A BATALHA DE ZAMA – ROMA ESTÁ VINGADA

Estamos em 19 de outubro de 202 A. C.

Nas proximidades da cidade de Zama Regia, a aproximadamente 130 km ao sudoeste da antiga Cartago, e da moderna Túnis, os exércitos romanos e cartagineses esperam na planície as ordens dos seus comandantes, Públio Cornélio Cipião e Aníbal Barca.

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Os protagonistas acreditam que a batalha será o round final da Segunda Guerra Púnica, que já durava 16 anos, um conflito que havia se iniciado com o ataque dos africanos à Sagunto, uma cidade ibérica aliada de Roma, e, ganhado proporções épicas quando o cartaginês Aníbal deixando a Espanha em uma marcha surpreendente, cruzou os Alpes e invadiu a Itália, ali derrotando, uma após uma, as legiões romanas enviadas contra ele.

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PRELÚDIO

Após a grande vitória de Aníbal na Batalha de Canas, no sul da Itália, em 216 A.C., em que, adotando uma tática magistral, o exército cartaginês destruiu quatro exércitos consulares, matando mais de 60 mil soldados romanos em apenas um dia, todos acreditavam que o cerco e captura de Roma seria uma questão de tempo. Aníbal , inclusive, esperava que as cidades italianas aliadas à Roma iriam passar para o seu lado.

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Porém, os aliados de Roma se mantiveram fiéis. Diante da situação desesperadora, o Senado nomeou um comandante, com poderes ditatoriais, o general Quinto Fábio Máximo, que retomou a sua estratégia de guerrilha e de terra arrasada, evitando confrontos diretos com o multinacional exército cartaginês, que além dos povos púnicos, de origem fenícia e berberes, incluía ibéricos, gauleses e mercenários gregos.

Fábio Máximo, devido a estratégia que adotou, ganhou o apelido de “Cuntator“, ou seja, “protelador” (ou “contemporizador”), com o qual ele passaria a História. E de fato, a “estratégia fabiana” funcionou bem:

Assim, Aníbal perambulou à vontade durante quase 10 anos pela península italiana, entretanto, o tempo trabalhava a favor dos romanos, já que, longe da pátria, com poucas fontes de reforços, o exército cartaginês aos poucos ia diminuindo e se enfraquecendo.

Até que, em 207 A.C., os cartagineses decidiram mandar para a Itália o seu importante exército que continuava na Espanha, sob o comando de Asdrúbal, irmão de Aníbal, que também  marchou para cruzar os Alpes e juntar-se às forças do irmão ilustre, com o fim de ambos darem o golpe final em Roma.

Desta vez, contudo, os romanos estavam melhor preparados. Asdrúbal acreditava que ele iria enfrentar apenas um exército consular, no Rio Metauro, na Úmbria. Entretanto, os romanos, secretamente, enviaram  para  juntar-se a este mais um exército, iludindo Aníbal e Asdrúbal, sendo que este segundo exército romano conseguiu ficar escondido no acampamento do primeiro.

Assim, valendo-se dessa dessa oculta superioridade numérica, os romanos conseguiram derrotar a força expedicionária cartaginesa, na Batalha do Rio Metauro. Como recado, a cabeça de Asdrúbal foi cortada e enviada para seu irmão, no sul.

Desse modo, Aníbal perdeu definitivamente a oportunidade de liquidar a campanha na Itália: Ele não receberia mais reforços, e, com os recursos humanos que ele dispunha, ele era incapaz de derrotar Roma, muito embora os romanos ainda não se atrevessem a atacá-lo diretamente.

Concomitante ao quadro acima descrito, os exércitos romanos na Espanha eram comandados por Públio Cornélio Cipião. Sentindo-se confiante com a situação favorável aos romanos na Península Ibérica, após a vitória na Batalha de Ilipa, em 206 A.C., o prestigiado Cipião resolveu voltar para Roma, onde ele conseguiu ser eleito Cônsul.

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Cipião, como primeira medida no mais importante cargo executivo da República, propôs a política de mudar o teatro de operações da Itália para a África, defendendo um ataque direto a Cartago. Assim, ao invés de arriscar uma incerta vitória contra o temido Aníbal na Itália, onde uma nova derrota teria consequências desastrosas, Cipião acreditava que um desembarque nas costas africanas obrigaria o próprio cartaginês a vir em socorro da pátria-mãe.

Todavia, o Senado Romano, influenciado por Fábio “Cuntator, opôs-se ao plano de Cipião, julgando-o muito arriscado. Ocorre que as sucessivas vitórias de Cipião na Espanha deram-lhe muito prestígio junto ao povo e o Senado, pressionado pela opinião pública, acabou autorizando a expedição idealizada por Cipião, porém negando que os soldados conscritos, recrutados para os exércitos consulares, fossem utilizados.

Assim, Cipião partiu, seguido, inicialmente, por apenas 7 mil voluntários, atraídos pelo seu prestígio, para a Sicília, onde ele ficou durante um ano treinando o seu exército para o confronto na África.

Em 203 A.C., com o seu novo exército pronto, Cipião desembarcou próximo à cidade de Útica, na moderna Tunísia, onde  ele prontamente derrotou um exército cartaginês de cerca de 30 mil homens enviado para repelir a invasão romana.

Essa derrota inicial dos cartagineses consagrou a eficácia da estratégia de Cipião, pois em função dela o Senado de Cartago chamou Aníbal de volta para a África e pediu a paz aos romanos. Observe-se que o próprio general cartaginês foi favorável à capitulação, até porque os termos do tratado proposto pelos romanos, dada a presente situação militar dos cartagineses, eram bem razoáveis: Cartago permaneceria com todos os seus territórios na África, mas perderia suas colônias na Espanha, Sicília e Sardenha (que, de qualquer forma já estavam em mãos romanas), pagaria uma indenização e, finalmente, teria sua frota reduzida para apenas 40 galeras.

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Entretanto,  durante as tratativas; uma frota romana com suprimentos enviados para as tropas de Cipião acabou encalhando no golfo de Túnis e os cartagineses se apropriaram dos navios e da carga. Era, sem dúvida, uma óbvia violação da trégua, e, provavelmente, os cartagineses se sentiram encorajados  a fazer isso devido ao retorno de Aníbal, embora o grande general continuasse a favor do fim das hostilidades.

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Consequentemente, o Senado de Cartago votou pela rejeição do tratado e pela continuação da guerra. Obediente, Aníbal reuniu o máximo de tropas disponíveis e partiu para interceptar os romanos, sendo o primeiro a chegar nas planícies próximas à Zama, seguido pelos romanos…

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A BATALHA

Consta que os dois maiores generais que o mundo havia conhecido depois da morte de Alexandre, o Grande, encontraram-se antes da batalha para negociar. Aníbal propôs que o tratado anterior fosse restabelecido. Contudo, Cipião respondeu que, agora, somente a rendição incondicional seria aceita pelo Senado Romano. A paz, portanto, era impossível, e ambos os  generais se retiraram para seus acampamentos.

Os cartagineses tinham cerca de 36 mil soldados de infantaria, 4 mil cavaleiros e 80 elefantes, que deveriam ser os primeiros a atacar. Segundo as fontes, entre as tropas cartaginesas, havia 4 mil soldados macedônios que teriam sido cedidos pelo rei Filipe V, da Macedônia, monarca que já estava incomodado com o aumento do poder romano no Mediterrâneo.

Aníbal dispôs as suas tropas formadas em três linhas: as tropas de seu outro irmão Mago, retiradas da Itália, na primeira linha, as tropas domésticas alistadas para essa campanha, na segunda linha, e, na terceira, na retaguarda, os veteranos que vinham servindo com Aníbal desde a Itália. No flanco esquerdo, ficava a eficiente cavalaria númida e, no flanco direito, a cavalaria cartaginesa, menos experiente.

Já o exército romano tinha cerca de 29 mil homens e 6 mil cavaleiros, sendo a maioria deles númidas fornecidos pelo agora aliado rei Masinissa, que havia sido capturado por Cipião na Espanha e, tinha sido, pelos reconhecidos talentos diplomáticos do general romano, convencido a lutar contra Cartago. A forte cavalaria númida ficou na ala esquerda, e a cavalaria italiana na ala esquerda. Observe-se que os romanos sempre foram fracos em cavalaria, arma que vinha se mostrando muito importante nos combates anteriores,  e, portanto, o apoio de Masinissa era crucial.

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( A ordem de batalha em Zama, diagrama de Mohammad adil)

Preocupado com a ameaça representada pelos elefantes de Aníbal, Cipião, engenhosamente, dispôs as tradicionais três linhas das legiões em blocos espaçados (com exceção das primeiras, para que o estratagema não fosse percebido), como que criando avenidas por onde os elefantes passariam, e no meio das quais os enormes bichos poderiam ser atacados pelos lados. Para assustar os elefantes, o general romano instruiu a cavalaria a soprar suas trombetas a plenos pulmões, fazendo um ruído ensurdecedor.

Quando a batalha começou, assim como previsto, parte dos elefantes se apavorou com o barulho e voltou em direção aos próprios cartagineses, criando confusão em suas linhas, e a outra parte passou pelos corredores sem causar danos de monta.

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Masinissa atacou a cavalaria númida cartaginesa, que já tinha sido desorganizada pela fuga dos elefantes, fugindo esta do campo de batalha. Por sua vez, Aníbal ordenou que a cavalaria cartaginesa remanescente desengajasse para atrair a cavalaria romana para fora do campo de batalha, com a intenção de impedir que esta fosse utilizada contra a sua infantaria.

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Cipião, então, ordenou que a infantaria romana avançasse. Como sempre, as linhas cartaginesas não conseguiam resistir muito tempo ao assalto dos legionários. Porém, ao contrário do que ocorrera na Batalha de Canas, os cartagineses agora não tinham mais o apoio da cavalaria para ajudar a montar a mesma armadilha usada naquela oportunidade: o falso recuo do centro da linha visando fazer os romanos serem cercados pelas tropas cartaginesas nos flancos da sua formação, e pela cavalaria cartaginesa na retaguarda. Aníbal, notando a situação difícil, ordenou que a sua segunda linha não permitisse o recuo da primeira, e a batalha recrudesceu com a massa de tropas envolvidas. Temendo ser flanqueado pelo número superior de tropas cartaginesas, Cipião ordenou que as legiões formassem agora uma só linha. Era uma manobra complicada que, em meio à confusão do campo de batalha, somente era possível devido ao excepcional treinamento e disciplina do legionário romano e ao excelente nível dos oficiais subalternos (centuriões graduados).

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Não obstante, a batalha restou indecisa até o momento que a cavalaria de Cipião retornou, após haver perseguido os inimigos, e atacou a infantaria cartaginesa pela retaguarda. Agora acossados pela frente e por trás, as linhas cartaginesas foram sendo desmanteladas e destruídas. No final, vinte e cinco mil soldados de Cartago foram mortos e o restante foi feito prisioneiro.

EPÍLOGO

Aníbal conseguiu escapar com uma escolta de cavalaria para Hadrumeto, e dali ele alcançou Cartago, onde ele recomendou ao Senado que se rendessem aos romanos, o que acabou sendo aceito, apesar de muita oposição. Deve ter sido um momento devastador para aquele menino que, décadas antes, jurara ao seu pai, Amílcar Barca, perante um altar, que ele seria inimigo de Roma para sempre!

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Banido de Cartago, em 195 A.C., Aníbal foi asilar-se na corte de Antíoco III, rei da Selêucia e outro grande adversário de Roma. Quando Roma derrotou também esse reino, em 183 A.C., Aníbal fugiu para a Bitínia, onde, após o seu anfitrião, o rei Prúsias, ser intimado a a entregá-lo aos romanos, ele cometeu suicídio.

Públio Cornélio Cipião voltou para Roma onde ele celebrou um magnífico Triunfo e foi agraciado com o congnome “Africano“. Disputas políticas, entretanto, fariam com que o grande herói romano da Segunda Guerra Púnica fosse banido da vida pública, falecendo, coincidentemente, também em 183 A.C.

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CONCLUSÃO

Com a vitória, Roma tornou-se a potência suprema no Mediterrâneo ocidental,  governando a Península Itálica, a Sicília, a Sardenha, a Espanha e o sul da França. Assegurada a supremacia naquela vasta região, em poucos anos Roma seria capaz de derrotar, um a um, na Grécia, na Ásia e no Egito, os Estados helenísticos, herdeiros do vasto império de Alexandre, iniciando, por conseguinte, uma hegemonia política e cultural que duraria 500 anos, ou mesmo 1500, se contarmos o período relativo ao Império Romano do Oriente,  centrado em Constantinopla.

FIM

A BATALHA DO RIO FRÍGIDO

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(Batalha do Rio Frígido, ilustração de Angus McBride)

Em 05 de setembro de 394 D.C, o exército do Imperador Romano do Oriente, Teodósio, o Grande,  após marchar pela província da Ilíria e atravessar os Alpes Julianos, chegou no Rio Frigidus (o rio que separa o que hoje é a Eslovênia da Itália).

Quando o exército oriental chegou, já estavam acampadas no local as tropas do usurpador Eugênio, comandadas pelo general de origem franca, Arbogaste, o homem-forte do Império Romano do Ocidente, e padrinho da nomeação de Eugênio, com o objetivo de darem combate a Teodósio.

A cadeia de eventos que levou ao conflito começa em 383 D.C,com a morte do imperador Graciano, que foi assassinado em Lyon, após não conseguir debelar a revolta do general da Britânia, Magnus Maximus,

Desaparecido Graciano, o vitorioso Maximus resolveu marchar contra Valentiniano II, o jovem meio-irmão de Graciano, que o havia reconhecido como co-imperador por pressão dos generais francos. quando ele sucedeu ao pai de ambos, o grande Valentiniano I, em 375 D.C.

Por sua vez, o imperador Teodósio, (que havia sido elevado ao trono do Oriente por Graciano após a morte em combate de seu outro irmão, Valente, na desastrosa Batalha de Adrianópolis, em 378 D.C), pressionado pelas circunstâncias, acabou concordando em reconhecer Maximus como o novo imperador das províncias ocidentais, que até então tinham sido governadas por Graciano, mas sob  a condição de que Maximus reconhecesse Valentiniano II como co-imperador no Ocidente. Continuaria a haver, portanto, dois imperadores romanos no Ocidente.

Esse acerto durou até 387 D.C, quando Maximus resolveu invadir a Itália para derrubar Valentiniano II e, assim, assumir o controle total do Ocidente. Dessa vez, contudo, Teodósio resolveu intervir e, após reunir as suas tropas com as de Valentiniano II, as quais eram comandadas pelo general Arbogaste, e também valendo-se da ajuda dos seus aliados visigodos e mercenários hunos,  ambos conseguiram derrotar Maximus, na Batalha de Siscia, em 388 D.C.

Oficialmente, portanto, o novo imperador único do Ocidente passara a ser Valentiniano II,  que tinha apenas 17 anos de idade. Porém, o poder de fato no Ocidente estava nas mãos do general de origem franca Arbogaste, que ocupava o cargo de Comandante-em-chefe da Infantaria (Magister Peditum Praesentalis).

Católico devoto e adepto do credo Niceno, durante o seu reinado Graciano promoveu muito a Igreja, ao ponto de instituir o catolicismo como a religião oficial do Império Romano, no Edito de Tessalonica e chegando a ordenara a retirada do ancestral Altar da deusa Vitória da cúria do Senado, em Roma, sob protestos dos senadores pagãos, que ainda eram muito influentes na antiga capital do Império. Quando estes apelaram a Valentiniano II para que o altar fosse restaurado, Ambrósio, o poderoso bispo de Milão, que instigara aquela medida, convenceu o jovem imperador a negar o pedido senatorial.

Enquanto isso, Valentiniano II atingiu a idade adulta e começou a se ressentir do papel de virtual imperador-fantoche de Arbogaste, que além disso parecia nutrir simpatias pelos senadores pagãos.

A tensão entre o imperador e seu comandante-em-chefe aumentou ainda mais quando Valentiniano II resolveu demitir Arbogaste do cargo de Marechal da Infantaria do Ocidente. Consta que ao receber do imperador a ordem escrita, Arbogaste, teria respondido:

Não foi você quem me deu o meu comando e tampouco é você quem pode tirá-lo de mim”,

E, em seguida ao desaforo, Arbogaste jogou a carta no chão, dando as costas ao imperador perplexo, e  retirou-se do recinto!

