vista o seu “pedigree” de filho de um senador que ocupara o consulado por 3 vezes e, ele mesmo, já ter sido Cônsul, não eram de se desprezar como pretendente ao trono, e, depois que ele chegou à Germânia, em novembro de 68 D.C, não muito tempo depois, em 1º de janeiro de 69 D.C., as legiões da província recusaram-se a jurar lealdade a Galba, naquela mesma data tradicional em que os Cônsules indicados assumiam o Consulado, configurando, assim, o estado de rebelião.

Busto de Vitélio

Julgando, não de modo todo incorreto, diga-se de passagem, que a principal causa da instabilidade de seu governo era o fato dele não ter filhos nem herdeiros, Galba adotou, em 10 de janeiro de 69 D.C, como filho e sucessor, o nobre Lúcio Calpúrnio Pisão Frugi Liciniano, na presença da Guarda Pretoriana reunida.

Entretanto, no ato público de adoção de Calpúrnio Pisão, o imperador, seguindo o seu jeito de encarar esse assunto, deixou de fazer a costumeira promessa de donativo às tropas.

A escolha desagradou outro nobre e partidário de Galba na rebelião contra Nero, Marco Sálvio Otão (Marcus Salvius Otho), que julgou-se preterido pelo imperador, uma vez que ele, Otão, quando governava a Lusitânia, havia sido o primeiro governador a declarar apoio a Galba durante a revolta, inclusive enviando dinheiro para apoiar o colega. Otão tinha sido um amigo íntimo do finado imperador Nero, com que chegou a “compartilhar” a própria esposa, Popéia, antes que ela se casasse com Nero.

Em poucos dias, Otão começou a subornar integrantes da Guarda Pretoriana para assassinar o imperador e Calpúrnio Pisão, mas muito mais crucial do que isso para o sucesso da conspiração seria a grande insatisfação contra Galba que grassava entre os Pretorianos.

Então, após realizar um sacrifício religioso, Galba recebeu a notícia de que Otão tinha tomado o controle do Quartel da Guarda Pretoriana. Na verdade, segundo o relato de Plutarco, Otão, após um presságio desfavorável revelado em um sacrifício presidido por Galba, que lhe apontava como causador da morte do imperador, deixou às pressas o Palácio, com medo de ser preso, mas foi recebido por 23 pretorianos, que o aclamaram como Imperador e, rodeando a sua liteira, o levaram até o Quartel, sendo que, no caminho, outros guardas foram se juntando à rebelião).

Alguns auxiliares aconselharam Galba a proceder imediatamente para o Quartel, onde ele poderia debelar a nascente rebelião com sua mera presença e prestígio (provavelmente um conselho mal-intencionado). Não confiando nas recomendações, Galba, vestindo uma couraça de tecido prensado do tipo “linothorax” preferiu juntar um grupo de soldados leais em torno de si e fortificar posições em determinados pontos de Roma.

Contudo, conspiradores ocultos que tinham acesso a Galba fizeram chegar a ele, bem como fizeram circular em Roma, a informação falsa de que Otão havia sido morto pelos Pretorianos no Quartel.

Sentindo-se, assim, confiante, Galba deixou o Palácio e foi com o pequeno contingente da sua guarda pessoal examinar de perto a situação.

Segundo, Suetônio, no caminho, Galba encontrou uma tropa de Pretorianos, da qual um guarda deu-lhe outra falsa notícia: Que Otão havia sido morto por ele, tendo o militar até exibido ao imperador o seu gládio manchado de sangue, ao que Galba, em seu tradicional modo imperativo, respondeu:

“Com a autoridade de quem?”

A liteira de Galba, então, foi avistada, enquanto cruzava o Fórum Romano, por cavaleiros da Guarda Pretoriana, que já estavam à caça do Imperador.

Segundo o detalhado relato de Plutarco, a liteira de Galba foi alcançada na altura da Basílica Emília, e o galope da cavalaria rebelde espantou os transeuntes, que, não obstante, correram para os prédios e monumentos próximos e ficaram observando o desfecho, como se fosse um espetáculo. Os pretorianos, então, lançaram os seus dardos contra a liteira, sem alcança-la (ou, segundo outra versão, atingindo, porém sem matar, o Imperador). Então, chegando mais perto, desmontaram e desembainharam a espada, aproximando-se cada vez mais.

Ruínas da Basílica Emília, no Fórum Romano, foto daryl_mitchell from Saskatoon, Saskatchewan, Canada, CC BY-SA 2.0 https://creativecommons.org/licenses/by-sa/2.0, via Wikimedia Commons

A Morte de Galba e o heroísmo de um Centurião

Ao estudar a História do Império Romano, ficamos pasmos com a quantidade de vezes em que imperadores foram assassinados pela Guarda Pretoriana, que, afinal, era uma unidade militar de elite que, em tese, deveria existir para proteger o soberano.

