Em 17 de novembro do ano 9 D.C, nasceu, na cidade de Falacrinae, a sudoeste de Roma (https://phys.org/news/2009-08-archaeologists-unearth-birthplace-roman-emperor.html), Titus Flavius Vespasianus (Vespasiano), integrante de uma família de origem sabina proveniente de Reate (atual Rieti), que, recentemente, havia ingressado na classe Equestre, que era o segundo nível hierárquico da nobreza romana.
Com efeito, Titus Flavius Petro, o avô de Vespasiano havia sido um simples centurião das tropas de Pompeu, em Farsália, durante a guerra civil entre este e Júlio César, que depois virou coletor de impostos. E o pai de Vespasiano, Titus Flavius Sabinus (I), também seria coletor de impostos (publicano), na Província romana da Ásia, e banqueiro. Segundo o historiador Suetônio, na primeira função, Titus Sabinus destacou-se pela retidão, um traço que era tão incomum entre os publicanos romanos, que os provinciais chegaram a erguer uma estátua em sua honra ostentando a inscrição:
“A um coletor de impostos honesto“…
Acredita-se que, devido à ausência dos seus pais enquanto eles serviam na Ásia, Vespasiano deve ter sido educado pela avó, Tertulla, a quem ele ficou muito apegado e de quem se lembraria pelo resto da vida, mesmo depois de virar imperador.
Foi o irmão mais velho de Vespasiano, também chamado de Titus Flavius Sabinus(II)(Sabino), quem realmente começou uma carreira militar e pública de sucesso, sendo nomeado Tribuno na Trácia e, depois, conseguindo eleger-se para os cargos públicos (magistraturas) de Questor, Edil e Pretor.
Vespasiano seguiu os passos do irmão, e até o precedeu no exército romano, sendo nomeado, antes dele, Tribuno, também na Trácia, voltando à Roma por volta do ano 30 D.C.
O primeiro cargo público de Vespasiano, ainda durante o reinado deTibério, no entanto, foi servir como integrante dos Vigintiviratos, um colégio de vinte magistrados menores, encarregados, dentre outras coisas, da limpeza das ruas de Roma.
No início do reinado de Calígula, Vespasiano ainda continuava servindo no Colégio dos Vigintiviratos. Em sua “Vida de Vespasiano“, Suetônio, inclusive, chega a mencionar que aquele imperador, certa vez, insatisfeito com o serviço de limpeza urbana da Cidade, mandou que os seus guardas jogassem lama na toga de Vespasiano, um gesto, sem dúvida, humilhante, mas que poderia até ter terminado pior para Vespasiano, tendo em vista os crescentes episódios de insanidade de Calígula.
Depois disso, Vespasiano serviu como Questor na ilha de Creta, retornando para assumir o cargo de Edil em 38 D.C. Neste mesmo ano, ele se casou com Flávia Domitila, a Velha, nascida na cidade de Sabratha (na atual Líbia) filha de um simples secretário de um Questor, originário da cidade italiana de Ferentium, que servia na província da África.
(Denário de prata com a efígie de Flávia Domitila, a Velha, cunhado após a sua morte e deificação)
II- Sucesso na carreira pública
Mas foi no reinado do sucessor de Calígula, o imperadorCláudio, que a carreira dos irmãos Flávios, sobretudo a de Vespasiano, decolou. Ele seria muito ajudado pelo fato de ser amante de Antonia Caenis, uma mulher muito inteligente que tinha sido escrava, e, depois de, alforriada, já na condição de liberta, virara secretária pessoal da influente Antônia, a Jovem, mãe de Cláudio (Antônia, a Jovem era filha de Marco Antônio e Otávia, irmã de Augusto). Vale citar que, antes de Vespasiano se casar com Domitila, ele e Antonia Caenis viviam em “contubernium“, uma espécie de concubinato admitido pela lei romana).
E foi muito provavelmente por injunção de Antonia Caenis que Vespasiano caiu nas graças de Narcissus, o poderoso liberto de Cláudio, que então ocupava o importante cargo de Secretário de Correspondência Imperial (Praepositus ab Epistulis) na Corte Imperial, e exercia forte influência sobre o imperador.
Assim, Vespasiano foi nomeado general da II Legião Augusta (Legatus Legionis II Augustae), sediada em Argentorarum ,na província da Germânia (a atual Estrasburgo) em preparação para a campanha militar mais importante do reinado de Cláudio: a Conquista da Grã-Bretanha. Nesta guerra, Vespasiano, servindo sob as ordens do comandante-geral Aulus Plautius, ficou responsável por subjugar a maior parte do sul da atual Inglaterra, bem como a Ilha de Wight.
Como recompensa pelas suas vitórias na Britânia, Vespasiano recebeu a honraria dos “ornamentos triunfais“, regalias destinadas aos generais vitoriosos durante o Império e que substituíram os Triunfos, que foram reservados apenas para os Imperadores.
Em 51 D.C, Vespasiano foi escolhido para o cargo de Cônsul, a mais alta magistratura da antiga República, sendo ainda o ápice da carreira política em Roma. Todavia, logo depois disso, a posição dele sofreria uma grande reviravolta, pois Narcissus, o seu protetor, havia conspirado contra Agripina, a Jovem, a poderosa e vingativa nova esposa (e sobrinha) de Cláudio, e seu filho, Lucius Domitius Ahenobarbus (o futuro imperador Nero), que havia sido adotado, em 50 D.C, por Cláudio, em detrimento do seu próprio filho natural, Britânico, que era apoiado por Narcissus.
III- Ostracismo e reabilitação
Cláudio morreu em 54 D.C., provavelmente envenenado por Agripina e o filho, desta, Nero, assumiu como novo Imperador. A seguir, Narcissus e Britânico também foram, no espaço de alguns meses, assassinados.
Assim, prudentemente, Vespasiano passaria os próximos 12 anos na obscuridade.
Esse “retiro” de Vespasiano só terminaria em 63 D.C, quando ele, agora um veterano e respeitável Senador, foi indicado para ser Procônsul na província romana da África. Consta que ali, Vespasiano fez uma boa administração, marcada pela honestidade, numa época em que os governadores romanos só pensavam em espoliar as províncias e encherem a bolsa de dinheiro.
Não demorou muito para que o respeitável senador e general fosse admitido de volta na Corte Imperial, passando a integrar o círculo íntimo de Nero, chegando até a integrar a comitiva do imperador, quando da sua acalentada viagem à Grécia, em 66 D.C, ocasião em que Nero apresentou-se em competições artísticas e esportivas, no seu afã de seguir a trajetória de um herói grego.
(O ator Peter Ustinov foi indicado ao Oscar de melhor ator em 1951 pela sua magistral interpretação de Nero, no filme Quo Vadis)
Contudo, um fato, que hoje para nós soaria cômico, quase acabou com a sorte de Vespasiano: Durante um dos intermináveis recitais de Nero, ele cochilou enquanto o imperador cantava (ou tocava a lira), deixando o vaidoso artista furioso. De acordo com Suetônio, em punição pela afronta, Vespasiano foi excluído da Corte e teve que ir viver em uma cidade pequena, onde ele chegou a temer, justificadamente, pela própria vida.
Foi por volta dessa época que Vespasiano ficou viúvo, após a morte de sua esposa Flávia Domitila, a Velha, que havia lhe dado três filhos: Tito, Flávia Domitila, a Jovem e Domiciano. Ele nunca mais se casaria novamente, mas logo voltou a viver junto com Antonia Caenis, que, nas palavras dos historiadores antigos, “de esposa de Vespasiano só não tinha o nome“.
Domiciano, o filho caçula de Vespasiano, porém, jamais aceitou a madastra.
Por sua vez, Flavia Domitila, a Jovem casou-se com o grande general Quinto Petílio Cereal, mas ela morreria jovem, com pouco mais de vinte anos. O casal teve uma filha, também chamada Flávia Domitila, que, de acordo com a tradição católica, é a Santa Flávia Domitila, que se converteu ao cristianismo e por isso foi banida de Roma, e que também teria sido a responsável pela doação à Igreja das terras onde seriam escavadas as chamadas Catacumbas de Domitila.
(Pintura do “Bom Pastor” existente nas Catacumbas de Domitila)
Mas a aflição de Vespasiano duraria pouco, porque, naquele mesmo ano de 66 D.C, o estouro de uma séria revolta na sempre turbulenta Judéia obrigou Nero a se valer dos seus melhores generais.
Com efeito, começara a Grande Revolta Judaica, com o massacre de toda a guarnição romana de Jerusalém e a destruição da XII Legião Fulminata, que havia sido mandada da Síria para esmagar a rebelião, onde, inclusive esta unidade militar teve o seu icônico estandarte-águia capturado pelos revoltosos. Vespasiano, assim, recebeu de Nero o comando especial do formidável exército de 60 mil soldados que havia sido reunido para para esmagar a rebelião e partiu para a província rebelde. Lá chegando, ele rapidamente conquistou a Galiléia, que era o celeiro da Judéia, e começou os preparativos para o cerco a Jerusalém.
Durante o avanço pela Judéia, Vespasiano tomou a cidade de Jotapata, uma das praças-fortes judaicas, e capturou vivo um dos líderes da defesa da cidade, um judeu que, anos mais tarde, escreveria o relato dessa terrível guerra, e ficaria conhecido como o grande historiador Flávio Josefo. Durante o seu cativeiro, Josefo teria predito que Vespasiano se tornaria Imperador, o que o fez cair nas graças do general.
Enquanto isso, na distante Gália, o governador Gaius Julius Vindex e suas legiões revoltaram-se contra Nero, mas essa insurreição foi rapidamente derrotada pelas legiões da Germânia. Todavia, o governador da Hispânia, Servius Sulpicius Galba, que fora sondado por Vindex para aderir a revolta, não relatou de pronto a conspiração a Nero e, por isso, ele foi condenado pelo imperador à morte. Galba, que pertencia ao ilustre clã dos Sulpícios, então, emitiu uma declaração de que ele estava “à disposição do Senado para restaurar a liberdade“…
Estimulados, os partidários de Galba em Roma conseguiram a adesão do comandante da Guarda Pretoriana, Ninfídio Sabino, que se juntou à rebelião, e, em decorrência disso, os guardas do palácio de Nero debandaram. Circulou a notícia de que o Senado tinha declarado Nero como “Inimigo Público“. Assim, o emotivo imperador, desesperado com a situação, cometeu suicídio, em junho de 68 D.C. Galba foi aclamado o novo imperador. Este foi o fim da dinastia dos Júlio-Cláudios, que fundara o Império e o governava há praticamente um século.
IV- Candidato à sucessão e o “Ano dos Quatro Imperadores”
O reinado de Galba, que já tinha 70 anos de idade, porém, não duraria muito. O seu comportamento extremamente severo desagradou muito aos soldados que o apoiavam, e esperavam polpudas recompensas, bem como a todos aqueles que tinham sido beneficiados durante o reinado anterior e, agora, sentiam-se espoliados.
Assim, passados apenas dois meses da ascensão de Galba, as descontentes legiões da Germânia proclamaram, no dia 2 de janeiro de 69 D.C., o seu comandante Aulus Vitelius (Vitélio), como Imperador. Enquanto isso, em Roma, o rico senador Marcus Salvius Otho (Otão), insatisfeito pelo fato dele não ter sido escolhido como o sucessor de Galba, subornou a Guarda Pretoriana, que, ainda em janeiro de 69 D.C., assassinou o imperador.
O Senado, que não podia confrontar a Guarda Pretoriana, imediatamente reconheceu Otão como o novo Imperador Romano.
Ocorre que Vitélio e suas experimentadas legiões da Germânia já estavam entrando na Itália e marcharam em direção à Roma, derrotando com facilidade as tropas reunidas por Otão, na PrimeiraBatalha de Bedríaco, após o que, este, resignadamente, cometeu suicídio, dois dias depois, em 16 de abril de 69 D.C.. O reinado dele durara apenas três meses.
(Mapa do Império Romano no “Ano dos Quatro Imperadores”, imagem de Steerpike e Andrei nacu)
Enquanto tudo isso ocorria na Europa Ocidental, Vespasiano comandava a campanha contra os Judeus. Quando as notícias da morte de Nero chegaram à Judéia, Vespasiano prontamente declarou lealdade a Galba. Depois, ele chegou a fazer o mesmo quando soube da aclamação de Vitélio. Porém, o caos gerado pela rápida sucessão de deposições violentas e nomeações de imperadores acabou por gerar nos auxiliares de Vespasiano a convicção de que ele tinha melhores qualidades e tropas suficientes para aspirar ao trono imperial.
Assim, Gaius Licinius Mucianus (Muciano), o Governador da Síria, encontrou-se com Vespasiano na fronteira com a Judéia. Provavelmente, nesse encontro, eles decidiram que Vespasiano deveria tentar tomar o cetro imperial para si.
Então, no dia 1º de julho de 69 D.C., as legiões estacionadas em Alexandria, no Egito, instadas pelo Prefeito do Egito, Tiberius Julius Alexander, que era de origem judaica, aclamaram Vespasiano Imperador. Poucos dias depois, elas foram seguidas pelas legiões comandadas pelo próprio Vespasiano, em Cesaréia.
V- O caminho para o trono
Em seguida, os líderes arquitetaram um plano: Muciano se dirigiria para a Itália com um contingente de 20 mil soldados para atacar Vitélio, enquanto Vespasiano iria para o Egito, para ordenar um bloqueio aos vitais carregamentos de trigo egípcio que alimentavam a enorme metrópole de Roma, ação que provavelmente forçaria Vitélio à rendição. No comando das tropas que ficariam na Judéia, para dar prosseguimento à guerra contra a Revolta Judaica e manter o cerco à Jerusalém, Vespasiano deixou o seu filho Tito.
Durante essa incursão no Egito, Suetônio conta uma história curiosa, a de que Vespasiano teria feito dois milagres, bem comparáveis aos das narrativas bíblicas: Segundo o historiador, enquanto estava em Alexandria, Vespasiano teria curado um cego e um aleijado, após os dois, avisados pelo deus Serápis, aproximarem-se dele e pedirem que ele os tocasse. Suetônio também narra a existência de uma profecia entre os Judeus, a de que um homem vindo da Judéia seria o senhor do mundo, concluindo Suetônio que a profecia dizia respeito ao próprio Vespasiano. Esse mesmo episódio, com pequenas diferenças, é relatado por Tácito e Dião Cássio.
Cogito que esses intrigantes relatos talvez já demonstrem a influência das narrativas cristãs nos autores romanos pagãos que escreveram as suas obras entre quarenta (Tácito) e cento e cinquenta anos (Cássio) após os fatos narrados.
Todavia, antes que o citado plano de Vespasiano começasse a ser executado, as legiões da Panônia se declararam em revolta a favor de Vespasiano e partiram por si próprias para invadir a Itália, com 30 mil homens. Vitélio tentou resistir, mas as suas forças foram derrotadas na SegundaBatalha de Bedríaco, em 24 outubro de 69 D.C.. Um outro exército foi enviado por Vitélio, logo em seguida, contudo, ao invés de combater os insurretos, uniu-se a eles. Vitélio, assustado, tentou abdicar, sem sucesso, pois os seus assessores e soldados partidários o proibiram.
Apostando na luta, os soldados leais a Vitélio mataram Sabino, o irmão de Vespasiano, que então era o Prefeito Urbano de Roma e havia tentando tomar o controle da cidade. Porém, quando as tropas leais a Vespasiano começaram a entrar em Roma, Vitélio foi assassinado e o seu corpo, segundo Suetônio, foi jogado ao Tibre, ou, segundo Dião Cássio, ele foi decapitado e a sua cabeça desfilada nas ruas da Cidade.
Vespasiano foi oficialmente reconhecido como imperador pelo Senado em 22 de dezembro de 69 D.C., in absentia, pela “Lex de imperio Vespasiani“. Ele tinha, então, 60 anos de idade. Todos os seus atos foram ratificados, e, portanto, a lei tinha o efeito retroativo de reconhecer a aclamação feitas pelas tropas em 1º de julho.
Terminava, assim, o turbulento ano que ficaria conhecido como “O Ano dos Quatro Imperadores“. O novo imperador somente chegaria a Roma em outubro de 70 D.C. Nesse período, quem administrou o Império em seu nome foram Muciano e Domiciano, o filho mais novo de Vespasiano.
Consta que, durante esses meses, Domiciano agiu com tanto voluntarismo e independência que, Vespasiano, com o seu peculiar senso de humor, teria enviado a ele uma carta na qual constava o seguinte cumprimento:
“Obrigado, meu filho, por me permitir manter o meu cargo e por ainda não ter me destronado”
VI- O reinado de Vespasiano
O reinado de Vespasiano começou com a questão premente de sufocar a perigosa Revolta dos Batavos, na região do Delta do rio Reno, no território da atual Holanda. Os Batavos eram um povo germânico que vinha sendo recrutado como tropas auxiliares do Exército Romano. O comandante desses regimentos, Gaius Julius Civilis, um príncipe batavo, insatisfeito com a conduta dos seus superiores, havia se rebelado e foi preso, mas ele acabou sendo solto por Vitélio, o governador da província da Germânia que havia se rebelado contra Galba e precisava das tropas batavas para invadir a Itália.
Os Batavos lutaram na Primeira Batalha de Bedríaco, mas quando eles voltaram para suas terras e foram novamente convocados, acabaram rebelando-se novamente. Então, encorajados após a notícia da morte de Vitélio, os Batavos chegaram a derrotar duas legiões, fazendo com a revolta se espalhasse por algumas tribos do norte da Gália, onde Julius Sabinus, um nobre gaulês romanizado que se dizia descendente de Júlio César, declarou a independência da Gália, autonomeando-se imperador. Duas legiões romanas, a I Germanica e a XVI Gallica, aderiram à revolta.
Essa rebelião de Sabinus, entretanto, foi facilmente derrotada pela tribo gaulesa romanizada dos Sequanos, aliada dos romanos. Como curiosidade, as fontes relatam a estória de que Sabinus, foragido, ficou nove anos escondido em uma câmara que existia debaixo de um monumento, junto com a mulher, com quem ele chegou a ter dois filhos durante o tempo que ficou no esconderijo.
Para lidar com a Revolta dos Batavos, Vespasiano enviou o general Quintus Petilius Cerealis no comando um exército de oito legiões. A aproximação deste poderoso exército foi o suficiente para dispersar boa parte dos que apoiavam Civilise ele teve que recuar para o território dos Batavos. Ali ele chegou a empregar táticas de guerrilha, porém, quando Civilis soube que Jerusalém foi saqueada e a Revolta Judaica virtualmente derrotada, ele percebeu que em breve todo o peso do Exército Romano voltaria-se contra si e, então, ele decidiu render-se.
Os romanos exigiram que os Batavos cedessem mais tropas para o Exército Romano e destruíram Naviomagus (Nijmegen), a capital batava, no final de 70 D.C.
(Busto de Vespasiano, detalhe, foto Shakko)
O reinado de Vespasiano foi um governo de reconstrução e de reconciliação, característica que foi muito beneficiada pelo seu caráter íntegro, pela sua índole moderada e pelo seu senso de justiça. De certa forma, a sua política marcou uma retomada das linhas estabelecidas por Augusto, onde o Príncipe deveria se pautar pela retidão, moralidade e espírito público, permitindo ao Senado ter algum papel na administração pública e, principalmente, receber alguma deferência do Imperador.
Essas intenções ficaram implícitas na “Lex de Imperio Vespasiani“, que alguns consideram a primeira tentativa de regular por escrito as relações entre o Imperador e o Senado, com base nos precedentes dos reinados anteriores, até Augusto. É interessante notar que, pelo que denota a sua redação, trata-se de um Senatus Consultum (Decreto do Senado) que foi submetido à sanção da Assembleia (ou Comício) das Centúrias (Comitia Centuriata), obedecendo uma formalidade dos tempos da República, ainda que com caráter meramente cerimonial.
(Tábua de bronze contendo o texto da Lex de Imperio Vespasiani, achadas em Roma por Cola de Rienzo em 1347. Hoje as tábuas estão nos Museus Capitolinos).
Após décadas de expurgos e perseguições pelos imperadores Júlio-Cláudios, a aristocracia senatorial romana, que fornecia a maior parte dos quadros do serviço público, havia sido dizimada. Por isso, Vespasiano, valendo-se do cargo de Censor, deu ênfase à recomposição dos quadros da nobreza, conferindo este status a plebeus capazes, de preferência nascidos na Itália.
Foi Vespasiano quem primeiro instituiu a contratação pelo Estado de professores, pagos pelo Erário, para ministrarem o ensino público às crianças romanas, estando entre os primeiros mestres a serem contratados, o grande retórico Quintiliano.
Vespasiano também restaurou as finanças estatais, estabelecendo uma série de novos tributos. Essa medida, que poderia ser tomada como antipática, foi de certo modo contrabalançada pelo estilo de vida frugal e modesto que o imperador adotava, e que bem poderia servir de exemplo aos governantes atuais…
Esse traço austero de Vespasiano, que lhe rendeu em algumas passagens dos historiadores da época a pecha de avaro, é ilustrada por uma historia contada por Dião Cássio:
Certa vez, alguns cidadãos ilustres tomaram a iniciativa de erguer uma estátua de Vespasiano que custaria um milhão de sestércios. Quando eles foram dar a notícia a Vespasiano, o imperador estendeu a sua mão aberta e disse-lhes:
“Deem-me o dinheiro! Aqui está o pedestal!”
A vitória contra a Revolta Judaica e o saque de Jerusalém, especialmente do Segundo Templo, que também funcionava como um verdadeiro tesouro administrado pelo Sinédrio, rendeu um espólio valioso que foi utilizado por Vespasiano para construir várias obras públicas em Roma.
A mais famosa, evidentemente, é o grandioso Anfiteatro Flávio, que ficaria popularmente conhecido como o “Coliseu” (Colosseum), pelo fato de ficar ao lado da enorme estátua dourada do imperador Nero, que era chamada de “Colossus” (Colosso). A espetacular arena começou a ser construída sobre o terreno onde ficava a enorme “Domus Aurea“, o espetacular palácio de Nero, que serviu como fundação para uma parte da construção. Politicamente, isso foi um gesto muito hábil, pois devolvia ao povo da cidade uma área que Nero havia tornado privada.
A construção do Coliseu foi iniciada por volta de 72 D.C., mas somente seria concluída em 80 D.C., já sob o reinado de Tito, que o inaugurou. A sua capacidade é estimada entre 55 mil e 80 mil espectadores. Milhares de cativos judeus, entre os 100 mil capturados e trazidos para Roma, trabalharam como escravos na construção do edifício.
Um ano antes do Coliseu, e também com os recursos provenientes do Saque de Jerusalém, Vespasiano construiu o chamado Templo da Paz, que ficava próximo ao Fórum de Augusto. No Templo da Paz ficavam em exibição os tesouros mais relevantes saqueados do Templo de Jerusalém, como por exemplo o célebre candelabro de 7 braços (Menorah), de ouro puro. O templo era circundado por um grande pórtico que circundava uma área aberta com jardins e fileiras de espelhos d’água retangulares. Parece que a sua função era funcionar como uma área para passear, entre as estreitas e congestionadas ruas que ligavam os apinhados fóruns.
(Foto superior; Maquete do Templo da Paz, de E. Gismondi, no Museu da Civilização Romana; foto inferior: Relevo no Arco de Tito, retratando a chegada em Roma dos despojos do Saque de Jerusalém)
Uma orientação pouco abordada nos livros sobre o seu reinado é a clara política adotada por Vespasiano de racionalização militar e ordenamento das fronteiras do Império Romano:
A importante fronteira com a Germânia Magna, seguia o curso do rio Reno e prosseguia pelo curso do rio Danúbio, formando uma perigosa reentrância ou saliência, como se fosse uma cunha encravada e que facilitava o deslocamento das tribos. Essa área, com tamanho comparável ao da atual Suíça, era conhecida como os “Agri Decumates” (campos que pagam o dízimo). Vespasiano ordenou a ocupação da região, que foi anexada ao Império Romano, e a construção de uma cadeia de fortes para defendê-la.
Na Britânia, o rei Venutius, da tribo celta dos Brigantes, que habitava o norte da atual Inglaterra, aproveitando a convulsão do Império Romano durante o “Ano dos Quatro Imperadores“, iniciou uma rebelião e depôs a sua ex-esposa, e rainha dos Brigantes, Cartimandua, que era aliada dos romanos.
Em 71 D.C., Vespasiano designou o general Quinto Petílio Cereal como novo governador da Britânia, e ele começou o processo de conquista dos Brigantes. Em 74 D.C., Cereal foi substituído por Sextus Julius Frontinus, que subjugou a tribo dos Silures, no sudeste do atual País de Gales. Em 77 D.C., o novo governador, Gnaeus Julius Agricola assumiu e, no ano seguinte, iniciou uma campanha que levaria as legiões romanas até a Caledônia, estabelecendo alguns fortes no Firth of Tay (firth é uma palavra inglesa que denomina estuários escavados que adentram profundamente uma massa de terra), em 79 D.C. que era uma fronteira mais facilmente defensável. Essa campanha comandada por Agricola prosseguiu até 84 D.C., bem depois da morte de Vespasiano, mas o plano geral parece ter sido delineado durante o reinado dele.
Outra importante medida de Vespasiano no campo militar, certamente influenciada pelas já mencionadas rebeliões na Germânia e na Gália, foi a exigência de que os contingentes de tropas auxiliares recrutadas entre os povos estrangeiros não podiam servir na região de origem, devendo serem deslocadas para outros pontos do Império.
Os historiadores preservaram muitos relatos de episódios nos quais Vespasiano demonstrou tolerância com opositores e respeito à posições divergentes dos senadores, mas em pelo menos duas oportunidades, os atritos acabaram degenerando em punições: o primeiro caso foi o do senador Helvídio Prisco, um empedernido republicano que era hostil a Vespasiano, foi exilado, por volta de 75 D.C., e, posteriormente, assassinado, apesar de Vespasiano negar ter ordenado a execução dele. Posteriormente, no final do seu reinado, por volta de 78 D.C., o senador Éprio Marcelo e o general Aulus Caecina Alienus conspiraram contra o principado, aparentemente para evitar que Vespasiano fosse sucedido por Tito, e foram julgados culpados pelo Senado, sendo que o primeiro suicidou-se e o segundo foi executado por Tito.
Vespasiano tinha um grande senso de humor e as suas deliciosas tiradas ficaram célebres:
Ao filho Tito, que lhe repreendera por instituir um tributo sobre as latrinas públicas nas cidades (elas lucravam com a venda de urina para ser usada como alvejante nas lavanderias), algo que estaria abaixo da dignidade do Estado Romano, Vespasiano, então, deu a Tito uma moeda e mandou que o herdeiro a cheirasse e disse o que sentia: “Não cheira” (em latim, “non olet“), respondeu o filho, ao que Vespasiano lhe respondeu que aquela moeda era fruto do imposto questionado. Graças a esse episódio, o princípio tributário que prevê que qualquer tipo de renda, inclusive as oriundas de atos ilícitos, podem ser tributadas pelo Estado foi batizado de “non olet“). Aliás, a criação deste imposto mostraria-se tão marcante que, até hoje, Vespasiano, em italiano, quer dizer “penico” ou “urinol”.
Ao receber uma carta do rei dos Partos, dirigindo-se ao imperador romano dessa forma: “De Vologeso, Rei dos Reis, a Vespasiano“, que foi considerada por todos como uma afronta passível de retaliação. Vespasiano, todavia, achando graça no título grandiloquente do estrangeiro, ao responder a carta, simplesmente endereçou-a assim: “De Vespasiano a Vologeso, Rei dos Reis“.
VII – Morte de Vespasiano
Enquanto estava na Campânia, Vespasiano contraiu uma doença cujo sintoma principal era diarreia. Ele teve que voltar para Roma, mas logo partiu para a estação de águas minerais de Aquae Cutiliae, onde passaria o verão, como era de seu costume, e que ficava em antigo território sabino, na sua região natal de Reate. Lá ele ainda tentou por algum tempo cumprir as obrigações do cargo de imperador, recebendo até embaixadas enquanto estava acamado, mas a crise de diarreia piorou.
Contudo, nem no leito de morte, o humor de Vespasiano se abateu. Quando ele sentiu que as suas forças se esvaíam, ele, fazendo graça com o costume romano de divinizar os imperadores que morriam , disse:
“Oh, penso que agora estou me tornando um Deus!”
No dia 24 de junho de 79 D.C., sentindo que o fim estava realmente próximo, Vespasiano, com muito esforço tentou levantar-se, dizendo:
“Um imperador deve morrer de pé!”
E, assim, acabou falecendo nos braços dos que estavam ao seu redor, tentando ajudá-lo.
(Ruínas da piscina dos Banhos de Vespasiano, 13 km de Rieti, antiga Reate)
VII- Conclusão
Vespasiano foi um governante consciencioso, justo e diligente. As suas numerosas boas medidas poderiam ser condensadas sob o lema “restauração do Império Romano às linhas traçadas por Augusto”. Podemos dizer, assim, que ele consolidou o Principado, cujo prestígio, bem como a confiança (ou, ainda, adesão) da elite naquele sistema de governo, estavam abalados pelos desmandos havidos no final dos reinados de Tibério, Calígula e Nero, pela extinção da dinastia fundadora (Júlio-Cláudios) e pela guerra civil travada durante o “Ano dos Quatro Imperadores“. A economia, sobretudo as finanças públicas, e as fronteiras foram organizadas com coerência e afinco. Por outro lado, ele conseguiu evitar as vicissitudes e ambiguidades que Augusto experimentou quanto à questão da sucessão, que ficou firmemente estabelecida pelo princípio dinástico, nas mãos de seus filhos, Tito, e, depois, Domiciano.
No dia 19 de agosto de 14 D.C , faleceu, em Nola, no sul da Itália, o primeiro imperador de Roma, Augusto, com a avançada idade de 75 anos.
1- Antecedentes Familiares, infância e adolescência
Nascido em 23 de setembro de 63 A.C, em Roma, com o nome de Gaius Otavius (Caio Otávio), em uma pequena propriedade no bairro do Palatino, chamada de “Cabeça de Boi”, ainda em tenra idade ele recebeu o cognome Thurinus, pelo fato de seu pai (que também se chamava Caio Otávio) ter sufocado uma rebelião de escravos na cidade de Thurii, na região da atual Calábria, em antes de ir assumir o posto de Procônsul da Macedônia, em 60 A.C. Nesta província, as fontes relatam que Otávio pai mostrou-se um administrador justo e capaz, tendo, ainda, obtido uma vitória militar contra a tribo dos Bessi, na Trácia, pela qual foi aclamado “Imperator” (Comandante vitorioso) pelas tropas.
O pai de Caio Otávio Turino (que por enquanto iremos chamar de Otávio) era um “novus homo” (homem novo), isto é, alguém que chegou ao Senado Romano sem ter nenhum ancestral que o tivesse feito, o que significava não pertencer a uma família ilustre. A família dos Otávios (em latim, “Octavius“, inicialmente um prenome, significando que alguém era o oitavo filho nascido de um casal) era originária da cidade de Velitrae (atual Velletri), a cerca de 40 km a sudoeste de Roma, que fazia parte do território dos Volscos, um povo itálico que por volta de 338 A.C foi incorporado pelos Romanos. O primeiro Otávio a ser mencionado na História de Roma foi o questor Gnaeus Octavius Rufus, que ocupou o cargo por volta de 230 A.C. Ele teve dois filhos, sendo que a descendência do primeiro chegou a exercer cargos importantes. Augusto e seu pai, entretanto, descendiam do segundo filho de Octavius Rufus.
Uma inscrição no Fórum de Augusto sumariza a carreira de Caio Otávio (pai):
“Gaius Octavius, filho, neto e bisneto de Gaius, pai de Augusto, duas vezes tribuno militar, questor, edil da plebe junto com Gaius Toranius, juiz, pretor, procônsul, aclamado imperador na Província da Macedônia”
Já a mãe de Otávio, AtiaBalba, era filha de Marcus Atius Balbus (Balbo), primo do grande general e poderoso político Pompeu, o Grande, e provavelmente graças a esse parentesco, o pai dela foi apontado para o cargo de Pretor, em 62 A.C. Apesar disso, o próprio Pompeu, segundo Cícero, considerava Balbo um homem de pouca importância.
Mais importante, a mãe de Atia era filha de Júlia, a irmã mais nova de Caio Júlio César, político que começava a se tornar uma figura muito influente na política romana.
A carreira do seu pai, somado ao fato deles residirem no bairro do Palatino, um lugar habitado pela elite, ainda que tendo nascido em uma casa não muito grande, demonstra que a família de Otávio gozava de boa situação financeira.
Contudo, Atia ficou viúva do pai de Otávio quando este tinha somente 4 anos, em 59 A.C. O seu novo marido, Lucius Marcius Phillipus já tinha três filhos e, naquele momento, ele estava mais preocupado em se eleger Cônsul apoiado pela facção política dos Optimates, defensores dos privilégios da aristocracia senatorial contra a facção dos Populares, da qual a família dela fazia parte.
Por isso, o menino Otávio foi viver com sua avó Júlia, a irmã de César, que ficou responsável por sua criação até a morte dela, em 51 A.C, após o que ele voltou a morar com sua mãe e padrasto, período em que César concluía a sua brilhante campanha de conquista da Gália e dividia a supremacia política da República com Pompeu, o Grande.
Otaviano menino ([[File:Young Octavian by Edmonia Lewis.jpg|Young_Octavian_by_Edmonia_Lewis]]
Uma grande prova disso foi o fato de que Otávio, com apenas doze anos de idade, ter sido escalado para fazer a oração-fúnebre no velório de sua avó, que era uma cerimônia pública de grande importância para as famílias influentes da nobreza romana, muito embora o chefe do clã fosse César.
Certamente, essa proximidade que Otávio experimentou com a família do seu poderoso tio-avô, Júlio César, fez com que este notasse as qualidades do jovem sobrinho-neto.
Com efeito, após derrotar Pompeu e assumir o título de Ditador, César deu várias demonstrações de estima e consideração por Otávio, e, nos estágios finais da Guerra Civil contra o Senado e os remanescentes dos apoiadores de Pompeu, na Espanha, Otávio esteve com o tio-avô na campanha, apesar de vários episódios de problemas de saúde, algo que se repetiria ao longo de sua longa vida.
Antes disso, porém, com o falecimento da avó, Otávio voltou a morar com a sua mãe, que se esmerou em lhe fornecer a melhor educação possível para um jovem aristocrata.Desse modo, Otávio recebeu aulas de leitura, escrita, aritmética e de língua grega, sendo ensinado pelo escravo grego chamadoSphaerus, a quem mais tarde ele libertaria e concederia um funeral público, após a morte do tutor. Já adolescente, Otávio teria aulas de Filosofia com os filósofos Areios de Alexandria e Atenodoro de Tarso, de Retórica em Latim com Marcus Epidius, e de Retórica em Grego com Apolodoro de Pérgamo.
Em 48 A.C, formalmente Otávio deixou a infância e ingressou na idade adulta, conforme o costume romano, ao receber a “Toga Virilis“. Nesse período, seu tio-avô Júlio César já havia assumido o poder supremo em Roma, ocupando o cargo de Ditador, muito embora ainda houvesse resistência localizada da oposição no Senado e dos apoiadores de Pompeu. Assim, em mais uma demonstração das intenções de César em promover seu sobrinho-neto, em 47 A.C, Otávio foi eleito para o Colégio de Pontífices, corpo encarregado de celebrar os mais importantes ritos religiosos públicos e destinado aos membros das mais ilustres famílias romanas.
Seguiram-se novas honrarias concedidas por César a Otávio: ele acompanhou o tio-avô no Triunfo celebrado em honra da vitória na Campanha da África, e, em 44 A.C, após ser aclamado Ditador Perpétuo, César nomeou Otávio como Marechal da Cavalaria (Magister Equitum), significando que ele era agora um de seus principais auxiliares.
2- Herdeiro de César
Quando César foi assassinado nos Idos de Março de 44 A.C, Otávio estava estudando e recebendo treinamento militar em Apolônia, na Ilíria, a fim de participar da campanha que César planejava mover contra o Império Parta.