Pouco tempo depois desse incidente, Valentiniano II foi encontrado morto em seus aposentos imperiais, tendo as suspeitas naturalmente recaído sobre Arbogaste, embora uma fonte relate que o imperador teria se suicidado, deprimido pela impossibilidade de confrontar o poderoso general.

O fato é que Arbogaste conseguiu manter o seu poder e fez o Senado Romano nomear o inexpressivo Eugênio, um funcionário palaciano que era professor de Retórica, como o novo Imperador do Ocidente. Esta nomeação foi, inicialmente, tolerada por Teodósio. Não obstante, à míngua de um reconhecimento formal por parte do legítimo Imperador do Oriente, Eugênio é considerado pelos historiadores como um usurpador.

Entretanto, Eugênio e Arbogaste aproximaram-se da influente facção pagã do Senado Romano,  que vinha patrocinando um renascimento do paganismo em Roma, autorizando, inclusive, a reabertura dos templos e a celebração de rituais pagãos em Roma, culminando com a restauração do Altar da Vitória na Cúria do Senado, ato que enfureceu o influente bispo Ambrósio e deixou Teodósio em uma posição politicamente difícil na ortodoxa Constantinopla.

Considera-se que esse episódio configurou a última tentativa  de se restaurar a proeminência do paganismo no Império Romano.

Em função desses acontecimentos, em 393 D.C, Teodósio concedeu oficialmente ao seu filho, Honório o título de Augusto no Ocidente, isto é, reconhecendo-o como Imperador, o que significava, obviamente, o rompimento com Arbogaste e o seu imperador-fantoche, Eugênio.

Em seguida, o devoto Imperador Romano do Oriente decidiu acabar com o renascimento pagão e começou a se preparar para invadir o Ocidente e entrar na Itália para derrubar Eugênio e Arbogaste. Teodósio, então, iniciou os preparativos para a guerra iminente, reunindo um exército, e até recrutando e treinando como soldados cidadãos romanos, em uma iniciativa que não ocorria com empenho desde a destruição do exército do Oriente pelos visigodos na Batalha de Adrianópolis, 15 anos antes.

Em 394 D.C., o novo exército romano do Oriente estava pronto e, sob o comando do próprio Teodósio e do fiel general Estilicão, ele deixou Constantinopla rumo à fronteira do Oriente com o Ocidente, que ficava na Ilíria (o território ocidental começava no que hoje é a Sérvia).

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O rei Alarico recebeu ordens para que os seus visigodos, que viviam nas terras do Império do Oriente sob a condição de foederati (federados) juntassem-se à ofensiva.

O avanço pelas províncias limítrofes foi fácil, assim como a passagem pelos Alpes Julianos, pois Arbogaste decidiu esperar o ataque próximo à cidade de Aquileia, no norte da península.

Durante os preparativos do exército ocidental para a batalha, ficou claro que o renascimento pagão era a mola inspiradora da campanha: Eugênio e Arbogaste ordenaram que uma estátua do deus Júpiter fosse colocada nos limites do acampamento e que os estandartes das tropas ostentassem imagens de Hércules.

Assim que alcançou o Rio Frigidus, no dia 05 de setembro de 394 D.C., Teodósio viu as tropas ocidentais acampadas e mandou os visigodos atacarem. Entretanto, o terreno era desfavorável e metade dos soldados bárbaros morreu neste ataque (totalizando cerca de 10 mil baixas). Observe-se que, com esta ação, segundo alguns estudiosos acreditam, Teodósio intencionalmente quis enfraquecer os visigodos, para diminuir a grande e duradoura ameaça que eles vinham representando ao Império, apesar deles,  momentaneamente, estarem do seu lado.

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(Rio Vipava, na Eslovênia, chamado pelos romanos de rio Frigidus, foto de Johann Jaritz )

No dia seguinte, 06 de setembro de 394 D.C.,, Arbogaste, achando que o exército de Teodósio não se recuperaria do revés sofrido, mandou uns destacamentos atacarem o acampamento oriental, Porém, o que ele não esperava é que o matreiro Teodósio subornaria os soldados enviados para essa ataque, os quais acabaram juntando-se ao exército oriental.

Em seguida, enquanto Teodósio deslocava o seu exército por uma passagem estreita, Arbogaste ordenou  um ataque de emboscada Porém, no exato momento em que os soldados dele iriam atacar, soprou com força de tempestade o característico vento daquela região, chamado até hoje de Bora, jogando uma grande quantidade de poeira nos olhos dos atacantes, atrapalhando-os de tal forma que eles foram desbaratados pelos soldados orientais.

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Assim, as tropas de Teodósio, com seus escudos decorados com o monograma chi-ro (XP), iniciais em grego de “Cristo” derrotaram o exército de Eugênio, com seus escudos com a imagem de Hércules, fato que os propagandistas cristãos fartariam-se de cantar em prosa e verso.

O próprio Eugênio foi capturado e implorou clemência. Porém, após ser exibido em várias cidades como troféu de guerra, ele foi decapitado. Já Arbogaste, conseguiu fugir por alguns dias, vagando pelos Alpes, mas, após reconhecer que estava em um beco sem saída, ele acabou cometendo suicídio.

Como resultado da batalha, Teodósio passou a reinar sobre as duas metades do Império Romano, mas não por longo tempo, pois ele morreria no ano seguinte, de causas naturais, em 395 D.C, sendo sucedido por seu filho, Arcádio, no trono oriental. No trono do Ocidente, Teodósio, após a vitória no rio Frígido, instalou Honório, no lugar de Eugênio.

Alarico, convicto de que os godos eram os que mais tinham se sacrificado pela vitória de Teodósio na Batalha do Rio Frígido, após a morte deste imperador passou a exigir altas recompensas para si e para o seu povo, mas não obteve o reconhecimento pretendido. Ele seria duramente confrontado por Estilicão, que durante muito tempo seria o homem-forte do Império Romano, nos anos que se seguiram, mas, após a execução deste, o rei visigodo acabou dando  um golpe terrível nos romanos, ao executar o Saque de Roma, em 410 D.C.

BATALHA DE PYDNA – O ROUND DECISIVO DO CONFRONTO ENTRE A LEGIÃO ROMANA E A FALANGE MACEDÔNICA (E AS GUERRAS MACEDÔNICAS)

Em 22 de junho de 168 A.C, no sopé do Monte Olocrus, próximo à cidade de Pydna, situada no nordeste da Grécia, o exército romano de 29 mil homens comandado pelo general Lúcio Emílio Paulo, derrotou, em pouco mais de uma hora, um exército de 44 mil homens liderados pelo rei Perseu, da Macedônia.

Morreram na batalha cerca de 20 mil macedônios, tendo sido capturados vivos cerca de 6 mil soldados e o resto do efetivo conseguiu fugir. Já do lado romano, as baixas totalizaram apenas 100 mortos e cerca de 500 feridos…

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A acachapante vitória de Roma selou o fim da chamada Terceira Guerra Macedônica : O próprio rei Perseu foi capturado em Pydna e levado para Roma, em cujas ruas ele seria exibido como cativo na procissão triunfal (Depois, o Senado decretou que o rei vencido ficaria custodiado em prisão domiciliar na Cidade).

A Macedônia foi dividida em quatro repúblicas, estabelecendo-se várias restrições à sua autonomia, uma medida que, na prática, decretou o fim da sua longa história como estado independente, condição essa que efetivamente cessaria cerca de 20 anos mais tarde.

Qual a origem deste conflito?

PRIMEIRA GUERRA MACEDÔNICA

A animosidade entre Roma e Macedônia data da 2ª Guerra Púnica, quando o rei Filipe V, da Macedônia firmou uma aliança com Aníbal, líder militar de Cartago, por volta de 215 A.C., momento em que Roma lutava pela sua própria sobrevivência, um ano após a esmagadora vitória do general cartaginês,  na Batalha de Canas.

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(Moeda da Macedônia cunhada com a efígie de Filipe V)

Em decorrência, e mesmo tendo que lutar contra o grande exército de Aníbal na Itália, Roma conseguiu despachar um pequeno contingente militar para a Ilíria, onde a presença das tropas macedônias do outro lado do Mar Adriático representava uma ameaça estratégica à faixa costeira já controlada por Roma e à própria costa oriental da Itália.

Esse deslocamento de tropas romanas para os Bálcãs foi, ainda, motivado pelo conflito já existente entre a Macedônia e a Liga Etólia, que disputava com a primeira e com a Liga Acaia a supremacia na Grécia. Os Etólios aliaram-se aos Romanos e, juntos, eles, inicialmente, conseguiram impedir a invasão da Ilíria pelos Macedônios, após algumas escaramuças.

Porém, os Macedônios acabaram levando a melhor, forçando Romanos e Etólios a assinarem com eles o Tratado de Phoenice, em 205 A.C, onde as partes reconheceram que algumas cidades da Ilíria ficariam sobre o controle da Macedônia. Em contrapartida, Filipe V aceitou renunciar à sua aliança com Aníbal, o que satisfez, momentaneamente, os Romanos.

O Tratado de Phoenice encerrou o conflito entre Roma e a Macedônia, que, embora tenha ocorrido em escala bem limitada, ficaria conhecido como a “Primeira Guerra Macedônica“.

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Porém, pouco tempo depois da assinatura do Tratado, algumas iniciativas de Filipe V alarmaram o Senado Romano, sobretudo quando a Macedônia assinou um tratado de não-agressão com o Império Selêucida, que era governado pelo rei Antíoco III, o Grande, em 204 A.C.

Esse tratado alterou a correlação de forças no mediterrâneo oriental, onde os três reinos remanescentes do grande Império de Alexandre, o Grande: o Egito Ptolemaico, o Império Selêucida, baseado na Síria, e a própria Macedônia, contrabalançavam-se como potências dominantes da região, tentando incorporar os pequenos reinos e as velhas Cidades-Estado helenísticas ainda independentes, sobretudo na Grécia, onde a maior parte das últimas tinham se reunido nas Ligas Etólia e Acaia.

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(Cabeça de Antíoco III, o Grande)

Mais do que tudo, o fato dos dois pretendentes ao trono do Egito estarem travando uma guerra civil no momento da assinatura do tratado despertou as suspeitas romanas de que os seus outros dois rivais, os Macedônios e Selêucidas, tinham firmado a aliança com o objetivo de dividir entre si os domínios ptolemaicos que, inclusive, iam além das fronteiras do Egito, daí resultando uma provável partilha de todo o espólio resultante das conquistas de Alexandre entre os dois.

E, de fato, Filipe V iniciou uma campanha na Ásia Menor, sitiando a cidade ptolemaica de Samos e também a cidade de Mileto. Isso, por sua vez, colocou a Macedônia em conflito com o Reino de Pérgamo e a rica Ilha de Rodes, que enviaram embaixadores à Roma, protestando contra a Macedônia. O Senado Romano, então, assim provocado, mandou embaixadores à Grécia para investigar os assuntos gregos e, quando estes chegaram à Atenas, lá encontraram o próprio rei Átalo, de Pérgamo, e outra delegação de embaixadores ródios.

Foi dentro deste quadro que os Atenienses decidiram declarar guerra à Macedônia.

Julgando que a aliança entre Macedônia e o Império Selêucida arranhava o seu prestígio junto aos seus novos protegidos gregos, o Senado Romano decidiu enviar um ultimato à Filipe V, ordenando que o rei se abstivesse de manobras hostis contra os recém aliados dos Romanos: Atenas, Rodes, Pérgamo, e, ainda, contra os seus antigos amigos da Liga Etólia.

Ocorre que fazia muito pouco tempo que Roma havia vencido, de maneira terrivelmente custosa e sangrenta, a Segunda Guerra Púnica, em 202 A.C. Por isso, Filipe V deve ter se sentido encorajado a desafiar os Romanos, e, simplesmente, resolveu ignorar o ultimato senatorial.

Outro motivo para a confiança de Filipe V era o prestígio militar que a Falange Macedônia, a tradicional formação de batalha empregada pelos Macedônios, gozava no Mundo Mediterrâneo da época.

Com efeito, os Macedônios, desde o governo de Filipe II, pai de Alexandre, o Grande, tinham desenvolvido a tática de empregar fileiras cerradas de infantaria armada com longas lanças, de cerca de 6 metros de comprimento (sarissas), empregadas por soldados altamente treinados, tornando praticamente impossível penetrar nas formações, que, além disso, eram protegidas pelo comprimento das lanças dos ataques frontais de cavalaria e, até mesmo, das descargas de flechas, pois as lanças das fileiras posteriores às de frente ficavam erguidas, como espinhos eriçados, à frente e por cima dos soldados.

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Foi empregando a Falange Macedônia que Alexandre, o Grande havia derrotado os rivais gregos remanescentes, conquistado o Império Persa e invadido até mesmo a Índia, tudo sem conhecer derrota. Note-se, contudo, que, somada à falange, Alexandre também empregou brilhantemente a sua cavalaria pesada, conhecida como os “Companheiros”.

Então, um segundo ultimato foi enviado pelo Senado a Filipe V, que respondeu que não entendia o motivo da atitude romana, já que ele não havia violado nenhum dos termos do Tratado de Phoenice.

SEGUNDA GUERRA MACEDÔNICA

Porém, antes mesmo de Filipe V receber a resposta à sua indagação, Roma já havia enviado um exército para a Ilíria, em 200 A.C, começando, dessa forma, as hostilidades.

No entanto, os dois primeiros anos desta campanha foram infrutíferos, devido à falta de iniciativa do comandante Públio Sulpício Galba. Para piorar,  agora já sob o comando de Públio Vílio, as tropas romanas chegaram até a se amotinar!

Tudo mudaria, contudo, em 198 A.C, quando o recém-eleito Cônsul Tito Quíncio Flaminino, que tinha apenas 30 anos de idade, mas era um veterano da 2ª Guerra Púnica, assumiu o comando da campanha contra Filipe V.

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(cabeça da estátua do grande general e estadista romano Flaminino encontrada em Delfos)

Flaminino, que era um grande admirador da cultura grega (philohelennes), fez saber aos gregos que, agora, ao invés de exigir apenas que Filipe V cessasse os ataques aos aliados romanos,  Roma demandava também que ele retirasse as tropas macedônias da Grécia e restaurasse a antiga liberdade das Cidades-Estado. Com isso, o romano obteve a simpatia dos gregos.

Em pouco tempo, Flaminino conseguiu expulsar os Macedônios de quase toda Grécia, obrigando-os a se refugiar na Tessália. Filipe V tentou, então, entrar em acordo com Flaminino, mas os seus aliados gregos, inicialmente, opuseram-se à iniciativa..

Com o insucesso das negociações, a guerra continuou, desenrolando-se a favor dos romanos, e, assim, mudando de postura, os aliados gregos de Filipe V começaram a abandoná-lo.

Mas, quando o exército de Flaminino e de seus aliados da Liga Etólia marchou em direção à cidade de Pherae, o exército macedônio, reforçado por um contingente de mercenários, foi obrigado a oferecer combate.

A BATALHA DAS CINOSCÉFALAS

Em 197 A.C, nas colinas Cinoscéfalas, ocorreu o primeiro encontro em larga escala entre as legiões romanas e a falange macedônia, onde cerca de 25 mil romanos lutaram contra cerca de 27 mil macedônios.

Havia muita neblina no começo da batalha, que acabou se desenvolvendo em um terreno escarpado, prejudicial à formação rígida da falange. A má visibilidade também prejudicava as manobras dos manípulos (unidades de 120 soldados, usualmente dispostas em 3 linhas de 40 homens, que podiam ser movimentados com mais flexibilidade).

No início, a cavalaria e a infantaria leve de ambos foi envolvida no combate e os Romanos foram obrigados a recuar, ordenadamente, o mesmo ocorrendo com os Macedônios, ambos em sua ala esquerda. Filipe mandou metade da falange descer a colina. A ala direita dos Macedônios começou a empurrar os Romanos para trás; porém, enquanto a ala esquerda da falange ainda estava marchando para se posicionar em linha com a direita que avançava, foi atacada pela ala direita dos Romanos, reforçada por elefantes de campanha.

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A batalha, assim, naquele momento encontrava-se em um impasse, com o lado direito de cada exército levando vantagem sobre o esquerdo, o qual recuava, até que um tribuno romano, a quem as fontes antigas não deram o nome, tomou a iniciativa de retirar 20 manípulos (cerca de três mil legionários) da ala direita romana, que estava obtendo sucesso e lançá-los contra a retaguarda da ala esquerda da falange, que por sua vez estava prevalecendo sobre a outra ala romana.