Entretanto, nem todos os Pretorianos eram venais e subornáveis, como mostra o exemplo do centurião Semprônio Denso.

De fato, os relatos dão conta de quando os pretorianos que faziam a escolta de Galba, quando viram o grupo armado dos colegas rebeldes, a maioria fugiu e a outra parte juntou-se aos atacantes.

Porém, o centurião Semprônio Denso manteve-se ao lado do imperador.

Plutarco conta que Semprônio levantou a sua vara de centurião, feita de videira e costumeiramente usada para castigar os soldados faltosos, ordenando que não tocassem o imperador. Não sendo isso suficiente para afastar os colegas renegados, o fiel centurião desembainhou a sua espada (ou, na versão de Tácito, um simples punhal) e enfrentou em combate homem-a-homem vários inimigos, até receber um golpe nas pernas, que o levou ao chão, onde ele foi morto.

A bravura de Semprônio permitiu que o seu herdeiro Calpúrnio Pisão Liciniano, que fazia parte do cortejo de Galba, conseguisse escapar do atentado e se refugiar no Templo de Vesta, onde contudo, ele foi posteriormente capturado e morto a mando de Otão, em um ato de desrespeito ao santuário sagrado. O mesmo destino que sofreram VInius e Laco.

O feito de Semprônio também foi registrado pelo historiador Cássio Dião, como sendo o único ato de bravura ocorrido naqueles dias,  e, por isso,  ao terminar de narrar em sua História o caso do infeliz centurião, ele fez questão de afirmar:

“É por isto que eu registrei o seu nome, pois ele é muito merecedor de ser mencionado”

Guardas Pretorianos no chamado Relevo de Cancelleria, foto Eleven Explorer, Public domain, via Wikimedia Commons

De acordo com Plutarco, no chamado Lacus Curtius, ainda no Fórum Romano, a liteira de Galba foi virada, o imperador rolou para o chão e ficou prostrado de armadura, sendo alcançado pelos soldados. Quando levou o primeiro golpe, Galba ofereceu o pescoço para seus algozes, dizendo:

“Faça isso, se for o melhor para o Povo Romano”

Já segundo Cássio Dião, as últimas palavras de Galba foram:

“Por que? Que mal eu fiz?”

Seja como for, após receber vários golpes, Galba foi morto, teve a sua cabeça cortada e levada até Otão, que chegou a dizer:

“Isto não quer dizer nada, meus caros soldados, mostrem-me a cabeça de Calpúrnio Pisão!”

Epílogo

O Senado, aterrorizado com a procissão de várias cabeças decepadas no interior da própria Cúria, no mesmo dia aclamou Otão como novo imperador romano. Porém, o seu reinado também seria curto, pois o exército de VItélio já se encontrava em marcha para a Itália, para derrotá-lo na Batalha de Cremona. Enquanto isso, no Oriente, o prestigiado general Vespasiano estava em vias de também dar a sua cartada pelo trono. Por isso, 69 D.C ficaria conhecido na História como “O Ano dos Quatro Imperadores“.

A cabeça de Galba foi levada em parada pelo acampamento da Guarda Pretoriana. Depois, um liberto de Patrobius Neronianus, o qual havia sido executado por ordens de Galba, comprou-a por 100 moedas de ouro e a jogou no local de execução do seu Patrono. Porém, pouco depois, o liberto Argivus reuniu todos os restos de Galba e sepultou-o em um mausoléu nos Jardins que o finado imperador tinha na Via Aureliana.

Conclusão

De acordo a opinião do historiador romano Tácito sobre Galba:

Ele pareceu grande demais para ser súdito enquanto foi súdito, e todos teriam concordado que ele estava à altura do cargo de Imperador, caso ele nunca o tivesse exercido”

Histórias, 1, 49

É um diagnóstico preciso e contundente sobre o imperador Galba, que não entendeu que o poder imperial repousava sobre um tripé que tinha que ser mantido em equilíbrio no que se refere às demandas de seus três pilares: o Povo, o Exército e o Senado.

Assim, de um Imperador Romano esperava-se que assistisse e entretesse o Povo, mantivesse bem pago, treinado e vitorioso o Exército, e fosse deferente e respeitoso com o Senado.

Galba não entreteve o Povo e nem pagou o Exército, então seu governo, restrito a apenas um pé, logo foi ao chão.

FIM

FONTES;

1- Quem foi Quem na Roma Antiga, Diana Bowder, Ed. Círculo do Livro, 1980

2- The Lives of the Twelve Caesars, by C. Suetonius Tranquillus

3- Roman History, by Cassius Dio

4-The Parallel Lives, by Plutarch