Quando a notícia da morte de César chegou a Apolônia, Otávio decidiu partir para Roma, apesar da oposição de sua mãe e de seu padrasto, tendo sido aconselhado e apoiado nesta decisão por seu amigo de infância, Marco Vipsânio Agripa, que lhe era muito devotado pelo fato de Otávio ter intercedido junto ao tio-avô para que este perdoasse o irmão de Agripa, que havia lutado contra César na Batalha de Tapsos (46 A.C.), na qual ele havia caído prisioneiro.
Ao desembarcar na Itália, Otávio tomou conhecimento de que ele havia sido adotado e nomeado herdeiro de César no recém-aberto testamento do Ditador, que havia sido depositado por este na Casa das Virgens Vestais em 13 de setembro de 45 A.C. Com isso, Otávio passou legalmente a se chamar Caio Júlio César, sendo que a maior parte dos historiadores, seguindo as convenções romanas para os nomes de pessoas adotadas, a partir de então passam a se referir a Otávio como “Caio Júlio César Otaviano”, ou, simplesmente, Otaviano, algo que também faremos a partir daqui, muito embora ele mesmo jamais tenha utilizado esse nome.
Contra o conselho expresso de seu padrasto, Otaviano aceitou os termos do Testamento de César em 8 de maio de 44 A.C, tornando-se formalmente herdeiro do Ditador e, por via de consequência, não só detentor do que era, então, a maior fortuna do Mundo Romano, mas também de um imenso capital político (vale observar que, segundo Cícero, Lucius Marcius Phillipus recusava-se a chamar o enteado pelo nome “César”).
Cabeça de Otaviano, ostentando barba em sinal de luto pela morte de César. Foto; [[File:Head thought to be of Octavian wearing a beard as a sign of mourning after the assassination of Julius Caesar, now said to be of Gaius Caesar, grand-son of Augustus, Musée de l’Arles antique (15158287595).jpg
Entretanto, após o assassinato de César, inicialmente, e por um período muito breve, o poder ficou nas mãos dos assassinos de César, liderados por Marco Júnio Bruto e Caio Cássio Longino, que em um primeiro momento se compuseram com Marco Antônio, o braço-direito de César. Porém, a indignação popular contra os assassinos obrigou os a fugir de Roma.
Vale citar que os senadores conservadores, que dominavam o Senado, temiam e detestavam Antônio, que comandava a maior parte do exército de César.
Porém, com a chegada de Otaviano a Itália e a publicidade acerca dos termos do testamento do Ditador, milhares de veteranos das legiões de César foram ao encontro dele para oferecer sua lealdade ao seu jovem herdeiro.
Os senadores, liderados pelo prestigiadoMarco TúlioCícero, pensando que poderiam controlar o jovem e inexperiente Otaviano, de apenas 19 anos, e usá-lo para enfraquecer Antônio, rapidamente reconheceram a sua posição e providenciaram fundos para pagar as suas tropas.
Marco Túlio Cícero
Com esse propósito, Cícero passou a elogiar Otaviano publicamente, parecendo mesmo acreditar que o rapaz se guiaria pelos princípios republicanos caros aos Optimates.
Marco Júnio Bruto não concordou com a aproximação de Cícero e Otaviano, e enviou ao primeiro uma carta, censurando-o por escolher um “tirano gentil” (Otaviano) a um “tirano inimigo” (Antônio).
O propósito de Cícero era enviar Otaviano contra Antônio, que sitiava Décimo Júnio Bruto, um dos conspiradores dos Idos de Março e nomeado governador da Gália, na cidade de Mutina (atual Módena). Assim, Cícero manobrou para que Otaviano fosse elevado ao cargo de Senador, apesar dele estar bem abaixo da idade requerida, e reconhecido oficialmente comandante (Imperator) das suas tropas, legalizando-as como um exército da República.
A chegada do exército de Otaviano, juntamente com as tropas senatoriais lideradas pelos cônsules Hírtio e Pansa, obrigou Antônio a se retirar para a Gália, após combates desfavoráveis nas batalhas de Fórum Gallorum (14 de abril de 43 A.C) e Mutina (21 de abril de 43 A.C), nas quais os dois cônsules morreram. Em consequência, Otaviano assumiu o comando das tropas deles, tornando-se o chefe militar mais poderoso da península italiana naquele momento, controlando oito legiões.
Em seguida, algumas fontes (Apiano e Plutarco) mencionam que Otaviano teria feito uma proposta a Cícero para que este convencesse o Senado a indicá-los para os cargos de Cônsules, em substituição aos falecidos Hírtio e Pansa, instigando assim, astuciosamente, a conhecida vaidade do velho senador, que, animado com a possibilidade de exercer novamente o Consulado, deu andamento à proposta.
As evidências nos mostram que nessa aliança entre Cícero e Otaviano, ambos, a velha raposa política e o jovem herdeiro, estavam tentando aproveitar-se um do outro. Assim, Cícero via Otaviano meramente como um instrumento descartável para neutralizar Antônio. E Otaviano percebeu isso, mas também considerava útil ter o apoio de um dos senadores mais ilustres, o que lhe conferia mais legitimidade.
Com efeito, os dois certamente sabiam que se tratava de uma aliança precária e ao sabor das circunstâncias…Em uma carta de Décimo Bruto a Cícero, que sobreviveu, o primeiro assim escreveu ao grande senador:
“Minha afeição e dever para convosco compelem-me a sentir por vós o que eu nunca senti para comigo: medo. Refiro-me a um boato que eu ouvi várias vezes (e dele nunca fiz pouco caso), a última vez por Labeo Segullis, que me disse que esteve com Otávio, e que eles conversaram bastante sobre você. Otávio mesmo, não reclamou de nada quanto a você, a não ser acerca de uma frase que ele falou que você teria pronunciado, especificamente:“laudandum adolescentem, ornandum, tollendum”. A força nessa sentença é encontrada na última palavra, que tem um duplo sentido, assim a frase pode significar: “o jovem deve ser louvado, homenageado e exaltado”, ou, “o jovem deve ser louvado, homenageado e removido”. Otávio então disse que não daria nenhuma oportunidade para a sua remoção”. (Ad Fam, XI, 21)
Assim, em julho de 43 A.C., Otaviano enviou uma delegação de centuriões ao Senado demandando o cargo de Cônsul. Porém, o Senado respondeu com questionamentos acerca da pouca idade de Otaviano para o cargo. Ele então decidiu marchar em direção a Roma com suas oito legiões, sem encontrar oposição. Segundo Apiano, Cícero ainda conseguiu um encontro com Otaviano, onde enfatizou suas ações no Senado em apoio da candidatura dele, porém o rapaz apenas respondeu com ironia.
Cícero ainda convocou uma sessão noturna no Senado após circular um boato de que duas legiões de Otaviano tinham desertado e se unido à causa senatorial, mas quando a notícia foi desmentida, ele fugiu.
Como resultado, em 19 de agosto de 43 A.C., Otaviano foi eleito Cônsul, tendo apenas 19 anos de idade.
Ainda no mês de julho, Cícero tinha escrito uma carta a Bruto, tentando explicar os fatos e demonstrando a sua impotência diante deles :
“Otávio, que até então vinha sendo governado pelos meus conselhos e mostrou a mais excelente disposição e uma firmeza admirável, foi pressionado por certas pessoas, mediante cartas das mais perversas e falsos relatos e mensagens, a uma expectativa absolutamente segura do Consulado. Tão logo eu soube disso, eu não cessei de adverti-lo, por cartas, quando não estava presente, e de acusar, na presença dos seus amigos, que parecem apoiar as reivindicações dele, nem hesitei em expor no Senado a fonte desses miseráveis desígnios. E eu não lembro de um assunto no qual o Senado tenha demonstrado um melhor espírito. Porque, anteriormente, nunca aconteceu, quando se tratasse do caso de conferir uma honraria extraordinária a um homem poderoso, ou melhor, a um homem todo-poderoso (visto que o poder agora reside na força e nas armas), que ninguém, seja Tribuno da Plebe, ou outro magistrado, ou mesmo um particular, erguesse a voz em favor disso. Ainda assim, no meio dessa firmeza e virtude, a Cidade está em um estado de angústia. Nós viramos joguete dos caprichos dos soldados e da insolência do general. Cada um demanda tanto poder na República quanto a força que ele tem para extorqui-lo. Razão, moderação, lei, costume, dever, não valem nada, e nem a consideração pela opinião pública ou a vergonha da posteridade têm qualquer serventia. Foi por ter previsto tudo isso muito tempo atrás que eu fugi da Itália, quando a notícia da vossa proclamação me chamou de volta”.
3– O Segundo Triunvirato
O fato da disputa entre Otaviano e Antônio não ser bem vista pelos soldados deles, quase todos veteranos de César, bem como a percepção de ambos de que o Senado, na primeira oportunidade, tentaria se livrar de todos, revogar as leis instituídas por César e restaurar a República e os privilégios senatoriais, para o “status quo ante” à Ditadura de César, tudo isso levou Otaviano, Marco Antônio e Marco Emílio Lépido, um importante aliado de César a encontraram-se nos arredores de Bononia (atual Bolonha) e formarem o chamado Segundo Triunvirato, em outubro de 43 A.C., ou, como eles mesmos batizaram: “Triúnviros com Poderes Consulares para Confirmar a República“, tendo o arranjo sido oficializado em 27 de novembro de 43 A.C.
Roman male portrait bust, so-called Marcus Antonius. Fine-grained yellowish marble. Flavian age (6996 A.D.). Rome, Vatican Museums, Chiaramonti Museum.
Nessa reunião, os Triúnviros dividiram entre si as províncias romanas e, emulando Sila, decidiram fazer uma lista de proscrições abrangendo mais de 200 cidadãos (Apiano fala em cerca de 300 senadores e 2 mil equestres), sujeitos à serem executados e terem suas propriedades confiscadas (afinal, os cofres do tesouro estavam vazios). Porém, antes de publicar os decretos, eles resolveram enviar logo os executores para assassinarem doze ou dezessete (os números variam) desafetos, entre os quais estava Cícero.
De acordo com Plutarco, Antônio queria que o nome de Cícero fosse o primeiro da lista de proscritos, mas Otaviano teria sido contra a execução dele, e resistiu em dar a sua concordância durante dois dias, até que, no terceiro, ele acabou cedendo à vontade do colega. O Cônsul Quintus Pedius acabou, inadvertidamente, publicando a lista dos dezessete no dia seguinte. Cícero tentou fugir, mas foi apanhado e decapitado. A cabeça dele foi enviada para Antônio, em Roma, que a fez pendurar na tribuna chamada “Rostra”, em pleno Fórum Romano.
Enquanto isso, Bruto e Cássio, que haviam fugido para a Grécia, obtiveram apoio das lideranças simpáticas aos senadores e antigos apoiadores de Pompeu e reuniram lá um grande exército.
4- A Batalha de Fílipos
Então, Otaviano e Marco Antônio, no comando de 28 legiões, rumaram para a Grécia, derrotando os exércitos de Bruto e Cássio na Batalha de Fílipos, entre 3 e 23 de outubro de 42 A.C, levando os dois conspiradores a cometeram suicídio. Otaviano teve mais um dos seus muitos episódios de mal-estar durante a campanha, motivo pelo qual foi Antônio que participou e liderou os combates mais significativos. Por este motivo, mais tarde, Antônio reiteradamente atribuiria a Otaviano o rótulo de covarde.
Como já mencionado, os Triúnviros haviam feito uma divisão das províncias romanas entre si: Otaviano ficou a África, a Sardenha e a Sicília, Antônio com as Gálias Cisalpina e Transalpina, e Lépido com a Hispania e a Gália Narbonense. As outras províncias continuaram nominalmente com o Senado ou eram controladas pelos adversários do Triunvirato.
Entretanto, após a Batalha de Fílipos, houve um rearranjo: Antônio passaria a controlar a Grécia e as províncias do Oriente, e tomou as Gálias Narbonense e Transalpina de Lépido, que teve que entregar a Hispania e a Gália Cisalpina a Otaviano. A Itália, embora não fizesse parte da divisão, na prática seria administrada por Otaviano. Na ocasião, longe de representar uma vantagem, esse controle apresentava-se mais como um fardo, pois a Otaviano caberia a espinhosa tarefa de assentar os veteranos de César em terras escassas na península e de assegurar o suprimento de trigo para a população de Roma.
Para assentar os veteranos, Otaviano teve que confiscar terras de vários municípios italianos, o que levou a uma grande insatisfação na península, a qual foi explorada por Lúcio Antônio, irmão de Marco Antônio, e Fúlvia, a diligente e combativa esposa deste triúnviro.
Um dos motivos que teriam incentivado Fúlvia a agir foi o fato de Otaviano haver se divorciado da filha dela, Cláudia. Assim, aproveitando-se da crise gerada pelos confiscos de terras, os dois reuniram um exército de oito legiões para combater Otaviano, mas foram derrotados na chamada Guerra de Perusia, iniciada no inverno de 41 A.C , e que culminou no cerco à cidade de Perúgia, em 40 A.C. Ambos foram poupados por Otaviano, como gesto de boa vontade, e Fúlvia, que aparentemente agira sem o consentimento do marido, foi exilada por ordem de Antônio. Fúlvia acabaria morrendo no mesmo ano de 40 A.C, o que acabou sendo providencial para possibilitar uma reconciliação entre Otaviano e Marco Antônio.
Porém, com exceção do irmão e da esposa de Antônio, os demais apoiadores do partido de Antônio na Guerra Perusina seriam alvo de implacável punição por Otaviano e cerca de 300 senadores e equestres foram executados.
Antônio, quando estourou a Guerra de Perusia, estava envolvido amorosamente com a rainha do Egito, Cleópatra, que já estava grávida dos gêmeos Alexandre Helios e Cleópatra Selene, que nasceriam no mesmo ano de 40 A.C., quando ele estava se preparando para lançar uma grande invasão ao Império Parta.
Busto de Cleópatra
Porém, sentindo sua posição na Itália enfraquecida com o desfecho da Guerra de Perusia, Antônio partiu para a Itália para combater Otaviano, sitiando a cidade de Brindisi (Brundisium).
5- O Tratado de Brundisium
Mais uma vez contudo, falou mais alto a camaradagem dos soldados e oficiais que tinham servido com Júlio César, que integravam os exércitos dos dois Triúnviros, os quais se recusaram a lutar contra seus velhos camaradas. Assim, Otaviano e Antônio foram obrigados a celebrar um novo acordo, instituído pelo Tratado de Brundisium, renovando o Triunvirato e consagrando a divisão do Mundo Romano: Desse modo, Marco Antônio ficou com as províncias do Oriente, Otaviano com as do Ocidente, restando apenas a África para Lépido. Como símbolo da renovada aliança, Marco Antônio casou-se com Otávia, a Jovem, que apesar do nome, era a irmã mais velha de Otaviano.
Otaviano tentara atrair Sexto Pompeu para o seu lado durante o conflito contra Fúlvia e Lúcio Antônio. Muito provavelmente tentando cimentar essa aliança, Otaviano casou-se com Escribônia, que, acredita-se, era cunhada de Sexto. Esta união, que seria breve, deu a Otaviano aquela que seria sua única filha e descendente em 1º grau, Júlia, cognominada “Maioris” (isto é, a “Velha”). Aliás, no dia em que Júlia nasceu, 30 de outubro de 39 A.C, Otaviano divorciou-se de Escribônia.
O principal motivo do divórcio foi que, naquele momento, Otaviano estava apaixonado pela jovem Lívia Drusila, esposa de Tibério Cláudio Nero, de quem ela já tinha tido um filho (a quem foi dado o mesmo nome do pai), e grávida do segundo, Druso. Vale mencionar que Tibério Cláudio Nero era primo de Lívia, e, apesar de ter feito parte do governo de Júlio César, depois da morte do Ditador, ele passou a apoiar os seus assassinos, e, após a derrota deles, tomou partido de Marco Antônio. Em 17 de janeiro de 38 A.C, Otaviano e Lívia se casaram, três dias após ela dar à luz ao seu segundo filho do primeiro casamento e duas semanas antes dela completar 21 anos e tendo ele, apesar do imenso poder, ainda apenas 24.
Estátua de Lívia
Enquanto isso, Otaviano e Marco Antônio consentiram que Sexto Pompeu controlasse a Sicília, a Sardenha e a Córsega. O interesse de Otaviano era garantir os suprimentos de trigo para a Itália, ameaçados pelos bloqueios navais realizados pela frota de Sexto. E Antônio precisava de reforços que Otaviano se comprometera enviar para a sua campanha contra o Império Parta no Oriente.
Porém, quando Otaviano divorciou-se de Escribônia, o insatisfeito Sexto voltou a atacar os navios que levavam grãos para Roma.
A lei senatorial previa que o mandato de cinco anos de Triunvirato expiraria em 31 de dezembro de 38 A.C. Então, Otaviano, com a intervenção de Otávia, sua irmã e esposa de Antônio, que viajou junto com o marido para a Itália, concordaram em impor a renovação da aliança até 33 A.C., estipulando, ainda que Antônio forneceria 120 navios para a campanha contra Sexto Pompeu, comprometendo-se em troca a fornecer 20 mil soldados a Antônio. Porém, Otaviano somente enviaria a Antônio um décimo das tropas prometidas, fato que azedaria novamente a relação entre os dois Triúnviros. Todavia, com o auxílio dos navios fornecidos, Otaviano conseguiu recuperar a Córsega e a Sardenha.
Na campanha contra Sexto Pompeu, Otaviano também recebeu o apoio de Lépido e a sua frota, comandada pelo seu fiel amigo Marcos Agripa, que se revelou ser um talentoso almirante, conseguiu destruir a frota inimiga, em 3 de setembro de 36 A.C. Derrotado, Sexto Pompeu fugiu para a cidade grega de Mileto, onde, no ano seguinte, ele seria executado por Antônio.
Em seguida, Lépido tentou ocupar a Sicília, reivindicando a ilha para si, porém, o seu exército desertou para Otaviano. Sem alternativas, a sorte de Lépido repousava nas mãos de Otaviano, que, apesar de destitui-lo do posto de Triúnviro, resolveu mostrar clemência e indicou-o para o cargo de Sumo Pontífice (Pontifex Maximus).
Enquanto isso, no Oriente, a campanha de Marco Antônio contra os Partas enfrentava dificuldades. Isso levou Antônio a ficar cada vez mais dependente de Cleópatra, não só materialmente, como emocionalmente. Assim, a rainha egípcia, cada vez mais, passou a influenciar as decisões do amante, e a união entre os dois era publicamente exibida, para a humilhação de sua esposa legítima, Otávia.
Busto de Otávia. Foto: G.dallorto, Attribution, via Wikimedia Commons
Em Antioquia, onde Antônio se estabelecera para coordenar as operações, ele recebeu a visita de Cleópatra, que obteve dele importantes concessões: O Egito receberia todo o território da Fenícia, exceto Tiro e Sidon, e a cidade de Ptolemais Akko, fundada pelo seu antepassado Ptolomeu II. Cleópatra também recebeu a região da Síria-Coele, uma parte do reino dos Nabateus (parte da atual Jordânia), a cidade de Cyrene, na atual Líbia e duas cidades na ilha de Creta. Em troca, Cleópatra financiaria à campanha de Antônio na Pártia, além de fornecer a ele boa parte do exército egípcio. Isso possibilitou que Antônio armasse o que talvez fosse o maior exército jamais reunido pelos romanos, que alguns estimaram, provavelmente com algum exagero, em 200 mil homens.
Fazer tantas concessões à Cleópatra, sendo cristalino que elas seriam repudiadas pela opinião pública romana, foi uma aposta muito arriscada de Antônio, e uma oportunidade para propaganda negativa que não seria ignorada pelos partidários de Otaviano.
Cleópatra chegou a acompanhar Antônio no início da campanha, que começou pela invasão da Armênia, em 36 A.C., mas voltou para Alexandria, já que agora ela estava grávida do seu terceiro filho com Antônio, que nasceu entre agosto e setembro de 36 A.C. O menino recebeu o nome de Ptolomeu Philadelphus.
Todavia, a campanha contra os Partas foi praticamente um desastre e Antônio, regressando cabisbaixo, teve que afogar as suas mágoas com Cleópatra, em Alexandria.
Aproveitando a oportunidade, Otaviano enviou Otávia de volta para o marido, em Atenas (onde ficava a residência oficial do casal), levando os dois mil soldados que haviam sido prometidos, mas nunca enviados. Ocorre que Antônio, embora tenha aceitado o contingente, não só continuou em Alexandria com Cleópatra, como proibiu que Otávia deixasse Atenas para vir ao seu encontro.
Na prática, isso foi visto publicamente como se Antônio estivesse repudiando a nobre romana Otávia, sua esposa legítima, em favor de sua amante egípcia, e a comoção no seio da opinião pública romana só aumentou quando Otávia recusou o convite do irmão para abrigar-se na casa dele, continuando a residir na residência de Antônio, em Roma, ainda por cima continuando a cuidar não só dos filhos do casal, como também dos filhos que Antônio teve com a falecida Fúlvia, no que pode ter sido um gesto politicamente calculado com o irmão para estimular a compaixão do povo romano por ela e antipatizar Antônio.
6- As Doações da Alexandriae o rompimento com Antônio
Mas foi o próprio Antônio, estimulado por Cleópatra, quem daria o maior golpe na própria reputação, dando a Otaviano um trunfo gigantesco na disputa entre ambos pelo poder supremo:
Com efeito, no outono de 34 A.C., retornando de uma, enfim, moderadamente bem sucedida campanha na Armênia, Antônio e Cleópatra organizaram em Alexandria uma parada triunfal, sendo que Antônio conduzia o carro vestido de deus Dionísio-Osíris, e na qual a família real armênia foi exibida pelas ruas da cidade e conduzida até dois tronos dourados, um para Antônio, outro para Cleópatra.
Chegando ao palanque, Antônio proclamou solenemente ao povo reunido no Gymnasium, que Cleópatra, que na ocasião estava vestida como a deusa Ísis, era a “Rainha dos Reis” e “Rainha do Egito, Chipre, Líbia e Sìria-Coele“, junto com seu filho, Caesarion, o “Rei dos Reis“. Alexandre Helios foi nomeado “Rei da Armênia, da Média e da Pártia“. Já Ptolomeu Philadelphus foi designado “Rei da Cilícia e da Síria”, e Cleópatra Selene, por sua vez, a “Rainha de Creta e de Cyrene“. Na cerimônia, Antônio também fez questão de proclamar que Cleópatra tinha sido esposa de Júlio César, e que o filho que eles tiveram, Caesarion, era o filho legítimo de César. O episódio ficou conhecido como “As Doações de Alexandria“.
O prazo renovado do Segundo Triunvirato expirou em 31 de dezembro de 33 A.C, e os episódios recentes deixavam claro que nenhuma das partes teria interesse em uma nova prorrogação. Otaviano e Antônio, então, começaram uma guerra aberta de propaganda, cada um expondo episódios de má conduta, traições, ultrajes, etc., contra o outro, pois já anteviam o conflito que estava por vir e, por antecipação, ambos queriam justificar perante a opinião pública o motivo da iminente guerra civil, colocando a culpa pelo início da mesma no adversário.
E não causou espécie a ninguém que o motivo mais grave alegado por Otaviano tenha sido o fato de Antônio ter reconhecido oficialmente Caesarion como o filho legítimo e herdeiro de Júlio César…
Acredita-se que essa cabeça, encontrada submersa na Baía de Alexandria, retrate Cesárion, filho de Júlio César e Cleópatra
Mas o fato é que, naquele momento, Antônio ainda tinha muitos simpatizantes em Roma, inclusive no Senado. De acordo com o historiador romano Dião Cássio, em 1º de janeiro de 32 A.C., primeiro dia de sessão do Senado no ano, por exemplo, o cônsul e aliado de Antônio, Gaius Sosius, proferiu um discurso atacando violentamente Otaviano, e propondo a aprovação de uma legislação contrária aos interesses deste.
Otaviano resolveu, então, abandonar os escrúpulos de legalidade e, na sessão seguinte do Senado, no outro dia, compareceu à Cúria acompanhado de sua guarda pessoal e de vários correligionários armados com adagas escondidas sob as togas. Considerando que Otaviano controlava as legiões da Itália, bem como as do Ocidente em geral, nos dias seguintes, os cônsules Gaius Sosius e Domitius Ahenobarbus, intimidados, abandonaram Roma e partiram para se unir a Antônio, na Grécia, sendo acompanhados por mais de duzentos senadores que também apoiavam Antônio.
Já preparando-se para a guerra iminente, Cleópatra providenciou duzentos navios de guerra para a frota de oitocentas naves que Antônio estava reunindo, além de, naturalmente, muito dinheiro para o esforço bélico. Em seguida, o casal reuniu-se em Éfeso para organizar a campanha contra Otaviano.
De acordo com o historiador Plutarco, os aristocratas Titius e Lucius Munatius Plancus conheciam os termos do testamento de Antônio, que, conforme o costume, havia sido depositado lacrado em poder das Virgens Vestais, e contaram tudo para Otaviano. Ciente, assim, dos termos da última vontade do rival, Otaviano, ilegalmente, conseguiu se apossar do documento, que foi aberto e lido por ele em uma sessão do Senado. Entre suas cláusulas, segundo consta, havia a recomendação de Antônio para que , caso morresse no decorrer da guerra, o seu corpo fosse entregue à Cleópatra, para ser sepultado em Alexandria. Essa disposição muito convenientemente ia de encontro ao boato que os partidários de Otaviano andavam espalhando por Roma: a de que Antônio, caso vencedor, pretendia transformar Alexandria na capital do “Imperium” romano!
Engenhosamente, o Senado Romano, agora controlado por Otaviano, não declarou guerra a Antônio, apesar dele ser o alvo principal da medida. Preocupados com a opinião pública, e com a posteridade, os senadores formalmente votaram pela declaração de guerra contra Cleópatra, a rainha do Egito, e, dessa forma, todos os tradicionais ritos previstos para uma guerra contra inimigos estrangeiros puderam ser celebrados. Além disso, tal circunstância impedia que os senadores partidários de Antônio fossem considerados desertores ou criminosos, deixando uma porta aberta para o seu retorno e perdão. Não obstante, foi decretada expressamente a retirada de todos os poderes de Triúnviro que Antônio ainda detinha.
Se ainda havia alguma dúvida de que o rompimento era definitivo, ainda em 32 A.C, Antônio divorciou-se de Otávia. A partir daquele momento, Cleópatra não precisaria mais temer a rival e, aparentemente, a opinião dela prevaleceria em todos os aspectos, incluindo a estratégia que seria adotada para a guerra…
Embora o exército de Antônio fosse, nominalmente, maior que o de Otaviano (100 mil x 80 mil), ele e Cleópatra optaram por uma estratégia na qual a guerra seria decidida em um confronto naval, já que a frota deles era não apenas mais numerosa, mas também era composta por navios maiores. Acredita-se que, neste particular, teria prevalecido a opinião de Cleópatra, que, secretamente, tencionaria que a frota romana, pertencente a ambos os adversários fosse destruída ou ficasse bem enfraquecida, fato que beneficiaria o Egito em caso de uma futura tentativa de invasão de Roma.
7- Começa a Guerra Civil
Mas quem tomaria a iniciativa seria Otaviano. Ele zarpou para a Grécia e se dirigiu para Actium, cidade localizada na entrada do Golfo Ambraciano, onde Antônio e Cleópatra tinham estabelecido o seu quartel-general das operações e reunido sua imensa frota. Enquanto isso, seu almirante, o fiel Marcus Vipsanius Agrippa (Agripa), tomou Corcyra e lá instalou uma base para as operações contra Antônio.
Por sua vez, Otaviano desembarcou suas tropas no lado oposto do Golfo Ambraciano e enviou emissários aos comandantes de Antônio propondo uma negociação, proposta esta que foi recusada. Porém, nas escaramuças que se seguiram com as tropas de Antônio, estacionadas ao longo de Actium, as forças de Otaviano levaram a melhor. Começaram, então, a pipocar deserções entre os aliados de Antônio, que incluíam quase todos os reinos-clientes de Roma no Oriente, além de amigos romanos de longa data, como Quintus Dellius, que fugiu e foi se juntar a Otaviano, fornecendo a este informações valiosas sobra o estado da frota e os preparativos de Antônio.
De acordo com o relato de Cássio Dião, nessa fase da campanha, Cleópatra fez prevalecer a opinião dela de que as posições mais defensáveis deveriam ser ocupadas por guarnições militares, mas que ela e Antônio, juntamente com o grosso das tropas, deveriam rumar para o Egito. Assim, parece realmente que o que importava mesmo para a rainha era a defesa do Egito e, para Antônio, que ele pudesse continuar contando com o suporte financeiro e militar de Cleópatra, dinheiro que, cada vez mais, aparentava ser o elemento crucial para a coesão do seu exército.
Tendo em vista que o número de marinheiros era insuficiente para tripular adequadamente todos os navios da sua frota, Antônio ordenou que aqueles em mau estado fossem queimados, mantendo apenas os melhores. Ele e Cleópatra também ordenaram que, secretamente, todo o tesouro fosse embarcado neles.
8- A Batalha de Actium
No dia 02 de setembro de 31 A.C, Antônio ordenou que os navios zarpassem e se colocassem de costas para o promontório de Actium, ao pé do qual suas sete legiões estavam acampadas, e de onde podiam assistir às manobras. Sua frota agora era composta de 230 grandes galeras.
Comandada por Agripa, a frota de Otaviano tinha 250 quinquerremes, navios menores, porém mais rápidos e manobráveis do que os da frota de Antônio. Graças às informações fornecidas por Quintus Dellius, entretanto, Otaviano e Agripa tinham ciência dos planos de Antônio, e estavam preparados, esperando a frota inimiga.
Ao meio-dia, Antônio deu ordem de avançar. A ala esquerda da sua frota deu a impressão de querer empurrar à ala direita da esquadra de Otaviano para o norte e abrir um caminho em direção ao sul (bombordo), que poderia levar ao Egito, porém, Otaviano, parecendo estar ciente desse propósito, mandou os navios manterem distância, atraindo mais o inimigo para o alto-mar.
Quando ambas as frotas ficaram mais próximas, começaram os disparos de artilharia e flechas. Agripa ordenou que os navios de sua segunda linha se estendessem mais para o norte e para o sul, visando cercar o inimigo em menor número, sendo que Antônio, ao perceber isso, tirou navios do seu centro e esticou a sua linha, deixando no centro os navios mais pesados, que estavam resistindo bem e se dirigindo à direita (estibordo) e ao norte para combater o esquadrão comandado por Agripa. Isso acabou abrindo espaços no centro da sua formação.
Relevo retratando a Batalha de Actium
Foi então que, em um movimento inesperado, os navios que estavam com Cleópatra, aproveitando um buraco no centro da linha da frota comandada por Antônio, e o súbito vento que soprava favoravelmente, ultrapassaram as suas linhas à toda velocidade, e, deixando para trás o resto da frota, rumaram no que parecia ser a direção do Egito, levando consigo todo o tesouro.
O fato é que Antônio, quando viu os navios de Cleópatra se afastando, resolveu ele também fugir, embarcando em outro navio mais veloz e deixando para trás o restante da frota, que ficou lutando acéfala, exceto por cerca de 60 navios egípcios que conseguiram acompanhar a fuga deles. Mesmo assim, os combates duraram até a madrugada do dia seguinte, porém, no final, toda a frota remanescente de Antônio acabou sendo destruída por Otaviano.
Embora, mesmo com a derrota naval na Batalha de Actium, Antônio e Cleópatra ainda comandassem, ao menos no papel, um numeroso exército, o fato é que o custo moral da derrota foi muito alto.
Assim, Cleópatra e Antônio e seus navios remanescentes navegaram até o Peloponeso, conseguindo se evadir à breve perseguição dos navios de Otaviano, e rumaram em direção à África.
Antônio foi para a Líbia, pensando em trazer as legiões que ele tinha deixado ali para a defesa da fronteira ocidental do Egito, enquanto Cleópatra voltou para Alexandria. Porém, o governador de Cyrene e comandante daquelas legiões, Lucius Pinarius Scarpus, que era primo de Otaviano, recusou-se a entregá-las a Antônio. Ao perceber que tudo estava desmoronando, Plutarco conta que Antônio chegou a tentar o suicídio, mas foi impedido pelos seus amigos. Ele então partiu para o Egito, para reencontrar Cleópatra.
Em julho de 30 A.C, Otaviano sitiou Alexandria. Embora tenha havido resistência, as forças dele eram numericamente superiores e mais motivadas. Antônio chegou até a vencer uma escaramuça, no meio da qual desafiou Otaviano para um combate pessoal, a fim de resolver a disputa poupando baixas de ambos, mas este negou-se, limitando-se a responder que:
“Há muitas maneiras pelas quais Antonio pode morrer”
Em 1º de agosto de 30 A.C, retornando para Alexandria, Antônio, acreditando que Cleópatra tinha morrido, matou-se com a própria espada. A rainha, que estava escondida em seu mausoléu, foi capturada e levada para prisão domiciliar em seu próprio palácio.
Otaviano, agora senhor do mundo romano, planejava levar Cleópatra para Roma e exibir a rainha egípcia em seu triunfo, porém, ela conseguiu enganá-lo e cometeu suicídio, alegadamente deixando-se picar por uma serpente.
Restava somenbte Caesarion, que havia fugido para o sul do Egito com a finalidade de embarcar em direção à Ìndia. Ele, oficialmente, após a morte da mãe, agora era o último faraó do Egito. Consta que Otaviano, indeciso sobre o que fazer com o rapaz, recebeu o seguinte conselho do filósofo Areius:
“Boa coisa não é que haja muitos Césares…”
Então, um destacamento de soldados de Otaviano conseguiu interceptar a caravana de Caesarion e ele foi executado.
9- Senhor de Roma
Após vários anos de duas grandes guerras civis, no período do Primeiro e do Segundo Triunviratos, o povo romano, exausto e sequioso de paz e ordem, aguardava ansiosamente qual seria o próximo passo de Otaviano…
Com a morte de Antônio e Cleópatra, não mais existiam na orla do Mundo Mediterrâneo, terras não controladas por Roma (a não ser por pequenos bolsões interiores, ainda não completamente dominados), e, no Estado Romano, ninguém que pudesse contestar a autoridade suprema de Otaviano, então na flor de seus 34 anos.
A primeira medida de Otaviano, como detentor de fato, ainda que não de direito, do poder absoluto em Roma e nas terras por ela controladas, foi tornar o Egito uma província romana, porém sujeita diretamente à sua pessoa, não sendo admitida qualquer participação do Senado em sua administração e até mesmo a presença de qualquer senador em seus limites, sem expressa autorização dele.
Quando a notícia da vitória completa de Otaviano alcançou Roma, o Senado decretou que ele detivesse as prerrogativas de imunidade dos Tribunos de forma perpétua (o que era importante, pois os Tribunos eram invioláveis não podendo ser alvo de qualquer constrição, processo ou violência). E muitas outras honras inauditas foram votadas e conferidas a Otaviano, antes mesmo dele por os pés novamente na Cidade.
Ao chegar na capital, Otaviano recusou algumas homenagens e privilégios mais extravagantes, mas fez questão de que seus maiores auxiliares, incluindo Agripa, fossem devidamente condecorados. Na Procissão Triunfal das inúmeras vitórias obtidas durante a Guerra Civil e contra povos estrangeiros, foram exibidos os despojos e prisioneiros capturados, destacando-se os filhos de Cleópatra e Antônio, além de uma pintura de Cleópatra (leia nosso artigo sobre esse quadro).
Em 29 A.C., Otaviano e Agripa foram eleitos cônsules, o que legalmente lhes dava o exercício do que poderíamos chamar de poder executivo em Roma.
Percebe-se que, desde que voltou vitorioso e assumiu as rédeas do Estado Romano, Otaviano mostrou-se consciente de que era necessário evitar, ou, quando isto não fosse possível, ao menos mascarar, as práticas e comportamentos que acarretaram o assassinato de seu tio-avô Júlio César, acusado de tentar se tornar Rei de Roma.
Neste propósito, ele contou com o aconselhamento de seus inseparáveis amigos Agripa e Caio Mecenas.