A rígida ala esquerda dos Macedônios, pega por trás,  era uma presa fácil devido ao tamanho das suas lanças que dificultavam qualquer manobra, e começou a ser dizimada. Os infantes falangistas, então, ergueram as lanças, o que significava um sinal de rendição. Porém os Romanos, ignorantes dessa convenção militar grega, prosseguiram na matança.

Os Macedônios perderam 8 mil homens e 5 mil foram feitos prisioneiros. Os romanos perderam somente mil homens.

Cynoscephalae

Terminava assim a Segunda Guerra Macedônica.

Filipe V conseguiu escapar e continuou reinando sobre a Macedônia, cujo território original e independência foram mantidos intactos. Porém, o reino foi obrigado a pagar uma vultosa indenização e a assinar um acordo retirando o seu exército da Grécia e devolvendo as suas conquistas na Ásia Menor. Além disso, Filipe V teve que enviar o seu filho mais novo, Demétrio, à Roma, como refém.

Flaminino, nos Jogos Ístmicos de 196 A.C, fez a sua famosa proclamação de “Liberdade para a Grécia”, sendo entusiasticamente aclamado pelos Gregos, que até chegaram a divinizá-lo e erguer uma estátua homenageando o general romano na sagrada cidade de Delfos.

Guarnições romanas, contudo, foram aquarteladas nas principais cidades gregas que. antes eram dominadas pela Macedônia, até 194 A.C, quando elas foram evacuadas por ordens do galante Flaminino, empenhado em manter a sua promessa, apesar da oposição do Senado Romano.

Nesse ínterim, em 195 A.C., as tropas de Flaminino derrotaram o tirano-usurpador Nábis, de Esparta, que havia se aproveitado da 2ª Guerra Macedônica para tomar a cidade de Argos.

(Nota: três anos mais tarde, Nábis seria derrotado pelo chefe da Liga Acaia, Filopêmene, em um conflito em que Nábis seria traiçoeiramente morto pelos seus próprios aliados da Liga Etólia, tornando-se, assim, o último governante independente da célebre cidade-estado de Esparta).

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(Moeda cunhada por Nabis, autoentitulando-se rei de Esparta. Ele seria o último governante da célebre Cidade-Estado grega)

Nos anos seguintes, Filipe V manteve-se, cautelosamente, nos limites do tratado assinado com os romanos e até os ajudou na campanha contra Nábis.

E ele também ficou do lado dos romanos quando estes tiveram que voltar sua atenção para o Império Selêucida, do rei Antíoco III, o Grande, permitindo até que as tropas romanas marchassem através da Macedônia.

Em retribuição, os romanos abriram mão da indenização devida por Filipe V e libertaram o seu filho, Demétrio.

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(Mapa geopolítico do Mediterrâneo Oriental após a guerra contra Nábis)

Antíoco III, contudo, não se sentiu intimidado pela reação dos romanos à política expansionista de Filipe V, que era boa parte decorrente do tratado de não agressão que ele próprio tinha celebrado com os Macedônios, e continuou anexando territórios controlados pelo Egito Ptolemaico, inclusive a Judéia.

Essa expansão levou a cidade helenística de Smyrna, na Ásia Menor a também pedir ajuda à Roma. E, para piorar as coisas, Aníbal, o grande inimigo figadal de Roma, deixou Cartago e recebeu o caloroso asilo de Antíoco III, na cidade de Éfeso, na Turquia.

Consta que Aníbal, constatando a iminência da guerra entre Antíoco III e Roma, chegou a se oferecer para comandar uma expedição militar ao sul da Itália, julgando essa alternativa bem melhor do que os planos para a invasão da Grécia pelos Selêucidas. E esta invasão de fato foi um fracasso, pois o exército selêucida foi derrotado pelos romanos nas Termópilas, em 191 A.C., e, novamente, em 190 A.C., na Batalha de Magnésia.

Por sua vez, a frota selêucida, sob o comando de Aníbal, foi derrotada naquele mesmo ano, mas o velho general cartaginês conseguiu um novo asilo com o rei Prúsias, da Bitínia…

(Nota: anos mais tarde, por volta de 182 A.C., quando Prúsias estava em guerra contra Eumenes II, de Pérgamo, os romanos exigiram que Aníbal lhes fosse entregue, mas o cartaginês, quando soube que Prúsias tinha concordado, preferiu se suicidar antes a cair nas mãos dos odiados romanos).

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(Aníbal, o velho general cartaginês e inimigo nº 1 de Roma, mesmo no final da vida não perdeu a oportunidade de lutar pelo Império Selêucida contra a sua odiada adversária)

Com a derrota, Antíoco III teve que assinar o Tratado de Apamea, abrindo mão das cidades e territórios que havia conquistado, sendo alguns deles entregues a Pérgamo. Ele morreu em 187 A.C., sendo sucedido por seu filho,  Seleuco IV Filopator.

Entretanto, as relações entre Roma e a Macedônia em breve voltariam a azedar, pois Filipe V aproveitou o período de paz com Roma para reforçar a sua economia e o seu exército, e tentou novamente exercer influência juntos aos vizinhos, especialmente nos Bálcãs.

Como resultado do ressurgimento das iniciativas geopolíticas de Filipe V, as cidades gregas aliadas de Roma ficaram alarmadas e queixaram-se ao Senado.

Enquanto isso, Demétrio, durante sua estadia em Roma, tornara-se simpatizante dos Romanos e tentou interferir junto ao pai em favor dos interesses da República.

Parece que Roma, percebendo as vantagens de plantar um aliado no trono da Macedônia, incentivaram Demétrio a articular suas pretensões à sucessão, em detrimento de seu irmão mais velho, Perseu.

Essas intrigas acabaram levando Filipe V a mandar executar o próprio filho, em 180 A.C., sob a acusação de traição. Foi uma decisão dolorosa e que certamente abalou a saúde do rei macedônio, que morreu no ano seguinte.

Perseu, agora rei da Macedônia, continuou a política de reerguimento da Macedônia. Ele casou-se com Laodice, filha de Seleuco IV Filopator, o que, sem dúvida, caracterizou uma renovação da aliança da Macedônia com o Império Selêucida, um lá circunstância que,  precisamente, tinha sida uma das principais causas da 2ª Guerra Macedônica. E ele também firmou uma aliança com Cótis IV, rei dos Odrísios, um dos mais poderosos reinos da Trácia.

Tudo isso acontecia sob o pano de fundo do polarizado quadro político na Grécia, onde, cada vez mais, acentuava-se uma divisão entre os partídários de Roma e os partidários de Perseu e da Macedônia, sobre quem deveria liderar a Grécia.

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(Tetradracma de Perseu, último rei da outrora poderosa Macedônia)

A tensão política foi exacerbada quando o rei Eumenes II, de Pérgamo, fiel aliado de Roma e velho inimigo da Macedônia, fez um discurso no Senado Romano, por volta de 172 A.C., denunciando as intenções bélicas de Perseu.

Pouco tempo depois, quando visitava Delfos, Eumenes II foi vítima de uma tentativa de assassinato, e as suspeitas recaíram sobre Perseu, que foi declarado “Inimigo Público” pelo Senado Romano, o que, na prática, equivalia a uma declaração de guerra.

TERCEIRA GUERRA MACEDÔNICA

Em 171 A.C., os cônsules Públio Lícino Crasso e Caio Cássio Longino deram início aos preparativos para a Terceira Guerra Macedônica : O primeiro foi encarregado da expedição à Macedônia. A força expedicionária romana tinha cerca de 40 mil homens, sendo esperados reforços dos aliados gregos quando desembarcassem.

Por sua vez, Perseu também conseguiu reunir cerca de 40 mil homens, além de aliados trácios e gauleses.

Porém, os dois primeiros anos da guerra seguiram sem combates decisivos, sendo que, em vários deles, os romanos levaram a pior, o que ia diminuindo os efetivos da força expedicionária. O Senado, preocupado, chegou a enviar uma delegação para examinar a gravidade da situação.

No terceiro ano, a campanha continuou inconclusiva, sendo que ainda ocorreram dissensões entre o comandante da frota romana e o rei Eumenes II de Pérgamo, cujo real empenho na guerra suscitava dúvidas entre os aliados romanos.

Em 168 A.C., contudo, o cônsul Lúcio Emílio Paulo, um militar veterano de 60 anos de idade, assumiu o comando da campanha na Macedônia. Chegando à Grécia, Emílio Paulo tomou pé da situação e restaurou a disciplina das tropas romanas, dedicando tempo para o seu treinamento, além de mandar fazer um relatório de inteligência sobre o ânimo dos aliados gregos, as características do território inimigo e as condições do exército macedônio.

Enquanto isso, Perseu havia se entrincheirado no sopé do Monte Olimpo, atrás do Rio Elpeus, com o mar à sua esquerda e o Monte à sua direita, em uma posição que tornava difícil um ataque frontal à falange. Emílio Paulo planejou, então, atrair os Macedônios para fora desta posição através de uma manobra diversionista – um ataque de um destacamento comandado por Públio Cornélio Cipião Násica Cóculo, que simularia a intenção de cruzar o rio costeando o mar, pelo leste. Já Emílio Paulo rumaria para o sul, e, então, passando através da elevação montanhosa, atacaria Perseu pelo oeste, visando pegar os macedônios pela retaguarda.

Porém, um desertor das forças romanas alertou Perseu e este enviou um contingente de 12 mil homens, comandados por Milo, para bloquear o caminho. O encontro entre os dois destacamentos forçou os Macedônios a recuarem de volta para o acampamento de Perseu, que decidiu abandoná-lo e se reposicionar mais ao norte, nas cercanias da vila de Katerini, ao sul de Pydna. Este era um terreno razoavelmente plano e adequado para a formação da falange.

Por sua vez, a força comandada por Cipião Násica reuniu-se às legiões de Emilio Paulo e este ordenou uma marcha forçada na direção norte, para tentar interceptar Perseu em posição favorável aos romanos.

Porém, quando os romanos conseguiram avistar os Macedônios, a falange já estava completamente disposta em formação de batalha. Emílio Paulo, então, julgou mais conveniente não arriscar o combate, tendo em vista a cansativa marcha, e ordenou que o tradicional acampamento fortificado dos romanos fosse construído no sopé do Monte Olocrus.

Naquele noite, houve um eclipse,  fato que foi interpretado como um presságio favorável aos romanos por ambos os lados uma vez que, na superstição dos antigos, normalmente isto significava a morte de um rei (muito embora Plutarco tenha ressalvado que o cônsul romano conhecia que aquele sinal era um fenômeno astronômico que ocorria a intervalos regulares).

A BATALHA DE PYDNA

No dia seguinte, a batalha somente começaria à tarde, segundo alguns, pelo fato de Emílio Paulo ter esperado o sol se colocar atrás dos romanos, para ofuscar os macedônios.

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Assim, a primeira fileira da falange avançou e colidiu com os manípulos romanos às 15h. Algumas dezenas de metros antes das lanças macedônias encontrarem os escudos romanos, a falange foi atingida pela descarga de “pila” (dardos pesados) romanos, que deve ter aberto alguns espaços nas cerradas fileiras (Mais tarde, o próprio Emílio Paulo confessaria que “a visão da falange em formação completa lhe inspirou ansiedade e admiração”).

Não obstante, os legionários logo perceberam que raramente eles conseguiam atingir os macedônios, enquanto eram empurrados pelas pontas das compridas “sarissas”, o que levou alguns a começaram a se desesperar.

Tentando pôr fim ao impasse, os mais destemidos dos soldados romanos, à maneira dos futuros “kamikazes” japoneses, começaram a correr e saltar, arremessando-se por cima das lanças inimigas, apenas para serem varados pelas pontas das lanças das fileiras posteriores.

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(legionário arremessando um pilum – o dardo foi concebido para ser arremessado, para que acertasse o inimigo ou ficasse cravado no escudo dele, obrigando o oponente a descartá-lo. O pila era também projetado para se deformar com o impacto, para que não pudesse ser reutilizado pelo inimigo. Os romanos esperavam se aproveitar dos espaços que poderiam ser abertos nas fileiras do inimigo, quando os pila arremessados atingiam o objetivo. Um soldado treinado podia arremessar um pilum até 60 metros de distância. Normalmente, os legionários carregavam dois pila, um leve e outro mais pesado, que podia ser usado também como lança de combate).

Nesse momento, a férrea disciplina dos romanos e a existência de um corpo de oficiais subalternos (centuriões) distribuídos entre as duas centúrias (80 homens) que compunham os manípulos mostrou a sua eficiência. Orientados pelos centuriões, que obedeciam aos comandos dos tribunos transmitidos por trombetas, a legião, como um todo, apesar da intensa pressão, conseguiu recuar ordenadamente, em direção ao terreno mais irregular do sopé do monte Olocrus, atrás de si.

Foi então que a grande fragilidade da falange ficou exposta: a medida que o terreno ficava mais acidentado, a falange não conseguiu manter o seu alinhamento perfeito e brechas começaram a surgir em sua formação. Imediatamente, Emílio Paulo deu a ordem para os tribunos para que, abandonando a coesão da linha de batalha romana, autorizassem os manípulos a explorarem, ao seu bel prazer, as brechas na falange.

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Atacados pelos flancos, os hoplitas não eram páreo para os legionários armados de gládios, que os golpeavam pelo lado desprotegido. Eles foram obrigados a largar as sarissas e assim, em pouco tempo, a falange começou a se desintegrar. A ala esquerda romana aproveitou-se para envolver completamente a ala direita dos macedônios que começava a ser atacada pelos legionários que haviam se infiltrado pelas brechas da sua desagregada ala esquerda.

Vendo o exército se dissolver, Perseu resolveu fugir com a cavalaria, cerca de 4 mil cavaleiros, incluindo o seu “Esquadrão Sagrado”, equivalente aos “Companheiros” (hetairoi), de Alexandre, motivo pelo qual ele seria acusado de covardia pelos seus compatriotas. Porém, os 3 mil integrantes da Guarda do rei, cercados, lutaram até praticamente o último homem. Era 22 de junho de 168 A.C.

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EPÍLOGO

Perseu acabou sendo capturado na ilha de Samotrácia, para onde ele havia fugido buscando asilo no Templo dos Dióscuros, e seria exibido acorrentado no Triunfo de seu vencedor, Lúcio Emílio Paulo, nas ruas de Roma, morrendo no cativeiro, em 165 A.C..

O Senado Romano debateu como proceder com a Macedônia e seus aliados gregos. Em um decreto muito parecido com o discurso das atuais potências ocidentais, os senadores decretaram que os Macedônios e os Ilírios deveriam ficar livres, assinalando o motivo:

Para que fique claro para o mundo inteiro que os exércitos de Roma não trazem a escravidão para os homens livres, mas, ao contrário, levam a liberdade para os escravizados, e que, entre as nações que gozam de liberdade, a segurança e a permanência dessa liberdade repousam sob a proteção de Roma”…

Sem dúvida, foi um pronunciamento que hoje não ficaria mal nos lábios de um Porta-voz da Casa Branca…

Não obstante as elevadas intenções senatoriais , o fato é que a Macedônia foi dividida em quatro partes,  e todas elas obrigadas a pagar tributo a Roma, e as suas ricas minas de ouro ficaram sob administração romana…

CONCLUSÃO

Roma agora era a indiscutível senhora dos assuntos da Grécia e maior potência do Mundo Mediterrâneo. Em sua orla, somente restavam três Estados ainda independentes de alguma importância: O Egito Ptolemaico, o enfraquecido Império Selêucida e Cartago.

Podemos imaginar como o mundo teria mudado para um cidadão romano que tivesse nascido em 220 A.C, dois anos antes de quando Aníbal cruzou os Alpes no início da 2ª Guerra Púnica…

Nessa época, a República Romana sequer dominava a Península Italiana inteira, estando o norte ainda dominado por tribos celtas e tendo que dividir o sul e a Sicília com uma série de cidades-estado independentes, culturalmente gregas.

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O nosso hipotético cidadão teria, ainda bebê, talvez percebido o terror de seus pais quando chegou a notícia da travessia dos Alpes por Aníbal.

Ainda uma criança pequena, será que o nosso personagem já teria podido compreender o choque que foi o massacre das legiões romanas em Canas? É possível, mas certamente ele cresceu acompanhando, atento, os relatos da virada da maré da guerra em favor dos seus compatriotas.

Já mocinho de 18 anos, o nosso romano poderia ter participado como um recruta do exército comandado por Públio Cornélio Cipião, na vitória final em Zama, na África, em 202 A.C.. Agora, o jovem romano poderia se orgulhar de que sua República controlava territórios na Espanha e no sul da França.

Na virada do século, o calejado jovem teria visto Roma cada vez mais se envolver nos assuntos da Grécia, lugar de onde vinham tantas ideias novas. Quem sabe não teria ele também entabulado negócios nas diversas cidades-estado gregas, agora que milhares de mercadores romanos pululavam na Hélade?

Finalmente, nosso romano, agora já entrado na maturidade de seus cinquenta anos, poderia muito bem ter acompanhado, agora comandando algum destacamento, o cônsul Lúcio Emílio Paulo, e participado da vitória definitiva contra a outrora tão temida Macedônia, a temida pátria do guerreiro mais famoso da civilização helenística – o quase divino Alexandre, o Grande.

Junto a Emílio Paulo, nosso romano poderia ter visto a inauguração do espetacular monumento equestre (cuja imponente base ainda existe) ao grande vencedor da Batalha de Pydna, o último dos troféus erguidos na sacrossanta cidade de Delfos, sede do famigerado Oráculo, onde todas as cidades gregas, durante séculos, vinham prestar homenagens ao deus Apolo, competindo para ver quem erguia o monumento mais suntuoso.

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(Monumento a Lúcio Emílio Paulo pela vitória em Pydna, erguido em Delfos)

Nosso personagem talvez tivesse retornado a tempo de participar do triunfo do seu comandante Lúcio Emílio Paulo, que agora ajuntara ao nome dele o cognomen de “Macedonicus”, e constatar que o grande espólio de guerra por ele conquistado na Macedônia, escrupulosamente depositado no Tesouro da República Romana, havia permitido ao Estado deixar de cobrar impostos durante algum tempo. Talvez ele tenha até comparecido ao funeral do grande general, quando este morreu em 160 A.C., em relativa pobreza, testemunhando essa última grande prova da proverbial honestidade do comandante falecido.

FIM

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MASADA – A FORTALEZA QUE NUNCA SE RENDEU

Masada

Em 16 de abril de 73 D.C. (ou de 74 D.C, segundo alguns estudiosos), os legionários da X Legião Fretensis, após três meses de um difícil cerco, conseguiram penetrar nas muralhas da Fortaleza de Masada, no Deserto da Judéia.

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Masada era o  último foco de resistência da Grande Revolta Judaica contra a dominação romana, iniciada em 66 D.C., sendo controlada por um grupo de rebeldes chamados Sicários.

Dentre as várias facções que compunham o movimento nacionalista dos judeus, a mais fanática era a dos Sicários  e eles conseguiram tomar a Fortaleza de Masada, situada em um platô que ficava em cima de um escarpado monte de cerca de 400 metros de altura. Noventa anos antes, o local tinha sido transformado pelo rei Herodes, o Grande, em um luxuoso palácio fortificado, entre 37 e 31 A.C.

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*Reconstituição do palácio de Herodes, em Masada)

Após a queda de Jerusalém, em função do grande cerco comandado pelo futuro imperador Tito, em 70 D.C., que resultou na destruição do Segundo Templo, também erigido por Herodes, restavam alguns poucos focos de resistência na Judéia, sendo o mais importante deles a Fortaleza de Masada, controlada pelos Sicários.

Os Sicários provavelmente eram um subgrupo ou uma facção extremista dos nacionalistas judeus Zelotes, que haviam liderado a revolta contra os romanos. O nome do grupo deriva da palavra “sicae“, que significa “adaga” – a arma característica do grupo, a qual era escondida sob as vestes deles para cometer assassinatos políticos. Assim, os Sicários podem ser considerados precursores da seita dos hashshin islâmicos (de onde deriva a palavra “assassino”) e, mais remotamente, de organizações de resistência judaica modernas, como a Irgun e a Haganah, que lutavam pela criação do Estado de Israel.

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Quando a X Legião Fretensis chegou a Masada, reforçada por algumas unidades auxiliares e prisoneiros judeus, totalizando 15 mil homens, o número de Sicários e de suas famílias entrincheirados na Fortaleza era de 960 pessoas.

Os romanos eram comandados pelo general  Lucius Flavius Silva (Flávio Silva), comandante da X Legião e governador da Judéia, que ordenou que todo o perímetro fosse cercado por uma circunvalação (fosso), para evitar que os revoltosos conseguissem abastecimento ou fugissem.  Em vários pontos, foram construídos acampamentos de legionários os quais, juntamente com o fosso, sobreviveram até os nossos dias (vide foto abaixo).

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Porém, não havia como a tropa toda subir a montanha pelos estreitos e sinuosos caminhos que levavam até o topo, ainda mais levando máquinas de assédio. Por isso, Flávio Silva ordenou a construção de uma impressionante rampa, feita de pedras e terra batida(que também ainda existe – cf. na foto abaixo). Quando a rampa ficou pronta, os legionários começaram a subir, empurrando uma enorme torre de assédio munida de um poderoso aríete.

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Finalmente, quando chegaram até as muralhas no topo, os Romanos não tiveram muita dificuldade em abrir uma brecha e os soldados invadiram o interior da cidadela.

Para a surpresa dos Romanos, que esperavam que se repetisse o tipo de resistência encarniçada que eles enfrentaram no Cerco a Jerusalém e a outras cidades judaicas, ao atravessarem as muralhas de Masada eles não encontraram nenhum rebelde,  mas apenas a fumaça e o fogo de várias construções incendiadas pelos revoltosos, tudo em completo e inquietante silêncio…

Os romanos, intrigados, gritaram exortações para que os rebeldes se rendessem, as quais ecoaram pelo platô deserto, até que 2 mulheres e cinco crianças apareceram. Interrogadas, as mulheres disseram que o pequeno grupo era tudo o que restava dos rebeldes.

Mas a explicação dada pelas mulheres para o acontecido parecia absurda demais e os romanos, com todo o cuidado necessário de quem esperava alguma armadilha, adentraram o Palácio situado na outra extremidade do platô.

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Quando o portão foi transposto, já no átrio, os Romanos depararam-se com uma cena macabra, que confirmava o relato das mulheres: centenas de corpos ensanguentados jaziam sem vida:  a conclusão era óbvia – os Sicários tinham se matado uns aos outros.

Segundo o relato do historiador Flávio Josefo, ele mesmo originalmente um participante da Grande Revolta Judaica que durante a revolta aderiu aos romanos, os Sicários, na noite anterior, fizeram um pacto pelo suicídio coletivo como ato de derradeira resistência aos Romanos.

Como a religião judaica repudia o suicídio, os Sicários resolveram então sortear dez companheiros para que executassem todo o resto, e, feito isso, os outros, divididos em grupos de dois, se matariam, até que restasse somente um, que seria o único suicida.

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(Os cacos de cerâmica, costumeiramente utilizados na Antiguidade para fazer sorteios, inscritos com os nomes dos Sicários, enconrados em Masada pela arqueólogo israelense Ygael Yadin)

Flávio Josefo, em sua obra, “A Guerra dos Judeus“, transcreve o último discurso do líder dos Sicários, Eleazar ben Ya’ir, antes do dramático desfecho, que teria sido contado aos romanos por uma das mulheres sobreviventes:

Desde que nós, há muito tempo atrás, resolvemos jamais sermos escravos dos Romanos, e nem de quaisquer outros,  a não ser do próprio Deus, quem, somente ele, é o verdadeiro e justo Senhor da humanidade, chegou o momento que nos obriga a transformar aquela decisão em verdade prática. Nós fomos os primeiros que se revoltaram e somos os últimos a lutar contra eles; e eu não posso senão apreciar isto como um favor que Deus nos concedeu: o de que ainda podemos morrer bravamente e na condição de homens livres.

Hoje, Masada é um dos pontos turísticos mais visitados de Israel e palco de cerimônias anuais, sendo considerada parte importante do sentimento de identidade  nacional israelense.

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BATALHA DE POLLENTIA

Em 6 de abril de 402 D.C, em Pollentia, próximo à atual Asti, no norte da Itália, o exército visigodo do rei Alarico celebrava o domingo de Páscoa. Os Visigodos eram cristãos que professavam a “heresia” ariana,  e, por conta disso, eles fizeram uma pausa na luta contra o exército romano do general Stilicho (Estilicão), para festejar o dia santo, e, certamente, acreditaram que os romanos fariam o mesmo…

Os Godos vinham sendo um espinho na carne do Império desde 378 D.C, quando, em uma das maiores catástrofes militares sofridas pelos romanos, um exército de cerca de 20 mil Godos, liderados pelo Chefe Fritigern, de um total de 200 mil que tinham cruzado o Danúbio e se refugiado no Império Romano do Oriente, entrincheiraram-se próximo à cidade de Adrianópolis e derrotaram o exército romano comandado pelo imperador Valente, matando cerca de 40 mil soldados romanos, na chamada Batalha de Adrianópolis, incluindo o próprio imperador.

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A horda goda vagou pela Trácia e outras províncias orientais causando muito estrago, mas acabou sendo contida pelo imperador Teodósio I, que com eles celebrou um tratado de paz, em 382 D.C. Pela primeira vez, na História de Roma, um povo bárbaro inteiro foi admitido como foederati (aliados) dentro das fronteiras do Império Romano. Embora os Visigodos estivessem formalmente obrigados a prestar serviço militar à Roma, eles podiam fazê-lo sob o comando de seus próprios chefes. Os Godos, então, receberam autorização para se assentar na província da Mésia.

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Teodósio, dessa forma, conseguira o seu objetivo de conter a ameaça goda, pois, durante o resto do seu reinado, os Godos respeitaram o tratado. Assim, quando, no final de seu reinado, em 394 D.C, na Batalha do Rio Frígido, Teodósio teve que combater o usurpador Eugênio, que havia sido colocado no trono como fantoche pelo general de origem franca Arbogaste, vinte mil visigodos combateram ao lado de Teodósio, e foram eles quem suportaram o maior castigo.

As derrotas militares sofridas na Pérsia, em 363 D.C, e nos confrontos com os Godos em Adrianópolis, em 378 D.C e no período logo a seguir, tinham destroçado boa parte do efetivo militar romano, e Teodósio preferiu, ou foi forçado pelas circunstâncias, a recrutar bárbaros para completar as fileiras desfalcadas do Exército.

Entretanto, logo após a Batalha do Rio Frígido, Teodósio morreu, deixando como sucessores, seus filhos Honório, na metade ocidental do Império, cuja capital era Milão, e Arcádio, na metade oriental, cuja capital era Constantinopla.

Os dois novos imperadores eram ainda crianças, e assim, Honório teve como tutor e virtual regente do Império do Ocidente o vencedor na Batalha do Rio Frígido, o general Flávio Estilicão, filho de pai Vândalo e de mãe romana; já Arcádio, seria tutelado pelo ministro Rufino.

Com a morte de Teodósio, os Visigodos sentiram-se estimulados a exigir grandes recompensas pelo sacrifício que tinham feito no Rio Frígido. Seu rei agora era o astuto e competente Alarico, que ambicionava nada menos do que o cargo de Magister Militum per Illyricum, ou seja, marechal do exército da Ilíria, o que obteve após devastar a província da Grécia.

Alarico aproveitou o cargo, que lhe dava acesso aos arsenais romanos, para equipar o seu exército e saquear até a exaustão, durante cerca de cinco anos, as províncias da Dácia e da Macedônia.

Procurando novas regiões que oferecessem a perspectiva de mais e polpudos saques, mas, considerando que a capital do Oriente, Constantinopla, era inexpugnável para os bárbaros, Alarico voltou sua atenção para o Ocidente e dirigiu-se para a capital Milão.

A corte de Honório, julgando Milão vulnerável, resolveu se mudar para Arles, na Gália, contudo Alarico mandou ocupar os passos alpinos com sua cavalaria e ao mesmo tempo cercou Milão, obrigando Honório a se refugiar na cidade fortificada de Hasta (a moderna Asti, na Liguria).

Fazendo um movimento que denotava que ele visava capturar o próprio imperador, Alarico partiu para sitiar Hasta, iniciando o cerco em fevereiro de 402 D.C. Porém, mesmo após  terem se equipado com armas romanas, os visigodos ainda não dominavam a arte da guerra de sítio e Honório tinha uma boa expectativa de que os bárbaros suspenderiam o cerco devido à fome ou doenças.

O general Estilicão, enquanto isso, estava ocupado com a luta contra incursões bárbaras dos Vândalos e dos Alanos nas fronteiras da província da Récia. Quando a notícia do cerco chegou ao seu conhecimento, Estilicão conseguiu reunir tropas romanas do Reno e da Britânia e também recrutou os próprios guerreiros alanos e vândalos que ele estava combatendo, para vir em socorro do Imperador.

stilicho (1)

Assim, quando Estilicão e seus homens chegaram, os Visigodos foram forçados a recuar para Pollentia (Polenza),

Estilicão chegou a Pollentia no dia 06 de abril e hesitou em lutar no domingo de páscoa, um dia sagrado para os soldados cristãos. Porém os homens, especialmente os aliados alanos, queriam lutar imediatamente e Estilicão resolveu aproveitar o élan deles para fazer um ataque da cavalaria alana sobre os desatentos visigodos.

Battle of Chalons 4

O ataque foi repelido, mas Estilicão acudiu com a infantaria e os Alanos se reanimaram. Na confusão, os Visigodos acabaram deixando o seu acampamento exposto e Estilicão conseguiu capturar a esposa de Alarico e seus filhos. Todavia, as indisciplinadas e barbarizadas tropas que agora constituíam agora o exército romano, ao invés de perseguirem os Visigodos, entregaram-se a pilhagem do acampamento inimigo, que estava repleto do produto dos saques que aqueles bárbaros haviam feito desde Adrianópolis, mais de 20 anos antes.

Após a Batalha de Pollentia, Alarico reagrupou suas forças e recuou para Verona, onde, em junho de 402 D.C, seria novamente derrotado, porém, mais uma vez, Estilicão falharia em destruir o rei visigodo e seu exército. Ele seria criticado duramente pelos historiadores por ter deixado Alarico escapar e, em vista disso, até a sua lealdade ao Império Romano seria questionada, o que parece duvidoso considerando toda a sua trajetória. Ele, por exemplo, não resistiu quando, anos mais tarde, foi preso em um motim fomentado por seus adversários na Corte e aceitou resignadamente a sua sentença de morte, executada em 22 de agosto de 408 D.C.

A principal consequência dos eventos narrados foi a mudança da capital do Império Romano do Ocidente de Milão para Ravenna, fato que facilitaria o posterior saque de Roma, em 410 D.C, por Alarico e seus visigodos. Essa mudança, segundo muitos historiadores, foi uma decisão errada, pois ocorreu em detrimento da defesa da fronteira do Reno, o que expôs a Gália, a maior e mais rica província do Ocidente, a mais ataques dos bárbaros. Para Arther Ferril (“A Queda do Império Romano, a Explicação Militar”), naquele momento, para o Império Romano do Ocidente o mais importante estrategicamente era a defesa da Gália, o que recomendaria até a instalação da capital em Arles).

A BATALHA DE RUSPINA

Em 4 de janeiro de 46 A.C, as legiões comandadas por Caio Júlio César enfrentaram o exército da facção aristocrática do Senado Romano (Optimates) que vinham combatendo o Ditador da República Romana desde o início da Guerra Civil, em 49 A.C.

Altes Museum, Public domain, via Wikimedia Commons

Após a derrota na Batalha de Farsália e a fuga e assassinato do campeão dos Optimates, Pompeu, o Grande, no Egito, o sucessor deste no comando militar das forças aristocráticas, Cipião Metelo, reuniu um grande exército na África do Norte.

Quando soube dos preparativos de Cipião Metelo, o sempre resoluto César, como era de seu feitio, agiu imediatamente e resolveu desembarcar na costa da Tunísia, próximo ao porte de Sousse, com apenas 3150 soldados, em 28 de dezembro de 47 A.C, sem sequer aguardar que o restante da 10ª Legião, a unidade na qual ele mais confiava, tivesse chegado a Sicília para embarcar rumo à África.

Acredita-se que, naquele momento, César ainda não tivesse reunido o número de navios necessários para transportar todas as suas forças para a África, mas, de qualquer modo, ele entendeu que não valia a pena esperar e resolveu cruzar o Mediterrâneo para derrotar seus oponentes.

[[File:Caesar campaigns from Rome to Thapsus-fr.svg|Caesar_campaigns_from_Rome_to_Thapsus-fr]]

Assim, no dia 1º de janeiro de 46 A.C., o pequeno exército de César acampou próximo à cidade de Ruspina, que seria o seu quartel-general naquela campanha. Para melhorar um pouco a sua situação, em 4 de janeiro, César recebeu reforços (ele tinha agora cerca de 9000 homens) e ordenou que 30 coortes de infantaria (incompletas), apoiadas por 400 cavaleiros e 150 arqueiros saíssem para colher suprimento de trigo nos campos vizinhos.