Assim, Otaviano deveria ser visto aos olhos do público como o salvador da República; nunca como um Rei, mas sim como um líder que divinamente nasceu para manter a paz, a ordem e as tradições republicanas, as quais, sem a sua presença, continuariam ameaçadas por novas guerras civis e pela anarquia. Desse modo, as prerrogativas dos Senadores seriam respeitadas, graças à sua proteção, assim como cabia a ele assegurar os direitos da plebe. Todas as formalidades, assembleias e cargos republicanos seriam nominalmente mantidos, mas o seu funcionamento e efetividade, na prática dependeriam da vontade de Otaviano.
Busto de Marco Vipsânio Agripa, fiel colaborador de Augusto
Seguindo essa política, em 28 A.C, Otaviano revogou todos os decretos e leis excepcionais ou de emergência editados durante a Guerra Civil e declarou que estava devolvendo todos os poderes ao Senado, incluindo o comando das várias dezenas de legiões que ele controlava.
Provavelmente, poucos senadores ficaram convencidos da sinceridade do gesto, mas outros tantos, certamente, temiam, com razão, que, sem a autoridade de um líder inconteste como Otaviano, era grande a probabilidade de que as guerras intestinas pelo poder voltassem a assolar o Estado Romano.
Ocorre que, efetivamente, Otaviano, naquele momento, era provavelmente o homem mais rico do planeta, e ele controlava recursos descomunais comparáveis ao do próprio Estado Romano. E comandava uma imensa massa de militares que, naquele momento, estava ligada por laços de lealdade e devoção à causa de César e do herdeiro deste, Otaviano. Esses veteranos precisavam ser desmobilizados, assentados e assegurada a sua subsistência, e com boa dose de certeza, isso não seria possível sem a intervenção de Otaviano.
10 – Início do Principado e o Primeiro Pacto
Este foi o quadro em que se deu o chamado “Primeiro Pacto” entre Otaviano e o Senado Romano: Ante o clamor dos senadores para que ele continuasse à frente do Estado, Otaviano “aceitou” que ele ficaria no controle das províncias onde estavam estacionadas a maior parte das legiões romanas, não por mera coincidência, aquelas mais estratégicas, pelo prazo de dez anos, enquanto que as outras seriam administradas pelo Senado. Criou-se ainda, já que qualquer insinuação de monarquia era inaceitável, um novo título para espelhar a posição de Otaviano na República – ele seria o “Princeps” (o primeiro de todos), um título derivado de uma prerrogativa senatorial conferida ao senador mais antigo de ser o primeiro a falar (Princeps Senatum).
O título foi conferido pelo Senado em 16 de janeiro de 27 A.C., sendo que na mesma sessão, lhe foi conferido o cognome de “Augustus” (significando o “Venerável” ou o “Reverenciado“), após anteriormente vários outros nomes terem sido considerados (e certamente avaliados por Otaviano). Este nome tinha conotações religiosas e visava conferir a Otaviano uma aura sagrada, valendo citar que ele já se apresentava como “Filho do Divino Júlio“, por causa da deificação de Júlio César, tornado divino logo após o seu assassinato. A partir daí, os historiadores passam a se referir a Otaviano como Augusto, e é assim que faremos também.
Seguindo a convenção de conhecimento geral, a partir de 27 A.C, termina o período da República Romana, nascendo o Império Romano.
Observe-se que “Imperium Romanum” significava, originalmente, as terras sobre as quais Roma exercia domínio, mas “Imperium” também significa o comando e a autoridade militar conferidos a um general sobre suas tropas. De acordo com o costume, quando vitorioso, o general era aclamado “Imperator“. Vimos que a primeira providência de Augusto foi continuar tendo o “Imperium” sobre suas legiões – afinal, desde o início do século I A.C, esta vinha sendo a verdadeira fonte de poder dos governantes romanos – Assim, o título de “Imperator” seria, desde o início, adotado por todos os imperadores romanos a partir de Augusto.
Segundo Antônio dissera certa vez, “Otavio deve tudo ao nome“. Embora tenha sido um comentário feito com intenção depreciativa, o fato é que não fosse a conexão familiar dele com Júlio César, o homem que antes dele chegara ao poder supremo ilimitado temporalmente, abrindo as portas para o processo de mudança de regime, certamente Augusto não teria chegado onde chegou, não obstante ele tenha demonstrado, ainda muito jovem, notável determinação, coragem, talento e inteligência para se tornar o primeiro imperador romano e inaugurar uma forma de governo que duraria, praticamente inalterada, até 284 D.C, e que pode ser considerar, ainda, que, com muitas modificações, sobreviveria, sem quebra de continuidade, até a Queda de Constantinopla, em 1453.
Por isso, ao titulo de “Imperator“, em pouco tempo seriam adicionados, na forma de títulos, os nomes de “Caesar” e “Augustus“. Em pouco tempo, inúmeros imperadores romanos subsequentes ostentariam nas inscrições e moedas o título de “Imperator Caesar Augustus“.
Mantendo a fachada de retorno à ordem institucional republicana, Augusto assumiu o cargo de Censor, junto com Agripa, o que lhe permitiu escolher novos senadores, excluindo outros para compor aquela Assembleia, que se encontrava bastante desfalcada em função das mortes ocorridas durante a Guerra Civil.
Agripa também foi nomeado “Curador das Águas” e, nesta capacidade, ele reformou o aqueduto Acqua Marcia. Como Edil, ele também limpou e expandiu a rede de esgoto Cloaca Maxima, além de ter construído Termas e muitos templos. Efetivamente, Agripa foi o principal responsável pelo que Augusto, mais tarde, deixaria expresso em seu testamento público como sendo um de seus maiores legados:
“Encontrei uma cidade feita de tijolos e deixei uma feita de mármore”.
Entre os monumentos mais conhecidos que Augusto ergueu em Roma está o Fórum que leva o seu nome, sendo este o segundo Fórum planejado construído em Roma, após o Fórum de César. Neste Fórum, inaugurado em 2 A.C, Augusto cumpriu a promessa que havia feito de construir um templo em honra ao deus Marte, caso ele vencesse a Batalha de Fílipos, ocorrida quarenta anos antes da inauguração. Assim, foi erguido o Templo de Marte Vingador (Mars Ultor), sendo esta denominação devida ao fato de que o deus teria intervindo para vingar a morte de Júlio César, ajudando Augusto a vencer os assassinos dele. O templo foi construído em uma área que pertencia ao próprio Augusto, e o projeto teve que ser alterado porque Augusto se recusou a desapropriar ou confiscar as residências particulares contíguas para que o espaço contemplasse a concepção original do complexo.
Também digno de nota é o Teatro de Marcelo, inaugurado em 12 A.C, que recebeu esse nome em memória do falecido sobrinho de Augusto, sobre o qual falaremos em breve. Com capacidade para 17 mil espectadores, foi o maior teatro já construído na cidade de Roma e suas ruínas, que foram parcialmente transformadas em residências, ainda podem ser aprecidas.
Outra obra importante, não pela grandiosidade, mas pelo significado político, histórico e artístico, foi a Ara Pacis (Altar da Pax), erguida no Campo de Marte para celebrar aquela que Augusto considerava como uma de suas maiores realizações: A Paz Romana (Pax Romana), ou Paz Augusta (Pax Augusta), que consistia no fim das guerras civis e conquista ou pacificação das nações vizinhas circundantes, garantindo a existência de fronteiras estáveis. A Ara Pacis foi dedicada em 9 de janeiro de 9 A.C e ela é importante também como monumento artístico, graças à excelência de suas proporções e qualidade dos relevos, os quais ilustram uma procissão religiosa com retratos de vários membros da família imperial dos Júlios-Cláudios
Porém, em 23 A.C, Augusto ficou muito doente a ponto de considerar seriamente que não iria sobreviver. Fazia dez anos sucessivos que ele vinha ocupando o cargo de Cônsul, algo que causava desagrado aos senadores tradicionalistas, uma vez que durante a República este era o cargo mais alto que podia ser alcançado por um cidadão, e que conferia grande prestígio às famílias aristocráticas, que o vinham ocupando desde o início da República, em 509 A.C, com raríssimas exceções.
Até aquele momento, não havia nenhuma norma estabelecida acerca da sucessão de Augusto como Princeps e nem mesmo se esta posição seria exclusiva dele, cessando com sua morte, ou se o regime continuaria. E neste caso, também não se sabia quem seria o escolhido para ser o novo imperador.
O colaborador mais próximo e amigo mais íntimo do imperador, Marco Vipsânio Agripa, certamente poderia contar com o apoio do Exército, que tantas vezes ele havia comandado com brilhantismo durante a Guerra Civil. No entanto, sua família pertencia à classe equestre, o segundo escalão da nobreza romana, e sua aceitação pelos integrantes da aristocracia senatorial provavelmente seria problemática, embora ele, naquele momento, fosse casado com a sobrinha de Augusto, Cláudia Marcela. O herdeiro mais provável parecia ser Marco Cláudio Marcelo, que além de ser sobrinho de Augusto, e seu parente do sexo masculino mais próximo, era casado com Júlia, a única filha de Augusto. No entanto, Marcelo somente tinha 19 anos e não possuía real experiência política e militar.
Segundo as fontes, no auge da doença, Augusto entregou o anel contendo o seu selo para Agripa, o que muitos entenderam como sendo a escolha dele como sucessor. Entretanto, Augusto também convocou seu colega de consulado, Calpúrnio Pisão, conhecido por ser um adepto das tradições republicanas, e entregou-lhe as contas das finanças do Estado, bem como todos os documentos oficiais que estavam em seu poder, além da lista das legiões existentes, no que pode ter parecido um gesto de que ele tencionava restaurar a República, ou ao menos, manter a divisão de poderes entre o futuro príncipe e o Senado como ele havia deixado.
Porém, de fato, pode ser que a intenção de Augusto fosse a de que Agripa, que sempre havia se provado o seu amigo e ajudante mais fiel entre todos, administrasse o Estado até que Marcelo estivesse preparado. Essa é a hipótese que me parece mais provável.
No entanto, Augusto, graças aos cuidados do médico Antônio Musa, acabou se recuperando. Em seguida, o imperador começou a dar demonstrações de preferência por Marcelo, conferindo-lhe honras e financiando um grande espetáculo que o sobrinho ofereceu em Roma. Ocorre que o episódio do anel gerou uma certa animosidade de Marcelo em relação a Agripa. Assim, para afastar quaisquer dúvidas, o sempre obediente e dedicado Agripa foi enviado em uma missão no Oriente.
Porém, naquele mesmo ano, Marcelo contraiu uma febre, possivelmente a mesma enfermidade que havia atacado Augusto, sendo igualmente tratado por Musa, mas desta vez sem sucesso. Então, Marcelo morreu aos 19 anos de idade e foi muito pranteado pelo tio, recebendo várias homenagens fúnebres.
Apesar de ser de conhecimento do público que uma peste grassava em Roma no ano da doença de Augusto e da morte de Marcelo, muitos desconfiaram que o rapaz pudesse ter sido envenenado, e a principal suspeita recaiu sobre a imperatriz Lívia, que estaria interessada em assegurar que seu filho natural mais velho, Tibério, fosse o sucessor de Augusto. Embora provavelmente não tenha passado de um boato, essa suspeita seria reforçada no futuro por acontecimentos semelhantes…
Diante do estado de indefinição sobre quais seriam os limites do poder de Augusto, ou, melhor dizendo, quais os poderes e prerrogativas o Senado ainda poderia manter, os acontecimentos levaram Augusto e os senadores a colocarem em prática o que ficaria conhecido como o “Segundo Pacto“.
Tentando, sinceramente ou não, afastar as incertezas e os temores que as ações relativas à sua sucessão durante a sua grave enfermidade incutiram tanto em seu círculo, como no Senado e até na opinião pública, de que o Império se tornaria uma monarquia hereditária, Augusto decidiu renunciar ao Consulado. Isso visava contentar aos Senadores, que agora teriam duas vagas para disputar as muitas honrarias que o cargo proporcionava. Além disso, deixando de ser Cônsul, tecnicamente Augusto não teria mais ingerência, ao menos formalmente, sobre as chamadas Províncias Senatoriais, continuando apenas como Procônsul das chamadas Províncias Imperiais, administradas por seus Legados.
O Segundo Pacto, antes de significar que o Senado tencionasse disputar o poder com Augusto, era uma forma de solucionar impasses legais aptos a gerar confusões e perplexidades no governo do Império. Assim, o Senado votou que Augusto deteria um “Imperium Proconsularis Maius“, que lhe permitia, em caso de necessidade, intervir nas províncias senatoriais, mas que, de maneira inédita, aplicava-se também no interior da cidade de Roma.
Prosseguindo, o Senado também conferiu a Augusto o Poder Tribunício vitalício (mas não, por óbvio, o cargo de Tribuno, que era privativo de plebeus), permitindo-lhe apresentar ou vetar propostas de leis, incluindo, ainda, os poderes de Censor, muito importante porque permitia arrolar os cidadãos dentro dos diversos estratos da sociedade romana (o que importava em prerrogativas e privilégios para os escolhidos, como o de ocupar certos cargos e não ficar sujeito a penas infamantes), realizar Censos, além de fiscalizar os costumes públicos.
Foi no uso dessas capacidades que Augusto criou um corpo de “Vigiles” (bombeiros) para atuar na cidade de Roma, e também instituiu medidas conservadoras de costumes, como penas para adultério e a obrigação de todo cidadão usar a toga quando adentrasse o Fórum Romano. E também criar uma guarda imperial, que foi chamada de Guarda Pretoriana e era a única guarnição armada admitida no interior da Cidade de Roma.
Nota: originalmente, todos os comandantes militares romanos tinham uma guarda pretoriana, nome derivado do Pretorium, o quartel-general ocupado pelo comandante. Augusto manteve a sua guarda pretoriana quando voltou para Roma, e mais tarde, institucionalizou esse corpo militar, inclusive criando o cargo de Prefeito Pretoriano, que eram dois). Não obstante, a segurança dentro do palácio ficaria a cargo de um corpo de guarda-costas de origem germânica.
A plebe romana, que não confiava na aristocracia senatorial, ao saber que Augusto não mais concorreria ao Consulado, e ignorante das sutilezas do Segundo Pacto (que na realidade havia aumentado os poderes de Augusto), chegou a promover tumultos nas ruas, exigindo que ele concorresse às eleições para o cargo nos anos de 22, 21 e 19 A.C, e até que ele assumisse o posto de Ditador (que era uma magistratura excepcional temporária prevista nas normas constitucionais da República Romana). Augusto, cautelosamente, recusou. Mas quando, no primeiro ano citado, houve escassez de comida na Cidade, seguiram-se maiores tumultos, e o imperador foi obrigado a intervir com recursos próprios para assegurar o fornecimento de trigo. Isso o levaria, anos mais tarde, a instituir o cargo de Prefeito da Anona, que teria muita importância política na história imperial.
O aumento dos poderes do Príncipe não passou despercebido para os mais perspicazes senadores, e, em 22 A.C, foi denunciada a existência de uma conspiração em andamento para derrubar Augusto, liderada por um obscuro Fannius Caepio (provavelmente, as referências ao personagem foram restringidas pela reação imperial), com a participação de Lucius Murena, legado imperial na Síria. Os participantes, que haviam fugido, foram julgados sumariamente à revelia, e executados assim que foram capturados. Nesse julgamento, Tibério, o enteado de Augusto, funcionou como acusador público.
Em 19 A.C, a aparência de continuidade republicana tão ciosamente promovida por Augusto esvaneceu-se um ainda um pouco mais quando ele recebeu o “Império Consular“, permitindo-lhe exercer os poderes dos Cônsules Ordinários e utilizar seus ornamentos e símbolos, incluindo um séquito de litores carregando “fasces” (o feixe de varas que representava o poder de castigar que detinham os magistrados). Finalmente, em 12 A.C, Augusto recebeu o cargo de Sumo Pontífice, passando a ser o chefe dos cultos reconhecidos pelo Estado Romano e, finalmente, em 2 A.C, a ele foi conferido o título de “Pai da Pátria“. Podemos, assim considerar que estava concluída a transição da República para o Império.
Augusto e seus auxiliares mais próximos, sobretudo Gaius Mecenas, patrocinaram poetas, artistas e historiadores, como Virgílio e Tito Lívio, reunidos em um círculo, criando uma verdadeira ideologia e estética imperiais. O governo de Augusto foi apresentado como o ponto culminante de toda da História de Roma, desde a sua fundação, e as obras produzidas, como a Eneida, enfatizavam os costumes ancestrais, as virtudes romanas e sua relação com a Era de Augusto, em que o patriotismo, a paz e a concórdia eram estimulados e assegurados pelo imperador.
Por sua vez, a imperatriz Lívia passou a personificar a virtude das matronas romanas. Tida como casta e incorruptível, segundo divulgou-se, ela até chegava a fiar em seus aposentos as roupas que o marido usava. Porém, Lívia era muito mais do que apenas uma imperatriz-consorte, e por várias vezes constatou-se que ela tinha voz efetiva nos assuntos do governo e Augusto ouvia seus conselhos. Além disso, Lívia tinha o direito de ter seus próprios secretários e geria por conta própria o seu vasto patrimônio.
Como Censor, Augusto tentou reformar práticas considerados imorais da aristocracia romana, tomando medidas contra o adultério (embora ele mesmo fosse um rematado adúltero) e revigorar costumes tradicionais, como por exemplo ao proibir que pessoas entrassem no Fórum Romano sem estarem vestidas com a típica toga romana.
Passada a fase de alguma indefinição acerca de sua posição no Estado Romano, após os dois pactos estabelecendo a sua supremacia sobre qualquer outra instância de governo, Augusto sentiu-se à vontade para expandir e consolidar as fronteiras do Império Romano.
Dissemos nos capítulos anteriores que, ao final da Guerra contra Antônio e Cleópatra, Roma era a senhora da orla do Mediterrâneo, o que era verdade. Porém, no interior dos territórios controlados pelos Romanos, havia várias tribos e regiões ainda não submissas ao poder romano, acarretando, inclusive, alguma descontinuidade territorial entre algumas províncias. Vale citar que o próprio César, por exemplo, teve que negociar com chefes de tribos celtas que controlavam passagens nos Alpes para poder se movimentar da Gália para a Itália e vice-versa, mesmo após a conquista romana e a transformação da Gália em província.
Mesmo antes da completa estabilização política interna, Augusto já havia liderado, até ser obrigado a se afastar por uma enfermidade, uma campanha contra as tribos dos Cântabros, em 26 A.C, e, posteriormente, contra os Astures e os Galaicos, na Hispânia,. Essas campanhas foram concluídas com sucesso pelos governadores da Hispânia Citerior e Ulterior, em 19 A.C., assegurando o controle romano sobre o norte e o noroeste da Península Ibérica, incluindo ricas minas de ouro.
Em 25 A.C, o rei Aminthas, da Galácia, um reino-cliente de Roma, morreu e Augusto aproveitou o fato para anexar o reino.
Entre 16 A.C. e 7 A.C, as tribos que habitavam os Alpes foram conquistadas. Em comemoração, foi erguido o imponente monumento denominado “Troféu dos Alpes” (conhecido como La Turbie, na França), próximo ao atual Principado de Mônaco, cujas ruínas ainda existem, contendo a inscrição com o nome das 45 tribos subjugadas.
La Turbie, originalmente em forma de cilindro, ainda hoje é uma ruína impressionante. (Foto: Berthold Werner, CC BY-SA 3.0 http://creativecommons.org/licenses/by-sa/3.0/, via Wikimedia Commons)
Em 20 A.C, Augusto obteve, mediante diplomacia, a devolução dos estandartes militares romanos que os Partas haviam capturado em 53 A.C, após derrotarem e matar o Triúnviro Crasso (o colega de César e Pompeu no Primeiro Triunvirato). O acontecimento foi alvo de uma bem-sucedida campanha de propaganda para o público interno, apresentada como se o imperador parta, Fraates IV, tivesse se submetido a Augusto. Este até passou a usar uma elaborada couraça com relevos retratando a devolução dos estandartes, que pode ser apreciada na famosa estátua conhecida como “Augusto de Prima Porta“, atualmente nos Museus Vaticanos, em Roma.
A famosa estátua do Augusto de Prima Porta
Todas essas vitórias foram orgulhosamente relacionadas na Res Gestae Divi Augusti (Atos do Divino Augusto), um documento escrito pelo próprio Augusto, descrevendo todas as suas realizações civis e militares desde que iniciou sua vida pública, sobretudo após vencer a Guerra Civil e exercer o poder supremo em Roma (o texto encontra-se gravado nas paredes de um templo, em Ancyra (atual Ancara), na Turquia, e por isso é conhecido como Monumentum Ancyranum.
As paredes do Templo de Augusto e Roma, em Ancara, contendo as inscrições com o texto da Res Gestae Divi Augusti
Porém, Augusto, não é de surpreender, não contou as, diga-se de passagem, poucas derrotas que os romanos sofreram em seu longuíssimo reinado. Ele omitiu, particularmente, o famoso “Desastre de Varo”, na Germânia.
Hoje não há dúvidas, cotejando os relatos das fontes antigas com os achados arqueológicos, que Augusto pretendia transformar toda a Germânia (Germania Magna) em uma província romana. Seus generais, notadamente seus enteados Druso e Tibério, obtiveram muitas vitórias sobre as tribos germânicas e chegaram a alcançar o rio Elba , indo até mesmo além. Quartéis e até algumas cidades foram construídas a leste do rio Reno.
Porém, quando tudo parecia correr para que este projeto desse certo, o governador da Germânia, Públio Quintílio Varo, seria atraído para uma emboscada por seu auxiliar germânico, Arminius, e ele e três legiões romanas completas seriam massacrados na Batalha da Floresta de Teutoburgo, em 9 D.C. Os próprios romanos desmantelaram ao menos uma das cidades e os quartéis queimados pelos germanos. Segundo consta, após receber a notícia do desastre, Augusto passou vários dias lamentando-se, chegando a bater a cabeça na parede, enquanto dizia :
“Quintílio Varo, devolva minhas legiões!”.
Não obstante, Augusto fez importantes reformas militares e fixou o número de legiões, espalhadas predominantemente pelas fronteiras estratégicas, em 28, reduzindo assim a quantidade imensa de legiões criadas durante as Guerras Civis, que pesavam no orçamento público.
A carreira militar também foi incentivada com a criação de um fundo público para o pagamento de pensões, o Aerarium Militare, um passo importante para assegurar a existência de um exército permanente.
Até mesmo inovações tecnológicas no equipamento militar foram implantadas no governo de Augusto, como a adoção da lorica segmentata, a célebre armadura de placas articulares, tão famosa nos filmes de Hollywood.
Voltando às iniciativas no campo da administração civil, Augusto estabeleceu um sistema de tributação permanente e estável, para vigorar em todo o território controlado por Roma, mas ao mesmo tempo acabando com os confiscos e tributos extraordinários e irregulares que eram impostos frequentemente às províncias, e aproveitando para aliviar a taxação sobre os Italianos (O sistema, elaborado em bases mais racionais, também restringiu a atuação dos odiados publicanos, que eram particulares que recebiam comissões para cobrarem impostos, ficando com uma parte, o que passou a ser predominantemente feito por servidores públicos).
Aliás, foi Augusto quem primeiro estabeleceu a Itália como uma região político-administrativa, compreendendo a península italiana.
13- A procura de um herdeiro e os últimos anos
Mas o grande insucesso de Augusto foi mesmo não conseguir ser sucedido por um parente sanguíneo, legítimo integrante da gensJúlia.
O primeiro candidato a não vingar, como vimos, foi Marcelo. Augusto, então determinou que a viúva deste, a sua filha Júlia, se casasse com aquele que talvez fosse a pessoa em que ele mais confiava: Marcos Agripa, em 21 A.C. (que, após o falecimento de Marcelo, recebeu o império proconsular pelo prazo de cinco anos. O casamento dos dois seria prolífico, gerando três meninos e duas meninas: O primeiro, Caio César, nasceu em 20 A.C, sendo seguido por Júlia, a Jovem. Em 17 A.C. nasceria Lúcio César. Depois se seguiriam Agripina, a Velha, e Agripa, cognominado Póstumo (por ter nascido após o falecimento do pai).
Eu acredito, vale repetir, que Augusto nunca pretendeu de fato que Agripa fosse o seu sucessor permanente, confiando que o amigo cumpriria o planejado e abdicaria em favor de um dos filhos, quando eles se tornassem maiores de idade. Assim, Caio e Lúcio César foram adotados oficialmente por Augusto, tornando-se legalmente os seus herdeiros, em 17 A.C.Augusto providenciou para que os rapazes fossem nomeados cônsules para os anos de 1 D.C. e 4 D.C, apesar deles estarem bem abaixo da idade legal. Como já visto, Agripa faleceu em 12 A.C, pouco antes do nascimento de seu terceiro filho com Júlia, que seria chamado de Agripa Póstumo.
Contudo, Lúcio César faleceu em Marselha, enquanto se dirigia para completar seu treinamento militar na Hispânia, aparentemente de alguma enfermidade não identificada, em 20 de agosto de 2 D.C., quando tinha 18 anos de idade.
Cabeça de Lúcio César
Por sua vez, Caio César seria ferido em um cerco a uma fortaleza na Armênia, em 9 de setembro de 2 D.C. Segundo as fontes, o ferimento não teria sarado adequadamente, e Caio César acabaria falecendo em 21 de fevereiro de 4 D.C, aos vinte e três anos, em uma cidade da Lícia, na atual Turquia.
Autores antigos levantaram a suspeita de que a imperatriz Lívia estaria por trás da morte dos rapazes, de modo semelhante aos boatos que circularam no caso da morte de Marcelo, e pelo mesmo propósito: assegurar o trono para seu filho Tibério.
É muito difícil chegar a uma conclusão sobre essas suspeitas…Realmente, as mortes de três jovens bem nascidos e, aparentemente, sem problemas de saúde reportados previamente, parece improvável. Mas devemos lembrar que a mortalidade na Roma Antiga, assolada por epidemias e cuja medicina era mais rudimentar, era bem maior do que hoje.
Eu acho difícil que Lívia possa ter tido participação no episódio que resultou no ferimento de Caio César, ocorrida em uma ação militar em um território distante e fora da jurisdição de Roma. Entretanto, há um considerável intervalo de tempo de mais de um ano entre este episódio e a morte do rapaz, que ocorreu já em uma província romana oriental.
Note-se que Caio, que estava mais próximo na corrida pela sucessão, foi o segundo a morrer, em circunstâncias que não chegam a parecer tão suspeitas. Por outro lado, Lúcio, o mais novo, morreu mais perto de Roma, em Marselha, e em circunstâncias um tanto mais obscuras. Mas, para quem acredita que Lívia realmente encomendou a morte dos rapazes, não teria sido mais fácil matá-los enquanto ainda crianças? Afinal, a mortalidade infantil era algo corriqueiro na Roma Antiga. E o pai deles, Agripa, que poderia inspirar algum receio em Lívia, morreu em 12 A.C, quando o mais velho tinha 8 anos e o mais novo, 5. Faria mais sentido assassinar os dois antes que eles chegassem à idade adulta.
O fato é que a morte do sobrinho e dos dois netos deixou Augusto sem uma opção de herdeiro imediata. Isto em uma época em que ele estava entrando em uma idade avançada para os padrões romanos. Assim, ele foi obrigado a recorrer ao seu enteado Tibério.
Cabeça de Tibério
A posição de Tibério, a quem parece que Augusto nunca foi afeiçoado, já tinha melhorado na “corrida sucessória” com a morte de Agripa, uma vez que, no mesmo ano do falecimento deste, em 12 A.C., Augusto obrigou-o a divorciar-se de sua amada esposa, Vipsânia Agripina, filha de Agripa, e casar-se com sua filha Júlia, viúva do falecido, no que seria uma união notoriamente infeliz. Além disso, Tibério vinha se destacando como um excelente general, e sendo encarregado de importantes missões estatais, as quais cumpriu com eficiência.
Augusto, em 6 A.C, chegou a compartilhar o “Poder Tribunício” com Tibério. Surpreendentemente, contudo, neste mesmo ano, o enteado resolveu abandonar tudo e ir morar na ilha de Rodes, em verdadeiro autoexílio. Ninguém sabe ao certo quais foram os motivos de Tibério para sua partida, mas há várias hipóteses plausíveis.
Na minha opinião, há uma coincidência sintomática entre esta decisão e o fato de que, também no ano de 6 A.C., o Comício das Centúrias, certamente por sugestão de Augusto, tenha decidido eleger Caio e Lúcio César para os consulados do ano 1 e 4 D.C.:
Assim, o seu “autoexílio” seria um gesto de retaliação de Tibério contra o propósito de Augusto de avançar a carreira dos rapazes e prepará-los para serem os sucessores o mais rápido possível, retirando a perspectiva de que Tibério pudesse sucedê-lo, ou, no caso de que isto ocorresse, devido à morte de Augusto antes de que eles fossem Cônsules, de que o reinado dele fosse breve. Desse modo, Tibério, ao contrário de Agripa, teria querido deixar claro que ele não aceitava ser apenas um imperador “interino”. Muitos estudiosos defendem esta hipótese.
Mas há outros historiadores que acreditam que a causa principal do exílio de Tibério teriam sido os frequentes adultérios de Júlia em Roma, os quais maculavam a reputação do próprio Tibério enquanto marido traído. Foi em 2 A.C. que o comportamento escandaloso de Júlia chegou ao conhecimento de Augusto que, envergonhado pelo comportamento da filha, contrário às leis moralizantes instituídas por ele próprio, decidiu pelo divórcio de Tibério e Júlia.
Indo além, Augusto mandou exilar os amantes da filha e até mesmo obrigou alguns a cometerem suicídio. A própria Júlia também foi exilada para a remota ilha de Pandatária. A mágoa de Augusto foi tanta, que, em seu testamento, ele proibiu que ela, quando morresse, fosse sepultada no Mausoléu dele, em Roma, proibição que se estendia à sua neta Júlia, a Jovem, filha de Júlia, que também seria exilada em 8 D.C, igualmente sob a acusação de adultério. Dada a dimensão desse rancor, aventou-se a possibilidade de que Júlia também teria participado de uma conspiração contra Augusto, fato que, segundo uma fonte, ele mesmo teria comentado no Senado. Júlia morreria em 14 D.C, após a morte de Augusto, ainda no exílio, agora em Regium, segundo consta, de depressão ou até mesmo inanição deliberadamente provocada por ordem ou no interesse de Tibério, aos 52 anos de idade.
Seja como for, as fontes mencionam que o auto-exílio de Tibério deixou Augusto muito preocupado pelo fato de Caio e Lúcio César serem ainda meros adolescentes, o que colocaria em perigo a própria continuidade do Principado, caso Augusto morresse subitamente naquele momento, no qual, mais uma vez, ele lidava com um problema de saúde. Porém, como das outras vezes, Augusto se recuperou e, pelas aparências, não perdoou Tibério, que, reiteradamente, após passar alguns anos em Rodes, fazia pedidos de autorização para retornar para Roma, todos recusados pelo imperador. Certamente Augusto, com a chegada de Caio à idade adulta, não via mais utilidade no enteado. Somente em 2 D.C, Augusto consentiu com a volta de Tibério a Roma, porém, como mero particular, sem dar-lhe nenhum cargo ou função pública.
Tudo mudaria, porém, com a morte dos dois netos, Caio e Lúcio. Sem mais nenhuma opção viável para a sucessão, Augusto foi obrigado a adotar imediatamente Tibério como filho e herdeiro, conferindo-lhe, ainda, o Poder Tribunício e o Império Proconsular Maior.
Todavia, ainda assim, Augusto não abandonou completamente o desejo de que um dia alguém do seu sangue herdasse o Império: ao adotar Tibério, ele exigiu que este, por sua vez, adotasse o seu sobrinho-neto, Germânico, filho de Antônia, a Jovem, que era filha de sua irmã, Otávia. Além disso, juntamente com Tibério, Augusto adotou seu único neto vivo, Agripa Póstumo (que não havia sido adotado junto com os irmãos para que ele pudesse dar continuidade ao nome de seu pai, Marco Vipsânio Agripa).
Cabeça que se acredita ser de estátua de Agripa Póstumo
Por que, então, Augusto não adotou apenas Agripa Póstumo como herdeiro? Na verdade, este tinha 16 anos quando Augusto adotou-o junto com Tibério. Assim, se Augusto falecesse subitamente, era grande a chance de que Póstumo não tivesse apoio suficiente para ser imperador ou então fosse facilmente “bypassado” por outros. Consequentemente, naquele momento, o respeitado e experiente Tibério era a garantia de continuidade do principado.
Ademais, segundo várias fontes, Agripa Póstumo seria um rapaz brutal, estúpido, insolente e depravado, portanto, não deve ter demorado muito tempo para que o próprio Augusto tenha percebido que ele seria inapto para sucedê-lo.
Assim, em 7 D.C, Póstumo foi banido para Sorrento, e, posteriormente, para Planásia, outra remota ilha É bem provável que Lívia e o próprio Tibério tenham influído nesta decisão e o rapaz ficaria sob guarda armada na ilha, em exílio perpétuo. Especula-se que ele também possa ter se envolvido em alguma conspiração que ensejou esta medida. De fato, no ano seguinte, Júlia, a Jovem, irmã de Póstumo e neta de Augusto, seria exilada sob a alegação de ter cometido adultério, sendo que, segundo Suetônio, o marido dela, Lúcio Emílio Paulo, foi executado por ter conspirado contra Augusto, em data não apontada.
Suetônio também menciona que dois homens de baixa condição, Lucius Audasius, um estelionatário, eAsinius Epicadus, mestiço de origem ilíria, chegaram a planejar o resgate de Júlia e Póstumo e levá-los até um contingente de tropas, certamente com o propósito de derrubar Augusto, então existe alguma possibilidade de que ambos os irmãos tenham mesmo se envolvido em alguma conspiração.
14- Morte de Augusto e sucessão
Nesta época, Augusto se tornara septuagenário, uma idade avançada mesmo para romanos da classe alta. Pouco a pouco ele foi deixando os assuntos de Estado mais importantes a cargo de Tibério, embora, segundo as fontes, ele nunca tenha deixado de despachar e ler os documentos de governo.
Esta estátua de bronze, encontrada no Mar Egeu, hoje no Museu Arquológico Nacional de Atenas, é uma das poucas a retratar Augusto em idade madura e de forma não idealizada, sendo provavelmente uma de suas representações mais realistas. Foto George E. Koronaios, CC BY-SA 4.0 https://creativecommons.org/licenses/by-sa/4.0, via Wikimedia Commons
Em 13 D.C, foram dados a Tibério todos os poderes de Augusto, em pé de igualdade. Portanto, na prática, Tibério era, agora, co-imperador. Ele passara os dois últimos anos na Germânia, lidando com os problemas militares que sucederam o Desastre de Varo. Ao voltar para Roma, Tibério celebrou um Triunfo, a procissão da vitória que, no governo de Augusto, tinha se tornado exclusiva do Imperador.
Em meados de 14 D.C, a saúde de Augusto começou a piorar. Mesmo assim, ele resolveu fazer uma viagem para Nola, hospedando-se na mesma velha casa de verão da sua família. Ele estava chegando aos 75 anos. Apesar disso, em Nola, ele chegou a melhorar um pouco. Porém, em 19 de Agosto de 14 D.C, o vetusto imperador sentiu que iria morrer. Ele deitado no mesmo quarto em que o seu pai havia falecido. As suas últimas palavras para os que estavam em seu aposento foram:
“Eu interpretei bem o meu papel? Então, aplaudam enquanto eu me retiro”
Julgo que a frase é de extrema sutileza, pois Augusto de fato interpretou com maestria o personagem de “rei que não deveria ser e nem quer ser um rei”…
Novamente, alguns nutriram, mais uma vez, a suspeita de que Lívia teria envenenado o marido, mencionando até que ela teria utilizado figos envenenados. Entretanto, não há nenhuma evidência sólida de que isto teria acontecido. O fato de alguém muito doente melhorar um pouco antes da morte é algo bem corriqueiro e frequentemente observado.
Um dos motivos para a suspeita é que, durante o trajeto da viagem para Nola, algumas fontes aventaram o fato de que Augusto teria pego um barco até a ilha de Planásia e feito uma visita a Agripa Póstumo, com o suposto objetivo de reabilitar o neto. Porém, aberto o testamento de Augusto, não havia nenhuma menção ao rapaz (é bem verdade que não se pode excluir terminantemente a hipótese dele ter sido adulterado, a mando de Lívia ou de Tibério).