Porém, enquanto estavam em campo aberto colhendo o cereal, as tropas de César foram engajadas por contingentes de cavalaria comandados por Tito Labieno, um general que, inicialmente, tinha sido um grande auxiliar de César, mas que, por motivos incertos, desertara em favor de Pompeu e que, a partir de então, tornou-se um dos inimigos mais extremados do Ditador. Em minoria, as tropas de César foram cercadas e ele teve que ordenar que formassem um “orbis”, ou seja, uma formação defensiva em formato de círculo.

A 2ª gravura mostra soldados romanos formando uma “tartaruga” e um “orbis”. Foto de Justus Lipsius (1547-1606), Public domain, via Wikimedia Commons

Cavalgando à frente da suas tropas, consta que Labieno chegou a uma certa distância e falou em altos brados para os legionários de César, fixando-se particularmente em um legionário. Travou-se, assim, à distância, um curioso diálogo:

Labieno: “-Recruta! O que você pensa que está fazendo? Você é apenas outro que foi enganado pelas belas palavras de César, não é? Vou ser sincero com você, ele te colocou nesta situação desesperadora e eu sinto muito por você.”

Recruta: “-Eu não sou um recruta inexperiente, Labieno. Eu sou um veterano da 10ª Legião!”

Labieno: “-Da Décima? Eu não estou vendo aqui os estandartes da Décima…Vamos ver do que você é feito!”

Recruta: “-Logo você vai ver do que eu sou feito…”

O recruta tirou o elmo e mostrou o rosto descoberto para Labieno, e completou:

“- Está vendo o meu rosto? Vai se lembrar dele….”

A distância era longa, mas o legionário lançou o seu dardo e, para a surpresa de todos, atingiu o cavalo de Labieno no peito, que caiu ao solo, jogando o general no chão, para delírio dos soldados de César, que vibraram ainda mais quando o legionário assim concluiu:

“-Quem sabe no futuro isso vai te ajudar a reconhecer um soldado da Décima, Labieno!”

A Guerra Africana, 16, Atribuído por muitos a Aulus Hirtius, em https://penelope.uchicago.edu/Thayer/E/Roman/Texts/Caesar/African_War/B*.html

Apesar desse episódio, o ataque das tropas de Labieno, que estavam em maior número, chegou bem perto de subjugar completamente o menor exército de César, não fosse pelo tirocínio deste em ordenar que metade dos homens formasse uma linha voltada para um lado e outra metade voltada para a retaguarda, e, imediatamente, ordenado que ambas as linhas avançassem a toda força para romper o cerco.

A manobra de César conseguiu abrir uma lacuna nas tropas inimigas, que foi prontamente explorada por suas forças, que marcharam a toda velocidade em direção ao acampamento. Porém, antes que conseguissem chegar à segurança da sua paliçada, a coluna de César foi atacada novamente pelas forças de Labieno, reforçadas pela cavalaria númida comandada pelo general Marcus Petreius.

Mesmo assim, César conseguiu atingir uma pequena elevação, onde teve que se entrincheirar, sendo cercado por todos os lados. Em determinado ponto, a luta estava tão desesperada que um porta-estandarte (aquilifer) do exército dele tentou fugir, momento em que César, em pessoa, teve que agarrar o pobre soldado e empurrá-lo de volta para a linha de frente, enquanto gritava:

“-Veja, o inimigo fica para lá!”.

Um aquilifer da X Legião, por James William Edmund Doyle, Public domain, via Wikimedia Commons

As fontes não são unânimes, mas Cássio Dião e Apiano narram que a maior parte das tropas de César na Batalha de Ruspina foi morta, ferida ou capturada, mas César conseguiu escapar durante o entardecer com alguns sobreviventes e se juntar ao resto das tropas que ficaram no acampamento.

Segundo Apiano, foi o general Petreius que decidiu mandar parar a ofensiva com o cair da noite, tendo chegado a dizer que não queria roubar a vitória do comandante Cipião Metelo. Só então, os dois exércitos oponentes retiraram-se do campo de batalha. O recrudescimento do inverno interromperia por algum tempo as operações em larga escala, limitando-se ambos a partir de então a escaramuças.

O fato é que César teve sorte em escapar de uma derrota certa, sorte que foi ajudada pela sua indiscutível presença de espírito e capacidade de lidar com as adversidades no campo de batalha. No entanto, a sua legendária audácia e rapidez de movimento, que tanto tinham lhe sido valiosas antes da expedição à África, agora quase lhe custaram a vida.

Três meses mais tarde, César enfrentaria novamente os inimigos, agora já com os reforços enviados da Itália, na Batalha de Tapsos.

Fonte: “Ceasar’s Legion, The Epic Saga of Julius Caesar’s Elite Tenth Legiona and the Armies of Rome“, Stephen Dando-Collins.

A BATALHA DE ARAUSIO – A PIOR DERROTA MILITAR SOFRIDA PELOS ROMANOS

Em 06 de outubro de 105 A.C., em um local situado entre o povoado celta de Arausio (onde mais tarde seria fundada uma cidade romana com o mesmo nome – a atual Orange, no sul da França) e o Rio Ródano, dois exércitos consulares romanos, incluindo tropas auxiliares, foram fragorosamente derrotados pelas tribos bárbaras dos Cimbros e Teutões.

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(A invasão dos Cimbros e Teutóes e as batalhas travadas contra os Romanos, mapa de Pethrus )

Quem eram os Cimbros e Teutões?

Segundo as fontes romanas (Estrabão e Tácito), o povo dos Cimbros, que era liderado pelo rei Boiorix, juntamente com os Teutões, sob o comando do rei Teutobod, teria migrado da pení­nsula da Jutlândia, situada na atual Dinamarca, para o sul, em busca de um novo lar, movimento que provocou, tal como se veria séculos mais tarde, o deslocamento de outros povos, como por exemplo, os Helvécios, que entraram em conflito com os romanos.

Alguns estudiosos acreditam que o motivo da migração dos Cimbros e dos Teutões foi o aumento do nível do mar na região da Jutlândia, que teria ocorrido na mesma época, o que acabou inundando as terras ocupadas pelas duas tribos (esse motivo é relatado pelo historiador antigo Floro).

Há, todavia, certa controvérsia acerca da etnicidade dessas duas tribos:

Para as fontes antigas e vários estudiosos modernos, elas seriam tribos germânicas. No entanto, ao menos quanto aos Cimbros, o nome da tribo e dos personagens dá substrato à tese de que eles poderiam ser um povo celta. Com efeito, Boiorix, o nome que consta nas fontes como sendo o do rei deles, parece ser relacionado com a palavra celta ‘‘boii” (que por sua vez, está na origem da nossa palavra “boi”, com o mesmo significado de bovino). E, de fato, o historiador antigo Polí­bio relata que a riqueza dos celtas costumava ser contada em gado e ouro.

Para outros estudiosos, a palavra boii também significaria “guerreiro” na língua proto-indo-européia, vocábulo que estaria na origem de nomes como Boêmia ( Bohemia = Terra dos Boii), Beócia e Baviera (Bayern).

Por outro lado, as fontes atestam que, na verdade, os Cimbros e Teutões entraram em conflito com os Boii, quando eles invadiram seu território situado no norte da Itália, durante a migração que resultou na guerra contra os Romanos, o que parece fortalecer a ideia de que eles seriam mesmo germânicos.

Para tornar mais instigante essa nossa breve digressão acerca da origem dos Cimbros e Teutões, a Arqueologia obteve um objeto que também permite conclusões variadas: o chamado “Caldeirão de Gundestrup“, artefato que foi encontrado exatamente na Dinamarca, de onde as fontes antigas relatam que os Cimbros e Teutões seriam originários. Este magní­fico caldeirão de prata, que é datado aproximadamente do mesmo perí­odo da migração dos Cimbros e Teutões, ostenta motivos tí­picos da arte celta, mas foi produzido com técnicas de ourivesaria (trabalho em metal com ouro e prata) característicos da Trácia. Assim, já se levantou até a hipótese do Caldeirão de Gundestrup ser o produto de saque ou do comércio dos povos da Jutlândia com a tribo celta dos Scordisci, os quais teriam encomendado o caldeirão aos Trácios, com quem aqueles tinham relações.

Silver_cauldron

Seja como for, o mais provável é que os Cimbros e os Teutões devem ter começado a migrar da Jutlândia na direção do sudeste europeu na penúltima década do século II A.C e, após diversas lutas com tribos celtas, eles chegaram até Noricum, uma região celta que, séculos mais tarde seria incorporada pelo Império Romano e que abrange parte das atuais Áustria e Eslovênia, sendo cortada pelo rio Danúbio (vale notar que esse seria um caminho parecido ao que seria percorrido pelas futuras invasões germânicas, 350 anos depois).

Em Noricum, os Cimbros e Teutões invadiram as terras ocupadas pelos Taurisci, um grupo de tribos celtas aliadas dos Romanos, em 113 A.C. Quando o cônsul Cneu Papí­rio Carbo chegou com seu exército para auxiliar os aliados celtas , ele intimou os invasores germânicos a abandonarem o território dos Taurisci, sendo, inicialmente, obedecido.

Todavia, Carbo resolveu emboscar os bárbaros em Noreia, entre as atuais Eslovênia e Áustria, mas eles perceberam a tempo a armadilha e conseguiram derrotar as forças romanas, na chamada Batalha de Noreia. Carbo e os remanescentes das tropas que tinham sobrevivido à derrota conseguiram escapar, mas o comandante foi destituído do cargo pelo Senado e ele acabou se suicidando para não ter que suportar essa desonra.

Roma, então, preparou-se para o pior…Porém, ao invés de invadir a Itália, a horda germânica preferiu seguir em direção à Gália, no Oeste.

Em 109 A.C, os Cimbros e Teutões, seja porque a resistência encontrada na Gália foi grande, seja porque eles esgotaram os recursos daquela região, pediram permissão para se assentarem em território romano, o que lhes foi negado pelo Senado. Os bárbaros, então, invadiram a proví­ncia romana da Gália Narbonense.

O cônsul Marco Júlio Silano partiu para interceptar os Cimbros e os Teutões, e, novamente, os bárbaros derrotaram os romanos. O Cônsul conseguiu escapar com vida. As fontes dão poucos detalhes, mas parece que as sucessivas derrotas dos romanos colocaram em risco a própria província da Gália Narbonense, atiçando as tribos gaulesas já submetidas pelos romanos a se rebelarem. Inclusive a tribo helvética dos Tigurini, que se aliara aos Cimbros e Teutões, venceu completamente as legiões do cônsul Lúcio Cássio Longino, na Batalha de Burdigala (atual Bordeaux), em 107 A.C.. O general Caio Popí­lio Lenas conseguiu escapar com sua legião, mas teve que abandonar todo o seu equipamento.

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Nessa época os romanos estavam envolvidos em uma cruenta guerra contra o rei da Numí­dia, Juba, situação que levou o Senado a nomear como cônsul o militar mais respeitado de Roma, o general Caio Mário, muito embora ele fosse da classe equestre e viesse de uma família da qual nenhum antepassado jamais tinha sido senador, sendo, assim, considerado um “homem novo” (novus homo).

A derrota na Batalha de Burdigala obrigou, em 106 A.C., o Senado a mandar mais um exército para a Gália, para prevenir a revolta da cidade de Tolosa (atual Toulouse), sob o comando do cônsul Quinto Serví­lio Cépio. Quando capturou Tolosa, Cépio saqueou os altares gauleses que guardavam o célebre “Ouro de Tolosa“, que seria proveniente do saque que os gauleses promoveram no santuário do deus Apolo, em Delfos, na Grécia. Entretanto, o ouro capturado desapareceu enquanto estava sendo transportado para Massí­lia (Marselha) e as suspeitas de seu desvio recaí­ram sobre Cépio.

Mesmo assim, no ano seguinte, para lidar com a ameaça dos Cimbros e Teutões, que agora estavam se movendo em direção sudeste, o Senado prorrogou o comando de Cépio para a Gália, agora nomeando-o procônsul, e a ele se juntou o cônsul Cneu Mallius Máximo, que também era um “homem novo”.

Em tese, Cneu Máximo, como cônsul, ocuparia um posto superior ao de Cépio. Este, porém, sendo de famí­lia nobre, não gostou nada do fato, e as fontes relatam que esta foi a principal razão de ambos não terem cooperado em face da mais séria ameaça que pairava sobre Roma desde o fim da Segunda Guerra Púnica. Além disso, consta que Máximo não tinha muita experiência militar. Por esta razão, quando Cneu Máximo acampou seu exército em um dos lados do rio Ródano, próximo a Arausio, Cépio decidiu acampar na margem oposta…mesmo tendo recebido chamados para atravessar o rio e se juntar ao colega…

Quando os Cimbros e Teutões se aproximaram do rio, um destacamento romano de cavalaria, sob o comando do general Marco Aurélio Escauro, encontrou a vanguarda bárbara, mas foi completamente derrotado. Escauro, capturado, foi levado à presença do rei Boiorix. Inabalável, o romano exortou Boiorix a dar meia-volta e partir, a fim de que os bárbaros não fossem destruídos. Escauro acabou sendo morto e queimado vivo em uma gaiola de madeira.

Boiorix, agora, podia avistar os dois exércitos acampados, um de cada lado do rio, sendo que Máximo estava do mesmo lado que os Cimbros. Segundo as fontes antigas, o total de bárbaros seria de 200 mil, mas devemos notar que se tratava de um povo em migração, incluindo, assim, homens, mulheres e crianças. Assim, o número de guerreiros deveria ser, no máximo, de 80 mil, mais provavelmente de 60 mil.

Em 6 de outubro de 105 A.C., Cépio, não querendo dividir a glória da vitória com Máximo, decidiu atravessar o rio e atacar sozinho o acampamento dos Cimbros, Porém, valendo-se do fato deles estarem acampados em terreno mais favorável, os bárbaros conseguiram aniquilar completamente o exército do Procônsul, que conseguiu fugir. Mais tarde, ele sofreria a pena de exí­lio por isso.

Agora, Máximo teria que enfrentar o ataque dos Cimbros, em inferioridade numérica e, pior, com o rio Ródano às suas costas. Os soldados do exército romano remanescente, porém, quando viram a enorme massa de bárbaros, entraram em pânico e muitos tentaram fugir nadando, ma terminaram por morrer afogados.

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A derrota foi um massacre e as mortes romanas são estimadas pelas fontes antigas em 80 mil. Alguns acreditam que, se forem contadas as baixas entre os auxiliares e os civis que costumeiramente acompanhavam as legiões, as perdas romanas teriam sido de 120 mil pessoas! Portanto, em números, a Batalha de Arausio teria sido a pior derrota sofrida pelos romanos em toda a sua história. Aliás, o número de mortos romanos na Batalha de Arausio seguramente é um dos maiores já sofridos em um único dia por um exército em qualquer conflito, em todos os tempos e lugares.

Importante observar que o número de mortos na Batalha de Arausio é mencionado por Tito Lívio com base no relato do obscuro historiador Valerius Antius, de quem o próprio Lívio desconfiava, considerando que às vezes ele inflaria os números de combatentes e mortos nos eventos que relatou. Portanto, devemos ler esses números com um grão de sal…

Dada a magnitude da derrota e do perigo, o Senado Romano resolveu abandonar qualquer preciosismo legal e resolveu conceder a Mário o privilégio de obter um consulado apenas três anos após o seu primeiro, o que era vedado por lei. Além disso, durante a Guerra Contra os Cimbros e Teutões, o Senado, de maneira também sem precedentes, nomeou Mário como “Cônsul Sênior“, por mais quatro anos sucessivos.

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Mário acabaria derrotando definitivamente os Cimbros e Teutões, em 102 A.C., na Batalha de Aqua Sextia e em 101 A.C, na Batalha de Vercellae. As pesadas baixas sofridas pelos romanos contra esses bárbaros, com a morte de milhares de aristocratas e cidadãos proprietários de terras, contribuí­ram para que Mário implementasse as suas cruciais reformas militares, as quais mudariam a composição, a estrutura e a organização do Exército Romano para sempre, possibilitando a criação de um exército profissional baseado na classe dos proletários.

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(A Derrota dos Cimbros, tela de Alexandre Gabriel Décamps )

E a reforma militar de Mário é uma das causas fundamentais de todo o processo que resultaria no fim da República e no advento do Império.

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A BATALHA DE FÍLIPOS

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Entre 3 e 23 de outubro de 42 A.C., foi travada a Batalha de Fí­lipos, na Macedônia, que terminou com a vitória das tropas lideradas pelos triúnviros Marco Antônio e Otaviano contra o exército leal aos conspiradores e assassinos de Júlio César, Bruto e Cássio, que se suicidaram, um durante e outro após os combates, que se deram em duas fases.

ANTECEDENTES

Marcus Junius Brutus (o Bruto do “Até tu, Brutus“) e Gaius Cassius Longinus (Cássio) foram os líderes da conspiração de senadores conservadores que, em 15 de março de 44 A.C., assassinou César, que havia sido nomeado Ditador Perpétuo pelo Senado Romano no mês anterior. Essa conspiração teve amplo apoio entre os senadores integrantes da facção dos Optimates,, que comungavam da opinião de que César tencionava acabar com a República e tornar-se Rei de Roma. Por isso, os conspiradores acreditavam que teriam, senão o apoio popular, ao menos a sua indiferença ao que eles denominaram o “tiranicí­dio” de César, um fato que além de não ser considerado crime de acordo com a importada cultura polí­tica das polis gregas, seria um ato obrigatório para todos cidadãos amantes da liberdade.

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(Quadro La Mort de César by Jean Léon Gérôme, c. 1859–1867)

A plebe romana, contudo, há muito tempo estava descrente do tipo de “democracia” existente na República Romana, na qual o acesso às magistraturas (cargos públicos) dependia, na prática, de nascimento ilustre e, obrigatoriamente, de muito, mas muito dinheiro. Assim, ao contrário da reação esperada pelos conspiradores, a massa indignou-se com o assassinato de seu amado ditador. Ficariam célebres as passagens da magistral peça de Shakespeare “Júlio César“, quando o discurso de Antônio inflama a turba, e, embora algumas das suas maravilhosas cenas e diálogos decorram do gênio do bardo inglês, a maior parte das situações, como é o caso desta, foi extraí­da dos textos históricos.

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O fato é que a República Romana, há décadas, era, na realidade, um regime onde aristocratas romanos se digladiavam para usufruir de privilégios e de oportunidades de enriquecimento, não raramente chegando ao poder através da força militar obtida com o recrutamento de legiões compostas de trabalhadores empobrecidos, cujos soldados eram mais fiéis ao general que lhes havia recrutado do que ao Estado Romano.

E, embora Roma já dominasse o mundo mediterrâneo, controlando proví­ncias na Espanha, Gália, Grécia, Norte da África, etc., não havia regras na constituição polí­tica romana, que havia sido feita para reger uma Cidade-Estado, que previssem a representatividade dos súditos que não fossem italianos. Assim, as sucessivas crises terminavam em guerras entre as facções, que apelavam aos generais à testa das legiões em campanha, como última alternativa para implementar suas plataformas.

Vivenciando tudo isso, e, como integrante da facção dos Populares, César compreendeu que o Governo de Roma tinha que levar em conta os interesses da plebe de Roma e integrar os provinciais na administração da República. Não é a toa que, no volume sobre “Roma e os Romanos”, da coleção “Rumos do Mundo”, da escola dos Annales, a respeito do assassinato de César, está escrito que “Roma marchava para a unidade. A punhalada em César apunhalou a unidade“.

Antônio, o braço-direito de César que tinha sido nomeado Tribuno da Plebe, efetivamente conseguiu catalisar a comoção popular pelo homicí­dio em favor dos partidários do ditador assassinado. Entretanto, para a sua decepção, o herdeiro polí­tico do falecido ditador, adotado como filho em seu testamento, foi o sobrinho-neto dele, Caio Otávio, que, após a adoção, foi “rebatizado” como “Caio Júlio César Otaviano“. Não obstante, Marco Antônio, que naquele momento era o homem mais poderoso militarmente no Império, tentou entrar em acordo com o Senado, para legitimar a sua posição .

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Assim, devido ao clamor popular, os “tiranicidasCássio e Bruto tiveram que deixar Rom. Contudo, inicialmente, eles não foram detidos, e nem perseguidos.

Antônio também enviou outro partidário de César, Marco Emí­lio Lépido, então governador da Gália Narbonense, para a Espanha, para conter as ações de outro aliado dos conspiradores, Sexto Pompeu, filho do falecido rival de César pelo poder supremo, Pompeu, o Grande, que estava instalado na Sicília.

Naquele ano de 43 A.C, a muitos parecia que Antônio iria conseguir a supremacia política, porém Bruto e Cássio, que agora se autodenominavam “Os Libertadores“, conseguiram chegar à Macedônia, onde eles ganharam o apoio das legiões estacionadas naquela proví­ncia e, valendo-se delas, dominaram o resto da Ásia Menor. Em contrapartida, milhares de soldados veteranos das campanhas de César ofereceram a sua lealdade a Otaviano.

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Aproveitando-se da súbita situação de fraqueza de Antônio, o Senado, que sempre fora hostil a ele, sob a liderança deo prestigiado senador Cícero, passou a apoiar Otaviano. Assim, quando Antônio marchou para combater um dos assassinos de César, Décimo Bruto (ele teria sido o agressor que deu a última facada no Ditador), que era governador da Gália Cisalpina, sitiando-o em Mutina (a atual Modena) o Senado enviou os cônsules Hí­rtio e Pansa e os seus exércitos consulares para auxiliar Décimo Bruto. E Otaviano, que tinha apenas 19 anos de idade, usando dinheiro de suas economias pessoais, reuniu a sua própria tropa de veteranos de César e também se dirigiu à Mutina, como aliado do Senado contra Antônio.

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Seguiu-se uma série de combates acirrados, em que ora as tropas senatoriais, ora as de Antônio levaram vantagem. Porém, nas refregas, os dois cônsules acabaram morrendo em virtude dos ferimentos recebidos em combate. Por sua vez, o acampamento de Antônio quase foi capturado pelos inimigos. Assim, Antônio acabou tendo que levantar o cerco à Mutina, e isso possibilitou a Décimo e suas tropas escaparem.

Segundo o relato das fontes, quando conseguiu cruzar o rio que margeava o campo da batalha, Décimo chegou a acenar para Otaviano e suas tropas, em sinal de agradecimento. Otaviano, contudo, percebendo que o fato poderia manchar sua reputação perante os veteranos de César que o apoiavam, fez questão de declarar que ele “tinha vindo à Mutina lutar contra Antônio, e não para ajudar os assassinos do seu pai adotivo“…

A sorte de Décimo Bruto contudo não durou muito. Confirmado pelo Senado no comando da Gália Cisalpina, as tropas dele, entretanto, desertaram para se juntar a Otaviano e ele teve que fugir em direção à Macedônia, numa tentativa de se juntar a Cássio e Bruto. Porém, no caminho, ele foi assassinado por um chefe gaulês que era simpático a Antônio.

Entretanto, Otaviano, ao invés de perseguir e dar combate a Antônio, voltou para Roma, agora à frente de um poderoso exército. A situação polí­tica instável entre os “cesaristas” somente alcançaria certo equilí­brio quando Antônio, Otaviano e Lépido se encontraram próximo à cidade de Bolonha, e “reorganizaram” o Estado Romano, dividindo o controle do governo e as proví­ncias ocidentais entre si, com o estabelecimento de um “Triunvirato para Confirmação da República com Poder Consular” ( Triumviri Rei Publicae Constituendae Consulari Potestate), formalmente instituído pela Lei Títia, de 43 A.C, arranjo que passaria à História com o nome de “Segundo Triunvirato“).

PRELÚDIO DA BATALHA

Restava dar cabo à tarefa de ajustar as contas com os “LibertadoresBruto e Cássio no Oriente. Os dois, enquanto se desenrolavam as disputas entre os “Cesaristas” , e entre eles e os partidários do Senado, aproveitaram para acumular o máximo de recursos e tropas na região, pilhando boa parte da Lí­cia, não sem antes pedirem muitas desculpas aos infelizes moradores. Cássio inclusive sitiou e saqueou a rica cidade insular de Rodes.

Enquanto isso, as forças de Antônio e Otaviano, num total de 28 legiões, se dirigiram para a Macedônia, enquanto Lépido ficou encarregado de defender a Itália. Os “Cesaristas” contavam com suprimentos que seriam enviados pela frota de Cléopatra, armada esta que, porém, sofreria um grande naufrágio.

Marchando pela Via Egnatia, a importante estrada construí­da pelos romanos, um século antes, para ligar a Ilí­ria a Trácia, cruzando terreno muitas vezes difí­cil e montanhoso, um destacamento de oito legiões enviado pelos Triúnviros para explorar o terreno acampou próximo a cidade de Fí­lipos. entrincheirando-se em uma passagem estreita entre as montanhas. Otaviano, doente, ficara na cidade de Dirráquio, onde a marcha se iniciara.

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Ocorre que, detendo a superioridade naval, os “Libertadores” conseguiram desembarcar as suas tropas na retaguarda das legiões “cesaristas”, acampadas na estrada montanhosa, as quais, porém, alertadas por um chefe trácio amigo, conseguiram retroceder para a cidade de Anfí­polis, antes delas serem cercadas pelos inimigos em maior número.

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Então, as legiões dos “Libertadores“, em um total de 17 legiões, em uma reviravolta da situação, decidiram entrincheirar-se em posições defensivas ao longo da Via Egnatia, mostrando que a estratégia deles, agora, era fazer um bloqueio naval que impedisse o reabastecimento das legiões de Antônio e Otaviano, valendo-se da sua superioridade naval, que era assegurada pela frota de 130 galeras comandadas por Gnaeus Domitius Ahenobarbus, bem superior a dos “Cesaristas”, principalmente após o naufrágio da frota de Cleópatra.

Porém, uma das grandes preocupações que afligia os “Libertadores” era quanto á lealdade de suas tropas, pois muitos dos seus soldados eram veteranos das campanhas de César. Por sua vez, Antônio e Otaviano, após o retorno do destacamento de 8 legiões, tinham agora 19 legiões para alimentar e, por isso, eles sentiam a necessidade premente de forçar um combate decisivo, devido à pressão sobre o seu estoque de suprimentos, bloqueados pela frota inimiga.

Teatro de Operações

Bruto e Cássio ocupavam, cada um, o seu acampamento em uma parte plana da estrada, protegida por montanhas e, em uma parte, por pântanos, reforçada por paliçadas e fossos. Além disso, essa área tinha acesso a um golfo onde as suas galeras podiam ancorar, além de ser servida por um rio, que provia o abastecimento de água. Forçado a agir, Antônio foi ousado e engenhoso e, disfarçadamente, oculto pela vegetação, ele mandou construir uma passagem através do pântano, sem que as forças de Cássio percebessem, no que estava sendo bem sucedido até seus homens serem descobertos pelos inimigos. Cássio, então, ordenou que as suas tropas também construíssem a sua própria passarela suspensa sobre o pântano, visando interceptar o caminho construí­do a mando de Antônio.

PRIMEIRA BATALHA

Em 3 de outubro de 42 A.C., Antônio ordenou um ataque contra o acampamento de Cássio, e suas tropas conseguiram, com o auxí­lio de escadas e mediante o aterramento do fosso e trabalho de sapa, penetrar na paliçada inimiga e tomar o acampamento dele. Enquanto isso, as tropas de Bruto, vendo toda essa movimentação, perceberam uma oportunidade e, sem esperar ordens do seu comandante, elas atacaram o flanco exposto das forças de Antônio, causando pânico na sua retaguarda e alcançando o acampamento de Otaviano, chegando até a capturar a tenda deste, além de três estandartes.

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Mais tarde, Otaviano escreveria que somente conseguiu escapar desse ataque porque ele havia sido alertado do perigo em um sonho. Segundo Plí­nio, o Velho, contudo, Otaviano, na verdade, teve que se esconder no pântano, para evitar a própria captura… Certamente, esse combate foi muito confuso, em virtude do terreno e da péssima visibilidade, sem falar no fato de que não havia muito como distinguir as tropas amigas das inimigas, dada a similaridade de uniformes, escudos e estandartes.

No final da luta, ambos os exércitos voltaram para as posições anteriormente ocupadas, sendo certo, todavia, que os “Libertadores” perderam uma grande oportunidade de liquidar os “Cesaristas”, muito devido ao fato das suas tropas terem parecido, na ocasião, mais interessadas em pilhar e saquear o acampamento inimigo do que em lutar uma batalha decisiva…

Otaviano perdeu cerca de 16 mil soldados e Cássio, a metade disso. Assim, ao menos numericamente, os “Libertadores” levaram vantagem, pois reduziram a inferioridade numérica que seu exército tinha em relação às forças do Triunvirato. Por outro lado, eles jogaram fora a chance de derrotar completamente Otaviano, que conseguiu escapar.

O SUICÍDIO DE CÁSSIO

Por motivos controversos até hoje, nesse mesmo dia 3 de outubro, Cássio cometeu suicí­dio, ajudado por um escravo, apesar do resultado da batalha ter restado indeciso, sem que nenhum lado ainda pudesse celebrar vitória ou lamentar uma derrota.

Entre os prováveis motivos para esse ato extremo, especula-se que Cássio, após ver o seu próprio acampamento ser capturado, confundiu-se ao ver as tropas de Bruto capturaram o acampamento de Antônio e, equivocadamente, pensou que o contrário tinha acontecido, ou seja, que tinha sido o seu colega quem havia sido derrotado.

Outra teoria, esposada por alguns historiadores antigos, é que, na verdade, Cássio teria sido assassinado por seu escravo doméstico, que simulou a cena para parecer suicí­dio.

Quando soube que Cássio havia se suicidado, Bruto, chocado, velou o corpo do colega, a quem ele teria chamado, na ocasião, de “O último dos Romanos“.

Porém, um fato reanimaria as esperanças de Bruto, eis que, naquele mesmo dia, a frota dos “Libertadores” conseguiu interceptar e destruir vários navios que transportavam reforços para os Triúnviros.

Claramente, agora, a melhor estratégia para Bruto era continuar a guerra de atrito entrincheirando-se em posições defensivamente seguras, já que ele dispunha de mais suprimentos, e, também, de superioridade numérica, uma vez que as perdas de Otaviano tinham sido bem maiores na recente batalha. Todavia, Bruto, ao contrário de Cássio, não tinha muito prestí­gio militar, e as suas tropas, estimuladas pela quase vitória no dia 3 de outubro, ansiavam por um engajamento decisivo, ainda mais porque os Triúnviros, sabendo que o tempo corria contra eles, mandaram seus homens, diariamente, irem até a paliçada adversária e provocarem os inimigos.

SEGUNDA BATALHA

Uma oportunidade apareceu quando uma colina próxima ao acampamento das legiões do finado Cássio foi evacuada por Bruto, por acreditar que aquela elevação, por estar ao alcance das flechas dos seus arqueiros, não interessaria às forças de Antônio e Otaviano tomarem. Antônio, todavia, prontamente mandou que quatro de suas legiões ocupassem a posição, a partir da qual, ele mandou construir vários postos fortificados na direção sul até o mar, possibilitando, através dos pântanos, uma nova tentativa de flanqueamento do acampamento de Bruto, que, premido por essa ameaça, teve que construir também os seus bastiões nos pontos vulneráveis.

Entretanto, o moral das tropas de Bruto começou a se deteriorar em função da prolongada inatividade e, sentindo isso, os seus generais começaram a pressioná-lo para que os soldados se engajassem em uma batalha campal definitiva, a despeito da superioridade tática e estratégica de que eles gozavam no momento. Na verdade, vários legionários aliados já estavam até começando a desertar. Nesse momento, consta que Bruto, que, embora inexperiente, estava certo em evitar o combate em escala total, cedendo, teria dito:

“Parece que eu, como Pompeu, o Grande (em Farsália), agora faço a guerra mais sendo comandado do que comandando”.

Assim, no dia 23 de outubro de 42 A.C., Bruto ordenou que suas tropas se apresentem em formação de combate para a batalha campal, como tanto esperavam Antônio e Otaviano, que aceitaram prontamente o desafio.

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Foi uma batalha ao antigo estilo grego, como entre duas linhas de falanges. Não houve sequer a tradicional chuva de dardos com as quais as legiões iniciavam o ataque: Ambas as linhas simplesmente avançaram frontalmente uma contra a outra, com as espadas desembainhadas. Então, os veteranos cascudos de César que lutavam por Otaviano foram gradualmente empurrando a infantaria de Bruto para trás, como se, na descrição do historiador romano Apiano, estivessem “girando a manivela de alguma máquina“.