De qualquer forma, Póstumo foi executado no mesmo ano e aproximadamente na mesma época em que Augusto morreu, não se sabe ao certo se exatamente antes ou depois. Tácito conta que um centurião teria abordado Tibério após ele ser aclamado pelo Senado, e dito que “as ordens dele foram cumpridas“, mas Tibério negou que tivesse dado qualquer ordem, e que o centurião teria se referido a uma ordem dada por Augusto.
O corpo de Augusto foi levado para Roma, cremado e as cinzas depositadas no Mausoléu de Augusto, que foi recentemente reformado pela Prefeitura de Roma. Vários outros imperadores e membros da dinastia dos Júlios-Cláudios seriam sepultados ali.
Maquete reconstituindo o Mausoléu de Augusto, modelo da cidade de Roma por E. Gismondi. Foto Por Jean-Pierre Dalbéra from Paris, France – Maquette du mausolée d’Auguste (musée de la civilisation romaine, Rome), CC BY 2.0, https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=24668980
15- Características pessoais de Augusto
Segundo relatos das fontes e traços detectados nas estátuas sobreviventes, Augusto tinha uma bela aparência, possuindo cabelos castanhos claros, puxados um tanto para o louro e ligeiramente ondulados, e olhos azuis claros. A tez de sua pele ficava entre clara e morena, e ele tinha muitas pintas no corpo. Ele gostava de estar bem barbeado e penteado. Seus dentes eram separados, pequenos e mal cuidados. O imperador tinha 1,70m de altura, não sendo baixo para os padrões da época, mas gostava de usar calçados para aumentar a sua estatura.
Augusto gostava de morar na mesma casa que ele habitava no Palatino e dormiu no mesmo quarto por quarenta anos, uma casa que depois foi aumentada e anexada ao templo do deus Apolo, de quem ele era especial devoto. Ele tinha o costume de, mesmo depois, de adulto, usar de propósito algumas palavras com erros que ele cometia quando criança. Ele era moderado no comer e no beber, mas era muito friorento no Inverno, quando costumava vestir quatro túnicas, uma por cima da outra, para diminuir a sensação de frio, e calorento no verão, quando gostava de ser abanado e dormir de portas e janelas abertas. E também não gostava de pegar sol. Seu principal divertimento eram jogos de tabuleiro e especialmente os que envolviam apostas.
Augusto viveu a maior parte de sua vida junto à sua terceira esposa, Lívia, com quem ele casou aos 25 anos, tendo o casamento durado 51 anos. Durante a união, Lívia chegou a engravidar de Augusto e dar a luz a uma criança, que, no entanto, nasceu morta. Eles nunca conseguiram ter outro bebê. Muito provavelmente, Lívia, que já tinha tido dois filhos de seu casamento anterior, deve ter ficado estéril devido às complicações deste último parto.
Não obstante, embora isso fosse comum na sociedade romana, Augusto não se divorciou da esposa infértil e eles ficaram casados até morrer. Por tudo isso, acredito que havia amor genuíno entre o casal. Mas era público e notório que Augusto teve casos com várias mulheres durante o casamento, e Lívia deixou também publicamente transparecer que ela sabia das traições, mas preferia ignorá-las, como escreveu Cássio Dião:
“Certa vez, quando alguém a perguntou como, e de que forma ela tinha conseguido obter tamanha e decisiva influência sobre Augusto, ela respondeu que foi pelo fato de ser ela mesmo escrupulosamente casta, fazendo tudo que fosse motivo de agrado para ele; não se metendo em seus assuntos; e, particularmente, por não ouvir e não notar nada acerca das favoritas que foram objeto das paixões dele”.
16 – Legado
Durante a sua longuíssima carreira pública, iniciada aos 19 anos, já em uma posição de poder, Augusto adotaria vários comportamentos: Inicialmente mostrou-se implacável e até sanguinário, na luta contra seus adversários políticos, mas, após assumir o poder supremo, ele assumiu uma postura bem mais benevolente. As suas grandes virtudes foram a de conseguir inspirar lealdade e respeito, reunindo e mantendo um círculo de partidários leais e talentosos, e, em troca, ser leal e devotado aos seus amigos. Sem ser general e quase totalmente ignorante na arte da guerra, ele fez com que outros lutassem e vencessem por ele, dando-lhe alegremente as glórias.
Augusto soube avaliar os erros dos que os precederam e compreender que era necessário dar uma aparência republicana de legitimidade ao seu governo. Sobretudo, ele compreendeu que não era viável governar o Império Romano sem a classe senatorial, ao mesmo tempo que era necessário cultivar o apoio da plebe e, sobretudo, dos soldados.
O mero fato de Augusto governar o Império por mais de quarenta anos, sem conflitos internos, e apenas contendo os inimigos externos (com a exceção do Desastre de Varo) foi uma grande contribuição para a prosperidade e desenvolvimento econômicos do Mundo Romano.
Augusto estabeleceu um sistema de governo que durou, praticamente inalterado, até o reinado de Diocleciano, iniciado em 284 D.C. As fronteiras do Império e até mesmo o número de 28 legiões que ele julgou suficiente para defendê-las foram mantidas, mais ou menos inalterados, até o reinado de Constantino, e mesmo além. Seu único insucesso foi não ter conseguido implantar uma regra estável para a sucessão.
Em 9 de setembro de 214 D.C nasceu, em Sirmium, na província romana da Panônia, Lucius Domitius Aurelianus, o imperador romano Aureliano (OBS: algumas fontes também mencionam que ele teria nascido na província da Dacia Ripensis).
Aureliano era filho de um humilde colono romano, provavelmente um soldado veterano assentado nas terras de um certo senador de nome Aurelius, com cuja filha seu pai acabou casando-se, tendo ele nascido dessa união, recebendo, portanto, o seu sobrenome por parte da mãe. Esta é a versão da frequentemente fantasiosa História Augusta, que também menciona que a mãe dele seria sacerdotisa no templo do Deus-Sol.
Mas alguns historiadores acreditam que Aureliano era apenas o filho de um soldado ilírio que deve ter recebido a cidadania romana no reinado de Caracala, que a estendeu a todos os homens livres do Império, em 212 D.C. Em gratidão, sabe-se que boa parte deles adotou o sobrenome de “Aurelius”, em homenagem àquele imperador, cujo nome oficial era “Marcus Aurelius Antoninus”.
Busto do Imperador Caracala
Como tantos outros soldados de origem Ilíria durante o século III, Aureliano alistou-se no exército romano, seguindo a carreira do pai, e ele foi sendo promovido graças a seus méritos militares. A História Augusta conta que Aureliano tinha uma boa aparência, era alto e forte, e que ele costumava se exercitar com as armas, sendo muito hábil com a espada, mas muito severo em relação à disciplina dos seus comandados:
“(…) ele era um homem atraente, belo de se olhar devido a sua graça varonil, bem alto de estatura, e de musculatura muito forte; ele era um tanto dado ao vinho e a comida, porém ele raramente se entregava à suas paixões; ele era muito severo e aplicava uma disciplina que não tinha igual, estando extremamente pronto para desembainhar a sua espada. E de fato, como havia no Exército dois tribunos, ambos chamados Aureliano: ele e um outro, que posteriormente foi capturado junto com Valeriano, os soldados deram-lhe o apelido de “Espada â mão”, de modo que, se alguém perguntasse qual dos dois Aurelianos tinha feito algo ou praticado qualquer ação, a resposta seria “Aureliano Espada à Mão”, e aí saberiam que foi ele.”
História Augusta, Vida de Aureliano, 6
Há dúvida se esta cabeça de estátua de imperador retrata Aureliano ou Cláudio Gótico
Segundo a História Augusta, o desempenho de Aureliano chamou a atenção de um certo comandante (Dux) chamado Ulpius Crinitus, que o nomeou para comandar como Legado a III Legião. Comandando esta unidade, Aureliano derrotou uma força de Godos. Agradecido, Ulpius Crinitus adotou Aureliano como herdeiro, cerimônia da qual participou o próprio imperador Valeriano. É possível que a esposa de Aureliano, Úlpia Severina, fosse filha deste Úlpio Crinitus. Cumpre observar que a real existência de Ulpius Crinitus, que seria da família do imperador Trajano, não é inconteste.
Aureliano e Úlpia Severina tiveram uma filha, cujo nome não foi preservado.
Após a humilhante captura de Valeriano pelos persas, em 260 D.C, seu filho, Galieno, passou a reinar sozinho. Esta derrota para a Pérsia lançou o império romano no caos, e, naquele mesmo ano, visando proteger-se melhor das crescentes invasões germânicas, a Gália, juntamente com a Germânia e a Britânia, se separaram na prática do Império Romano, quando o legado imperial, o usurpador Póstumo, estabeleceu o que seria chamado de “Império Gaulês”.
Durante o reinado de Galieno, o sucesso de Aureliano fez com que ele fosse designado para integrar a cavalaria de elite que foi instituída por aquele Imperador (Comitatus), da qual ele acabou se tornando comandante. Esta força, baseada em Milão, atuava como o núcleo de um exército central móvel e, para alguns, representava uma transição de uma estratégia de defesa estática, adotada desde o principado de Augusto, para uma focada na defesa em profundidade.
2- Ascensão
No reinado de Cláudio II “Gótico“, sucessor de Galieno, assassinado em setembro de 268 D.C, ele também um ilírio nativo de Sirmium, Aureliano foi nomeado Comandante-em-chefe da Cavalaria do Exército Romano, e, liderando um grande ataque montado, ele participou decisivamente da grande vitória obtida pelo novo imperador contra os Godos, na Batalha de Naissus, em 268 ou 269 D.C. Observe-se que alguns historiadores acreditam que Aureliano pode ter participado da conspiração que resultou no assassinato de Galieno.
Em seguida, juntos, na Batalha do Lago Benacus (Lago de Garda), ocorrida provavelmente no início de 269 D.C., Cláudio Gótico e Aureliano derrotaram uma crítica invasão da Itália pelos Alamanos, que tinham se aproveitado da rebelião de Aureolus, um general que se rebelara contra Galieno, para invadir a Península.
Porém novamente os Godos, agora aliados com os Hérulos, Gépidas e Bastarnae, voltaram a atacar o Império nos Bálcãs e Aureliano teve participação vital em combater essa incursão com sua cavalaria dálmata. Porém, os bárbaros resistiram duramente até 270 D.C, quando uma peste irrompeu na Península afetando ambos os exércitos.
Ocorre que o imperador Cláudio Gótico acabou contraindo a peste e teve que abandonar as operações, que foram concluídas com sucesso por Aureliano, a quem coube o comando das tropas.
3- Aureliano imperador
Ainda no 1º quadrimestre de 270 D.C, chegou a notícia de que Cláudio Gótico morreu em Sirmium, da doença que ele havia contraído. O Senado imediatamente reconheceu o irmão do imperador falecido, Quintilo, como sucessor. Porém, em maio, o exército sob o comando de Aureliano também o aclamou imperador.
Rapidamente, as tropas de Aureliano derrotaram o exército de Quintilo e este foi assassinado ou cometeu suicídio.
Aureliano assumiu um Império Romano em grave crise e em processo de desagregação. Após a derrota de Valeriano para a Pérsia Sassânida, as províncias romanas da Síria, da Arábia e do Egito procuraram a proteção da cidade autônoma de Palmira, governada pelo vigoroso líder Odenato, que conseguiu repelir os Persas.
Aureliano passou à História como um dos “imperadores-soldados” oriundos da Ilíria que mais contribuiu para a sobrevivência de Roma durante a “Crise do Século III”, contribuindo decisivamente para colocar um fim nela, estabilizando o Império Romano.
Palmira era uma cidade habitada por uma mescla de povos semitas, em sua grande maioria Arameus (ou Aramaicos) e Árabes. Localizada ao redor de um oásis no meio de um vasto deserto ela fica entre 150 e 200 km dos rios perenes mais próximos, dependendo do oásis e de cisternas para uma agricultura viável. Entretanto, a cidade prosperou como importante centro na rota de caravanas comerciais que ligavam o Mediterrâneo ao Império Persa e à Índia.
Encorajado pelo sucesso e pelo declínio romano, Odenato proclamou-se “Rei dos Reis”, mas ainda mantendo-se formalmente subordinado à Roma. Porém, após ser assassinado, em 267 D.C., ele foi sucedido por seu filho pequeno, Vaballathus, e o poder passou a ser exercido por sua viúva, Zenóbia, como regente. Em seguida, embora ainda sob o pretexto de agir em nome do Império Romano, Zenóbia invadiu o Egito, em outubro de 270 D.C. Aliás, vale citar que a rainha reivindicava ser descendente direta da célebre rainha do Egito, Cleópatra.
Contudo, em 271 D.C, Zenóbia assumiu para si e para o filho os títulos de Augustos, criando o que ficaria conhecido como “Império de Palmira” (ou também Império Palmirense. ou Palmireno).
O Império de Palmira,, em 271, em amarelo. Em verde, o Império Gaulês. Foto User:Pomalee, User:Игорь Васильев, CC BY-SA 4.0 https://creativecommons.org/licenses/by-sa/4.0, via Wikimedia Commons
4- Invasões e revoltas
Inicialmente, quando a notícia da incorporação das províncias orientais pelo Império de Palmira chegou ao seu conhecimento, Aureliano estava impossibilitado de atacá-lo pelo fato de estar envolvido com invasões dos Iutungos, Vândalos e Sármatas no norte da Itália, as quais ele conseguiu derrotar.
Ademais no ano seguinte, uma nova invasão bárbara, dos Alamanos ou dos Iutungos, obrigou Aureliano a ir combatê-los no norte da Itália, e finalmente conseguiu derrotá-los na Batalha de Fano, no Rio Metauro, vitórias pelas quais ele recebeu o título de “Germanicus Maximus”.
As fontes também relatam três revoltas lideradas respectivamente por Septimius, Urbanus e Domitianus, personagens obscuros, que provavelmente eram comandantes de tropas nas províncias afetadas pelas invasões bárbaras, cujas rebeliões devem ter tido breve duração.
De volta à Roma, percebendo que a ameaça dos bárbaros ao coração do Império passaria a ser uma constante, Aureliano ordenou a construção do grande sistema de muralhas defensivas da Cidade, protegendo uma área de 1.400 hectares e que ficariam conhecidas como as “Muralhas Aurelianas”. As obras durariam 5 anos e somente seriam completadas pelo imperador Probo.
Muralhas Aurelianas, foto Lalupa, Public domain, via Wikimedia Commons
Em Roma, Aureliano ainda teve que enfrentar uma feroz revolta armada dos cunhadores de moedas, liderados por Felicissimus, o Secretário do Tesouro Imperial, que provavelmente estavam insatisfeitos com alguma medida dele coibindo o desvio dos metais, o que acarretava a cunhagem de moedas de qualidade inferior. Inclusive, durante o seu reinado, Aureliano fez uma reforma monetária, aumentando a quantidade de prata contida no Antoninianus (moeda que substituiu o denário) para 5%, o que demonstra o quanto a moeda estava desvalorizada. Se os relatos forem verídicos, a revolta dos cunhadores foi tão séria que resultou no massacre deles, sendo que a repressão teria custado a vida de sete mil soldados!
Novamente, mais uma incursão dos Godos nas fronteiras do Danúbio obrigou Aureliano a marchar para dar-lhes combate, ocasião em que, atravessando o Rio, as tropas comandadas pelo imperador derrotaram e mataram o chefe Godo Cannobaudes, recebendo, em homenagem a esta vitória, do Senado o título de “Gothicus“. Entretanto, a constante pressão bárbara nesta fronteira, levou Aureliano a decidir abandonar a província romana da Dácia, na margem norte do Danúbio, pela dificuldade em defendê-la. Ele reassentou os habitantes romanos da província abandonada ao sul do Danúbio, em uma parte da Mésia, que foi rebatizada de “Dacia Aureliana“, com a cidade de Serdica (atual Sofia, na Bulgária), como capital.
5- Guerra contra o Império de Palmira e reconquista das províncias orientais
Finalmente, em 272 D.C,Aureliano teve condições de enfrentar o grave problema da perda das províncias orientais para o Império de Palmira, que agora controlava o Egito, a Síria, a Palestina e até partes da Ásia Menor. Vale observar que a perda do Egito estava afetando o vital suprimento de trigo para a cidade de Roma.
Moeda de Zenóbia Augusta. Foto Classical Numismatic Group, Inc. http://www.cngcoins.com, Public domain, via Wikimedia Commons
Interessante observar, antes de falarmos sobre a campanha de Aureliano contra o Império de Palmira, que recentemente cientistas da Universidade Aarhus e da Universidade de Bergen conduziram uma pesquisa e publicaram um artigo que trouxe uma nova perspectiva sobre os motivos que teriam levado os Palmirenses a anexarem territórios controlados pelo Império Romano.
No estudo, os cientistas, examinando dados paleo-climáticos e as culturas e técnicas agrícolas empregadas pelos Palmirenses, concluíram que as mudanças climáticas prejudiciais que ocorreram exatamente na época dos reinados de Odenato e Zenóbia, bem como o rápido crescimento populacional da cidade, decorrente da prosperidade experimentada nos séculos II e III D.C (Palmira chegou a ter mais de 200 mil habitantes), comprometeram a segurança alimentar da cidade, levando seus líderes a embarcarem em um processo de militarização e expansão territorial que levou ao conflito final com Roma.
Feito o parêntese acima, na ofensiva romana contra os Palmirenses, Aureliano reconquistou com facilidade os territórios romanos que aqueles ocupavam na Anatólia, havendo apenas resistência nas cidades de Bizâncio (prenunciando a excepcional posição defensiva que caracterizaria a futura capital, Constantinopla) e Tiana (que teria sido poupada graças à aparição do espírito do filósofo e suposto paranormal Apolônio de Tiana, que rogou por sua cidade ao imperador). Enquanto isso, o general Marco Aurélio Probo (o futuro imperador Probo) reconquistou o Egito, ocasião em que o Quarteirão Real de Alexandria, onde ficava o remanescente da Biblioteca de Alexandria, foi queimado.
Batalha de Imas
Então, o exército de Aureliano chegou aos arredores da grande cidade síria de Antióquia, para onde Zenóbia e o general palmirense Zabdas esperavam os romanos com um grande exército. A Batalha de Imas, que se seguiu, é assim narrada pelo historiador romano Zósimo:
“Observando que a cavalaria palmirena depositava grande confiança na armadura deles, que era muito forte e segura, e que eles eram melhores cavaleiros do que os seus soldados, ele (Aureliano), ele posicionou sua infantaria do outro lado do rio Orontes. Ele ordenou que a sua cavalaria não engajasse imediatamente a vigorosa cavalaria dos Palmirenos, mas que esperassem pelo ataque deles, e, então, fingindo fugir, continuassem galopando até que eles fatigassem tanto os homens quanto os seus cavalos devido ao excesso de calor e o peso das armaduras, de modo que eles não pudessem mais persegui-los.
Este plano foi bem-sucedido e assim que a cavalaria do imperador viu que seus inimigos estavam cansados, e que as montarias deles eram praticamente incapazes de ficar em pé sob eles, ou mesmo de se mover, os romanos puxaram as rédeas dos seus cavalos, e, voltando-se rapidamente, carregaram contra os inimigos, atropelando-os enquanto caíam dos seus cavalos. Dessa forma, o massacre foi generalizado, alguns morrendo pela espada e outros pisoteados pelos seus próprios cavalos ou pelos dos romanos”
Zozimus, New History, Livro 1
Os sobreviventes do exército de Zenóbia foram tentar se refugiar dentro dos muros da cidade de Antióquia e o relato de Zósimo infere que, para entrar na cidade, que já estava em vias de se amotinar contra seus conquistadores palmirenses, Zabdas foi obrigado a usar o artifício de conduzir preso um soldado que se parecia com Aureliano, vestindo-o com trajes semelhantes aos usados pelo imperador, como se este tivesse sido capturado pelos Palmirenos. Mesmo assim, durante a noite, Zabdas e Zenóbia partiram com seu exército para Emesa.
Então, quando amanheceu, Aureliano, ao partir para engajar novamente os remanescentes do exército de Palmira, recebeu a notícia da fuga de Zenóbia e entrou em Antioquia, sendo recebido festivamente pelos habitantes. Ao saber que muitos cidadãos tinham fugido da cidade pelo temor da punição de terem apoiado Zenóbia, Aureliano publicou decretos perdoando-os e conclamando-os a retornar à Antioquia, tendo multidões atendido a este chamado.
Seguindo o relato de Zósimo, Aureliano então partiu para Daphne, um subúrbio de Antióquia, onde uma parte do exército de Palmira tinha ocupado uma colina que interceptava a estrada para Emesa Nesta passagem, fica claro que Aureliano ordenou que os soldados atacassem os Palmirenses entrincheirados no alto da colina, em formação de “tartaruga” (testudo), demonstrando que, no final do século III, o exército romano ainda era capaz de utilizar esta célebre tática:
“Imaginando que a inclinação dela (da colina) lhes permitiria obstruir a passagem do inimigo, ele ordenou a seus soldados que marchassem com seus escudos tão próximos uns aos outros, e em forma tão compacta, para que eles não fossem atingidos por quaisquer dardos ou pedras que fossem atirados contra eles”.
Zózimo, New History, Book 1
Legionários em formação tartaruga, Coluna de Trajano, Roma, foto: National Museum of Romanian History, CC BY-SA 3.0 http://creativecommons.org/licenses/by-sa/3.0/, via Wikimedia Commons
Batalha de Emesa
Após reconquistar a grande cidade síria de Antióquia para o Império Romano, Aureliano subiu o curso do rio Orontes e entrou sem contestação nas cidades de Apamea, Larissa e Arethusa, percorrendo o caminho em direção à cidade de Emesa (atual Homs, na Síria), também cortada pelo referido rio. Então, ao se aproximar das muralhas desta Cidade, os romanos observaram o exército de Palmira em formação em frente às mesmas. Segundo o relato de Zósimo:
“Encontrando o Exército Palmireno formado ante Emesa, totalizando setenta mil homens, entre Palmirense e seus aliados, Aureliano opôs a eles a cavalaria dálmata, os Mésios e os Panônios, e as Legiões célticas de Noricum e Rétia, e atrás destas os mais seletos regimentos imperiais, escolhidos homem a homem, a cavalaria da Mauritânia, os Tianenses, os Mesopotâmicos, os Sírios, os Fenícios e os Palestinos, todos homens de reconhecido valor; os Palestinos ao lado de outras armas, brandindo porretes e cajados. No começo do engajamento, a cavalaria romana recuou, a fim de que os Palmirenses, que os excediam em número, e eram melhores cavaleiros, valendo-se de algum estratagema, não cercassem o exército romano. Mas a cavalaria palmirena os perseguiu tão ferozmente, embora as suas fileiras estivessem desfeitas, que o evento ocorreu muito contrariamente ao que esperava a cavalaria romana. Porque eles foram perseguidos por um inimigo cuja força lhes era muito superior, e consequentemente muitos deles foram derrubados. A infantaria então teve que suportar o peso da ação. Observando que os Palmirenses tinham quebrado as suas linhas quando a cavalaria iniciou a perseguição, ela deu meia-volta e atacou quando eles estavam espalhados e em desordem. Nesta ocasião, muitos deles foram mortos, porque um lado lutou com as armas costumeiras, enquanto os Palestinos empregaram clavas e cajados contra cotas de malha feitas de ferro e latão. Consequentemente, os Palmirenses debandaram com a maior precipitação, e em sua fuga eles pisotearam uns aos outros, ficando em pedaços, como se o inimigo já não os tivesse massacrado suficientemente; O campo ficou coalhado de homens e cavalos mortos, enquanto os poucos que escaparam refugiaram-se na cidade.”
Zózimo, New History, Book 1
A derrota abalou o espírito de Zenóbia, que, após consultar seus auxiliares, decidiu abandonar Emesa e entrincheirar-se em Palmira, tendo em vista que os habitantes da cidade já manifestavam a sua insatisfação com a rainha e davam mostras de simpatia aos Romanos. Com a partida de Zenóbia, Aureliano entrou em Emesa, onde efetivamente ele foi bem recebido pelos cidadãos e capturou uma parte do tesouro que a rainha não havia conseguido levar consigo. Na cidade, segundo a História Augusta, o imperador fez oferendas no Templo de Elagabalus, divindade solar introduzida em Roma pelo imperador Elagábalo (ou Heliogábalo). Aureliano, tudo indica, atribuiu a vitória que lhe valeu a conquista de Emesa à divindade e, mais tarde, dedicaria um templo ao Sol Invicto, em Roma.
Aureliano, então, marchou em direção à Palmira, afastando-se do rio Orontes e rumando para o deserto sírio. Lá chegando, cercou-a por todos os lados, valendo-se da ajuda dos Beduínos, que haviam passado para o lado dos Romanos, para assegurar suas linhas de suprimentos (segundo o relato da História Augusta, essa marcha foi hostilizada pelos locais, tendo, inclusive, Aureliano sido ferido por uma flechada).
Cerco a Palmira
Inicialmente, os Palmirenses, aparentemente, não se sentiram muito intimidados com o cerco inimigo e chegaram até a zombar dos Romanos, acreditando que estes logo ficariam sem provisões, ignorando o efeito da aliança daqueles com os Beduínos. Porém. com o passar do tempo, foram os sitiados que começaram a ficar privados de alimentos, e, então, de acordo com Zósimo, um conselho de guerra decidiu que seria melhor Zenóbia fugir da cidade em direção ao rio Eufrates, com o fim de pedir auxílio aos Persas, montando um camelo (fêmea) veloz.
Todavia, a fuga foi percebida pelos Romanos, e Aureliano enviou sua cavalaria em perseguição à Zenóbia, que foi interceptada, enquanto tentava cruzar o rio Eufrates em um barco, capturada, e levada à presença do Imperador.
Diante disso, os Palmirenses resolveram render-se. Aureliano foi magnânimo e não puniu a cidade, mas apropriou-se do tesouro de Palmira. Ele também deixou na cidade uma guarnição de 600 arqueiros, comandada por um certo Sandario. Então, segundo Zósimo, o imperador retornou para Emesa, onde Zenóbia e seus auxiliares próximos foram submetidos a um julgamento (em sendo verdadeiro esse relato, isso, a nosso ver, demonstra que Zenóbia e seus assessores, provavelmente, gozavam de cidadania romana. De fato, o sobrenome de Zenóbia em inscrições existentes em Palmira é “Septimia“, que deve ser proveniente de seu marido, Odenato, que era cidadão romano com status de “consularis“, e, portanto, integrante da classe senatorial, no topo da sociedade romana). No julgamento, segundo Zósimo e a História Augusta, o filósofo Longino foi condenado à morte e executado, de acordo com o primeiro, pelo fato dele ter sido acusado por Zenóbia, sua aluna, de tê-la induzido a embarcar na aventura contra Roma, ou, mais especificamente, na versão da segunda, pelo fato de ter redigido uma carta ofensiva a Aureliano quando do cerco à Palmira. Nesta carta, transcrita na História Augusta, Zenóbia, ao recusar a proposta de rendição oferecida por Aureliano, teria mencionado o exemplo de Cleópatra, em que esta preferiu morrer a ser um troféu para Otaviano. Após o julgamento, outros membros do conselho de Zenóbia também foram executados.
Em seguida, Aureliano derrotou um destacamento de soldados que o Império da Pérsia Sassânida havia enviado em auxílio aos Palmirenses.
Aureliano, em seguida, rumou de volta para Europa, levando consigo, como cativos, Zenóbia e o filho dela, Vaballathus. Aqui as fontes divergem, Zósimo contando que na viagem, a rainha teria morrido de doença, ou inanição, e os demais cativos se afogado no Estreito de Bósforo. Porém, os demais autores narram que os dois foram levados até Roma, onde adornaram o magnífico Triunfo de Aureliano, que veremos adiante. Algumas fontes relatam que após ser exibida na procissão, Zenóbia foi libertada e acabou indo morar na Vila de Adriano, em Tívoli. Ela também casou-se com um senador romano, com quem teria tido outros filhos.
“A Rainha Zenóbia olhando Palmira pela ùltima Vez”, tela de Herbert Gustave Schmalz, (1888) Public domain, via Wikimedia Commons
Ao chegar à Europa, Aureliano teve que enfrentar uma invasão dos Carpi, um povo aparentado aos Dácios, no Danúbio, vitória que teria lhe valido o título de “Carpicus“. Porém, logo após, já em 273 D.C., enquanto ainda estava na região da Trácia, o imperador recebeu do Prefeito da Província da Mesopotâmia e Corrector do Oriente, Marcellinus, a notícia de que os Palmirenos tinham novamente se revoltado, sob a liderança de um certo Septimius Apsicos (ou Apseus), matando Sandario e a guarnição de 600 arqueiros. Em seguida, Apsicos havia tentado cooptar Marcellinus, oferecendo apoio caso este se rebelasse contra Aureliano, reclamando o trono. Marcellinus, entretanto, fingiu considerar a proposta, enquanto relatava os fatos ao imperador.
Percebendo que seus esforços estavam sendo infrutíferos, os líderes da revolta, então, proclamaram Septimius Antiochus, um parente de Zenóbia, como Augusto. Todavia, Aureliano, imediatamente após receber a mensagem de Marcellinus, pôs-se em marcha com seu exército e, com rapidez inesperada, chegou a Antióquia, e dali, partiu para Palmira, que foi tomada com facilidade. Dessa vez, Aureliano não teve clemência e, após derrotar a nova insurreição, ordenou que a cidade fosse saqueada e arrasada. No entanto, a vida de Septimius Antiochus, que, tudo indica, era apenas uma criança, foi poupada.
De Palmira, Aureliano teve que rumar para Alexandria, pois estourara ali uma revolta comandada por um certo Firmus, um rico aliado de Zenóbia no tempo em que o Egito fez parte do Império de Palmira, aliado a grupos de Árabes e Blemmyes (povo que habitava terras ao sul do Egito). Embora seja incluído em algumas fontes como usurpador, consta que Firmus na verdade não se proclamou imperador, sendo o seu objetivo tornar o Egito independente. Porém, Firmus cortou o vital suprimento do trigo do Egito para a Cidade de Roma, algo que nem a poderosa Zenóbia ousara fazer. De qualquer modo, Aureliano submeteu Alexandria com facilidade, executou Firmus e restaurou o fornecimento do trigo egípcio.
Em decorrência dessas vitórias no Oriente, que reincorporaram ao Império Romano as províncias conquistadas por Palmira, Aureliano recebeu os títulos de “Parthicus Maximus” e de “Restaurador do Oriente”.
Chegou então a oportunidade para Aureliano lidar com o “Império Gaulês”, que já estava bem enfraquecido pelas derrotas sofridas para Cláudio Gótico.
6- Guerra contra o Império Gaulês e reconquista das províncias ocidentais
Em 274 D.C, Aureliano marchou contra Tétrico, o usurpador que ocupava o trono da Gália e os exércitos encontraram-se em Chalons-en-Champagne, no nordeste da Gália. Os combates foram duros, mas as tropas de Aureliano levaram a melhor. Tétrico foi poupado e posteriormente até nomeado para o cargo de Corrector da Lucânia. Algumas fontes mencionam que Tétrico teria feito um acordo prévio de rendição com Aureliano e abandonado suas tropas antes ou durante os combates.
Com a reincorporação das províncias controladas pelo Império das Gálias ao Império Romano, que foi reunificado e restituído ao seu tamanho tradicional, Aureliano celebrou seu grande triunfo, que incluiu a exibição de Tétrico e Zenóbia pelas ruas de Roma, e recebeu do Senado o título de “Restaurador do Mundo” (Restitutor Orbis). A História Augusta nos deixou um relato muito interessante da referida procissão triunfal, a qual transcrevemos abaixo:
“Vale a pena saber como foi o triunfo de Aureliano, porque este foi um espetáculo sobremaneira brilhante: Houve três carros imperiais, o primeiro dos quais, esmeradamente forjado e adornado com ouro, prata e joias, tinha pertencido a Odenato, o segundo, forjado com igual esmero, foi dado a Aureliano pelo rei dos Persas, e o terceiro Zenóbia mandou fazer para si mesma, esperando visitar a cidade de Roma nele. E esta esperança não deixou de ser satisfeita, porque, de fato, foi com ele que ela entrou na cidade, porém derrotada e levada em triunfo. Havia também outro carro, puxado por quatro cervos e que se dizia ter pertencido ao rei dos Godos. Neste carro, de acordo com a memória de muitos, Aureliano foi conduzido até o Capitólio, planejando sacrificar lá os cervos, que ele tinha capturado junto com este carro e então dedicou-os, diz-se, a Jupiter Optimus Maximus. Ali avançaram vinte elefantes, e duzentas bestas domesticadas de diversos tipos, da Síria e da Palestina, que certa vez havia presenteado a cidadãos particulares, pelo fato de que o orçamento pessoal do imperador (Fiscus) não fosse sobrecarregado com o custo de sua alimentação; além disso, junto eram conduzidos em ordem quatro tigres e também girafas, alces e outros animais, e também oitocentos pares de gladiadores ao lado dos cativos das tribos bárbaras. Havia Blemmyes, Axumitas (povo da Etiópia), Árabes da Arábia Feliz, Indianos, Báctrios, Iberos (da Ibéria, na atual Geórgia), Sarracenos e Persas, todos carregando seus presentes; Havia Godos, Alanos, Roxolanos, Sármatas, Francos, Suevos, Vândalos e Germanos, todos cativos, com suas mãos acorrentadas. Também caminhavam entre eles certos homens de Palmira, que tinham sobrevivido à sua queda, os mais principais do governo, e também Egípcios, por causa da sua rebelião.
Junto a eles também foram conduzidas dez mulheres, que, lutando com trajes masculinos, tinham sido capturadas entre os Godos, depois de muitos deles terem sido mortos: Quanto a estas, uma tabuleta declarava que pertenciam a raça das Amazonas”.
7- Outras iniciativas de Aureliano
Aureliano era devoto do “Sol Invicto”, que ele procurou tornar a divindade máxima do Império e a principal do Panteão Romano. Há até quem diga que o imperador tencionava, com isso, instaurar o Monoteísmo no Império. No dia consagrado ao “Nascimento do Sol Invicto” (Dies Natalis Solis Invicti), em 25 de dezembro de 274 D.C, Aureliano inaugurou em Roma o templo dedicado ao Deus (construído e adornado com o espólio de Palmira). Aliás, o imperador instituiu para si o tratamento de “Nascido Deus e Senhor”.
Outro indício de que o reinado de Aureliano prenunciava o período do Dominado, em contraste com o Principado instituído por Augusto, encontra-se na Epitome de Caesaribus, do historiador romano Sextus Aurelius Victor:
“Este homem foi o primeiro a introduzir entre os Romanos um diadema para a cabeça, e ele usava ouro e pedras preciosas em cada item de vestuário, em uma escala praticamente desconhecida para os costumes romanos”.
Epitome de Cesaribus, Aurelius Victor, 35,5
Aureliano incrementou a distribuição de alimentos objeto da Anona, acrescentando à porção de pão uma quantidade de azeite, de sal e de toucinho ou salame.
8- Morte de Aureliano
Em 275 D.C, Aureliano partiu para o Oriente visando derrotar o último grande inimigo de Roma que ele ainda não havia vencido: o Império Persa.
Todavia, no final de setembro ou início de outubro de 275 D.C. quando Aureliano, ainda no início da expedição, chegou na cidade de Caenophrurium, na Trácia (na atual Turquia europeia ou na Bulgária), um secretário que estava ameaçado de ser punido por uma transgressão (segundo Zózimo, este se chamaria Eros, e segundo a História Augusta, o nome dele seria Mnestheus), forjou uma lista de oficiais da Guarda Pretoriana que também seriam punidos e estes, temerosos, acabaram assassinando o imperador, aproveitando uma ocasião em que Aureliano deixou a cidade acompanhado de um pequeno séquito. Os seus próprios assassinos construíram no local uma tumba para seus restos mortais e um templo em sua homenagem.