Consta que, durante a batalha, e inseguro com o seu desfecho, Otaviano fez a promessa de, caso fosse vitorioso, construir um templo em honra ao deus Marte.

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No iní­cio, as tropas de Bruto foram recuando em boa ordem, mas, paulatinamente, buracos foram aparecendo nas fileiras e as linhas foram se misturando. Com a confusão instalada, não demorou a ocorrer uma debandada geral das tropas dos “Libertadores“. As legiões de Otaviano se dirigiram, então, para os portões do acampamento fortificado de Bruto, antes que os soldados fugitivos deste lá conseguissem chegar, apesar deles serem atacados pelos soldados inimigos que guardavam os muros.

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Bruto, por sua vez, conseguiu fugir com cerca de quatro legiões para as montanhas. Ele esperava retornar para o acampamento, mas o seu exército estava muito desmoralizado para tentar romper o cerco que as forças de Otaviano agora faziam em volta de sua praça-forte. Sem alternativa, Bruto resolveu também cometer suicí­dio, matando-se para evitar a captura pelos inimigos. Pouco tempo depois, ao ver o corpo do adversário caído, Antônio cobriu-o com um manto púrpura, em sinal de respeito.

CONCLUSÃO

Após a Batalha de Fí­lipos, o Senado perdeu qualquer esperança de retomar a proeminência no governo de Roma. O cenário estava armado para a luta que, dali a cinco anos, e após Lépido ser destituí­do por Otaviano, seria travada entre o herdeiro de César e Antônio para decidir quem seria o senhor absoluto da “Respublica Romana“.

Otaviano, depois de derrotar as forças de Antônio e Cleópatra, em 31 A.C, e tornar-se o primeiro imperador romano, com o tí­tulo politicamente mais palatável de “Princeps” (“Primeiro Cidadão”), cumpriria sua promessa ao Deus da Guerra feita em Fílipos e construiria, no planejado Fórum que levaria o seu nome, em Roma, o Templo de Mars Ultor (“Marte Vingador” de César), cujas ruí­nas ainda podem ser vistas na Via dei Fori Imperiali.

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A BATALHA DE ACTIUM – O ATO FINAL DA GUERRA CIVIL E O FIM DA REPÚBLICA

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Em 02 de setembro de 31 A.C., ao largo do promontório e da cidade homônima deActium, próxima ao Golfo de Corinto, na Grécia, duas frotas romanas preparavam-se para entrar em combate, mas não, como de hábito, contra um inimigo estrangeiro ou atrás de piratas, mas uma contra a outra.

Nos seis anos anteriores, o Segundo Triunvirato – pacto político que  os dois homens mais poderosos da República, Otaviano e Marco Antônio, juntamente com Lépido, herdeiros políticos do poder do falecido Júlio César celebraram, após o assassinato do Ditador para dominar a República – só fazia se esgarçar, mesmo após a tentativa de união familiar simbolizada pelo casamento de Marco Antônio com a irmã de Otaviano. Todavia, o misto de romance e aliança política entre Marco Antônio e Cleópatra, mãe do único filho natural de César, constituíram, além de uma afronta pessoal ao filho adotivo de César, Otaviano, uma tremenda ameaça política, enfraquecendo a posição deste último como herdeiro reconhecido em testamento pelo Ditador.

As chamadas “Doações de Alexandria” de 34 A.C, onde Antônio e Cleópatra reconheciam Caesarion como o único filho legítimo de César, Rei do Egito e “Rei dos Reis”, além de selarem a ruptura definitiva entre Otaviano e Antônio, foram habilmente aproveitadas pelo primeiro para atacar a popularidade de Antônio, visto agora como hostil aos interesses da República Romana e submisso à vontade de uma rainha estrangeira. Apesar disso, um terço do Senado Romano continuou apoiando Marco Antônio.

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Após várias tentativas dos rivais atraírem o outro para um conflito terrestre, incluindo a teatral proposta de Antônio de enfrentar Otaviano em combate individual para decidir quem deteria o poder supremo, Otaviano acabou conseguindo obter do Senado uma declaração de guerra contra Cleópatra, o que indiretamente significava que Antônio agora era inimigo de Roma. Nesse meio tempo, ambos os contendores se prepararam, ficando claro que a estratégia que prevalecia nas forças de Antônio seria a de uma batalha naval, sob a instigação de Cleópatra, que vinha coletando uma grande frota. Muitos acreditam que o objetivo da rainha era proteger o Egito, pela destruição da frota romana em águas gregas.

Marco Vipsânio Agripa, o fiel amigo e comandante naval supremo de Otaviano, sabendo que sua frota, composta de navios leves do tipo “liburna”, era mais vulnerável às condições de tempo, esperou o verão chegar para se deslocar para a Grécia, onde se encontravam as principais forças de Antônio. Mesmo assim, a chegada da frota pegou Antônio de surpresa, pois ele ainda estava recrutando remadores para seus navios. Desse modo, a iniciativa estava com Agripa, que conseguiu desembarcar tropas que travaram algumas escaramuças com as forças terrestres de Antônio, nas quais estas levaram a pior.

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A longa inatividade já havia deteriorado o moral das tropas de Antônio, e, ele mesmo, também parece ter sido afetado. Porém, quando a frota de Otaviano avançou em direção ao seu quartel-general e ameaçou cercá-lo completamente no Golfo de Corinto, cortando os seus suprimentos vindos do Egito, Antônio resolveu agir.

No dia 02 de setembro de 31 A.C., Marco Antônio ordenou que os navios zarpassem e se colocassem de costas para o promontório de Actium, ao pé do qual sete legiões suas estavam acampadas, e de onde eles podiam assistir às manobras. A sua frota era composta de 230 grandes galeras, a maioria delas com oito bancadas de remadores (octores) e providas de torres armadas com catapultas, sendo que a sua nau-capitânia era uma espetacular “decere” (dez bancos de remadores), assim como a de seus outros almirantes. Os seus enormes navios eram pesadamente couraçados e muito difíceis de afundar por abalroamento com esporão, como era a tática comum nas batalhas navais da época. Porém, o tempo em que ficaram ancorados à espera de ação favoreceu o aparecimento de doenças entre os marinheiros e, por isso, poucas tinham o número ideal de remadores.

Segundo os relatos dos autores antigos, o navio de Antônio zarpou com as velas abertas, o que não era comum em ordem de batalha, levantando a suspeita que, desde o início, a intenção dele era chegar ao mar aberto e, aproveitando-se do vento noroeste que soprava, fugir em direção à Alexandria (os navios de guerra romanos não conseguiam navegar de través). Ele formou seus três esquadrões em duas linhas, à frente dos navios mercantes que levavam o enorme tesouro egípcio, e com os navios que escoltavam Cleópatra atrás.

A frota de Otaviano aproximou-se em duas linhas. Ela compunha-se de cerca de cerca de 250 quinquerremes, navios menores, porém mais rápidos e manobráveis do que os da frota de Antônio, os quais,  além disso, estavam subtripulados. Otaviano esperou, pois se avançasse mais ele corria o risco de ver seus navios ficarem perto de mais da costa e serem atacados pelas forças inimigas em terra. Vale citar que Otaviano tinha a vantagem de ter ciência prévia dos planos de Antônio, pois um importante partidário deste, Quintus Dellius, havia desertado pouco antes e se juntado às forças de Otaviano. Dellius era um notório “vira-casaca”, que já havia desertado duas vezes quando integrava o exército dos assassinos de César contra os triúnviros.

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Ao meio-dia, Antônio deu ordem de avançar. A sua ala esquerda deu a impressão de querer empurrar à ala direita da frota de Otaviano para o norte e abrir um caminho em direção ao sul (bombordo), que poderia levar ao Egito; porém, Otaviano, parecendo estar ciente desse propósito, mandou os seus  navios manterem distância, atraindo mais o inimigo para o alto-mar.

Quando ambas as frotas ficaram mais próximas, começaram os disparos de artilharia e flechas. Agripa ordenou que os navios de sua segunda linha se estendessem mais para o norte e para o sul, visando cercar o inimigo em menor número, sendo que Antônio, ao perceber isso, tirou alguns navios do seu centro e esticou a sua linha, deixando no centro os navios mais pesados, que estavam resistindo bem, e dirigindo-se à direita (estibordo) e ao norte para combater o esquadrão comandado por Agripa. Isso, entretanto, acabou abrindo espaços no centro da sua formação.

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Foi então que, em um movimento inesperado, os navios comandados por Cleópatra, aproveitando um buraco no centro da linha da frota comandada por Antônio e o súbito vento que soprava favoravelmente, ultrapassaram as suas linhas à toda velocidade, e, deixando para trás o resto da frota, rumaram em direção ao Egito, levando consigo todo o tesouro.

Não se sabem os motivos pelos quais Cleópatra tomou essa decisão…Alguns acreditam que ela, inexperiente na guerra, interpretou equivocadamente o fato de Antônio ter deixado o centro e rumado para o norte. É possível que ela tenha perdido contato visual com o navio do companheiro e pensado que ele tinha sido afundado ou fugido.

O fato é que Antônio, quando viu os navios de Cleópatra se afastando, resolveu ele também fugir, embarcando em outro navio mais veloz e deixando o restante da sua frota lutando acéfala (com exceção de cerca de 60 navios que conseguiram acompanhar a fuga). Os combates duraram até a noite, mas toda a frota remanescente de Antônio foi destruída por Otaviano. Isso prova que a fuga foi um momento crucial da Batalha, pois, mesmo sem o seu comandante, a frota de Antônio continuou lutando e vendeu caro a derrota.

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É verdade que, nominalmente, mesmo com a derrota naval na Batalha de Actium, Antônio e Cleópatra ainda comandavam um numeroso exército, mas o custo moral da derrota foi muito alto. Uma semana após a derrota, 19 de suas legiões e 12 mil cavaleiros renderam-se à Otaviano.

Ainda assim, levaria quase um ano até Otaviano conseguir chegar até o Egito. Nesse meio tempo, Cleópatra e Antônio, separadamente, enviaram propostas de rendição, tentando assegurar para si termos mais favoráveis. Otaviano ainda tentou negociar com Cleópatra, mas Antônio foi repelido.

Quando o exército de Otaviano alcançou o Egito, Antônio com as forças de que dispunha tentou oferecer combate, mas a desproporção era enorme. Derrotado, ele conseguiu fugir, mas, pensando que Cleópatra havia sido capturada, tentou se matar com a própria espada, à tradicional maneira romana, Ferido mortalmente, mas ainda vivo, pediu para ser levado ao mausoléu de Cleópatra, onde ela estava escondida, A cena do trágico reencontro dos dois amantes foi dramaticamente descrita por Plutarco (ver nosso post CLEÓPATRA – RAINHA DE REIS). Antônio faleceu nos braços e no colo de Cleópatra, em 1º de agosto de 30 A.C.

As tropas de Otaviano já estavam em Alexandria e foi já como virtual prisioneira que Cleópatra voltou para o palácio, onde obteve a permissão de organizar o funeral de Marco Antônio. Ela ainda tentaria negociar alguma saída honrosa para si e para os seus filhos (consta, inclusive, que ela teria mandado Caesarion para a Índia). Percebendo, porém, que tudo que Otaviano queria era mantê-la viva para abrilhantar a sua iminente parada triunfal em Roma, a Rainha do Egito, após várias tentativas, conseguiu se suicidar, segundo uma das fontes, pela picada de uma serpente no braço., em 12 de agosto de 30 A.C.

Otaviano era agora o senhor de Roma e do Egito. Caesarion, o último faraó do Egito desapareceu da História naquele mesmo mês, executado a mando de Otaviano. Três anos mais tarde, este receberia do Senado Romano o título de Augusto e Princeps, inaugurando oficialmente o período do Império Romano e pondo fim à Roma Republicana.

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De certa forma, Marco Antônio acabou passando para a História como um personagem romântico e heroico, muito em função do romance dele com Cleópatra e o fim trágico de ambos. Apesar disso, ele parece ter sido também um tipo um tanto grosseiro e bronco, como apontado por Cícero (e foi muito bem retratado na minissérie “Roma”). Com efeito, não considerando as razões do coração, a sua decisão de se unir à Cleópatra e se estabelecer em Alexandria foi praticamente um suicídio político: A fonte de todo o poder residia nos exércitos italianos e isso já tinha ficado cabalmente demonstrado durante a Guerra Civil de César contra Pompeu e, novamente, nas guerras do 2º Triunvirato, contra os assassinos de César apoiados pela facção dos Optimates (nobres).

Roman male portrait bust, so-called Marcus Antonius. Fine-grained yellowish marble. Flavian age (69—96 A.D.). Rome, Vatican Museums, Chiaramonti Museum.
Busto romano de mármore, chamado de Marcus Antonius. Período dos Flávios (69-96 A.D.). Rome, Vatican Museums, Chiaramonti Museum.

CURIOSIDADE – Vitória na “Batalha dos Genes”

Ironicamente, seria a descendência de Marco Antônio, e não a de Otaviano, que herdaria o Império. Com efeito, a sua filha Antônia, a Velha, seria avó do futuro Imperador Nero; e a sua outra filha, Antônia, a Jovem, seria mãe do futuro imperador Cláudio, avó do Imperador Calígula e bisavó do Imperador Nero.

Os três filhos que  Marco Antônio teve com Cleópatra foram poupados por Otaviano e criados por sua irma, Otávia, a ex-esposa de Antônio. Uma das meninas, Cleópatra Selene, casou-se com o rei Juba II da Numídia, e dentre seus inúmeros prováveis descendentes que se tornaram reis da cidade síria de Emesa, estaria a célebre rainha Zenóbia, de Palmira, que no século III D.C chegou a conquistar a Síria e o Egito e ameaçar a própria sobrevivência do Império. Depois de derrotada e levada para Roma, Zenóbia teria se casado com um senador romano e tido muitos descendentes.

Outra Antônia, filha de Marco Antônio com sua prima, chamada Antônia Hybrida, casou-se com Phytodorus, um magnata grego, e a filha de ambos, Phytodorida casou-se com o rei do Ponto e da Capadócia, obtendo o título de rainha. Vários descendentes de Phytodorida tornariam-se reis também do Bósforo, da Armênia e da Iberia. Assim, é bem possível que haja por aí milhares, senão milhões, de descendentes de Marco Antônio, que, derrotado nos campos político e militar, pode se considerar vencedor na batalha dos genes…

FIM

A BATALHA DE ADRIANÓPOLIS

Amiano Marcelino, “História”, Livro XXXI, 13,10

Como foi possível que essa tragédia romana ocorresse?

O texto acima foi escrito pelo historiador romano Amiano Marcelino, relatando a catástrofe sofrida pelo Exército Romano e o desfecho da Batalha de Adrianópolis, ocorrida em 9 de agosto de 378 D.C., culminando com a morte do imperador romano do Oriente, Valente.

1- Prelúdio

O Império Romano passou por profundas transformações nos 100 anos anteriores ao saque visigodo.

Durante 350 anos, começando com Augusto, o primeiro imperador (e cujo nome, coincidentemente batiza o mês de agosto), que reinou entre 27 A.C e 14 D.C., a estratégia militar romana consistia na disposição de suas principais forças militares nas fronteiras, organizadas em 28 legiões (esse número se manteve relativamente estável durante esse período). Essas legiões eram, de início, formadas por legionários recrutados entre os cidadãos romanos que fossem italianos ou oriundos de colônias de italianos estabelecidas em territórios conquistados.

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Cada legião tinha cerca de 5 mil homens e ela consistia em uma unidade virtualmente autônoma, com seus quartéis, estábulos, fábricas de armas, corpos de engenheiros, etc. (Note-se que, com o tempo, muitos dos quartéis das legiões dariam origem a várias cidades europeias atuais). E o Exército Romano também recrutava contingentes da população que habitava as localidades nas quais as legiões estavam situadas, os quais formavam regimentos de Auxiliares (Auxilia). Tradicionalmente, havia um corpo de auxiliares para cada legião, com o mesmo número de soldados que os legionários.

Basicamente, esses Auxiliares eram utilizados como tropas de patrulha, empregados em escaramuças, ou então como tropas especializadas, como, por exemplo, arqueiros, fundibulários (fundas), cavalaria ligeira, etc., sempre de acordo com as habilidades guerreiras de cada povo. Após servirem pelo prazo de 20 anos, um Auxiliar ganhava o direito de pleitear a cidadania romana (que era conferida por decreto do próprio imperador – aliás, muitos desses diplomas de bronze sobreviveram e foram encontrados em escavações, os quais, certamente, foram guardados com muito orgulho pelos agraciados (vide foto abaixo).