9- Epílogo
A História Augusta e Sexto Aurélio Victor relatam que o Império Romano ficou sem um imperador por um intervalo de até seis ou sete meses, e alguns historiadores consideram, com base na numismática, que a imperatriz-viúva Ulpia Severina pode ter governado o Império até que o Senado Romano escolhesse, a pedido do Exército, o velho senador Tácito como novo imperador, período que constituiu, assim, um “interregnum“. Mas, este intervalo, de acordo com outras fontes, teria durado apenas algumas semanas. Pode ser que a explicação para esta discrepância esteja na versão constante da História Augusta: O Senado, relutante em escolher um imperador que não tivesse o apoio dos militares, devolveu a questão para o Exército, e, por causa disto, o impasse teria durado cerca de seis meses.
Acreditamos, portanto, que há alguma verossimilhança no relato das circunstâncias que levaram ao assassinato de Aureliano, uma vez que aparentemente nenhum general reclamou o trono logo após a morte dele, e os líderes do Exército, provavelmente surpreendidos pelo seu desaparecimento, em uma decisão incomum, solicitaram ao Senado que um novo imperador fosse escolhido entre os senadores. O escolhido foi Marco Cláudio Tácito, supostamente um riquíssimo senador, que também parece ter relutado algum tempo até aceitar a escolha. Mas alguns historiadores defendem outra possibilidade, como aventado acima: que o Senado tenha devolvido o assunto para o Exército, sendo Tácito um general que foi escolhido por seus próprios colegas, após algum tempo de deliberação (situações que se repetiriam no século seguinte, com Joviano e Valentiniano I).
O Senado Romano deificou Aureliano, provavelmente no período do interregno, ou, então, no início do reinado de Tácito.
Aureliano é um típico representante do grupo dos chamados “imperadores-soldados”, homens originários da Ilíria que se alistavam no Exército Romano e galgavam os postos até chegarem ao trono, onde sua principal preocupação era a de lutar contra ataques dos bárbaros e usurpadores.
Mas Aureliano passaria à História como um dos mais bem-sucedidos desses “imperadores-soldados” e um dos que mais contribuiu para a sobrevivência de Roma durante a “Crise do Século III”, restaurando a autoridade do Império Romano nas suas fronteiras históricas. É certo que Diocleciano foi mais além e promoveu uma grande reforma administrativa e fiscal, além de ter reinado por muito mais tempo, mas não há dúvida que sem a contribuição dada por Aureliano, ele talvez não tivesse tido tanto sucesso.
Em 28 de abril de 32 D.C, nasceu Marcus Salvius Otho (Otão), no seio de uma família da antiga nobreza etrusca, originária de Ferentium, uma cidade da Etrúria. O avô de Otão, de nome idêntico ao seu, foi alçado ao Senado Romano por influência da influente imperatriz Lívia Drusila, na casa de quem inclusive, este avô havia crescido. Já o pai de Otão, Lucius Salvius Otho, gozava da intimidade do imperador Tibério, e, segundo as fontes, era tão parecido com este, que muitos suspeitavam de que ele fosse filho ilegítimo dele.
Detalhe da cabeça de Otho de uma estátua do acervo do Louvre. Foto Fred Romero from Paris, France, CC BY 2.0 https://creativecommons.org/licenses/by/2.0, via Wikimedia Commons
Por sua vez, Alba Terentia, mãe de Otão, vinha de uma família romana ilustre.
Não obstante, dada a proximidade da família de Otão com a dinastia dos Júlios-Cláudios, não surpreende que o seu paitenha, desde cedo, conseguido seguir uma carreira pública: ele ocupou algumas magistraturas menores em Roma, foi nomeado Procônsul da África e, no reinado do imperador Cláudio, exerceu comandos militares na Ilíria, onde ele se notabilizou pela extrema severidade com relação à disciplina dos soldados, inclusive punindo com a morte legionários que haviam matado seus comandantes, não obstante estes tenham aderido a uma revolta contra o citado imperador, em 42 D.C., motivo pelo qual acabou incorrendo no desagrado da Corte.
Posteriormente, contudo, Lucius Salvius Otho recuperou seu prestígio após descobrir uma suposta conspiração de um integrante da classe Equestre que planejava assassinar Cláudio. Em reconhecimento, o Senado Romano decretou uma rara homenagem: que uma estátua de Otão deveria ser colocada no Palácio imperial.
Quando Otão nasceu, seu pai já tinha dois outros filhos: um chamado Lucius Salvius Otho Titianus, e uma filha de nome Salvia, que foi prometida a Drusus Caesar, filho do popularGermânico, morto em 19 D.C, que por sua vez tinha sido adotado por Tibério por determinação de Augusto. Este casamento, entretanto, não aconteceu, seja porque a menina morreu antes de atingir a idade para casar, seja pelo fato da família de Germânico ter caído em desgraça após a morte dele, sendo provavelmente esta a hipótese mais provável, pois as fontes relatam que, antes de morrer, Otão escreveu uma carta de despedida para uma irmã, ainda que não nominada. Suetônio menciona, ainda, que Otão, sua irmã e seu irmão mais velho eram todos filhos de Alba Terentia, mas considerando o cognomen do primogênito e a distância de idade entre Titianus e Otão, que devia ser de cerca de 20 anos, é bem possível que aquele fosse filho de um casamento anterior do pai deles.
Durante a infância e juventude precoce, segundo Suetônio, cujo relato é a base deste artigo, Otão não tinha bom comportamento, manifestando um temperamento turbulento e extravagante, chegando a obrigar seu pai a chicoteá-lo como castigo. O historiador conta, ainda, que Otão era dado a saídas noturnas pelas ruas de Roma junto com alguma turma de rapazes, ocasiões em que costumavam agarrar qualquer transeunte que aparentasse estar bêbado ou doente, jogá-lo em um cobertor, e sacudir e arremessar o pobre coitado para cima (em um procedimento algo similar ao “manteamento” tão bem descrito por Cervantes, em Dom Quixote).
Quanto à sua aparência e modos, assim Otão foi descrito por Suetônio:
“Conta-se que ele era de altura mediana, tinha pés chatos e pernas arqueadas, porém era quase feminino nos cuidados com sua aparência. Os pelos de seu corpo eram depilados e, devido a finura dos seus cabelos, ele usava uma peruca tão bem-feita e cuidadosamente ajustada à sua cabeça que ninguém suspeitava disso. Além disso, dizem que ele costumava se barbear todos os dias e esfregar massa de farinha de pão úmida em seu rosto, fazendo isto desde as primeiras luzes do dia, de modo a nunca ter a barba aparecendo; (…)
Suetônio, “Vida dos Césares”; “Vida de Otão”, 12, 1
Esses obsessivos cuidados com a aparência e excessiva vaidade levaram o poeta romano Juvenal a mencionar expressamente Otão na sua Sátira de número 2, cujo título é “Moralistas sem Moral”, onde o poeta critica a decadência da elite romana e ridiculariza a efeminação de homens públicos:
“Um prolonga suas sobrancelhas com fuligem úmida na ponta de uma agulha, e levanta seus olhos piscantes para serem pintados; outro, bebe de um copo de forma obscena, e prende seus longos cachos em uma rede dourada; ele está vestido com xadrezes azuis, ou verdes lisos; o atendente jura por Juno como seu mestre. Outro segura em sua mão um espelho como o carregado pelo efeminado Otão: um troféu do Ator Aurunco, no qual ele contemplava sua própria imagem em armadura completa quando estava prestes a dar a ordem de avançar—uma coisa notável e nova nos anais do nosso tempo, um espelho entre os equipamentos da Guerra Civil! Era preciso, de fato, um general poderoso para matar Galba e manter sua própria pele barbeada; era preciso um cidadão de altíssima coragem para imitar os esplendores do Palácio no campo de Bedriaco e emplastrar seu rosto com farinha!”
Juvenal, “Sátiras”, Sátira 2
2- Ingresso no círculo imperial e carreira pública
O fato é que a personalidade e os modos de Otão acabariam aproximando-o do imperador Nero. Após cortejar uma liberta influente na corte imperial, apesar dela ser, nas palavras de Suetônio, “velha e quase decrépita“, ele conseguiu ingressar no círculo mais íntimo do imperador e, em pouco tempo, tornou-se o amigo mais próximo de Nero. De acordo com Suetônio, circularam relatos de que a amizade entre os dois pode ter ido além e envolvido “relações imorais“…
Provavelmente o boato nasceu do fato de que Nero e Otão tornaram-se tão íntimos a ponto de terem partilhado a mesma mulher, a rica Popeia Sabina, neta de um Cônsul, segundo os relatos de Suetônio, Tácito e Cássio Dião.
“Havia um certo Marcus Salvius Otho, que se tornou tão íntimo do imperador mediante a similitude do caráter de ambos e sua parceria no crime, que ele sequer foi punido por ter dito a Nero, certo dia: “Isso é tão verdade como você poder esperar ver-me César!” E tudo que ele obteve como resposta foi: “Eu não te verei sequer Cônsul”. Foi a ele quem o imperador deu Sabina, uma mulher de família patrícia, após fazê-la divorciar-se do marido, e ambos desfrutaram dela juntos.”
Cassius Dio, “Epitome of Book LXII”, 11,2
Os relatos dos três historiadores romanos acima citados acerca desse “affair” divergem apenas em poucos pontos: Segundo Suetônio e Cássio Dião, foi Nero, de quem Popeia já seria amante, que a ofereceu a Otão para que os dois celebrassem um casamento forjado, com a finalidade que Nero pudesse desfrutar dela com mais facilidade. Já de acordo com Tácito, o que ocorreu foi o contrário: Otão seduziu Popéia, casou-se com ela e, de tanto ele exaltar as qualidades da esposa para o imperador, Nero acabou interessando-se por Popeia. Mas todos convergem para o fato de que tudo se passou de acordo com a vontade da ambiciosa Popeia, que voluntariamente instigou a paixão do imperador por ela, não se afastando a hipótese de que ela tenha se casado com Otão já com este objetivo em mente.
Cabeça de Popeia
Nota:Popeia Sabina, com base em consideráveis evidências arqueológicas e epigráficas, pode ter nascido na cidade de Pompéia (não por causa do seu prenome), e certamente ela e sua família eram muito ligados à cidade e sua região, onde tinham propriedades, incluindo a fabulosa “Villa de Popeia”, na cidade vizinha de Oplontis, cujas ruínas foram admiravelmente preservadas pela erupção do Vesúvio, em 79 D.C.
Vista da Villa Poppea, em Oplontis
Essas fontes relatam que Popeia, após conseguir se fazer desejada por Nero, teria fingido relutância em trair Otão, ou, de outro modo, este, não suportando mais ter o imperador como rival, começou a dificultar o encontro entre este e a esposa.
Seja como for, o resultado foi que Nero, agora contrariado com as dificuldades que Otão, ou Popeia, ou estes dois juntos, estavam colocando em sua paixão pela última, decidiu, entre 58 e 59 D.C, nomear Otão para ser o governador da longínqua província da Lusitânia, uma designação que, na verdade, visaria acobertar do público o virtual exílio do antigo amigo e agora rival amoroso.
Para surpresa de muitos, Otão fez uma boa administração na Lusitânia, ficando lá por longos e incomuns dez anos. Nesse meio tempo, em 65 D.C, Popeia faleceu, provavelmente de complicações decorrentes de um parto ou aborto. Segundo boatos que circularam, registrados por Suetônio, Tácito e Cássio Dião, essas complicações teriam ocorrido por causa de um chute que Popeia teria levado de Nero no abdômen, segundo os dois primeiros historiadores, ou porque o imperador teria pulado sobre a barriga dela.
3- Atuação durante a aclamação e reinado de Galba
Quando a rebelião de GaiusJulius Vindex na Gália, no início de 68 D.C, pôs em marcha os eventos que resultaram na aclamação de Sérvio Sulpício Galba, governador da Hispânia, inicialmente por Vindex e, em seguida, por várias legiões, Otão imediatamente apoiou o governador da província vizinha a sua, tendo sido ele um dos primeiros a fazê-lo.
Abandonado pelo Prefeito Pretoriano, Ninfídio Sabino, que aderiu a Galba, e declarado inimigo público pelo Senado, que reconheceu a aclamação de Galba, Nero cometeu suicídio, em 09 de junho de 68 D.C.
Durante a marcha de Galba em direção à Roma, sabe-se que Otão teve participação ativa no avanço.
Em outubro de 68 D.C, Galba entrou na capital do Império e assumiu de fato as rédeas do governo. Porém, embora sua aclamação tenha sido recebida com algum entusiasmo, logo o novo reinado mostrou-se falho em manter a popularidade.
De fato, Galba, ao longo de sua carreira, sempre mostrou ser um chefe extremamente severo e, especialmente, um homem sovina. Os súditos e, especialmente, os militares, haviam se acostumado aos excessos de Nero quanto às benemerências e gratificações, e à condescendência quanto à disciplina. Também não ajudou o fato de Galba ser um homem já idoso e sem o “glamour” que envolvia os Júlio-Cláudios. Além disso, os cortesãos e os grupos que giravam em torno de Nero temiam as punições que já estavam ocorrendo. E os soldados esperavam recompensas.
As fontes relatam que Galba, velho e atacado pela gota, deixava boa parte das questões de governo por conta de dois apoiadores de primeira hora: Titus Vinius, general que fazia parte do seu staff militar na Hispânia, um homem alegadamente corrupto, e que foi nomeado por Galba para servir como seu colega no primeiro consulado como imperador; e Cornelius Laco, o novo Prefeito Pretoriano, além de seu liberto, Icelus Martianus.
Com o objetivo de acalmar as legiões da Germânia e, talvez, de afastar um possível concorrente para o trono ou para a sua sucessão, Galba enviou o dissoluto e, aparentemente inofensivo,Aulo Vitélio, um notório glutão, para ser o governador da província, no final de 68 D.C. É bem possível que essa indicação tenha tido a influência de Vinius, que era amigo de Vitélio pelo fato de ambos apoiarem a facção dos Azuis nas corridas do Circo Máximo.
Entretanto, no dia em que Galba e Vinius assumiram o Consulado, em 1º de janeiro de 69 D.C, as legiões da Germânia se revoltaram e aclamaram Vitélio como novo imperador. As legiões estavam insatisfeitas com Galba porque esperavam recompensas pelo fato de terem debelado a rebelião de Julius Vindex. Segundo Tácito, as tropas também temiam alguma punição pelo fato de terem apoiado Nero contra Vindex e não terem declarado apoio a Galba na ocasião em que ele foi aclamado. Um emissário foi despachado imediatamente por Pompeius Propinquus, um agente imperial na vizinha província da Gália Bélgica levando a mensagem para Roma (Tácito).
Certamente percebendo a fragilidade de seu estado de saúde e, especialmente, a nova rebelião na Germânia, que sucedia alguns episódios prévios de indisciplina militar em seu reinado, fortaleceu-se em Galba, que não tinha filhos, a percepção de que era necessário nomear um sucessor, na esperança de que o estabelecimento de uma linha dinástica fortaleceria a sua posição e traria mais estabilidade ao governo.
Titus Vinius apoiava o nome de Otão para ser ungido como o herdeiro de Galba. Vale observar que Otão, segundo consta, estimulado por profecias de astrólogos, já vinha aproveitando, desde o início do reinado, toda oportunidade para se tornar o escolhido por Galba, alternando entre a descarada adulação ao imperador e a prestação de favores a qualquer pessoa que pudesse ter alguma influência, incluindo os militares da Guarda Pretoriana.
Todavia, para o grande desapontamento de Otão, prevaleceu a opinião de Cornelius Laco e de Icelus, que apoiavamLucius Calpurnius Piso Frugi Licinianus. Sem dúvida, Piso Licinianus possuía um nome muito mais ilustre do que o do Otão. A gensLicínia era uma das famílias mais ilustres de Roma, embora inicialmente de origem plebeia, tendo gerado vários cônsules e um triúnviro. Além disso, por parte de mãe, Licinianus era descendente direto do triúnviro Pompeu, o Grande, e seu irmão foi marido de Cláudia Antônia, filha do imperador Cláudio. Não obstante, para Galba, o que teria pesado mesmo contra Otão era a associação dele com o reinado de Nero
Assim, em 10 de janeiro de 69 D.C,Lucius Calpurnius Piso Frugi Licinianus foi oficialmente adotado por Galba, em uma cerimônia realizada no Quartel da Guarda Pretoriana, em Roma, passando o herdeiro a adotar o nome de Servius Sulpicius Galba Caesar.
Vestígios do muro do Quartel da Guarda Pretoriana (Castra Pretoria), em Roma. Foto; Gustavo La Pizza, CC BY-SA 4.0 https://creativecommons.org/licenses/by-sa/4.0, via Wikimedia Commons
4- Ascensão ao trono
Ao receber a notícia da adoção de Lúcio Calpúrnio Pisão Licianiano por Galba, o ambicioso Otão não perdeu tempo de passar da decepção para a ação. Valendo-se de uma propina que obteve ao extorquir um liberto do imperador, no montante de um milhão de sestércios, Otão começou a subornar alguns guarda-costas do imperador. Vale observar que alguns desses pretorianos eram ligados a Tigellinus, o infame Prefeito Pretoriano de Nero, e eles sentiam-se ainda ligados a esse finado imperador, de cujo círculo íntimo Otão chegara a fazer parte. Tudo isso deu-se em um contexto de insatisfação geral da Guarda com a intensificação da disciplina e a falta de pagamento do donativo verificados no reinado de Galba.
Então, no dia 15 de janeiro de 69 D.C, enquanto Galba realizava um sacrifício ritual em frente ao Templo de Apolo, no Fórum Romano, acompanhado de Otão e vários senadores, os fatos foram precipitados pela predição de um advinho ao interpretar os presságios como indicando a existência de um plano para matar Galba. Premido pela revelação do plano, ou acreditando, por sua vez, que se tratava de um presságio favorável à conspiração, Otão deu uma desculpa para deixar a cerimônia e foi ao encontro dos guarda-costas que apoiavam o seu plano, que eram em número de vinte e três, próximo ao Marco Miliário de Ouro e ao Templo de Saturno, também no Fórum Romano.
Localização do Marco Miliário de Outro e do Templo de Saturno no Fórum Romano. Foto: Public Domain Book: Christian Hülsen, Bretschneider und Regenberg, 1904. Author Christian Hülsen died in 1935., Public domain, via Wikimedia Commons
Os 23 guarda-costas saudaram Otão como imperador e logo um número semelhante de Pretorianos se juntou ao grupo, que ergueu Otão em uma cadeira e dirigiram-se ao Quartel da Guarda Pretoriana, onde os oficiais e o resto dos soldados, confusos e cautelosos em tomar partido, não tomaram nenhuma atitude contra os revoltosos, no que provavelmente também contribuiu a antipatia geral que a tropa nutria contra Galba.
Entretanto, Galba prosseguia na realização da cerimônia religiosa, momento em que chegaram os rumores de que Otão estava sendo aclamado pela Guarda Pretoriana.
Galba e seu círculo íntimo resolveram que o mais adequado à situação era verificar se os guardas do palácio no Palatino continuavam leais. Assim, o seu herdeiro, Lúcio Calpúrnio Pisão Licianiano, foi até lá e fez um discurso conclamando-os a defenderem o seu imperador.
Assim que foi terminado o discurso, os integrantes do corpo de guarda-costas pessoais do imperador desapareceram, mas parte do corpo de pretorianos que estava no Palácio permaneceu em formação, atrás dos seus estandartes. Dois oficiais foram enviados ao Quartel da Guarda Pretoriana para se inteirar do ânimo da tropa, e lá chegando foram hostilizados e detidos pelos soldados. Para piorar, o destacamento de soldados-marinheiros da Frota Imperial, que ficava aquartelado em Roma aderiu aos revoltosos (eles haviam sido alvo de um banho de sangue perpetrado pelas tropas leais à Galba, quando estas entraram em Roma nos primeiros dias do reinado dele).
Uma turba invadiu as ruas do Fórum Romano, inicialmente clamando pela punição dos revoltosos.
Dois cursos de ação foram recomendados à Galba: a) Titus Vinius aconselhou que o imperador se entrincheirasse no Palácio e resistisse até que forças leais mais numerosas pudessem alcançar Roma e combater a Revolta; b) Cornelius Laco e Icelus defendiam que Galba fosse imediatamente ao encontro dos revoltosos com os poucos guardas que lhe eram leais enquanto a rebelião ainda estava incipiente e retomasse o controle das tropas.
Galba preferiu seguir o conselho de Laco e Icelus, talvez reforçado pelo falso boato de que Otão teria sido executado no Quartel da Guarda Pretoriana. O idoso imperador, então, vestiu uma couraça e, enquanto deixava o Palácio sendo carregado em uma cadeirinha, foi abordado por um pretoriano, que lhe disse que ele mesmo havia matado Otão, chegando a mostrar a espada ensanguentada. A resposta do severo e inflexível imperador foi:
“Camarada, quem te deu essas ordens?”
Tácito, “Histórias”, Livro I, 35
Enquanto isso, o movimento no Quartel da Guarda Pretoriana transformou-se em rebelião generalizada, com os soldados aclamando Otão, vestindo suas armaduras e brandindo suas espadas, lanças e escudos com intenção de defendê-lo pela força das armas.
Logo os sons da rebelião e, em seguida, os primeiros destacamentos de revoltosos começaram a se aproximar do Fórum Romano, por onde trafegava a pequena comitiva de Galba, observada pela multidão espalhada pelas ruas, nos templos e nos edifícios públicos.
Todos puderam ter um prenúncio do que iria ocorrer quando o porta-estandarte do pelotão que escoltava Galba, ao perceber a chegada dos primeiros pretorianos amotinados, arrancou a efígie de Galba do estandarte. A multidão, ameaçada pelos soldados, e ciente do iminente desfecho, tentou fugir por onde fosse possível.
Alguns soldados de infantaria e cavalaria rebeldes aproximaram-se mais do cortejo imperial e um deles lançou um dardo, que acertou Galba sentado na cadeirinha em que era carregado. O imperador, ferido, caiu e rolou pelo chão, ocasião em que alguns relataram ter ouvido ele dizer:
“Por quê? Que mal eu fiz?”
Cássio Dião, “Epítome do Livro LXIV”, 5
Os soldados impiedosamente feriram várias partes do corpo de Galba, terminando por decapitá-lo. Durante todo o selvagem episódio, apenas um Guarda Pretoriano, um centurião de nome Semprônio Denso, tentou defender o imperador, conseguindo evitar a morte dele durante alguns momentos, lutando contra vários atacantes. A história pode ser consultada no artigo que escrevemos sobre Galba. Graças à ação de Semprônio, momentaneamente, Lúcio Calpúrnio Pisão Licianiano conseguiu escapar e se refugiar no Templo de Vesta, apenas para, um pouco mais tarde, ser capturado por ordens de Otão e terminar executado na frente do santuário. Já Titus Vinius, que acompanhava Galba, vendo a morte do imperador, tentou escapar, mas foi atingido por uma lança, e, em seguida, também foi executado no ato.
No fim daquele dia de 15 de janeiro de 69 D.C, após ser aclamado pelos Pretorianos e pelos soldados-marinheiros da Frota Imperial no Quartel, que, naquele momento, eram os verdadeiros senhores da situação, Otão foi até o Senado Romano, onde os senadores imediatamente confirmaram a sua elevação, votando pela concessão de todos os poderes inerentes ao Principado.
Todavia, naquele momento a anarquia e a indisciplina dos Pretorianos era tanta que foram eles próprios que não apenas escolheram os seus novos comandantes, o simples soldado Plotius Firmus e Licininus Proculus, ambos ligados a Otão, mas também o novo Prefeito Urbano, escolha que recaiu sobre Flávio Sabino, que anteriormente havia sido escolhido por Nero para ocupar esse cargo (relato de Tácito, em suas “Histórias”. Sabino era irmão do respeitado general Vespasiano, que na ocasião conduzia a campanha romana contra a Grande Revolta dos Judeus, na província da Judéia. Laco e Icelus, ligados ao finado Galba, foram imediatamente executados, e Tigellinus forçado a cometer suicídio.
Nesse ínterim, a rebelião dos partidários de Vitélio ganhava adesões na Gália e no norte da Itália. Otão tentou fazer um acordo com o rival, enviando emissários com promessas de dinheiro e salvo-conduto para ir viver a salvo onde quer que ele escolhesse. Vitélio, por sua vez, também enviou uma mensagem de teor semelhante. Os generais partidários de ambos também enviaram ou tentaram enviar mensageiros às legiões controladas pelo oponente imperial. Inclusive, Fábio Valente, general de Vitélio, enviou emissários à Guarda Pretoriana, em Roma, oferecendo negociações e argumentando que Vitélio tinha sido aclamado primeiro que Otão.
Mensagens mais animadoras chegaram da Dalmácia, da Panônia e da Moésia haviam jurado lealdade a Otão. Entretanto, a boa nova foi contrabalançada pela informação que as legiões da Hispânia aderiram à causa de Vitélio. O substancial contingente de legiões estacionadas na Judéia, sob o comando de Vespasiano, juraram lealdade a Otão.
O novo imperador tentou alguns gestos conciliadores em relação a pessoas ilustres. algumas inclusive punidas nos reinados anteriores. Após exercer o consulado do ano de sua elevação juntamente com seu irmão, Salvius Titianus, até o mês de março, Otão, para os meses posteriores, nomeou uma série de senadores, no número total de 15, para serem Cônsules daquele ano. Ele também concedeu direito de cidadania romana a algumas cidades.
Outras medidas, como o soerguimento de estátuas de Nero e da falecida imperatriz Popeia Sabina, parecem ter visado a agradar os partidários de Nero e o populacho da Cidade, no seio do qual o tresloucado imperador ainda gozava de bastante estima. Ele também reabilitou vários dos libertos que faziam parte do círculo íntimo do referido antecessor. Aparentemente, Otão pretendia, e assim o seu reinado estaria sendo percebido, como uma restauração do reinado de Nero. Sintomaticamente, o povo começou a chamá-lo de “Nero Otão“, um nome que, embora ele não tenha assumido oficialmente, também não consta ter proibido ou manifestado contrariedade.
Algo que contribuiu para reforçar o sentimento de continuidade em relação ao reinado de Nero, embora tenha sido considerado desabonador pelos historiadores romanos, foi o fato dele ter trazido para perto de si o escravo Sporus (Esporo), um rapaz que, devido a grande semelhança dele com a imperatriz Popeia Sabina, seguindo as ordens de Nero, foi castrado e passou a ser tratado por este imperador como se fosse a sua própria esposa.
Finalmente, de acordo com Suetônio, o imperador Otão destinou 50 milhões de sestércios para a conclusão da Domus Aurea, o suntuoso e espetacular palácio que Nero havia começado a construir em Roma, que ainda estava por ser terminado.
Alguns bárbaros, percebendo a turbulência política no seio do Império, aproveitaram para fazer incursões no território romano. Assim, os Roxolanos invadiram a província da Moésia com nove mil guerreiros montados. Porém, a Legião III, alerta e preparada para a ação, derrotou a tribo sármata com facilidade.
Todavia, na cidade de Roma, a indisciplina dos soldados permanecia: Em certa ocasião, os Pretorianos, da qual boa parte encontrava-se embriagada no Quartel, interpretou erroneamente uma movimentação de tropas e víveres e, acreditando que se tratava de uma tentativa de destronar Otão, um bando deles, após matar um dos seus comandantes, dirigiu-se ao Palácio e invadiu um banquete que estava sendo dado pelo imperador, que mostrou-se fraco e indulgente na ocasião. Nenhum soldado foi punido pelo episódio e eles ainda receberam uma gratificação de cinco mil sestércios para comprar a sua obediência. Para finalizar, os líderes da rebelião só foram punidos porque os próprios soldados assim o demandaram.
Em seguida, em meio aos preparativos para a expedição contra Vitélio, houve uma grande cheia do rio Tibre que inundou boa parte de Roma.
Tomadas as providências para minorar os danos da inundação, Otão retomou os planos para o confronto contra o rival: Ele enviou a frota para atacar a Gália Narbonense, um dos redutos de Vitélio e reforçou as tropas aquarteladas na cidade, predominantemente componentes da Guarda Pretoriana, com alguns outros contingentes. Julgando que os preparativos eram suficientes e tomando como exemplo negativo a postura passiva de Nero ante à rebelião que lhe custou a vida e o trono, Otão, em 14 de março de 69 D.C, partiu de Roma em direção ao norte da Itália.
No meio dessas ações iniciais, dois episódios merecem nota: Tito, o filho de Vespasiano, que havia sido enviado da Judéia pelo pai para prestar homenagens a Galba, ao saber que este havia sido assassinado, e que Otão assumira o trono tendo como contestantes Vitélio e suas legiões, achou mais prudente voltar e expor a situação ao pai, a fim de ver qual curso de ação tomar. Concomitantemente, apareceu na Ásia um impostor dizendo que ele era Nero, que teria conseguido escapar da Itália, conseguindo enganar e atrair um bom número de apoiadores. Mas a farsa não perdurou muito e o farsante foi capturado e morto.
A força militar à disposição de Otão foi reforçada com a chegada de quatro legiões: a VII, XI, XIII Geminae XIV Gemina. Nero havia conferido a esta última muitas distinções e, por causa disso, esses soldados aderiram entusiasticamente à causa de Otão, que, envergando uma couraça de metal, marchava à frente de sua tropa citadina, majoritariamente composto de Pretorianos e dos Soldados-Marinheiros, aos quais se somaram algumas tropas esparsas, incluindo uma constituída de dois mil gladiadores. A pressa se justificava, pois parte do exército de Vitélio, comandado porAulus Caecina Alienus, já tinha atravessado os Alpes, cujas passagens haviam sido asseguradas pela adesão de um contingente de cavalaria chamado de Sílios, e chegado à Itália. Por sua vez, o envio da frota mostrou-se frutífero e assegurou o controle da costa italiana até os Alpes Marítimos (cadeia de montanhas no litoral do Mediterrâneo que separa a Itália da França).
Otão enviou um destacamento avançado de suas forças para atacar a região dos Alpes Marítimos, tendo essas tropas causado grande dano aos habitantes locais, com saques e destruição de propriedades. O governador da província tentou defendê-la mediante o recrutamento dos aguerridos povos montanheses, mas estes, devido à falta de treinamento militar, foram facilmente subjugados.
No litoral da Gália, Fábio Valente, general de Vitélio, temendo a ameaça de um desembarque da frota próximo à importante cidade de Forum Julii (atual Fréjus, na França), enviou doze esquadrões de cavalaria, acompanhado de uma coorte auxiliar (unidade com cerca de 800 soldados) de Lígures (povo que habitava o sopé e a parte mais baixa dos Alpes) e 500 auxiliares Panônios.
As tropas de Otão ocuparam posições elevadas junto à costa e contavam com a proteção da frota no litoral adjacente. A batalha seguiu-se imediatamente e, devido à ação conjunta dos pretorianos, de camponeses recrutados para atirar pedras (talvez usando fundas) e das tropas embarcadas, resultou favorável ao exército de Otão. Em decorrência, as tropas de Vitélio foram obrigadas a recuar. Contudo, o sucesso distraiu as tropas de Otão, e, aproveitando-se disso, o exército de Vitélio atacou o acampamento adversário de surpresa, mas acabaram sendo repelidos.
Não tendo nenhum dos lados obtido uma vitória decisiva, os dois exércitos retiraram-se: o de Vitélio para Antipolis (atual Antibes, França) e o de Otão para Albingaunum (atual Albenga, Itália).
Não obstante, a maior ameaça para Otão era o fato de que um exército de Vitélio, comandado por Aulus Caecina, já havia descido os Alpes e ocupado a fértil planície do rio Pó, cruzando este mesmo rio e ameaçando a cidade de Placentia (atual Piacenza). Observe-se que a junção dessa força com aquela comandada por Fábio Valente poderia colocar o exército de Otão em perigosa desvantagem.
Spurinna, o comandante da guarnição de Placentia, leal a Otão, mandou fortificar as defesas da cidade, que foi atacada por Caecina, mas conseguiu resistir bravamente ao cerco que se seguiu. Assim, o general de Vitélio foi obrigado a recuar, cruzar de volta o rio Pó e buscar abrigo na cidade de Cremona. Durante esta retirada, positiva para a causa de Otão, contudo, algumas tropas desertaram e juntaram-se a Caecina.
A Legião I Adiutrix, uma legião recém-formada, comandada por Annius Gallus, que marchava em direção a Placentia para ajudar a guarnição da cidade na resistência ao cerco, ao saber da retirada de Caecina, entusiasmou-se e, mesmo sem que houvesse ordem de seu comandante, marchou em direção à Cremona, somente parando, após retomada a disciplina, na cidade de Bedriacum (Bedríaco, atual Calvatone), que ficava a meio caminho.
Nesse ínterim, uma ação inusitada, segundo Tácito, acirraria a falta de confiança e entusiasmo das forças partidárias de Otão: a força de dois mil gladiadores comandada por Marcius Macer logrou atravessar o rio Pó e atacou com sucesso unidades de auxiliares do exército de Vitélio, tendo parte conseguido fugir para Cremona e outra parte sido aniquilada. Apesar do sucesso, Macer ordenou que seus homens não explorassem esse sucesso, temeroso de enfrentar inimigos em maior número. Em seguida, o general Suetônio Paulino comandou outra ação bem-sucedida na localidade chamada de Locus Castorum, porém, da mesma forma e pelo mesmo motivo, decidiu interromper o avanço. Essas hesitações acabaram acarretando a desconfiança do grosso das tropas de Otão em seus comandantes. Em decorrência, o imperador foi obrigado a designar seu irmão, Titianus, como o comandante geral do seu exército, preterindo talentosos generais que já comandavam suas legiões no teatro de batalha, como era o caso de Suetônio Paulino (que havia derrotado com sucesso a grande revolta da rainha Boudica, na Britânia).
Após controlar um perigoso motim em suas tropas, Fábio Valente conseguiu unir-se ao exército comandado por Caecina, em Cremona, ocasião em que a rivalidade entre os dois ficou evidente.
6- Primeira Batalha de Bedríaco
A junção dos dois exércitos de Vitélio tornava urgente a definição de uma estratégia por parte de Otão. Os seus generais mais experientes, como Suetônio Paulino, cientes da inferioridade numérica, recomendaram evitar uma batalha e esperar que os suprimentos das forças de Vitélio se esgotassem, já que estes não controlavam o resto da Itália e nem as rotas marítimas. O rio Pó configurava uma barreira favorável à defesa e, portanto, manter as posições defensivas em cidades fortificadas ao longo do rio propiciaria que com a passagem do tempo, as tropas de Vitélio começassem a sofrer os efeitos da carência de víveres.
Entretanto, prevaleceram as opiniões de Titianus e do Prefeito Pretoriano Proculus, que defendiam um ataque imediato, porém recomendando que o imperador e sua guarda ficassem na retaguarda, aquartelados na cidade de Brixellum (atual Brescello), para a proteção de Otão e como reserva.
Alguns desertores, espiões ou ambos, levaram as resoluções do comando das forças de Otão ao conhecimento de Valente e Caecina, que planejaram um ataque simulado aos gladiadores de Otão. Seguiu-se um combate em que os gladiadores acabaram levando a pior, o que gerou mais insatisfação das tropas com o comandante deles, Macer, que foi substituído por Tito Flávio Sabino, sobrinho de Vespasiano (não confundir com o irmão deste, mencionado anteriormente).
Finalmente, em 14 de abril de 69 D.C, Titianus, o comandante do exército de Otão, decidiu atacar Cremona e forçar o engajamento decisivo.
Mesmo assim, durante o avanço para Cremona, os generais de Otão estavam relutantes e, sentindo as tropas fatigadas pela marcha e decidiram acampar em um trecho da Via Postumia, próximo a Bedríaco (atual Calvatone).
Segundo Suetônio, enquanto isso, dois centuriões das coortes pretorianas pediram para serem recebidos por Caecina, com o objetivo de entabular negociações. Antes que o real propósito dos pretorianos fosse conhecido, o comandante percebeu que seu colega Valente havia ordenado que suas tropas entrassem em formação de batalha, dando o respectivo sinal.
Então, a cavalaria do exército de Vitélio avançou, mas, surpreendentemente, ela foi repelida por um pequeno contingente das tropas de Otão. Mesmo assim, as forças de Vitélio se posicionaram em boa ordem, enquanto que as tropas de Otão se dispuseram em certa confusão, aparentando nervosismo e insatisfação com seus comandantes.
Para piorar a situação, espalhou-se entre as tropas de Otão um boato de que o exército de Vitélio havia desertado, não se sabe se propositalmente ou por acaso. Em decorrência, baixou sobre as primeiras um estado de desânimo, chegando os homens a saudarem os inimigos, que, mesmo assim, continuavam demonstrando animosidade contra eles.
Foi neste momento que o grosso do exército de Vitélio atacou.
Apesar de sua inferioridade numérica, desorganização e estado de ânimo, o exército de Otão ofereceu uma corajosa resistência. Como o campo de batalha era, em alguns trechos, entremeado de árvores e vinhedos, a luta adquiriu uma característica ora de combate homem a homem, ora de combate entre formações. As ações ofensivas foram feitas basicamente com espadas e machados, sem o arremesso de dardos.
Em outra parte do campo de batalha, entre o rio e a estrada, onde o terreno era plano e aberto, a experimentada Legião XXI Rapaxde Vitélio engajou a Legião I Adiutrixde Otão, que nunca tinha visto combate real antes. Apesar disso, a Adiutrix, lutando com entusiasmo, conseguiu capturar a o estandarte-águia da Rapax. Porém, isto acabou inflamando os soldados da legião de Vitélio, e eles conseguiram matar em combate o comandante da Adiutrix, Orfidius Benignus, e capturar vários estandartes.
Ponte sobre o rio Oglio, afluente do Pó, em Calvatone (antiga Bedríaco). Alguns dos combates descritos no texto podem ter tido esse local como cenário. Foto: Massimo Telò, CC BY-SA 3.0 https://creativecommons.org/licenses/by-sa/3.0, via Wikimedia Commons
Enquanto isso, outra legião de Vitélio, a V Alaudae, conseguiu desbaratar a Legião XIII, de Otão, tendo outra legião “Otoniana”, a Legião XIV, experimentado o mesmo revés. Nesta altura do combate, os generais de Otão abandonaram o campo de batalha. A situação do exército de Otão piorou quando a temível unidade dos Batavos, que integrava as forças de Vitélio, chegou ao campo de batalha e conseguiu destroçar o contingente de gladiadores de Otão que havia atravessado o rio.
O símbolo da Legião V Alaudae era um elefante. Foto: CatMan61, Public domain, via Wikimedia Commons
Em franca desvantagem, o restante do exército de Otão foi obrigado a fugir em desordem e procurar abrigo em Bedríaco. Os seus comandantes foram recebidos com hostilidade pelos soldados no acampamento. Não obstante, parte dos soldados, inclusive dos Pretorianos, ainda considerava que eles poderiam continuar a luta.
O exército de Vitélio avançou até o marco de cinco milhas da que partia de Bedríaco e decidiu esperar. No dia seguinte, a disposição dos soldados no acampamento mudou e eles resolveram enviar uma delegação para negociar com os generais de Vitélio. Após alguma hesitação, esta delegação voltou acompanhada de uma enviada pelo exército de Vitélio, a qual foi recebida com emoção pelos acampados.
Nesse meio tempo, Otão aguardava com ansiedade as novas da batalha em Brixellum. Ele ainda tinha consigo uma quantidade apreciável de tropas e sabia que havia outras legiões que, formalmente, ainda lhe eram leais que poderiam chegar de outros pontos do Império. As lideranças dos soldados que estavam com ele manifestaram o desejo de continuar lutando, tendo Plotius Firmus, Prefeito da Guarda Pretoriana sido vocal neste sentido. Inclusive, integrantes de destacamentos das legiões da Moésia que se encontravam no acampamento, afirmaram que as tropas desta província já teriam alcançado a cidade de Aquileia, e em breve reforçariam o exército de Otão.
Naquele momento, de acordo com o relato do historiador Tácito (Nota: o nosso relato da batalha é praticamente uma transcrição do texto deste historiador), o imperador Otão fez o seguinte discurso aos seus soldados:
Eu considero que expor homens tão corajosos e bravos como vocês a mais perigos é um preço demasiado alto pela minha vida. O quanto maior for a esperança que vocês me oferecem, se fosse meu desejo viver, mais gloriosa será a minha morte. A Fortuna e eu nos conhecemos bem. Não calculem a curta duração do meu governo; é ainda mais difícil fazer um uso moderado de uma boa fortuna que não se espera desfrutar por muito tempo. Vitélio começou a guerra civil; Foi ele quem iniciou a luta armada entre nós pelo poder imperial; mas não lutaremos mais do que uma vez, pois está em meu poder estabelecer um precedente para isso. Assim eu gostaria que a posteridade julgasse Otão. Vitélio desfrutará da companhia de seu irmão, sua esposa e seus filhos; eu não exijo vingança nem consolo. Outros podem deter o poder por mais tempo do que eu; nenhum o entregará com mais bravura. Vocês querem que eu permita que tantos jovens de Roma, exércitos tão nobres, sejam novamente massacrados e perdidos pelo Estado? Deixem-me levar comigo o pensamento da sua vontade de morrer por mim; Mas vocês devem viver! Agora não deve haver mais demora; não deixem que eu interfira na segurança de vocês, nem vocês na minha determinação. Falar longamente sobre o fim é covardia. Considerem como a principal prova da minha resolução o fato de que não me queixo de ninguém. Cabe a ele culpar deuses ou homens que deseja viver.”
Tácito, Histórias, Livro II, 46
O historiador Suetônio transcreve um discurso de teor semelhante, embora com texto diferente. Sabemos que os historiadores antigos usavam como recurso narrativo inventar discursos de pessoas célebres em momentos decisivos. Tácito é considerado um historiador mais confiável em relação às fontes, mas ele também costumava inventar discursos. O certo é que todos os historiadores que relataram esses fatos concordam que Otão se dirigiu aos soldados e fez um discurso declarando o desejo de interromper a guerra civil e tirar a própria vida, para evitar mais derramamento de sangue.
7- Morte de Otão
Após o discurso, Otão mandou queimar documentos que poderiam comprometer os seus partidários e distribuiu dinheiro para algumas pessoas. Alguns militares chegaram a ameaçar um motim, mas o imperador conseguiu demovê-los. Ele tinha a seu lado seu jovem sobrinho,Lucius Salvius Otho Cocceianus, filho de seu irmão Titiano, a quem ele tranquilizou, dizendo que não tivesse medo (de fato, o rapaz foi poupado por Vitélio e viveu até o reinado de Domiciano, quando chegou a ser Cônsul, no ano de 82 D.C.., mas, segundo consta, este imperador o teria executado pelo simples fato dele haver comemorado o aniversário de Otão).
Então, Otão retirou-se para sua tenda, despediu seus amigos e apanhou duas adagas que lhe tinham sido trazidas. Após matar a sede com um tanto de água fria, o imperador dormiu um pouco. Quando o dia 16 de abril de 69 D.C. raiou, finalmente, ele se jogou sobre uma das adagas e morreu, faltando onze dias para completar 37 anos de idade.
Em obediência às suas instruções, o cadáver de Otão foi rapidamente cremado em uma pira, sendo que, durante a cremação, alguns soldados, emocionados, cometeram suicídio. Os seus restos foram sepultados em um modesto mausoléu, contendo apenas uma inscrição com o seu nome.
Mesmo após a morte de Otão, seus soldados chegaram a se amotinar e obrigar o general Lucius Verginius Rufus a aceitar ser aclamado como imperador, mas este se recusou (como já havia ocorrido quando ele derrotou a rebelião de Gaius Julius Vindex).
Os soldados, então, aceitaram a realidade e enviaram uma delegação composta por alguns generais, que submeteram aos generais de Vitélio a capitulação e o reconhecimento deste como novo imperador.
De acordo com o historiador romano Cássio Dião, quarenta mil soldados pereceram nos combates em Bedríaco.
8 – Epílogo
Em 19 de abril de 69 D.C, o Senado Romano formalmente declarou Vitélio imperador. Este, quando recebeu a notícia da vitória de suas tropas e da morte da Otão, prontamente dirigiu-se para Roma, onde fez uma entrada triunfal. Os homens fortes do novo reinado eram, obviamente, os generais Caecina e Valente. O novo imperador tentou, inutilmente, como seus predecessores, contentar a ganância dos soldados, sem conseguir discipliná-los. Para isso contribuiu o comportamento desregrado e a sua falta de compostura, que naturalmente não estimulava o respeito dos militares nem o suporte por parte da elite senatorial. Como seu predecessor, Vitélio parece ter procurado demonstrar que seu reinado manteria a orientação favorável a Nero.
Porém, em julho de 69 D.C., os exércitos do Oriente aclamaram como imperador o respeitado general Vespasiano, que comandava a campanha contra a Revolta dos Judeus. A situação de Vitélio piorou quando as legiões da Panônia, sob o comando de Antonius Primus, e da Ilíria, sob o comando de Cornelius Fuscus, declararam-se a favor de Vespasiano e marcharam para invadir a Itália. Em breve, os exércitos dos rivais encontrariam-se novamente nas proximidades de Cremona, e travariam a Segunda Batalha de Bedríaco.
9- Conclusão
A despeito de seus vícios tão enfatizados pelas fontes antigas, Otão não parece ter sido pior do que alguns de seus antecessores ou sucessores. Devemos, então, nos debruçar mais sobre os aspectos estruturais, sem deixar de relacioná-los com as ações do próprio Otão. A crônica da vida e do reinado dele demonstra a disfuncionalidade que havia quanto ao Principado no que se refere à natureza do regime e ao princípio da sucessão, algo que já abordamos no nosso artigo sobre Nero. Essa disfuncionalidade foi herdada da crise do final da República, em que o poder político se sustantava nas legiões recrutadas por generais-políticos ambiciosos. Augusto foi bem-sucedido em cooptar a elite senatorial sob uma aparência de manutenção de seus privilégios na ordem republicana, mas não conseguiu estabelecer um princípio sucessório que assegurasse a continuidade de sua dinastia. A queda de Nero reabriu a oportunidade para que aventureiros ambiciosos aliassem-se à ganância dos soldados, resultando em imperadores fracos, com pouca autoridade sobre os militares, e em um regime instável. O capítulo final da vida de Otão, e a nobreza demonstrada em sua morte, mostra que ele não era um romano tão degenerado como se supunha. Mas somente um governante com autoridade moral, comportamento respeitável, sensatez e ascendência sobre as tropas, como Vespasiano, conseguiria restaurar a estabilidade do regime imperial.
Segundo o historiador Cássio Dião (Epítome do Livro 79, Marcus Opellius Macrinus (Macrino) nasceu na cidade de Caesarea (atual Cherchell, na Argélia), na província romana da Mauritania Caesariensis, estima-se que por volta do ano de 165 D.C.
Cássio Dião descreve Macrino como sendo um “Mouro”, o que significa que provavelmente ele era de origem berbere. Já os pais dele, por sua vez, ainda de acordo com o relato do referido historiador, seriam de “origem obscura”, significando que não se sabia nada sobre a condição social deles. Como evidência de sua origem Moura, o texto menciona que Macrino tinha uma de suas orelhas furada, presumivelmente para usar um brinco ou outro adorno, no que seria um costume característico dos Mouros.
As fontes romanas relatam que, em algum momento de sua vida, Macrino adquiriu um respeitável conhecimento da legislação e jurisprudência romanas, chegando a exercer a advocacia, uma atuação que chamou a atenção de Plautianus, o desafortunado sogro do imperador Caracala, que o contratou para ser ser seu secretário particular. Conseguindo escapar da desgraça de Plautianus, que foi executado ainda durante o reinado de Septímio Severo, o promissor Macrino foi nomeado Superintendente (Curator) da Via Flamínia, uma estrada importante estrada que ligava Roma à cidade de Rimini. Certamente, este era um posto que dava visibilidade política e também permitia ao seu titular amealhar bastante dinheiro, uma prática bem comum entre os homens públicos romanos.
Durante o reinado de Caracala, a carreira de Macrino continuou em ascensão e ele foi nomeado para um cargo não especificado de Procurador, muito provavelmente um cargo de Procurator Augusti, administrando a arrecadação de tributos ou Fiscus (rendas e patrimônio da casa imperial). Também sabemos que Macrino recebeu o anel de ouro que simbolizava o pertencimento à classe dos Equestres (status social que vinha abaixo da nobreza senatorial), uma vez que os referidos cargos eram exclusivos deste grupo. De acordo com Cássio Dião, essas funções foram exercidas por Macrino com eficiência e correção.
Contudo, a História Augusta, uma coleção de biografias imperiais escrita por volta do século IV D.C. (e considerada não muito confiável pelos historiadores modernos, devido aos seus vários erros factuais e algumas contradições), apresenta uma versão mais deletéria da vida de Macrino, citando outros autores, não obstante, no próprio texto, o autor faça questão de advertir que são relatos duvidosos.
Assim, de acordo com a História Augusta, referindo afirmações feitas por um suposto historiador chamado Aurelius Victor, Macrino, durante o reinado de Cômodo (180-192 D.C.), era um escravo liberto e teria sido um “prostituto público”, encarregado de tarefas servis no Palácio, sendo, além disso, corrupto. Posteriormente, já no reinado de Septímio Severo, Macrino teria sido banido para a África por aquele imperador, província onde ele se dedicou a estudar, começando por defender pequenas causas perante os tribunais, dedicando-se à Oratória, após o que, finalmente teria conseguido tornar-se um magistrado. Então, Festus, um outro liberto que tinha sido colega de Macrino, conseguiu que este recebesse o anel de Equestre e, no reinado do imperador Verus Antoninus*, ele foi nomeado Procurador do Fisco.
*Nota: Esta referência é considerada um erro crasso do autor da História Augusta, já que Macrino seria no máximo uma criança de tenra idade quando Lucius Verus foi imperador, sendo que o autor provavelmente quis se referir a Caracala, cujo nome oficial era Marcus Aurelius Antoninus)
E a História Augusta ainda cita outras passagens sobre a vida de Macrino, provenientes de outros autores não identificados, os quais mencionaram que ele teria chegado a lutar na arena como gladiador-caçador (isto é, um venator, tipo de gladiador que capturava feras e outros animais selvagens na arena, além de se apresentar como domador, fazendo-os performar truques) sendo que, após receber o diploma honorário de dispensa da profissão, ele mudou-se para a Província Romana da África.
De qualquer modo, as fontes concordam que Macrino exerceu o cargo de Procurador com zêlo e confiabilidade suficiente para fazer com que Caracala o nomeasse Prefeito Pretoriano, em 214 D.C., tornando-se um dos comandantes da Guarda Pretoriana. Este era um posto que inicialmente compreendia apenas o comando da Guarda, mas que, no decorrer do período imperial foi sendo expandido para abranger também o comando das tropas da Itália e outras unidades mais próximas ao imperador. Posteriormente, tornaria-se um dos cargos mais importantes da administração civil, de certa forma análogo ao de um primeiro-ministro ou grão-vizir. Normalmente, eram dois os Prefeitos Pretorianos, mas, sob Caracala, chegaram a haver três simultaneamente, sendo, um deles, Macrino. O outro era Marcus Oclatinius Adventus, que também havia sido anteriormente Procurator Augusti, algo que talvez demonstre um padrão nas nomeações de Caracala. Observe-se que, pela tradição, o cargo de Prefeito Pretoriano também era destinado à homens pertencentes à Classe Equestre.
Busto de Caracala
Apesar da nomeação, Macrino parece não ter gozado da estima do imperador, que, segundo Herodiano, chegou a criticá-lo por ser adepto demais da boa mesa e também por ser efeminado.
Para não nos alongarmos muito, cumpre relatar que Macrino, na condição de Prefeito Pretoriano, acompanhou, juntamente com seu colega Adventus, Caracala na expedição contra os Partas. Durante a expedição,Flavius Maternianus, que havia ficado em Roma para comandar os Guardas durante a campanha, teria enviado uma carta a Caracala relatando que um vidente teria tido uma visão em que Macrino seria o novo imperador. Entretanto, Macrino, que já estava preocupado com a má disposição que o imperador vinha demonstrando contra ele, teve acesso primeiro à correspondência e, após ler a carta, removendo-a do malote, compreendeu que certamente seria executado se a profecia chegasse ao conhecimento de Caracala.
Assim, visando salvar a própria vida, Macrino abordou o soldado Julius Martialis, integrante da guarda pessoal do imperador, com quem ele tinha uma ligação próxima, o qual estava insatisfeito com Caracala pelo fato deste ter mandado executar injustamente o irmão dele, também soldado e convenceu-o a executar o imperador, da maneira já narrada no tópico antecedente.
No dia 8 de abril de 217 D.C, quando a caravana de Caracala se dirigia da cidade de Edessa para Carras (atual Harran, na Turquia) parou pelo simplório motivo dele fazer suas necessidades no mato, Martialis, que o seguia de perto, atravessou Caracala com sua espada e, em seguida, tentou fugir, sendo morto por um arqueiro.
Em 11 de abril de 217 D.C., três dias após o assassinato, e sob a iminência do exército ser atacado pelos Partas, as tropas aclamaram Macrino imperador. Vale observar que, antes, a coroa foi oferecida a Marcus Adventus, porém este recusou, alegando estar muito velho.
Importante notar que Macrino foi o primeiro imperador romano não oriundo da classe senatorial, em quase 250 anos de período imperial. Em uma sociedade marcadamente classista e estratificada como a romana, certamente era uma condição capaz de diminuir a legitimidade do imperador. Não obstante, Caracala era tão detestado pelo Senadores que a notícia da aclamação de Macrino foi bem recebida e confirmada pelo Senado Romano.
Em seguida, Macrino concluiu uma paz com os Partas, mas, ao invés de desmobilizar o Exército reunido para a campanha, mandando-o de voltas para os seus quartéis nas fronteiras, e voltar para Roma, ele preferiu ficar em Antióquia, decisão que foi considerada um erro pelos autores antigos. Ali, Macrino ficou um tempo desfrutando de luxo e prazeres, vestido com roupas luxuosas e extravagantes, o que, aparentemente, nos dá uma pista de que as anteriormente mencionadas críticas de Caracala não seriam infundadas.
Então, os soldados passaram a sentir nostalgia de Caracala, que se comportava como um deles. Além disso, a crise fiscal ocasionada pelo aumento dos gastos militares necessitava de medidas urgentes. Macrino, então, decidiu que os novos recrutas do Exército receberiam um soldo menor do que os já engajados. A ideia era não desagradar os soldados já em exercício, mas isso acabou sendo percebido como uma antecipação de futuros cortes nos soldos deles.
A insatisfação das tropas com Macrino não passou despercebida às influentes mulheres da família de Caracala. A imperatriz Júlia Domna havia morrido, de câncer no seio, pouco depois dele assumir o trono. Macrino, então, ordenou que a irmã dela, Júlia Maesa, deixasse Roma e voltasse para a cidade natal delas, Emesa, na Síria, junto com suas filhas, Júlia Soêmia e Júlia Maméia, e seu neto, Sextus Varius Avitus Bassianus, que ficaria conhecido comoElagábalo (ou Heliogábalo), filho da primeira.
Moeda com a efígie de Júlia Maesa. Foto: Bibliothèque nationale de France, Public domain, via Wikimedia Commons
Ocorre que Macrino permitiu que Júlia Maesa mantivesse com ela a imensa fortuna que a família, que já era riquíssima pelo fato de governarem a cidade e chefiarem o culto ao deus El-Gabal, tinha amealhado durante mais dos 20 anos em que fizeram parte da família imperial. Certamente, este dinheiro facilitou que Júlia Maesa convencesse os soldados da III Legião Gallica, cujo quartel ficava próximo à Emesa, que seu neto, considerado um adolescente muito bonito, chamado Elagábalo, em homenagem ao referido deus, era filho ilegítimo de Caracala, a quem as tropas tanto adoravam. Assim, em 16 de maio de 218 D.C, o comandante da Legião, Publius Valerius Comazon, aclamou Elagábalo imperador.
A reação de Macrino, que aparentemente não deu a importância devida à rebelião, foi nomear seu filho, Diadumeniano, de dez anos de idade, como co-imperador e enviar um destacamento comandado pelo novo Prefeito Pretoriano, Ulpius Julianus. Porém, ao chegarem ao acampamento dos rebeldes, os soldados de Ulpius, ao verem Elagábalo nos muros e os soldados revoltosos com suas bolsas cheias de dinheiro, desertaram e aderiram à rebelião. A cabeça de Ulpius foi cortada e enviada a Macrino.
Em 8 de junho de 218 D.C, uma força comandada pelo tutor de Elagabálo aproximou-se de Antióquia. Macrino decidiu dar combate ao exército rebelde, mas, durante os combates, o imperador, descrente do resultado, abandonou o campo de batalha e voltou para Antióquia. Na cidade, contudo, estouraram tumultos e Macrino resolveu fugir em direção à Roma, despachando Diadumeniano para que este encontrasse abrigo entre os Partas.
Ao chegar à cidade de Calcedônia, Macrino foi reconhecido e capturado, sendo mantido em cativeiro. Por sua vez, a caravana conduzindo Diadumeniano foi interceptada na cidade de Zeugma e o menino assassinado. Quando a notícia chegou ao conhecimento de Macrino, ele tentou fugir, sem sucesso, terminando por ser também executado, ainda durante o mês de junho de 218 D.C. A cabeça dele foi enviada à Elagábalo, o novo imperador.
Nascido a 4 de abril de 188 D.C, em Lugdunum, na província da Gália (atual Lyon), com o nome de Lucius Septimius Bassianus, Caracala era o filho mais velho do imperador Septímio Severo e da imperatriz Júlia Domna.
Severo foi o primeiro imperador romano que não descendia de uma família de origem italiana (ao menos por parte de pai,) pois a sua tinha origem púnica ou berbere, nativa da cidade de Leptis Magna, na atual Líbia. Porém, a família ascendera à classe Equestre, e dois primos de Severo já tinham ocupado o consulado durante o reinado do imperador Antonino Pio.
(Septímio Severo, pai de Caracala)
Já a mãe de Caracala, a imperatriz Júlia Domna, uma mulher admirada por sua beleza e inteligência, era filha de Julius Bassianus, sumo-sacerdote do Templo do deus Elagábalo (El-Gabal), em Emesa (moderna Homs), na Síria, e membro da dinastia dos Sempseramidas, governantes daquela cidade, que era a capital de um reino-cliente de Roma, que depois foi anexada pelo Império.
(Júlia Domna, mãe de Caracala)
Cinco anos após o nascimento de Caracala, em 193 D.C, seu pai Septímio Severo se tornaria imperador e reinaria até 211 D.C. Severo queria fazer crer que era filho ilegítimo do finado imperador Marco Aurélio e, por isso, além de acrescentar o nome deste imperador ao seu, mudou o nome de Caracala para Marcus Aurelius Severus Antoninus Augustus, numa tentativa de legitimar a si e a sua prole como continuadores da bem-sucedida dinastia dos Antoninos, que terminara de fato com o assassinato do imperador Cômodo.
O apelido Caracala surgiu porque Lucius Septimius Bassianus gostava muito de usar um manto com capuz, de origem gaulesa, chamado de “Caracalla“.
Severo, desde cedo, demonstrou que não iria reviver o costume dos Antoninos, que fora interrompido com a nomeação de Cômodo por seu pai, Marco Aurélio, de se escolher, como herdeiro e sucessor do imperador, o homem público mais apto, e não o próprio filho biológico.
Assim, em 196 D.C, Caracala foi nomeado “César” (título equivalente ao de príncipe-herdeiro) e, em 28 de janeiro de 198 D.C, ele seria reconhecido como “Augusto“, tornando-se de direito co-imperador junto com seu pai, embora ele tivesse apenas 9 anos de idade.
Em 202 D.C, Severo concordou em casar Caracala com Plautila, filha do seu primo e conterrâneo, o poderoso Prefeito Pretoriano Plauciano.
Caracala odiava o sogro e a esposa e, após o seu casamento, recusou-se a ter qualquer relacionamento com Plautila. Na verdade, consta que Caracala teria chegado a prometer que, quando se tornasse imperador, daria cabo de ambos, o que pode ter levado Plauciano a conspirar contra Severo, ou, ao menos, esse foi o pretexto que Caracala usou para conseguir a queda e execução do sogro e o exílio de Plautila, em 205 D.C.
Parece que Severo pretendia ser sucedido, após a sua morte, conjuntamente por Caracala e por seu filho mais novo, Geta, que era um ano mais novo do que o irmão e foi nomeado César em 198 D.C e, posteriormente, Augusto em 209 D.C.
(Uma das poucas imagens de Geta que sobreviveram à Damnatio Memoriae ordenada por Caracala)
Os dois irmãos destacavam-se pela dissolução dos costumes, promovendo orgias, e, igualmente, pelo ciúme e ódio que nutriam um pelo outro.
Segundo as fontes antigas, Severo, enquanto encontrava-se em campanha contra os Caledônios na Britânia, caiu gravemente enfermo, e, pressentindo que ia morrer, mandou chamar Caracala e Geta, para dar-lhes a notícia e um derradeiro conselho para o futuro reinado de ambos, que foi este:
“Não briguem entre si, deem muito dinheiro aos soldados e desprezem todos os outros“.
No dia 4 de fevereiro de 211 D.C, em Eboracum (atual York), Severo morreu. No mesmo dia, Caracala e Geta foram aclamados imperadores pelas tropas. Ambos decidiram imediatamente interromper a campanha e voltar para Roma.
Porém, a animosidade entre os irmãos-imperadores era tanta que o Palácio teve que ser dividido em dois, e, mesmo assim, não satisfeitos, eles chegaram a cogitar seriamente em dividir o Império Romano em duas metades, cem anos antes de Constantino, que tomou a medida por motivos muito mais relevantes.
Não demorou muito para que Caracala colocasse em prática um plano para se livrar do irmão. Assim, simulando um falso desejo de reconciliação, ele persuadiu Júlia Domna a convocar um encontro ente ele e Geta. Quando Geta chegou na ala do Palácio ocupada pela mãe, um grupo de membros da Guarda Pretoriana fiéis a Caracala esfaquearam-no, e Geta morreu nos braços de Júlia Domna, em dezembro de 211 D.C.
Não satisfeito em mandar matar Geta, Caracala quis também eliminar qualquer referência histórica ao irmão, ordenando a sua “Damnatio Memoriae“. Em decorrência, a imagem de Geta deveria ser apagada de qualquer monumento público, o que efetivamente foi feito, como se pode ver em uma famosa pintura que chegou até os nossos dias, proveniente do Egito, onde o retrato de Geta, ainda criança, junto da família imperial, foi apagado.
(Painel de madeira pintada com os retratos de Septímio Severo, Júlia Domna e Caracala, ainda criança. A imagem de Geta foi apagada, em obediência à Damnatio Memoriae).
Caracala, que, logo no primeiro ano de reinado, decidira não obedecer o primeiro conselho do pai, matando o irmão, entretanto seguiria à risca o segundo conselho, aumentando em 50% o soldo dos legionários. Não satisfeito, o imperador foi além e passou a cortejar os soldados, marchando junto com eles, comendo com eles o mesmo rancho, e até mesmo moendo grãos para fazer a farinha para o rancho.
Também no início do seu reinado, Caracala ordenou a construção de um gigantesco complexo de banhos públicos, que ficariam conhecidos como as “Termas de Caracala” e seriam as maiores já construídas em Roma, até a construção das Termas de Diocleciano, 90 anos mais tarde.
Em 213 D.C., Caracala teve que deixar Roma para ir combater os bárbaros Alamanos, que ameaçavam a fronteira da Raetia (província que fazia fronteira com a Germânia, compreendendo parte da atual Suíça e do estado alemão da Baviera, entre outras regiões). Os bárbaros foram contidos e Caracala aproveitou para reforçar as defesas do território romano dos Agri Decumates).
(Reconstrução em maquete das Termas de Caracala)
Porém, os gastos com os soldados e com as Termas obrigariam Caracala a desvalorizar o denário e a aumentar os tributos, tornando a sua figura, que já era antipática por natureza, detestada pela maioria do povo, e, sobretudo, pelo Senado, que também frequentemente era desrespeitado por ele. Portanto, podemos dizer que o terceiro conselho de Severo: “desprezar todos os outros‘”, também estava sendo obedecido por Caracala…
A principal medida legal do reinado de Caracala foi a promulgação da “Constitutio Antoniniana“, em 212 D.C, lei também conhecida como Édito de Caracala, concedendo a cidadania romana a todos os homens livres do Império Romano. Contudo, mais do que uma medida democrática ou inclusiva, o real objetivo de Caracala era aumentar a base tributária, já que alguns tributos somente incidiam sobre cidadãos romanos.
(Papiro com o texto da Constitutio Antoniniana, que sobreviveu até os nossos dias)
Segundo Cássio Dio, para inspirar temor nos seus súditos, Caracala gostava que a propaganda imperial divulgasse uma imagem dele como um governante temível e implacável , e, de fato, todos os retratos que sobreviveram dele mostram exatamente essa expressão.
Caracala admirava muito Alexandre, o Grande e, tentando emular o seu ídolo, o imperador promoveu uma campanha contra os Partos. E a fascinação de Caracala com o rei da Macedônia foi tanta que ele chegou a criar uma unidade militar com o nome de Phalangiari, imitando as falanges macedônicas que tinham dado tantas vitórias a Alexandre.
Enquanto Caracala, ausente de Roma, conduzia a campanha contra os Partos, quem se tornou a virtual governante da Cidade foi sua mãe, Júlia Domna. Com ela, começaria uma tendência que caracterizaria a dinastia dos Severos: a predominância das mães dos imperadores como eminências pardas e governantes de fato do Império, o que se acentuou durante os reinados de Elagábalo e de Severo Alexandre.
Entretanto, no dia 8 de abril de 217 D., o Imperador Caracala mandou parar sua comitiva, que marchava da cidade de Edessa para dar andamento à guerra contra a Pártia.
A parada, que ocorreu próximo à cidade de Carras (atual Harran, no sul da Turquia), tinha um motivo bem prosaico: o imperador estava com vontade de urinar…
Caracala afastou-se da comitiva, seguido, apenas, de seu guarda-costas Julius Martialis, que, aparentemente, guardava a distância necessária à privacidade do imperador.
De repente, o líquido amarelo que escorria pelo chão em decorrência do alívio da necessidade fisiológica do imperador, começou a ficar vermelho…
Martialis tinha acabado de atravessar o corpo de Caracala com o seu gládio com um golpe mortal. Os outro guardas perceberam o crime e Martialis tentou fugir, mas foi abatido por uma flecha de um arqueiro. Acredito que esta ação foi uma queima de arquivo, já que o principal suspeito de ter sido o mandante do crime era o Prefeito da Guarda Pretoriana, Macrino, que acabou se tornando o sucessor de Caracala no trono.
Todavia, Macrino logo seria substituído pelo primo de Caracala, Elagábalo, em uma revolta urdida pela sua tia, Júlia Maesa, que se valeu da enorme riqueza e dos contatos dos Sempseramidas na Síria, uma das províncias mais ricas do Império, para subornar o poderoso exército romano naquela província.
Caracala é considerado um dos muitos “maus imperadores” romanos, não apenas para os historiadores antigos, mas também por Edward Gibbon e a maioria dos historiadores modernos. Após a sua morte, ele continuaria popular entre os soldados, os únicos romanos que ele se preocupou em agradar.
Em 15 de dezembro de 37 D.C., nasceu, em Anzio, Itália, Lucius Domitius Ahenobarbus (II), que passaria a História com o nome de Nero, filho de Gnaeus Domitius Ahenobarbus e de Agripina Minor (Agripina, a Jovem).
A gens dos Domícios (Domitii), que nos primórdios da República era plebeia, atingiu, ainda durante a fase de expansão de Roma pela península itálica, uma grande proeminência política, ocupando a magistratura do Consulado e fornecendo ao Estado destacados generais.
Já no final do período republicano, o ramo da gens Domitia dos Ahenobarbus (literalmente, os “barbas ruivas”) apoiou a facção senatorial dos Optimates (nobres) contra Júlio César. E, após o assassinato do Ditador, durante o Segundo Triunvirato, eles estiveram associados com o triúnviro Marco Antônio.
(Busto colorizado de Nero, mostrando os cabelos e a barba ruiva, característica da família dos Ahenobarbus)
Apesar de ter apoiado Marco Antônio, a família acabaria ingressando no círculo familiar do grande rival dele na disputa pelo poder supremo – Otaviano (o futuro imperador Augusto), uma vez que o bisavô de Nero, que também se chamava Lucius Domitius Ahenobarbus (I), casou-se com Antonia Major (Antônia, a Velha) que era filha de Antônio e Otávia, a irmã de Otaviano.
Os laços com a dinastia imperial dos Júlios-Cláudios (nome que deriva do fato de Augusto, sobrinho-neto e herdeiro de Júlio César, ter adotado o filho de sua terceira esposa,Lívia Drusila, e que seria o seu sucessor, Tibério.
Agripina, a Jovem, por sua vez, era neta de Augusto (a mãe dela, Agripina, a Velha, era filha de Júlia, a filha única de Augusto com sua segunda esposa Escribônia). Portanto, Nero era descendente direto do primeiro imperador, por parte de mãe, e também era parente de Augusto, por parte de seu pai, Gnaeus Domitius Ahenobarbus.
Todavia, a despeito de possuir tão ilustre ascendência, a princípio não parecia que o destino de Nero prometia muito. Com efeito, o seu pai, que tinha sido Cônsul em 32 D.C., foi acusado de traição, assassinato e adultério no final reinado de Tibério e ele somente se safou graças à morte do velho imperador, em 37 D.C., alguns meses antes do nascimento do próprio Nero. Todavia, Gnaeus Domitius Ahenobarbus acabaria morrendo poucos anos depois, de um edema, em janeiro de 40 ou 41 D.C.
O historiador romano Suetônio escreveu queGnaeus Domitius Ahenobarbus era um homem cruel e desonesto. Talvez por isso, ao receber os cumprimentos dos amigos pelo nascimento de Nero, o historiador registra que ele teria dito:
“Nada que não seja abominável e uma desgraça pública pode nascer de Agripina e de mim”
A sorte de Agripina, a mãe de Nero, não foi melhor no período. Embora ela fosse irmã do novo imperador, Gaius Julius Caesar Germanicus, mais conhecido como Calígula, (ambos eram filhos de Germânico, o falecido sobrinho e herdeiro de Tibério, adorado pelo povo e supostamente envenenado a mando de Lívia, viúva de Augusto e mãe de Tibério), este logo entrou em um processo de paranoia e loucura que o levou a suspeitar e perseguir de quase todos, inclusive os integrantes de seu círculo mais íntimo.
Assim, em 39 D.C., Agripina foi acusada de fazer parte de uma conspiração, fictícia ou verdadeira, contra o seu irmão, sendo condenada ao exílio nas ilhas Ponzianas, ao largo da Itália. Então, Calígula aproveitou esse pretexto para confiscar a herança do seu jovem sobrinho Nero.
Nero, portanto, no espaço de dois anos, quando ainda era uma criança de tenra idade, além de ter sido afastado do convívio com a mãe, exilada, teve a sua herança confiscada e também perdeu o pai. Ele foi então morar com sua tia, Domícia Lépida, que era irmã de seu pai.
Reabilitação de Agripina e Nero
Todavia, a sorte de Agripina e Nero mudaria com o assassinato de Calígula pelo centurião Cássio Queréa, em 41 D.C., em uma conspiração engendrada pela Guarda Pretoriana. Logo após o tiranicídio, os guardas descobriram, escondido atrás de uma cortina, o tio da imperial vítima, Cláudio, até então tido como imbecil e incapaz de ocupar qualquer cargo público, e o aclamaram como novo Imperador.
Cláudio era irmão de Germânico e, portanto, não surpreende que uma das primeiras medidas de Cláudio tenha sido chamar de volta do exílio a filha deste, Agripina, que era sua sobrinha. Assim reuniram-se, novamente, Nero e sua mãe. O novo imperador mandou também devolver ao seu sobrinho-neto, Nero, a herança confiscada por Calígula.
Ao contrário das expectativas, Cláudio mostrou-se um administrador competente das questões de Estado. Todavia, o mesmo não se pode dizer quanto à sua vida conjugal… Após dois casamentos fracassados, Cláudio casou-se com Valéria Messalina (filha de Domícia Lépida), esposa que se mostrou dominadora e notabilizou-se pela infidelidade e promiscuidade sexual, segundo os relatos antigos, que talvez sejam um tanto exagerados (ver Tácito, Suetônio, Plínio e Juvenal).