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Como resultado positivo dessa estratégia, denominada de “defesa estática“, o estabelecimento das legiões nas fronteiras acarretou a “romanização” daquelas populações fronteiriças, Assim, pouco a pouco,  as legiões também começaram a recrutar localmente as suas tropas. Vale lembrar que o recrutamento de soldados sempre foi um problema que afligiu os romanos, já que, desde as reformas de Caio Mário, por volta de 100 A.C, o Exército Romano deixara de ser uma milícia de cidadãos que prestavam serviço militar, para se transformar no primeiro exército verdadeiramente profissional da História.

Entretanto, esse sistema demonstrou ser um fator de instabilidade política: Com efeito, após a derrubada e suicídio de Nero (68 D.C.), quando três generais comandantes de legiões disputaram o trono, tornou-se cada vez mais frequente, em tempos de crise, o surgimento de rebeliões daquelas legiões estacionadas nas fronteiras do Império. Na verdade, o próprio regime do Principado, que substituíra a República, descendia de um longo processo de tomada do poder pela força por políticos que também eram generais. Não é a toa que o título “Imperator” significava, na origem, ‘Comandante”…

Consequentemente, na prática, quase todo general à testa de uma legião era um candidato em potencial a Imperador,  e, ao menor sinal de fraqueza do imperador reinante, poderia ser aclamado como tal por suas tropas. E tal comportamento, sem dúvida, era decorrente do costume de se recompensar regiamente os legionários que serviam na legião, quando o seu comandante conseguia ser vitorioso na disputa (inclusive, houve vários casos em que toda a tropa, ávida pelas polpudas gratificações, aclamava o seu general imperador. mesmo contra a vontade deste! Ironicamente, isso tornava-se caso a rebelião fracassasse, uma sentença de morte para o coitado do general…).

Essa instabilidade militar chegou ao máximo durante o período que se denomina “Crise do Século III“, onde a média de duração de um reinado era pouco mais de um ano, e, algumas vezes, havia vários Imperadores rivais.

2- A reforma militar de Constantino

Finalmente, em 312 D.C., após mais uma dessas incontáveis rebeliões, Constantino, um general romano de origem ilíria, filho de um dos quatro co-imperadores nomeados por Diocleciano, no fracassado projeto de divisão racional do poder que este instituíra, chamado de “Tetrarquia“, derrotou o rival Maxêncio e se tornou Imperador.

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Constantino foi o responsável por  duas mudanças radicais, no campo político-administrativo e militar, que impactariam decisivamente o Império Romano nas décadas seguintes:

1) Reconhecendo que o território romano era grande demais para ser administrado por um imperador somente, instalado em apenas uma capital, resolveu, inspirado no precedente tentado por Diocleciano (tetrarquia), instituir uma divisão político-administrativa do império em duas metades – Ocidental e Oriental (Pars Occidens e Pars Oriens). A capital ocidental, predominantemente de fala latina, a princípio, continuou sendo Roma, mais tarde substituída, sucessivamente, por Milão e Ravena. Porém, para capital da parte oriental, onde se falava majoritariamente o idioma grego, ele escolheu a antiga cidade grega de Bizâncio, notória por suas qualidades defensivas (basicamente um triângulo de terra cercado de água em dois lados), que recebeu o nome oficial de “Nova Roma que é Constantinopolis“, mais conhecida como Constantinopla;

2) Constantino também resolveu instituir um “Exército Central Móvel“, que ficaria sob o comando direto do Imperador, formado com os melhores contingentes das 28 legiões espalhadas pelo Império Romano. A elite do exército eram as tropas de cavalaria couraçada (Scholae Palatina). E os soldados desse exército central ficariam conhecidos como Comitatenses (literalmente, aqueles que fazem parte da “Comitiva” imperial). Esses soldados receberiam pagamento maior e melhores uniformes e equipamento do que os do restante do Exército Romano. Já as antigas legiões não seriam extintas, mas de certa forma, elas foram rebaixadas. Os seus integrantes passaram a ser denominados de “Limitanei” (isto é, os “fronteiriços”, ou “da fronteira”), que recebiam pagamento menor. Como o tempo demonstraria, essas tropas, paulatinamente, acabaram definhando e virando uma espécie de guarda provincial de fronteira.

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A maior parte dos estudiosos acredita que, mais do que preocupação com a estratégia militar defensiva imperial, o grande objetivo de Constantino era assegurar a estabilidade de seu trono e continuidade da sua própria dinastia., no que, aliás, ele foi bem sucedido, pois ele mesmo reinou 25 anos e a sua dinastia duraria 50 anos.

A criação de um Exército Central Móvel, na forma adotada por Constantino, consagrou a adoção do que se chama, em ciência militar, de estratégia de “defesa em profundidade“, cuja principal característica é o reconhecimento de que os inimigos atacantes não poderão ser detidos nas fronteiras, e, inevitavelmente, eles penetrarão o território do império, devendo as tropas fronteiriças apenas retardar ou atrapalhar o avanço do exército inimigo em solo pátrio, até que o mesmo seja engajado e derrotado pelo exército principal do país, onde for mais recomendável.

3- A ameaça nas fronteiras

O problema é que essa mudança estratégica romana ocorria em meio a dois acontecimentos ocorridos no exterior que teriam consequências gravíssimas: o primeiro, já do conhecimento dos romanos, era o renascimento de um império persa nacionalista e militarmente agressivo, que 40 anos antes, tinha-lhes infligido duras derrotas, inclusive com a captura, pela primeira vez, de um imperador romano em campo de batalha (Valeriano, em 260 D.C.), que havia imprudentemente invadido a Mesopotâmia.

Em 363 D.C., o último integrante da dinastia de Constantino, o Imperador Juliano (denominado de “O Apóstata”, pois ele renunciou à fé cristã e tentou restaurar os deuses pagãos) sofreu nova derrota desastrosa na Pérsia, onde ele morreu após ser ferido em batalha. O sucessor, dele, Joviano, teve que negociar um tratado humilhante para conseguir sair da Pérsia com o que sobrou do exército romano de 90 mil homens, um dos maiores já reunidos em toda história do império. Amiano Marcelino foi um historiador romano que participou dessa campanha como soldado e deixou um relato excepcional da campanha. Sobre Juliano, vale a pena ler o livro homônimo, do escritor americano Gore Vidal, um romance histórico magistralmente escrito).

Mas foi o segundo fato, ocorrido na longínqua China e então desconhecido dos romanos, que causaria uma sucessão de eventos que redundaria, décadas mais tarde, no Saque de Roma: a migração dos Hunos.

Derrotados após uma tentativa de conquistar o Império Chinês, os Hunos se voltaram para o Ocidente. Atravessando a Ásia Central, em hordas invencíveis de milhares de arqueiros montados, os hunos foram empurrando povos e mais povos, em um verdadeiro efeito dominó, em direção ao Oeste, gerando o aumento dos conflitos na fronteira romana do Reno/Danúbio.

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Assim, o cenário militar romano em meados do século IV era aquele que assombra o imaginário de qualquer líder militar: o de uma guerra em dois fronts!

Um dos povos que foram desalojados pelos hunos eram os Godos, um povo germânico de origem escandinava que havia migrado para a região do Danúbio, estabelecendo-se nas proximidades da antiga província romana da Dácia (aproximadamente a Romênia atual).

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Em 376 D.C., uma vasta migração dos Godos Thervingi, liderados pelo chefe Fritigern, totalizando cerca de 200 mil pessoas, pediu autorização ao Imperador Romano do Oriente, Valente, para cruzar o rio Danúbio e se instalar na província romana da Moesia, no que, na verdade, era quase um pedido de asilo. Foi dada a permissão, sob a condição de que eles entrariam desarmados, mas ficariam sujeitos ao serviço militar (os romanos sempre costumavam empregar bárbaros como tropas, e durante a dinastia de Constantino, o emprego de tropas germânicas tinha aumentado bastante, ao ponto de influenciar o equipamento, vestuário e até o grito de guerra dos soldados romanos)

Em geral, a História e os achados arqueológicos demonstram que os povos germânicos, ao longo dos quase 400 anos que separam o ano de 100 A.C, quando as fontes romanas pela primeira vez mencionam a invasão da Itália pelos povos denominados de Cimbros e Teutões ([invasão derrotada por Mário), do aparecimento dos Godos na fronteira do Danúbio, no final do século III, vinham sendo influenciados pelo Império Romano, mas sempre mantendo uma consciência que poderíamos chamar de “étnico-cultural” ou nativista muito forte (o que ficou demonstrado na resistência comandada por Arminius – ou Herrmann, o Germânico – à penetração romana na Germânia, em 9 D.C, infligindo aos romanos a destruição de três legiões e o abandono definitivo do projeto romano de transformar a região em província romana, com consequências duradouras para a história dos dois povos no futuro).

A mudança mais importante observada na sociedade germânica ao longo desses séculos de contato com os romanos, foi a tendência à aglutinação das antes isoladas tribos em grandes confederações, como por exemplo, a dos Alamanos, que em sua origem etimológica, quer dizer “All men” (todos os homens), e acabaria dando nome a um futuro país (Alemanha), e a dos Francos (que, curiosamente, daria nome ao maior rival da Alemanha, a França).

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Outra mudança notada entre os povos germânicos, que, para alguns estudiosos, foi consequência do contato com os romanos, foi a crescente sofisticação e especialização militar dos contingentes armados, em contraste com os grupos mais primitivos de guerreiros no início da era cristã. Para saber mais sobre todos esses fenômenos envolvendo as tribos germânicas, recomendamos a leitura do livro “The Fall of the Roman Empire, a New History of Rome and the Barbarians“, do historiador Peter Heather, que consultamos para escrever este e outros artigos sobre o período.

É certo que essas confederações germânicas cooperavam entre si no embate contra os romanos. Assim, ataques na fronteira do Reno eram combinados com ataques no Danúbio. E sabe-se que, algumas vezes, quando chegava a notícia de uma derrota militar romana na Pérsia, desencadeava-se uma série de ataques germânicos oportunistas.

Por outro lado, ficou evidenciado que, ao longo dos séculos, os germanos passaram a apreciar mercadorias produzidas no Império Romano, como demonstram os achados arqueológicos de sepulturas germânicas do período.

Note-se que, durante muito tempo, inúmeros germanos serviam no exército romano, mas depois eles voltavam para viver junto ao seu povo, trazendo consigo a expertise militar romana (Arminius, inclusive, havia sido um precursor disso, pois ele comandava um contingente de Auxiliares do Exército Romano).

Desde o século IV, os Godos haviam se convertido ao Cristianismo, embora o professassem sob a doutrina denominada de Arianismo, considerada heresia pela Igreja Católica (porque idealizada pelo bispo Ário – nome que nada tem a ver com a suposta “raça ariana”, por favor!).

A História conta que, após entrarem no Império Romano, os Godos foram muito maltratados pelos governadores das províncias romanas onde se estabeleceram. Grassava a fome entre eles e os oficiais romanos cobravam preços extorsivos pelos grãos estocados nos celeiros do Estado. Alguns chegaram até a escravizar alguns godos.

Os germanos não conseguiram suportar as injustiças e arbitrariedades dos romanos por muito tempo e eles rebelaram-se. As autoridades romanas, não percebendo a gravidade da ameaça, mandaram um contingente militar insuficiente para reprimir a rebelião, e essas tropas romanas foram derrotadas. Assim, por dois anos, os Godos conseguiram assolar a região.

4- A Batalha de Adrianópolis

Assim, em 378 D.C, o Imperador Romano do Oriente, Valente, decidiu  marchar e comandar em pessoa o Exército Central e esmagar os Godos. O imperador do Ocidente, Graciano, já havia se comprometido a enviar também o seu Exército, porém, de acordo com a versão mais prevalente, Valente,  querendo os louros da vitória somente para si, resolveu fazer uma marcha forçada e dar combate aos Godos sem esperar os reforços ocidentais.

Fritigern, que era um hábil comandante, sabedor que não poderia enfrentar os 40 mil soldados de Valente em campo aberto, resolveu “entrincheirar-se” e mandou que os carroções em que o seu povo, homens, mulheres e crianças, moravam e viajavam (parecidos com aqueles que os pioneiros americanos usaram na Conquista do Oeste) formassem um círculo protetor (laager) em uma colina, próxima a Adrianópolis, na Trácia. E mandou que a sua cavalaria, que tinha um efetivo estimado entre 10 e 20 mil homens ficasse ao largo. Dentro do laager, talvez estivessem 20 mil guerreiros, além de muitos milhares de mulheres, que talvez ajudassem nos combates. Quando viu os romanos se aproximando, Fritigern mandou atear fogo ao campo na planície em volta da colina e enviou mensageiros para atrasar os romanos e outros para chamar a cavalaria.

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Em 9 de agosto de 378 D.C., os romanos chegaram ao campo de batalha após uma marcha forçada de sete horas e, sem descanso, eles preparam-se para atacar os godos.

Amiano Marcelino conta que uma unidade romana, demonstrando falta de disciplina, acabou atacando sem esperar as ordens e precipitando o avanço. Enquanto isso, a cavalaria goda chegou e atacou o flanco direito  dos romanos, prevalecendo sobre a cavalaria romana, que fugiu. A visibilidade era ruim, devido a fumaça e a poeira e o sol e ocalor do verão eram intensos, o que afetava mais os soldados romanos fatigados pela marcha. Os romanos não perceberam que sua cavalaria tinha sido dispersada e avançaram colina acima em direção ao laager.

Então, os guerreiros godos, saindo do círculo de carroções, atacaram o lado esquerdo dos romanos que, por sua vez, foram atacados pela retaguarda pela cavalaria goda que havia dado a volta. Os romanos foram obrigados a avançar para a base da colina.

Valente percebeu o movimento e avançou, porém, a massa compacta de soldados não conseguia mais manobrar. Os romanos foram completamente envolvidos e acabaram sendo massacrados. O imperador, segundo relatos, morreu lutando, e o seu corpo nunca foi encontrado, perdido entre a massa de 40 mil soldados romanos caídos.

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5- Conclusão

Amiano Marcelino encerra a sua História com o relato sombrio e emocionante da Batalha de Adrianópolis. É expresso o reconhecimento do desastre: Dois terços do Exército Romano do Oriente foram eliminados em uma tarde. Ele relaciona com tristeza o número imenso de generais e oficiais romanos que morreram na Batalha.

Assim, o Império Romano sofrera duas derrotas humilhantes no espaço de 15 anos. o historiador Arther Ferril (“A Queda do Império Romano – a Explicação Militar”) compara essa situação ao clima que se abateu sobre o exército americano após a derrota para o Vietnã.

Após a Batalha de Adrianópolis, na prática, não havia mais exército romano no Oriente. Os Godos, imediatamente apos a vitória, tentaram saquear Adrianópolis, mas, desprovidos de máquinas de assédio, e ignorantes da arte da guerra de sítio, não conseguiram. Mas eles pilharam toda a província e, mais importante, saquearam os arsenais do exército.

Durante os próximos 30 anos, os romanos teriam que enfrentar um fato que não acontecia na história romana desde a  Segunda Guerra Púnica, entre 220 a 202 A.C: Um exército estrangeiro armado movendo-se e vivendo em solo romano. Só que agora porém, era um povo inteiro que demandava um pedaço de território romano para viver!

Após a derrota romana na Batalha de Adrianópolis, com a morte em combate de Valente, o sobrinho deste, Graciano, que já era o Imperador Romano do Ocidente. virou, por direito, o soberano das duas metades do Império Romano.

Ocorre que Graciano só tinha 19 anos na ocasião e ele já estava suficientemente assoberbado com as invasões dos Alamanos e outros povos germânicos na Gália, sendo, portanto, incapaz de lidar com os invasores godos na parte oriental. O jovem imperador acabou por ver se obrigado a escolher um colega mais experiente para governar a parte oriental do Império Romano e a escolha recaiu sobre o prestigiado general espanhol Teodósio. Este, basicamente mediante a diplomacia, conseguiria manter momentaneamente os Godos sob controle. Porém, o fato é que os bárbaros germânicos agora tinham vindo para ficar e eles permaneceriam no seio do Império até a sua Queda em 476 D.C., e além….

FIM

Fontes:

1- Amiano Marcelino, “História”

2-Arther Ferril, “A Queda do Império Romano – a Explicação Militar”

3- Peter Heather, “The Fall of the Roman Empire, a New History of Rome and the Barbarians”