O fato importante é que Messalina deu a Cláudio, em 41 D.C., um filho, que recebeu o nome de Britânico, e a nova imperatriz imediatamente percebeu que o jovem Nero era uma ameaça às pretensões do seu filho natural ao trono. Consta, inclusive, que Messalina, certa vez, teria encomendado a morte de Nero a assassinos que chegaram a entrar no quarto do menino, e somente não completaram a tarefa porque se assustaram com o que eles pensaram ser uma cobra.
(Messalina segurando Britânico, estátua no Museu do Louvre, foto de Ricardo André Frantz)
A grande popularidade de Agripina e Nero foi atestada quando, durante os concorridos Jogos Seculares, em 47 D.C., eles foram ovacionados pelo povo, que demonstrou por eles muito mais simpatia do que em relação a Messalina e Britânico, que também estavam presentes no evento.
Se a conduta pretensamente escandalosa de Messalina foi ou não a causa da sua desgraça, o fato é que ela foi sentenciada à morte em 49 D.C., supostamente por ter se casado secretamente com um senador, Gaius Silius, no que seria uma conspiração para assassinar o seu marido e imperador. Há relatos de que, ainda assim, Cláudio teria relutado em ordenar a execução dela, que somente teria sido levada a cabo por iniciativa de seus auxiliares.
Agripina, imperatriz
Naquele mesmo ano de 49 D.C., Cláudio casaria com sua sobrinha, Agripina, a Jovem. Este pode muito bem ter sido um casamento político, já que nenhuma mulher, naquele momento, tinha linhagem mais ilustre. Há, contudo, quem acredite que Agripina, valendo-se da intimidade familiar que a condição de jovem e bonita sobrinha lhe propiciava, tenha astuciosamente seduzido o seu velho tio.
Em verdade, para os romanos, o casamento de Cláudio e Agripina tinha um caráter incestuoso, já que o casamento de tio e sobrinha era quase tão inaceitável como o de um pai com a filha.
Portanto, o custo político dessa união deve ter sido considerável e é possível que somente o fato de Cláudio ter sido seduzido explique ele ter descartado as consequências políticas negativas de mais esse escândalo em sua vida conjugal. O passado do velho imperador nos inclina para essa última hipótese, pois houve episódios anteriores nos quais ele parece ter sido emocionalmente manipulado por mulheres dominadoras…
Seja como for, o fato é que Agripina não titubeou em tratar de se tornar a pessoa mais poderosa na corte imperial, afastando aqueles que não lhe parecessem leais e, sobretudo, os concorrentes de seu filho Nero à sucessão de Cláudio.
Ainda em 49 D.C., a imperatriz Agripina recebeu o título de “Augusta“, sendo esta a primeira vez que esse título era conferido a uma mulher em vida (as suas duas antecessoras, Lívia e Antônia, o receberam como honra fúnebre). Neste mesmo ano, Cláudio batizou em sua homenagem uma cidade recém-fundada na Germânia, que recebeu o nome de Colonia Claudia Ara Agrippinensis ( a atual Colônia, na Alemanha – Agripina nasceu ali, quando o local ainda era um quartel militar comandado por seu pai, Germânico). Vale citar que nunca, antes ou depois na História de Roma, uma cidade romana foi batizada em homenagem a uma mulher.
Nero, herdeiro do trono
Em 50 D.C., Lucius Domitius Ahenobarbus (Nero) foi adotado por Cláudio, tornando-se oficialmente seu herdeiro, passando a se chamar Nero Claudius Caesar Drusus Germanicus. No ano seguinte, Nero, então com 14 anos, foi declarado maior de idade (assumindo a “toga virilis”), foi nomeado Proconsul e entrou para o Senado. A partir daí, ele começou a participar das cerimônias públicas junto com o Imperador, e até moedas foram cunhadas com a efígie de ambos.
Antecipando a necessidade futura de Nero contar com o apoio da Guarda Pretoriana para alcançar o trono, Agripina persuadiu Cláudio a nomear o militar Sextus Afranius Burrus (Burro) como único Prefeito Pretoriano (Comandante), no lugar de Lusius Geta e Rufius Crispinus.
Agripina supervisionava cuidadosamente a preparação de Nero para a futura ascensão ao trono imperial, designando, por exemplo, o afamado filósofo estoico Sêneca, o Jovem para ser o tutor do rapaz. Ela também não poupou esforços para fazer o filho querido pelo populacho. Além disso tudo, Agripina manobrou para que Cláudia Otávia, a filha de Cláudio e irmã de Britânico, e Nero se casassem, em 9 de junho de 53 D.C.
(Cláudia Otávia, primeira esposa de Nero)
A adoção de Nero por Cláudio é um episódio que suscita muita discussão entre os historiadores, já que Cláudio tinha um filho natural do sexo masculino, Britânico, que era apenas quatro anos mais novo do que Nero. E não há nada que indique, fora, obviamente, esse fato, que Cláudio não nutrisse pelo rapaz o amor paternal.
Seja como for, as fontes relatam que, à medida que Britânico ia chegando à idade de assumir a “toga virilis”, Cláudio começou a dar seguidas demonstrações de afeto pelo filho natural. Segundo os historiadores Tácito, Suetônio e Cássio Dião, Cláudio somente estaria esperando a maioridade do filho natural para nomeá-lo como seu novo herdeiro, e ele teria declarado isso na presença de outros, sendo esse o fato que levou Agripina a tramar a sua morte
Cláudio morreu em 13 de outubro de 54 D.C., aos 63 anos – uma idade avançada para a época – no que pareceu ser uma indisposição gástrica após ele ter comido um prato de cogumelos, o qual lhe ocasionou vômitos. As fontes antigas dão crédito a versão de que aqueles cogumelos, comida muito apreciada por Cláudio, teriam sido envenenados, por uma poção preparada pela famosa envenenadora Locusta, que tinha sido contratada por Agripina. O motivo para o assassinato era óbvio: impedir que Britânico fosse nomeado herdeiro pelo pai.
Imperador Nero – primeiros anos
(Agripina, personificada como a deusa Ceres, coroa Nero. A mensagem devia ser evidente para todos)
No mesmo dia em que Cláudio morreu, Nero foi saudado imperador pela Guarda Pretoriana, e, em seguida, ele foi reconhecido como tal pelo Senado Romano. Nero não sabia, mas seria o último imperador da dinastia dos Júlios-Claúdios.
O reinado de Nero começou promissor. Ele tinha apenas 17 anos, mas era aconselhado pelo filósofo Sêneca (que, segundo Cássio Dião), redigiu seu primeiro discurso ao Senado), e por Burro, que foi mantido como Prefeito da Guarda Pretoriana, e, de fato, as suas primeiras medidas como imperador suscitaram aprovação geral.
Vale notar que, ainda durante o reinado de Cláudio, a administração dos assuntos de Estado começou a ser desempenhada cada vez mais pelos escravos libertos do Imperador que trabalhavam nas dependências do Palácio e que passaram a constituir o embrião de verdadeiros ministérios, no sentido administrativo moderno, assumindo tarefas que antes estavam a cargo dos antigos magistrados da República. Nero herdou esse sistema, e muitos libertos de Cláudio continuaram a exercer seus cargos no seu reinado, como por exemplo o liberto Marcus AntoniusPallas, que ocupava um cargo equivalente ao de Secretário do Tesouro, uma circunstância que assegurou certa continuidade administrativa.
Sêneca e Burro, sensatamente, procuraram assegurar que o imperador mantivesse boas relações com o Senado Romano, comparecendo às sessões desta assembleia e levando em consideração as recomendações dos senadores. Os dois preocuparam-se especificamente em abolir o costume implementado por Cláudio, de conduzir julgamentos em sessões privadas realizadas no próprio Palácio (“in camera”), o que era considerado contrário aos princípios jurídicos romanos tradicionais, que previam audiências públicas..
Foram promulgados decretos visando prevenir que os governadores extorquissem demasiadamente as províncias e também outros relativos à ordem pública e urbana. Nero também postulou, sem levar em consideração as despesas públicas, abolir vários tributos, sendo, entretanto, demovido desse propósito pelo Senado. Muitas das medidas de Nero, aliás, demonstravam um grande desejo dele aumentar a sua popularidade.
Os dois conselheiros procuraram, ainda, diminuir a excessiva intervenção de Agripina nos assuntos do governo, e, com esse propósito, eles chegaram até a incentivar a paixão que Nero nutria pela liberta Acte, que virou amante do Imperador. Dessa forma, além de afastar Nero da influência da mãe, eles também visavam diminuir a inclinação ao desregramento sexual que já se percebia no jovem imperador, impulsos que o casamento com a imperatriz Cláudia Otávia parecia incapaz de arrefecer.
Observe-se que Suetônio acusa diretamente Nero e Agripina de manterem uma relação incestuosa, mencionando até que isso costumava ocorrer quando os dois viajavam pelas ruas romanas em liteiras, um comportamento que seria denunciado pelas manchas suspeitas na toga do filho… Outros autores, de fato, também citam este costume que ambos tinham de andar na mesma liteira, mas muitos historiadores consideram que a obra de Suetônio, em muitas passagens, tende a reproduzir e aumentar boatos escandalosos, sem muita preocupação com a verdade histórica.
A tônica, porém, em todas as fontes, é de que Nero não nutria muito entusiasmo pelas tarefas governamentais, preferindo dedicar-se ao canto, ao teatro e às competições esportivas, sobretudo corridas de cavalos. Progressivamente, também, o poder absoluto lhe permitiu experimentar as mais variadas práticas sexuais.
Assim, a falta de aptidão para o cargo, a juventude e a onipotência uniram-se para empurrar Nero para uma ilimitada devassidão. Por outro lado, o avanço dos anos deu-lhe confiança para cada vez mais afirmar a sua vontade e ignorar os conselhos de Sêneca e Burro, ao passo que a repetida intromissão de Agripina em sua vida começou a lhe parecer insuportável, notadamente a oposição que a mãe externava em relação ao seu romance com Acte.
Morte de Britânico e Agripina. Nero governa por conta própria
Outro fator de discórdia entre mãe e filho, e talvez mais importante, foi o fato de Agripina, certa vez, ter insinuado que Britânico aproximava-se da maioridade, dando a entender a Nero que ela poderia apoiar o rapaz como sendo o legítimo herdeiro de Cláudio. Por isso, em 55 D.C., Nero demitiu o liberto Pallas, que tinha sido um fiel aliado de Agripina desde os tempos de Cláudio.
Ainda em 12 de fevereiro de 55 D.C., Britânico morreu, no dia exato em que ele completaria a maioridade. Segundo os autores antigos, ele foi envenenado a mando de Nero, que teria também recorrido aos serviços da envenenadora Locusta.
Mas a relação de Nero com a mãe azedou de vez quando, em 58 D.C., a nobre Popéia Sabina, a Jovem, tornou-se amante dele. Agripina, opondo-se ao romance, aproximou-se da imperatriz Cláudia Otávia, que, em oito anos de casamento com Nero, não tinha gerado filhos, muito em função do desinteresse do marido pela esposa.
(Popéia Sabina, segunda esposa de Nero)
Popéia Sabina, que era casada com Marcus Salvius Otho(o futuro imperador Otão), grande amigo de Nero, em vingança à oposição de Agripina ao seu romance com o imperador, teria aconselhado Nero a assassinar a mãe, segundo Tácito (Nota: Popéia seria natural de Pompéia, e a sua magnífica Villa, na cidade de Oplontis, foi soterrada pela erupção do Vesúvio e descoberta em excelente estado de conservação -vide fotos abaixo).
Os historiadores narram que Nero teria engendrado vários esquemas engenhosos para matar Agripina, que iam desde o naufrágio em um navio previamente sabotado para se desmanchar no mar, ao desabamento provocado do teto de um aposento que ela ocupava, todas sem sucesso.
Finalmente, em 23 de março de 59 D.C., Nero conseguiu que a mãe morresse, embora não seja claro de que forma ela foi morta. Aparentemente, após sobreviver ao naufrágio, Nero enviou assassinos para matar a mãe. Segundo um relato, quando o executor ergueu a espada, Agripina teria dito, como se lamentasse ter parido o filho, apontando para o próprio ventre:
“Fira o meu útero!”
Afastada a influência, diga-se de passagem, raramente benigna, da mãe, Nero sentiu-se livre para fazer tudo o que lhe apetecesse. Ele entregou-se totalmente à sua paixão pelas artes, apresentando-se publicamente cantando e tocando a lira. Ocorre que os recitais dele eram intermináveis, e Tácito comenta que, em algumas ocasiões, mulheres chegaram a dar à luz e pessoas chegaram a falecer enquanto assistiam os longos espetáculos. Ficou famoso o caso do futuro imperador Vespasiano, que, apesar de ser um militar de prestígio, caiu em desgraça após dormir durante um recital de Nero.
É importante ressaltar que, segundo os padrões de conduta morais vigentes na aristocracia romana à época, um nobre apresentar-se publicamente como artista ou esportista era considerado degradante.
Em 62 D.C., Burro faleceu, e Sêneca foi obrigado a se afastar do governo devido a acusações de enriquecimento ilícito (que aparentemente eram verdadeiras), as quais vieram somar-se à suspeita, já existente, de que Sêneca teria mantido relações amorosas com Agripina.
Naquele mesmo ano de 62 D.C., Popéia ficou grávida de Nero, que finalmente decidiu divorciar-se de Cláudia Otávia, sob o pretexto de infertilidade da imperatriz. Assim, doze dias depois do divórcio, Nero casou-se com Popéia.
A infeliz Cláudia Otávia foi exilada na ilha de Pandatária, mas a opinião pública protestou e exigiu que Nero a trouxesse de volta à Roma. Logo em seguida, porém, ela morreria, tendo apenas cerca de 23 anos de idade, assassinada a mando do imperador, embora os executores tenham tentado fazer a morte dela parecer um suicídio.
Em 21 de janeiro de 63 D.C., Popéia deu à luz a uma menina que recebeu o nome de Cláudia Augusta e ela seria o único descendente que Nero teria na vida. Porém, a menina morreria com somente quatro meses de idade.
Conflitos nas fronteiras
Nos assuntos de política exterior, o principal desafio enfrentado pelo Império no reinado de Nero foi a disputa pela Armênia com a Pártia. O general Gnaeus Domitio Corbulo(Corbulão) obteve inicialmente sucesso militar, mas a campanha não foi concluída. Em 63 D.C., porém, o Império obteve um bom acordo com a Pártia, em que Roma teria a palavra final sobre a escolha do rei da Armênia, Foi um bom tratado e que garantiria a paz na região até 114 D.C.
Nero também teve que enfrentar a séria revolta da rainha dos Icenos, Boudica(Boadicéia), na Britânia, que foi derrotada pelo general Gaius Suetonius Paulinus (Suetônio Paulino), em 61 D.C.
(Estátua da rainha Boudica, dos Icenos, em Londres)
O Grande Incêndio de Roma
Em julho de 64 D.C., ocorreu o Grande Incêndio de Roma, que durou seis dias e causou uma grande destruição. Com efeito, dos 14 distritos de Roma, somente 4 foram poupados do fogo.
A responsabilidade de Nero pelo incêndio é muito debatida. Algumas fontes antigas citam boatos de que Nero teria mandado provocar o incêndio, visando sobretudo reconstruir a cidade de acordo com a sua vontade, e, especialmente, para possibilitar a construção de sua espetacularmente enorme e suntuosa “Domus Aurea“, cujas ruínas ainda hoje impressionantes dão uma ideia do seu esplendor.
Consta que Nero, após o palácio ficar pronto, teria dito :
“Finalmente, agora eu posso morar como um ser humano”
(Domus Aurea, reconstituição)
Tácito e Cássio Dião também relatam, o primeiro expressamente como sendo um boato, que, enquanto Roma queimava, Nero teria subido no telhado do Palácio e cantado a ode grega “A Destruição de Tróia“.
Porém, eu acredito que, provavelmente, essa tragédia foi apenas o mais catastrófico dos frequentes e periódicos incêndios que assolavam uma Roma que havia crescido demasiada e desordenadamente.
Diga-se de passagem, os posteriores decretos assinados por Nero relativos ao ordenamento urbano, especialmente visando evitar a repetição de incêndios, descritos por Tácito e Suetônio, são muito razoáveis, na verdade, excelentes até (eles dispõem sobre o espaço entre os prédios de apartamentos, do uso de materiais de construção resistentes ao fogo e da previsão de reservatórios de água, entre outras coisas).
Após o incêndio, Tácito relata que Nero abriu os jardins dos palácios para abrigar os flagelados pelo incêndio, em abrigos temporários. Vale a pena citar o seguinte trecho do historiador:
“Nero, naquele momento, estava em Antium, e não retornou à Roma até o fogo aproximar-se de sua casa, que ele havia construído para conectar o palácio com os jardins de Mecenas. Não foi possível, entretanto, impedir o fogo de devorar o palácio, a casa e tudo em volta deles. Todavia, para aliviar o povo, que tinha sido expulso desabrigado, ele mandou que fossem abertos para eles o Campo de Marte e os edifícios públicos de Agripa, e até mesmo os seus próprios jardins, e ergueu estruturas temporárias para receber a multidão despossuída. Suprimentos de comida foram trazidos de Óstia e das cidades vizinhas, e o preço do grão foi reduzido para três sestércios. Essas ações, embora populares, não produziram nenhum resultado, uma vez que espalhou-se por todo lugar um rumor de que, enquanto a cidade estava em chamas, o imperador apresentou-se em um palco particular e cantou a destruição de Tróia, comparando os infortúnios presentes com as calamidades da antiguidade”. (Anais, XV, 39)
Um episódio notório, ainda relativo ao incêndio, foi o martírio da nascente comunidade cristã de Roma, que teria sido apontada oficialmente como bode expiatório pelo incêndio. Hoje, há opiniões de que esta perseguição não teria ocorrido, a despeito dela também fazer parte da tradição cristã. Há, no entanto, uma bem fundamentada tese de que o número 666, que seria o nome da besta do Apocalipse citado no Evangelho, seria o código alfanumérico relativo ao nome de Nero, de acordo com um antigo jogo comum na época romana, numa vinculação que o evangelista João poderia ter feito em função da referida perseguição.
(Tela de Henryk Siemiradzki, retratando o martírio dos cristãos, que, segundo o relato de Tácito, foram utilizados como tochas humanas)
O fato é que as excentricidades e os crimes de Nero, somados à desconfiança pública de que o incêndio estava relacionada à construção da magnífica Domus Aurea, começaram a minar o reinado dele.
Some-se a isso a morte de Popéia, ocorrida em 65 D.C., tendo se espalhado o boato de que a morte dela fora causada após a imperatriz levar um pontapé de Nero na barriga, quando estava grávida, o que causou indignação no povo (curiosamente, a mesma acusação seria feita, milênios mais tarde, ao imperador D. Pedro I, e, igualmente, ela contribuiu para agravar o clima que resultou na abdicação de nosso primeiro imperador)
A Conspiração Pisoniana
Ignorando todo esse quadro de insatisfação, Nero começou a retirar o que restava das prerrogativas do Senado. Isso deflagrou, também em 65 D.C., a denominada “Conspiração Pisoniana“, assim chamada porque liderada pelo respeitado senador Gaius Calpurnius Piso, e que visava derrubar o imperador. Porém, essa conspiração, que envolvia senadores e membros da guarda pretoriana, foi denunciada a tempo, e Nero mandou executar os participantes. Entre os punidos, estava o seu ex-tutor e conselheiro, o filósofo Sêneca, apesar de não haver certeza se ele estava mesmo envolvido.
Outro que teria sido executado na repressão à Conspiração foi o poeta Lucano. Mas a morte mais sentida pela aristocracia romana foi a do senador Públio Clódio Trásea Peto, um crítico contumaz do reinado de Nero, que também foi obrigado a cometer suicídio, em 66 D.C., após ser condenado pelo Senado com base em acusações vagas em uma sessão de julgamento na qual a Cúria foi cercada pelos Pretorianos.
Para poupar Sêneca, e a própria imagem do imperador, perante a opinião pública, do embaraço de uma execução, Nero ordenou que ele cometesse suicídio. O mesmo ocorreu com outro implicado no esquema, o escritor satírico Petrônio (A cena da morte de Petrônio, em uma banheira, com o sangue esvaindo-se das veias cortadas enquanto conversava rodeado dos seus melhores amigos, está brilhantemente retratada no filme “Quo Vadis“).
(O Suicídio de Sêneca, tela de Manuel Domínguez Sánchez (1871), no Museu do Prado)
Quem teve atuação implacável na repressão à referida conspiração foi Ofonius Tigellinus, o sucessor de Burro como Prefeito da Guarda Pretoriana, que era um amigo e parceiro de Nero no desfrute de corridas de carros e orgias, e que fora nomeado para o cargo em 62 D.C.
O início do fim
Em 66 D.C., Nero casou-se com sua terceira esposa, Statilia Messalina (não confundir com a esposa de Cláudio).
(Statilia Messalina, terceira esposa de Nero)
A Conspiração Pisoniana, não obstante tenha sido debelada, marcou o início da queda de Nero. Deve ter havido uma percepção geral entre as lideranças do Senado e do Exército de que o reinado dele não iria durar muito e que o caos se aproximava. As despesas com a reconstrução de Roma tinham exaurido o Tesouro do Estado e, em decorrência, a moeda teve que ser desvalorizada e os impostos aumentados.
Ainda em 66 D.C., estourou uma grande revolta na Judéia, No meio dessa grave crise, Nero resolveu fazer uma excursão triunfal pela Grécia, visitando os pontos turísticos mais célebres, apresentando-se como artista e participando dos Jogos Olímpicos de 67 D.C., como competidor. Para os gregos, a visita foi um sucesso, pois Nero chegou a proclamar a liberdade das cidades gregas, mas para a elite em Roma, ela deve ter sido percebida como mais uma prova da insanidade do Imperador.
Logo, outras rebeliões começariam a pipocar nas províncias…
Em 67 D.C., Nero enviou o respeitado general Titus Flavius Vespasianus (o futuro imperadorVespasiano) para combater a Grande Revolta Judaica. Nessa ocasião, suspeitando da lealdade do general Corbulão, o imperador o convocou-o à sua presença na Grécia, e ordenou que ele cometesse suicídio para não ser executado, sendo fiel e surpreendentemente obedecido.
Porém, em março de 68 D.C., o governador da importante província da Gália Lugdunense, Gaius Julius Vindex, revoltou-se contra os pesados tributos impostos à província. Em seguida, Vindextentou, sem êxito, convencer o governador da Hispânia, Servius Sulpicius Galba (o futuro imperador Galba), a se juntar à rebelião. No decorrer da rebelião, em maio, as legiões da Germânia, sob o comando de Lucius Verginius Rufo, seguindo as ordens de Nero, derrotaram Vindex, na Batalha de Vesontio (atual Besançon), que, em razão disso, cometeu suicídio.
Todavia, as legiões vitoriosas imediatamente declararam-se em rebelião contra Nero, embora Rufo tenha permanecido leal ao imperador, recusando-se a aderir ao movimento. Parece que nesse momento, os soldados já começavam a farejar a oportunidade de, como em ocasiões anteriores, obterem polpudas recompensas caso um novo imperador assumisse o trono.
Enquanto isso, Nero, que havia voltado para Roma em janeiro de 68 D.C., recebeu a notícia de que, além das legiões de Vindex, as legiões da África também tinham se revoltado.
Galba, entretanto, aguardava cautelosamente o desenrolar dos acontecimentos, mas os seus partidários em Roma não ficaram imóveis. Assim, em algum momento entre maio e junho de 68 D.C., o outro Prefeito da Guarda Pretoriana, Ninfídio Sabino (consta que Tigellinus estaria doente naquele mometo), persuadiu os pretorianos em Roma a se declararem a favor de Galba. Para o azar de Nero, isso ocorreu antes da chegada da notícia da vitória de Rufo contra Vindex, o que daria ao imperador certa esperança de readquirir o controle da situação.
A morte de Nero
Em 9 de junho de 68 D.C., em uma villa suburbana, situada a apenas 6 km de Roma, chegou um mensageiro galopando à toda velocidade. O cavaleiro desmontou e entrou no luxuoso átrio da propriedade, sendo recebido por Phaon, um liberto do Imperador Nero que exercia o cargo de Secretário de Finanças imperial.
Acompanhado de outros três homens, Phaon ingressou na área privada da residência e, pouco tempo depois, ouviu-se um um grito desesperado, acompanhado da frase:
“Que grande artista o mundo irá perder!”
Um dos homens pergunta que notícia o mensageiro havia trazido e o outro respondeu que o Senado Romano havia declarado Nero era um “Inimigo Público“.
Aquele era, sem dúvida, o ponto culminante da tensão que Nero vinha vivendo nas últimas semanas, desde que soube que Julius Vindex havia sido aclamado imperador pelas tropas dele, em março, e iniciara sua marcha para a Itália, e o Prefeito Pretoriano Ninfídio Sabino manifestara o seu apoio a Galba, deixando o imperador totalmente indefeso dentro da Capital.
Ao saber da adesão de Ninfídio Sabino ao general Galba, Nero chegou a deixar o Palácio e tentar fugir para o porto de Óstia, onde ele planejava embarcar em um navio da frota, que ele esperava que tivesse se mantido leal, e partir para as províncias do Oriente, onde ele tinha certeza de que ainda era muito popular e poderia organizar um contra-ataque.
Todavia, Nero, temeroso, concluiu que era grande a possibilidade dele não conseguir chegar ao porto ileso, e, assim, deu meia-volta e voltou para o Palácio, onde ele até tentou dormir um pouco. O sono contudo, seria breve. Com efeito, durante a meia-noite, já na virada do dia 08 para o dia 09 de junho de 68 D.C., o Imperador acordou e, aterrorizado, constatou que não havia sequer um guarda na porta dos aposentos imperiais.
Nero percorreu, então, esbaforido, os corredores desertos do palácio, sem encontrar viva alma, gritando:
“Não terei eu amigos ou inimigos?
Até que, alertados pela gritaria, finalmente acudiram os mais próximos e fiéis libertos de Nero: Epafrodito,Phaon, Neophytus e Esporo (Nota: Esporo (Sporus) era um garoto que se tornou favorito de Nero por ter uma notável semelhança com a falecida imperatriz Popéia Sabina. Segundo Suetônio, Nero mandou castrar Esporo e chegou até a casar com o rapaz, por volta de 67 D.C.).
Phaon, então, ofereceu a Nero a sua villa nos arredores de Roma, para que o imperador se escondesse lá, pois ainda havia a esperança de que o Senado não reconhecesse os usurpadores, tendo em vista que outros comandantes ainda não haviam aderido à rebelião. A villa não era longe e o grupo deve ter chegado lá ainda antes do amanhecer.
Porém, no decorrer do dia 09 de junho, a referida chegada do mensageiro tirou todas as esperanças de Nero. Ele, então, implorou que um dos quatro fiéis libertos tirasse a própria vida primeiro, alegando que isso lhe daria coragem para fazer o mesmo, além de lhe ensinar o método, mas nenhum deles topou a proposta.
Então, enquanto o imperador relutava, ouviu-se o galopar de vários cavalos, e, premido pelo temor da chegada da tropa que estava vindo para lhe prender ou executar, Nero ordenou que Epafrodito o ajudasse a se matar. Assim, Nero, com a ajuda de Epafrodito, enfiou uma faca na própria garganta.
Quando os cavaleiros entraram no aposento, Nero já havia perdido muito sangue. Um dos soldados tentou colocar um pano na garganta dele, à guisa de estancar o sangue, e Nero ainda teve forças para balbuciar, dramático como ele sempre fora durante toda a vida:
“Tarde demais. Isso é que é fidelidade!”
Nero morreu aos 30 anos de idade. O corpo dele foi cremado à maneira tradicional romana e as cinzas depositadas no Mausoléu dos Domícios, então situado nos limites da cidade de Roma e onde hoje, ironicamente, fica um templo da arte, a Galeria Borghese.
(Villa Borghese, que hospeda a Galeria Borghese e onde ficava o Mausoléu dos Domícios, lugar do sepultamento das cinzas de Nero)
As fontes relatam que, várias décadas depois de sua morte, pessoas do povo ainda adornavam a tumba de Nero com flores…
Conclusão
A ascensão e queda de Nero são expressões gritantes das contradições do sistema inaugurado por Augusto.
Com efeito, o Império nasceu como fruto da incapacidade das instituições republicanas de moderar os conflitos de poder e as disputas políticas decorrentes da tensão entre a defesa da manutenção dos privilégios da nobreza (facção política dos “Optimates“) e a afirmação das vontades e consideração das necessidades dos cidadãos plebeus livres, mal arbitradas por regras criadas originalmente para se gerir uma Cidade-Estado, sem contudo, adaptar-se à existência de um crescente proletariado não-proprietário em Roma, e que também eram inapropriadas para acomodar os anseios de uma enorme população de colonos romanos e cidades aliadas, muitos dos quais estavam espalhadas por um enorme território fora da Itália, (anseios e interesses esses que encontravam algum acolhimento na facção senatorial dos chamados “Populares“).
Essas crises degeneraram na resolução das disputas pela guerra entre generais-políticos filiados as referidas facções representadas no Senado, que recrutavam cidadãos entre o proletariado, os quais eram mais leais aos seus comandantes do que ao Estado. O conflito parecia ter se resolvido na concentração de poderes em torno do vencedor da guerra civil, o líder dos Populares, Caio Júlio César, que, contudo, foi assassinado antes de poder implementar uma nova constituição politica (se é que ele tinha mesmo essa intenção), tarefa esta que foi retomada por seu sucessor Augusto.
Como se fosse uma “marca de nascença” do principado, o assassinato de César sempre pairou sobre o regime imperial. César, alegadamente, foi morto por se acreditar que ele queria ser rei e os seus assassinos, integrantes dos Optimates, reivindicaram a restauração da República. Vencidos os Optimates por Augusto, herdeiro de César, ele, por sua vez, da mesma forma se apresentou como o “Restaurador da República“.
Desse modo, o Império por séculos seria assombrado pelo paradoxo de ser uma “Monarquia que não ousa dizer o seu nome“.
Contudo, a constituição não-escrita elaborada por Augusto padecia de duas graves contradições:
1) A ambiguidade de, formalmente, querer-se restaurar a República, concentrando as mais importante das antigas magistraturas republicanas nas mãos do “Princeps“, mas dividindo, ao menos na aparência, o governo do Estado com o Senado, sem contudo, jamais delimitar precisamente qual o papel e o poder desta assembleia. Isto se tornaria um grande fator de instabilidade.
A prática inaugurada por Augusto, e seguida em parte e confusamente por Tibério, de simular que o poder continuava com o Senado, sendo o poder de fato exercido no Palácio, propiciava que, quando personalidades imperiais menos afetas às aparências e deferências devidas ao Senado ocupassem o trono, eles fossem percebidas como tiranos, situação que deu margens a inúmeras conspirações, reais ou imaginárias.
2) A já aludida “marca de nascença” (assassinato de César), que expressava a prevalência da tradicional repulsa cultural romana à monarquia, impediu que Augusto estabelecesse uma regra clara quanto à sucessão imperial. Como o regime não podia e não devia ser considerado uma monarquia, jamais o princípio dinástico foi formalmente estabelecido. Embora o costume fosse que o imperador escolhesse o seu herdeiro, a existência de descendentes ou parentes próximos ameaçava a legitimidade do escolhido, sendo isso uma nova fonte de conspirações, e de temor da existência delas por parte do imperador.
A incerteza quanto ao critério sucessório também gerava instabilidade. Os imperadores Júlios-Cláudios costumavam nomear os parentes sanguíneos ou afins mais velhos como herdeiros formais ou presumidos, quando aqueles mais próximos ainda eram muito jovens. Mas, quando estes iam crescendo, os títulos e honrarias que caracterizavam a condição de herdeiro eram retirados dos primeiros e conferidas aos mais novos. O temor ou a insatisfação dos inicialmente escolhidos normalmente resultava na eliminação dos rivais mais novos ou na do próprio imperador. Tal fato ocorreu com Augusto, com Tibério e com Cláudio, e somente não ocorreu com Calígula devido ao seu reinado ter sido muito curto, e com Nero, porque ele não tinha herdeiros.
Somente a partir do reinado de Nervacomeçou a ser implantada uma regra consuetudinária, com bases filosóficas, de que o governante deveria adotar como sucessor o melhor homem público, ainda que este fosse seu parente, de quem se esperava que demonstrasse a sua competência, costume que também não sobreviveu à morte de Marco Aurélio.
A avaliação do reinado de Nero é controversa na visão dos historiadores. A visão tradicional, de de que ele seria um louco e um monstro, hoje é temperada pela leitura crítica que se faz dos historiadores Tácito e Suetônio, tidos como membros da classe senatorial, nostálgica da República e antipática ao Principado, dando destaque às perseguições do monarca contra os senadores e enfatizando boatos ou, mesmo, fofocas, de teor escandaloso sobre os hábitos privados dos imperadores.
Sintomaticamente, essas mesmas fontes relatam que, para uma boa parte da massa de cidadãos pobres e das províncias, a imagem de Nero era diferente. Como já observamos, Suetônio narra que, décadas após a morte de Nero, populares adornavam a sua tumba com flores e que, nas províncias, chegou a surgiu uma lenda, ao estilo de Dom Sebastião de Portugal, de que Nero, um dia, iria retornar.
Essa também é a opinião de muitos historiadores, valendo transcrever as palavras da historiadora clássica Mary Beard (“SPQR”, pág. 398):
“Vários historiadores modernos têm apresentado Nero, particularmente, mais como uma vítima da propaganda da dinastia Flaviana, que começa com Vespasiano, seu sucessor, do que como um piromaníaco assassino da própria mãe, a quem se atribui ter iniciado o grande incêndio de 64 D.C., não só para apreciar o espetáculo, mas também para limpar a área e poder construir seu novo palácio, a Casa Dourada (Domus Aurea). Mesmo Tácito admite, apontam os reabilitadores, que Nero foi o patrocinador de medidas de ajuda efetivas para os desabrigados após o incêndio; (…). Além disso, nos vinte anos após a morte e Nero, em 68 D.C., pelo menos três falsos Neros, com lira e tudo, apareceram nas regiões orientais do Império, reivindicando o poder e apresentando-se como o imperador em pessoa, ainda vivo, apesar de todas as notícias do seu suicídio. Foram todos rapidamente eliminados, mas o engodo sugere que, em algumas áreas do mundo romano, Nero era lembrado afetuosamente: Ninguém buscaria alcançar o poder fingindo ser um imperador odiado por todos.”
FIM
Siga as atualizações do blog no twitter @aulusmetelus
Em 8 de novembro do ano 30 D.C. (ano estimado), nasceu, em Narni, na região italiana da Úmbria, Marcus Cocceius Nerva (Nerva), membro de uma tradicional família da nobreza italiana, sendo ele filho, neto e bisneto de ex-Cônsules.
Consta que o bisavô de Nerva foi partidário do Triúnviro Marco Antônio, mas em algum momento, durante as guerras do Segundo Triunvirato, ele passou a apoiar Otaviano, o futuro imperador Augusto, que, em recompensa, incluiu a família dos Cocceii Nerva no novo Patriciado, meramente honorífico, que começou a ser formado após as Guerras Civis. Por sua vez, o avô e o pai de Nerva tinham sido afamados juristas, sendo que o primeiro chegou a ser amigo pessoal do imperador Tibério.
2- Carreira Pública
Pouco se sabe acerca da carreira política de Nerva no serviço público. Na verdade, parece que o único campo em que ele se destacou em sua juventude foi a poesia, pela chegou a receber elogios do imperador Nero. E foi no reinado deste imperador que Nerva foi indicado para o cargo de Pretor, no ano de 65 D.C., ocasião em que ele recebeu os ornamentos triunfais. Vale observar, contudo, que a História não registra nenhuma campanha militar nesse período, sendo, então aceitável a crença deque Nerva recebeu aquela recompensa pelo fato dele ter ajudado a debelar a chamada Conspiração Pisoniana, que foi uma trama para assassinar Nero liderada por Calpúrnio Pisão, a qual envolveusenadores e integrantes da guarda pretoriana, que estavam fartos das excentricidades e do comportamento cada vez mais tirânico daquele imperador (Nero finalmente cometeria suicídio ao ser destronado, em 68 D.C.).
Tudo indica que Nerva, apesar de não ter se destacado como homem público ou na carreira militar, tinha um grande talento para atrair ou se aproximar de pessoas importantes, e há vários indícios de que ele, de fato, devia ser considerao um amigo ou conselheiro confiável, tanto é que, para o ano 71 D.C., Nerva foi escolhido para ocupar o consulado junto com o imperador Vespasiano (que, após os breves reinados de Galba, Oto eVitélio, tornou-se imperador romano em 69 D.C., inaugurando a dinastia dos Flávios).
Vale observar que ser escolhido pelo imperador para ser o seu colega de consulado era uma honra excepcional, somente conferida a pessoas muito importantes e próximas do imperador (dois cônsules eram escolhidos para cada ano, e a identificação dos anos do calendário romano era feita de acordo com o nome dos cônsules que serviram naquele ano (ex: “no consulado de Vespasiano e Nerva“, era como os romanos identificavam o que hoje classificamos como o ano 69).
Então, em 90 D.C., Nerva, agora já era um senador veterano, foi escolhido novamente para ser cônsul junto com o imperadorDomiciano, o filho de Vespasiano que sucedera o seu irmão mais velho, o adorado Tito, como Imperador, no ano de 81 D.C. Novamente, alguns historiadores acreditam que Nerva deve ter tido um papel importante ajudando o imperador a debelar outra séria revolta, agora capitaneada pelo governador da Germânia, o general Lúcio Antônio Saturnino e suas legiões. É possível que Nerva tenha atuado para assegurar o apoio do Senado, ou talvez ele tenha denunciado a trama, não se sabe ao certo.
Domiciano, embora não possa ser considerado, como governante do Império, um mau imperador, adotou, ao longo do seu reinado de 15 anos, um comportamento crescentemente despótico em relação à aristocracia senatorial, a quem, de acordo com a constituição não-escrita legada pelo primeiro imperador, Augusto, cabia um papel importante no governo imperial, inclusive administrando diretamente algumas províncias menos importantes, além de, reunida no Senado, funcionar de certa forma como um órgão consultivo, sendo, finalmente, destinatária de algumas honrarias e de uma deferência protocolar pelo imperador.
Assim, na História do Alto Império Romano, toda vez que um imperador não respeitava as aparências ligadas à essa fictícia permanência dos elementos de um regime republicano (que em verdade estava defunto), ele recebia a hostilidade dos senadores mais ciosos de suas prerrogativas, oposição que, em alguns casos, podia deflagrar uma conspiração, que, normalmente, era reprimida com rigor implacável.
Nesse particular, os historiadores antigos que escreveram sobre o reinado de Domiciano afirmam que ele teria abandonado o título de “Princeps” (que, originalmente, tinha o significado de primeiro senador ou primeiro cidadão do império) e, abandonando todos os escrúpulos, teria exigido ser tratado como “Dominus et Deus” (Senhor e Deus).
Os historiadores do reinado de Domiciano, a maioria oriundos da classe senatorial, caracterizam-no como um governante desconfiado e paranoico, tendo o seu reinado acarretado para a aristocracia romana uma época de perseguições, instauração de processos por traição e execuções de Senadores, sendo um período em que prosperaram os informantes e os delatores.
Afinal, com o passar do tempo, o comportamento de Domiciano acabou tornando-se insuportável para o seu próprio círculo íntimo, tendo ele sido finalmente assassinado em uma conspiração que foi arquitetada por seus cortesãos mais próximos, incluindo altos funcionários que eram seus escravos libertos domésticos, e até mesmo a sua própria esposa, Domícia Longina, em 96 D.C, o que pôs fim à dinastia dos Flávios.
3-Ascensão ao Trono
Se dermos crédito aos historiadores antigos, após o assassinato de Domiciano, ao contrário das conspirações e rebeliões que resultaram no suicídio de Nero, e acarretaram, sucessivamente, os reinados de Galba, Otão, Vitélio e Vespasiano, dessa vez não houve generais em revolta dirigindo-se à Roma para assumir o trono. Assim, ainda segundo os relatos oficiais, pela primeira vez, coube ao Senado assumir as rédeas da sucessão e nomear o novo imperador. E o escolhido foi o velho senador Marcus Cocceius Nerva.
Não obstante a supresa que deve ter sido para os habitantes do Império a sua escolha, existe praticamente um consenso entre os historiadores sobre os motivos pelos quais Nerva, entre vários possíveis pretendentes, foi aclamado imperador:
Em primeiro lugar, ele era um senador respeitado e membro de uma família ilustre o suficiente para estar à altura da dignidade máxima do Estado. Vale notar que Nerva conviveu com o imperadorTibério quando criança, e o seu tio era parente afim deste imperador. E quatro gerações da família dele já tinham exercido o consulado, a magistratura suprema na carreira do serviço público.
Considero que, de certa forma deve ter contado também o fato de que a figura de Nerva fazia um elo de ligação entre o final da República, o início do Principado e o final da dinastia Flaviana. Politicamente,por sua vez, Nerva não estava ligado a nenhuma facção que fosse inaceitável para os militares.
Porém, talvez mais relevante do motivo acima mencionado, era o fato de que Nerva era um homem velho, quase um ancião para os padrões antigos, tendo cerca de 65 anos de idade, e além disso, ele não gozava de boa saúde (a História conta que ele sofria de uma doença que o fazia vomitar com frequência).
E, mais importante ainda do que tudo isso, Nerva não tinha filhos…
Consequentemente, Nerva era um “imperador-tampão” ideal, pois não havia risco de que ele fundasse uma dinastia que reivindicasse, posteriormente, seu direito hereditário ao trono, caso a situação política presente naquele momento se modificasse e aparecesse algum general poderoso o suficiente para assumir o Império…E, com efeito, como muitos talvez esperassem, o reinado de Nerva seria curto: de setembro de 96 D.C. a janeiro de 98 D.C.
4-Reinado
Nerva, obviamente não desapontou quem esperava o fim da tirania de Domiciano: as suas primeiras medidas foram a anulação de todos os processos de traição, a devolução das propriedades confiscadas, a volta dos exilados e a libertação de todos os presos políticos. E as prerrogativas do Senado e dos seus membros voltaram a ser respeitadas.
O recém-aclamado imperador também reduziu alguns tributos, uma medida sempre bem vista em todos os tempos e lugares, reduziu gastos com espetáculos e também vendeu propriedades do Estado, promovendo o que pode ser considerado um verdadeiro “ajuste fiscal”.
No campo das obras públicas, procedeu-se à inauguração do chamado “Forum Transitorium“, que foi iniciado por Domiciano, mas concluído e inaugurado por Nerva, em 97 D.C., motivo pelo qual ficou conhecido como Fôro de Nerva. O nome Forum Transitorium, tudo indica, deve-se ao fato de que ele ficava adjunto aos Fôros de César e de Augusto, maiores e mais antigos, podendo passar-se de um ao outro através do Fôro de Nerva. Ainda subsistem, em Roma, alguns vestígios da colunata deste fórum (vide foto abaixo).
Ironicamente, o reinado de Nerva também seria caracterizado como “um reinado transitório”…
Em outubro de 97 D.C., estourou uma revolta da Guarda Pretoriano, liderada por seu comandante, Casperius Aelianus, exigindo a punição dos assassinos de Domiciano. Os pretorianos chegaram a cercar o palácio imperial, praticamente colocando o imperador na situação de refém. Acossado e humilhado, Nerva teve que ceder, e dois implicados na conspiração contra Domiciano foram executados.
Assim, indubitavelmente, foi a precariedade de sua situação como governante que obrigou Nerva a adotar o general mais prestigiado do Exército Romano, o hispânico Marcus Ulpius Trajanus (o futuro imperador Trajano), comandante das legiões romanas na Germânia, como filho e sucessor.
“Consequentemente, Nerva, vendo a si mesmo mergulhado em tal situação de desonra, em virtude da sua velhice, subiu ao Capitólio, e disse em voz alta: “Que possa a a boa Fortuna escutar o Povo e o Senado de Roma e a mim mesmo: Eu, neste ato, adoto Marcus Ulpius Nerva Traianus!”
Cassius Dio (Livro LXVIII 3, 4
Segundo a narrativa consagrada, esta adoção na ocasião representou a escolha do homem mais capaz para a sucessão imperial, em uma fórmula sucessória que seria a marca da dinastia dos Nerva-Antoninos. Porém, nos bastidores, não se sabe se Trajano pressionou Nerva a adotá-lo ou se esta foi uma decisão voluntária do imperador.
(Denário de Nerva, com a inscrição Concórdia no Exército, provavelmente cunhada para simbolizar o apoio do Exército Romano ao imperador, após a crise com os Pretorianos e a adoção do general Trajano como sucessor)
5- Morte
No primeiro dia do seu quarto consulado, no dia 1º de janeiro de 98 D.C. em uma audiência privada, Nerva sofreu um derrame. A sua saúde frágil certamente sucumbiu à tensão gerada pela revolta dos pretorianos.
Então, ainda no mesmo mês, em 27 de janeiro de 98 D.C, o imperador Nerva faleceu, aos 67 anos de idade, em sua casa situada nos Jardins de Salústio, em Roma, após uma prolongada febre, que surgiu depois do citado derrame. Trajano, o sucessor legal de Nerva, foi comunicado da morte na Germânia, mas, contrariando as expectativas, ele não se deslocou imediatamente para Roma, preferindo assegurar a lealdade das legiões do Reno antes de sua entrada triunfal na capital, o que somente ocorreria no ano seguinte.
CONCLUSÃO
A sucessão pacífica entre Nerva e Trajano seria o paradigma do principado até o fim do reinado do imperador Marco Aurélio (que escolheu como sucessor o próprio filho natural, Cômodo, em 177 D.C, antes de falecer, em 180 D.C), oficialmente deixando de lado o princípio dinástico baseado no nascimento, optando-se pela escolha do homem mais capaz como sucessor. Este pareceu ser um ideal caro à dinastia dos Nerva-Antoninos, apesar de, na realidade, as coisas serem um pouco diferentes: todos os chamados “Imperadores Antoninos” em geral tinham entre si algum laço de parentesco, fosse sanguíneo ou por afinidade, ainda que distante, com os herdeiros que adotaram.
Com efeito, os anos de governo de Nerva até Marco Aurélio seriam os mais prósperos e internamente pacíficos da História de Roma, sendo o período batizado de “Seculum Aureum” (O SÉCULO DE OURO).
Em 22 de março de 235 D.C., o imperador romano Severo Alexandre, encontrava-se na base militar romana de Castrum Moguntiatium (que deu origem à moderna cidade alemã de Mainz, ou Mogúncia, seu nome em português) quando um motim dos soldados da Legião XII Primigenia estourou.
As tropas recusaram-se a obedecer aos apelos do imperador para que combatessem as tropas lideradas pelo general Maximino Trácio, comandante da Legião IV Italica, as quais tinham aclamado Maximino imperador.
Reunidos no centro do Quartel, os soldados começaram a ficar muito agressivos, acusando Severo Alexandre de ser um covarde dominado pela mãe avarenta e comparando-o ao desprezível Elagábalo, seu primo e antecessor no trono.
Os amotinados, ato contínuo, demandaram que os demais soldados abandonassem “o tímido menininho amarrado à barra da saia da mãe“, fazendo com que toda a soldadesca lhe desse as costas, deixando o imperador sozinho no praetorium.
Severo Alexandre, aterrorizado, correu para a tenda de sua mãe, a imperatriz Júlia Maméia (Julia Mammaea), que o acompanhava, como sempre, naquela campanha contra os bárbaros Alamanos.
Tinha sido Júlia Maméia quem havia aconselhado Alexandre a oferecer aos bárbaros uma boa soma em dinheiro para que eles desistissem de guerrear contra os Romanos.
E esse foi justamente o estopim da revolta das legiões , pois os soldados alegavam que isso era uma grande desonra para o Império Romano (talvez eles esperassem que o dinheiro fosse dado a eles como donativo pela vitória).
No interior da tenda da mãe, Severo Alexandre chorou e recriminou a mãe pelos seus infortúnios. Ele sabia que estava acabado. Por isso, quando um grupo de soldados seguiu o imperador e invadiu a tenda de Júlia Maméia, Alexandre, resignadamente, ofereceu o pescoço para que eles o executassem. Ele morreu aos 26 anos de idade e treze de reinado. Na mesma ocasião, os soldados também mataram Júlia.
Marcus Julius Gessius Bassianus Alexianus(Severo Alexandre) nasceu em 1º de outubro de 208 D.C, na cidade de Arca Caesarea , na província romana da Síria Fenícia (atual Arqa, no Líbano), filho de Marcus Julius Gessius Marcianus e de Julia Avita Mammaea (Júlia Maméia).
O pai de Severo Alexandre era um cidadão romano de origem síria que pertencia à classe Equestre, o segundo nível da nobreza romana e parece ter exercido alguns cargos públicos.
Em algum momento depois do ano 200 D.C., Marcus Julius Gessius Marcianus casou-se com Júlia Maméia, que era sobrinha da poderosa imperatriz Júlia Domna, casada com o imperador Septímio Severo. Durante o reinado do marido, Júlia Domna receberia o título de “Mãe dos Quartéis, do Senado e da Pátria“.
(busto de Júlia Maméia)
Júlia Maméia e sua irmã, Júlia Soêmia, eram filhas de Júlia Maesa, irmã da imperatriz Júlia Domna, que por sua vez eram filhas de Julius Bassianus, sumo-sacerdote do Templo do deus Elagábalo (El-Gabal), situado em Emesa (a moderna Homs), na Província da Síria, e integrante da dinastia dos Sempseramidas, que havia séculos governavam a referida cidade, a qual, durante muito tempo, havia sido a próspera capital de um reino-cliente de Roma, até a sua anexação pelo Império Romano.
(Estátua de Júlia Soêmia)
Portanto, a família de Júlia Maméia era riquíssima e, quando o imperador Caracala, filho e sucessor de Septímio Severo morreu, assassinado por ordens de Macrino, sua mãe Júlia Maesa e sua irmã, Júlia Soêmia, valeram-se dessa fortuna e de seu poder e prestígio na importante província da Síria para fomentar a rebelião que em pouco tempo derrubou Macrino.
As tropas da Síria aclamaram o jovem filho de Júlia Soêmia, Elagábalo, de apenas 15 anos de idade, como imperador, em 16 de maio de 218 D.C. Macrino seria derrotado em junho de 218 D.C. e, assim, Elagábalo foi reconhecido imperador pelo Senado.
A mãe do novo imperador, Júlia Soêmia, e a sua tia, Júlia Maesa, foram declaradas “Augustas”. De forma ainda mais surpreendente, as duas seriam, um pouco mais tarde, as primeiras e únicas mulheres a serem admitidas no Senado Romano. E Júlia Maesa ainda receberia o título de “Mãe do Senado”.
O reinado de Elagábalo seria marcado pelos escândalos e pela repulsa que a sua condição de sumo-sacerdote de El-Gabal, a sua aparência andrógina e o seu comportamento desregrado provocaram não apenas na elite senatorial, mas nas próprias tropas.
Em algum momento, Júlia Maesa percebeu que a crescente rejeição a Elagábalo pela sociedade romana, e, sobretudo, pelos militares romanos, colocava em perigo a própria posição da família. Ela também percebeu que os reiterados excessos sexuais dele eram encorajados pelo fervor religioso com que Elagábalo e sua própria filha, Júlia Soêmia, a mãe do imperador, se dedicavam ao culto a El-Gabal.
Júlia Maesa então aproximou-se de sua outra filha, Júlia Maméia, que também tinha um filho, Marcus Julius Gessius Bassianus Alexianus (Severo Alexandre), então com 13 anos de idade, primo do imperador.
A influente Júlia Maesa conseguiu persuadir Elagábalo a nomear o seu primo como seu herdeiro, dando-lhe o título de “César”, passando a adotar o nome de Caesar Marcus Aurelius Alexander, em 221 D.C, Severo Alexandre seria Cônsul junto com Elagábalo. As duas mulheres também devem ter sido as responsáveis por espalhar o boato de que Alexandre seria também filho ilegítimo de Caracala, o que lhe granjearia a simpatia dos soldados.
(estátua de Júlia Maesa)
Contudo, percebendo o entusiasmo que a nomeação de Severo Alexandre provocou nos soldados da Guarda Pretoriana, já muito incomodados com os seus excessos, Elagábalo resolveu anular sua decisão e revogar os títulos concedidos ao seu primo. Contudo, essa decisão fez o público e as tropas se alvoraçarem temendo pela vida do menino.
Os Pretorianos demandaram a presença de Elagábalo e de Severo Alexandre no Castra Pretoria, devido aos rumores de que Alexandre pudesse ter sido assassinado. É possível até que o motim tenha sido instigado por Júlia Maesa e Júlia Maméia. Quando Elagábalo chegou, começou um tumulto que degenerou no assassinato dele e de sua mãe, Júlia Soêmia, que depois tiveram os corpos arrastados pelas ruas, em 11 de março de 222 D.C.
Em 13 de março de 222 D.C., Severo Alexandre foi aclamado oficialmente imperador romano, adotando o nome de Marcus Aurelius Severus Alexander Augustus, nome escolhido para enfatizar a conexão dinástica com Septímio Severo e Caracala.
Como o imperador Severo Alexandre tinha apenas 13 anos de idade, quem de fato detinha as rédeas do poder era sua mãe, Júlia Maméia.
Júlia Maesa e Júlia Maméia tinham testemunhado a catástrofe que a coroação de um imperador muito jovem, completamente despreparado e de comportamento indecoroso, como foi o seu seu sobrinho Elagábalo, representava, não só ao Império, mas, sobretudo, à própria sobrevivência da dinastia dos Severos.
Assim, as duas mulheres, que, naquele momento, eram as governantes de fato do Império Romano procuraram cercar o jovem Severo Alexandre dos mais ilustres e respeitáveis conselheiros, como foi o caso dos juristas Ulpiano, que foi nomeado para o importante cargo de Prefeito Pretoriano, e Paulus, e também do senador e, mais tarde, historiador, Cassius Dio (CássioDião). Vale citar que Júlia Maesa morreria logo em 224 D.C., portanto, Júlia Maméia foi quem deteve ascendência preponderante sobre o filho.
(Busto de Ulpiano)
Graças a esse Conselho de homens notáveis, os primeiros atos do governo de Severo Alexandre visaram a recuperação moral e econômica do governo romano, a melhoria das condições da plebe de Roma e implantar medidas em prol dos soldados.
Foram implementavas ações para diminuir os gastos da Corte, considerada excessivamente luxuosa e extravagante. Talvez daí tenha surgido a fama de avarenta que Júlia Maméia gozou até o fim da sua vida. Uma fonte chegou a narrar que ela teria determinado que os restos dos banquetes no Palácio fossem recolhidos e guardados para serem servidos em outra oportunidade…
O denário foi inicialmente desvalorizado, provavelmente para aumentar a circulação de moeda e ajudar a equilibrar o déficit do Tesouro, mas posteriormente, mediante o aumento do percentual de prata, a moeda foi revalorizada, o que demonstra que houve uma melhoria nas contas públicas. Isso inclusive permitiu que os impostos fossem diminuídos, o que sempre estimula a economia e satisfaz os contribuintes. Esse programa foi completado pela criação de um serviço para emprestar dinheiro a taxas de juros moderadas.
Durante o reinado de Severo Alexandre foi construído o Acqua Alexandrina, o último dos grandes aquedutos que abasteciam a cidade de Roma, em 226 D.C.. E as Termas de Nero, que se encontravam em péssimo estado, foram reconstruídas, passando o complexo a ser conhecido como “Banhos de Alexandre”.
(Um trecho do aqueduto Acqua Alexandrina, foto de Chris 73)
Severo Alexandre também estabeleceu medidas para beneficiar os militares no que se refere aos direitos sucessórios e pecúlios.
Todavia, já no início do reinado, Severo Alexandre sofreu com o problema da crescente indisciplina dos soldados.
Em 223 D.C., os Pretorianos, insatisfeitos com as medidas do Prefeito Pretoriano Ulpiano, a quem eles eram subordinados, assassinaram o famoso jurista na presença do próprio imperador. Ulpiano se tornaria célebre nas faculdades de direito por ter estabelecido o que seriam os preceitos principais do Direito: “Viver honestamente, não causar mal a ninguém e dar a cada um o que é seu” (Juris praecepta sunt haec: honeste vivere, alterum non laedere, suum cuique tribuere)
Aliás, no período da dinastia dos Severos, apesar dos imperadores seguirem estritamente o conselho do seu fundador, Septímio Severo, de “dar dinheiro aos soldados e desprezar todos os outros“, aumentaram muito os episódios de indisciplina e insubordinação, chegando a um ponto que qualquer medida que visasse enrijecer a disciplina ou reduzir os donativos e gratificações, como ocorreu no reinado de Severo Alexandre, desencadeava rebeliões e motins entre a tropa, cuja efetividade em combate, também, parece ter sido comprometida.
Apesar das questões relativas à disciplina dos militares, o reinado de Severo Alexandre vinha tendo relativo sucesso em relação aos reinados anteriores de Elagábalo e Caracala, melhorando a economia e obtendo estabilidade política.
Contudo, eventos externos que ocorreram no reinado de Severo Alexandre, e em relação aos quais ele não teve qualquer responsabilidade, não só causariam problemas que levariam à sua derrubada, mas teriam graves consequências estratégicas, que, futuramente comprometeriam a própria sobrevivência do Império Romano…
O primeiro deles foi a ascensão de Ardashir I (Artaxerxes I), nobre persa da Casa de Sassan, em 227 D.C., derrotando a dinastia dos Arsácidas, que fazia séculos governava o Império dos Partas e instalando a dinastia dos Persas Sassânidas, criando o império do mesmo nome. Os Sassânidas eram, por assim dizer, mas “nacionalistas”, centralizadores e muito mais agressivos militarmente do que os seus antecessores. Ironicamente, o principal motivo para a ascensão dos Sassânidas foram as sucessivas invasões que os romanos promoveram na Mesopotâmia parta durante os reinados de Trajano, Septímio Severo e Caracala, saqueando a capital Ctesifonte.
(Relevo no Irã, retratando Ardashir e o deus Ahura-Mazda)
Em 230 D.C., Ardashir I lançou um ataque contra o sistema defensivo romano na fronteira da Mesopotâmia, sitiando a estratégica fortaleza de Nusaybin (Nísibis), sem, contudo conseguir tomá-la. Em seguida, as tropas persas invadiram as províncias da Síria e da Capadócia.
Os Romanos foram obrigados a reagir militarmente, e o imperador teve que atender aos reclamos dos governadores.
Para lidar com a agressão persa, Severo Alexandre mandou reunir um exército com soldados das legiões espalhadas pelo Império. O historiador Herodiano de Antióquia narra que a medida causou comoção no Império, provavelmente pelo fato de terem sido recrutados soldados em províncias onde há muito não se faziam conscrições, como, por exemplo, a Itália.
Herodiano também relata que Alexandre e sua comitiva integraram a expedição militar, sendo que, no momento da partida, o imperador pôde ser visto chorando e, repetidamente, olhando para trás enquanto deixava Roma.
Chegando no teatro de operações, o imperador ainda tentou apelar para a diplomacia, enviando embaixadores à Ctesifonte. Os embaixadores não foram recebidos, mas Ardashir mandou sua própria embaixada aos Romanos, com as seguintes exigências, segundo o historiador bizantino João Zonaras:
“O Grande Rei Artaxerxes ordena aos romanos que deixem a Síria e toda a Ásia adjacente à Europa e permitam ao Persas governar até o mar“.
Percebe-se, assim, que o objetivo dos Sassânidas era, como se extrai do referido ultimato, restaurar o Império Persa às fronteiras dos gloriosos tempos de Dario e Xerxes, o que implicaria na perda para os Romanos das importantes províncias da Síria, Ásia, Capadócia e Bitínia, entre outras. Logo, a paz obviamente era impossível.
Nessa ocasião, houve mais uma prova de que a disciplina militar do Exército Romano estava seriamente comprometida: Quando as tropas estavam se preparando para cruzar os rios Tigre e Eufrates, para invadir o território persa, vários motins explodiram entre os soldados, especialmente entre os soldados do Egito, e também na Síria, onde as tropas até tentaram proclamar imperador um certo Taurinus, no verão de 232 D.C., porém esta rebelião foi rapidamente debelada.
Os comandantes militares romanos decidiram dividir o exército em três. O primeiro destacamento invadiria ao norte a Armênia para atacar os Medos, súditos dos Sassânidas. O segundo atacaria a Mesopotâmia na confluência dos rios Tigre e Eufrates e o terceiro, sob o comando direto do imperador, atacaria os Persas no centro. Porém, na Armênia, os romanos tiveram muita dificuldade no terreno montanhoso, mas conseguiram chegar ao território dos Medos, devastando-o. Algumas tropas persas tentaram impedir o avanço, mas o terreno desfavorável à cavalaria impediu-os de engajar os Romanos.
Quando Artaxerxes I soube do avanço do segundo destacamento pelo Tigre e Eufrates, atacou aquele exército com suas tropas principais. Os Romanos avançavam sem muita cautela, pois até então não tinham enfrentado qualquer resistência. Assim, eles foram fragorosamente derrotados pelos Persas.
Para piorar, Alexandre foi aconselhado por Júlia Maméia, que acompanhava a comitiva, a não invadir a Pérsia com o seu exército, contribuindo para que as tropas do segundo destacamento fossem cercadas pelos arqueiros montados persas e aniquiladas.
Apesar do fracasso da expedição, os Romanos conseguiram infligir muitas baixas entre os Persas, e dois dos três segmentos da força expedicionária devem ter conseguido sobreviver, o que impediu os Persas de explorarem a vitória na Mesopotâmia.
De volta a Antióquia, Alexandre distribuiu grandes donativos para as tropas e informou ao Senado, em Roma, que ele tinha vencido os Persas. E ao chegar em Roma, em 233 D.C., o imperador ainda chegou a celebrar um Triunfo.
De fato, como nenhuma inscrição ou texto persa relata uma vitória na ocasião, Artaxerxes I deve der ficado decepcionado com o desfecho da guerra, sobretudo porque as fronteiras do Império Romano no Oriente permaneceram inalteradas.
Assim, o conflito pode ser considerado um empate e Artaxerxes I somente voltaria a atacar o território romano em 237 D.C, dois anos após a morte de Severo Alexandre.
O conflito entre o Império Romano e o Império Persa duraria, com alguns intervalos de paz e vitórias e derrotas para ambos os lados, até a vitória final dos Romanos na Batalha de Nínive, em 628 D.C., no reinado do imperador romano-bizantino Heraclius.
O segundo evento que assolaria o reinado de Severo Alexandre foi a aparição nas fronteiras romanas dos rios Reno e Danúbio, da poderosa confederação de tribos germânicas dos Alamanos, que atacaram as fortificações romanas na fronteira e devastaram as cidades das províncias fronteiriças, em 234 D.C., ameaçando a província da Ilíria e, consequentemente, a própria Itália.
Os Germanos, desde o final do século II A.C., vinham mostrando serem capazes de infligir grandes derrotas aos Romanos em batalhas isoladas, porém, os seus sucessos tinham duração efêmera, pois eles estavam organizados em inúmeras tribos pequenas, que não costumavam colaborar entre si, quando não guerreavam umas contra as outras. E, material e taticamente, em geral, os Germanos eram bem inferiores aos Romanos.
Todavia, assim como nós mencionamos acima com relação aos Persas e o Império Parta, foram os próprios Romanos que contribuíram para mudar a correlação de forças entre os Germanos.
Com efeito, de modo crescente, a partir de meados do século I A.C., os Romanos vinham empregando como soldados auxiliares tribos inteiras de Germanos. Muitos desses Germanos passavam 20 anos servindo no Exército Romano. Ao final do período, muitos adquiriam a cidadania romana, mas, ao contrário da maioria de outros povos que também forneciam tropas aos Romanos, muitos deles voltavam para as suas terras na Germânia, trazendo armamentos e táticas do exército romano. Com o tempo, os Germanos, que já eram tradicionalmente um povo de índole guerreira, foram adquirindo o conhecimento das táticas romanas e reunindo um grande arsenal de armas romanas, aprendendo também técnicas para o seu fabrico.
A partir do século II D.C, começou a se observar que os chefes militares germânicos, muitos, provavelmente, egressos do Exército Romano, foram dominando as tribos vizinhas, que começaram a se aglutinar em forma de confederações de tribos.
Os achados arqueológicos, notadamente os provenientes de enterros em pântanos de turfa, mostram que, na virada do século II para o século III D.C., os bandos de guerreiros germânicos já demonstravam um grau de especialização (cavalaria, infantaria e arqueiros) e dispunham de espadas, elmos, armaduras (ao menos os chefes) e lanças que não ficavam a dever a dos Romanos, ou até mesmo eram de fabricação romana. Por sua vez, a nobreza germânica consumia produtos de origem romana e entesourava moedas de ouro romanas. Parece, neste particular, que os Romanos incentivaram a formação de verdadeiros reinos-clientes entre os Germanos.
Feita essa pausa digressiva, com a invasão dos Alamanos, mais uma vez, Severo Alexandre foi obrigado a se deslocar para o front de batalha. As tropas, cuja disciplina, como vimos, era problemática, estavam reclamando, especialmente as oriundas das províncias atacadas, pelo fato de Severo Alexandre tê-las feito lutar a campanha na Pérsia, o que, no entender deles, provavelmente deve ter facilitado o ataque dos bárbaros germânicos.
Em Mogúncia, base das operações contra os Alamanos, Severo Alexandre, novamente, foi aconselhado por sua mãe a tentar conter a ameaça militar com a diplomacia. Nesse particular, não havia nada de absurdo naquele conselho, pois, há muito tempo, os Romanos costumavam pagar dinheiro aos Germanos para que estes ficassem sossegados e não atacassem o Império.
Não obstante, os militares tinham se acostumado com anos de condescendência, fraqueza e de mão-aberta dos imperadores em relação às suas demandas, e a insatisfação deles ao que parece, foi agravada pelos vexames de Elagábalo e pela falta de aptidão militar de Severo Alexandre, que, para piorar, parece que não era mesmo muito generoso nos donativos, em decorrência da sua política de austeridade fiscal, a qual era atribuída à mãe do imperador.
MaximinoTrácio
Assim, quando eles souberam que Severo Alexandre, seguindo as instruções de Júlia Maméia, estava disposto a dar dinheiro aos bárbaros Alamanos, as legiões aclamaram imperador o comandante da Legião IV Italica, Gaius Julius Verus Maximinus (MaximinoTrácio).
Maximino era um Trácio da Moesia que quando criança trabalhara como pastor, mas, após entrar no exército romano, foi galgando postos, destacando-se nas batalhas devido a sua incrível força física. Há relatos de que ele teria cerca de 2m 40cm de altura e, de fato, as suas estátuas apresentam caracteristicas físicas de acromegalia. Ironicamente, ele havia sido promovido a comandante pelo próprio Severo Alexandre.
Entretanto, não podia ser maior o contraste entre a figura frágil do imperador e a virilidade castrense de Maximino, que parecia aos soldados muito mais adequada para comandar o Exército naqueles tempos belicosos.
Assim, no dia 19 de março de 235 D.C, quando se avistou a coluna de poeira deslocada pelas legiões que aclamaram Maximino, que se aproximavam do quartel-general em Mogúncia, só restou a Severo Alexandre apelar, sem sucesso, à lealdade dos soldados da Legião XII Primigenia, que logo matariam ele e sua mãe. Era o fim da dinastia dos Severos, que governava Roma, com o breve intervalo de Macrino, desde 193 D.C.
Após saberem da execução de Severo Alexandre e Júlia Maméia, a Guarda Pretoriana também aclamou Maximino imperador e o Senado, constrangido, confirmou o nome dele, apesar dos senadores o considerarem pouco mais do que um camponês bárbaro.
Maximino, sem deixar a Germânia, partiu para enfrentar os Alamanos, os quais conseguiu derrotar, apesar do exército sofrer pesadas baixas, no território romano dos Agri Decumates.
O reinado de Maximino marcaria o início da chamada “Crise do Século III“, o período de grande instabilidade verificado entre 235 e 284 D.C quando 30 imperadores ocuparam o trono em 49 anos, ou seja, uma média de apenas 18 meses de reinado por imperador. Nesse período, vários imperadores foram assassinados, dois mortos no campo de batalha e um deles capturado vivo pelos Persas. Para se ter uma comparação, entre os reinados de Augusto e de Severo Alexandre, foram 28 imperadores para um período de 266 anos, com uma média de 9 anos e seis meses para cada reinado…
No ano de 238 D.C., ano que Maximino foi assassinado, houve cinco imperadores diferentes no trono, motivo pelo qual ficaria conhecido como “O Ano dos Cinco Imperadores“. E, em um futuro próximo, durante um bom período, a Gália e a Síria ficariam independentes, fazendo parte dos chamados “Império Gaulês” e “Império de Palmira“.
O principal motivo de tudo isso foi a duradoura incapacidade de Roma lidar com pesadelo estratégico da guerra em dois fronts naquele período. Embora haja também causas econômicas (especialmente déficit público causado pelos gastos militares e déficit comercial com a China) e demográficas (diminuição da população notadamente por epidemias).
Para terminar nossa narrativa, é interessante citar, com a devida cautela quanto à veracidade do relato, da frequentemente imprecisa HistóriaAugusta, e também do historiador cristão Eusébio, ambos os textos datando provavelmente do reinado do imperador Constantino, oGrande, as passagens abaixo, que afirmam que Severo Alexandre era simpático ao Cristianismo.
Segundo Eusébio, no período que passaram em Antióquia, Júlia Maméia, que era muito religiosa, mandou Severo Alexandre estudar com o afamado teólogo cristão Orígenes.
Já a História Augusta (Lampridius) relata que Severo Alexandre colocou em seu “lararium” (oratório doméstico) imagens do patriarca Abraão e de Jesus Cristo, entre outros místicos famosos, como Apolônio de Tiana.
Ainda segundo a HistóriaAugusta, Severo Alexandre chegou a pensar em erguer um Templo em honra a Cristo em Roma e teria mandado gravar no Palácio dos Césares “as famosas palavras de Cristo”:
“Não faças aos outros o que não gostarias que fizessem contigo.”
Nascido em 24 de setembro de 15 D.C.,Aulus Vitelius (o imperadorromano Vitélio) era filho de Lucius Vitelius ede Sextilia. O avô dele, Publius Vitelius, teria sido agente financeiro do imperador Augusto e era membro da classe Equestre.
Lucius Vitelius era amigo de Antônia, a Jovem, a influente mãe do imperador Cláudio e também era íntimo deste último. Graças a esses vínculos, ele foi nomeado para o importante posto de governador da Síria e, nesta função, foi o responsável por demitir Pôncio Pilatos do cargo de Procurador da Judéia. Além disso tudo, o pai de Vitélio também foi Cônsul por três vezes, em 34, 43 e 47 D.C.
De acordo como o relato do historiador romano Suetônio,Vitélio passou a sua mocidade na majestosa Villa Jovis de Tibério, em Capri, e teria sido uma das muitas crianças que teriam sido usadas como objetos sexuais no comportamento depravado que marcou a velhice do referido imperador naquela ilha.
Por volta do ano 40 D.C.,Vitélio casou-se com Petronia, possivelmente filha do Cônsul do ano de 37 D.C., Caio Petrônio Pôncio Nigrino. Eles tiveram um filho, Aulo Vitélio Petroniano, que, de acordo com Suetônio, era cego de um olho. Ainda de acordo com esse historiador, o rapaz somente poderia herdar a fortuna da mãe caso ele fosse emancipado pelo pai. Por isso, Vitélio teria emancipado o rapaz, mas, pouco tempo depois, aquele morreu envenenado, segundo Suetônio após ele beber um veneno que o próprio pai teria preparado para envenená-lo, para por as mãos na herança do filho.
Anos mais tarde, Vitélio casou-se novamente, com Galeria Faudana, filha de um ex-Pretor, que lhe deu um casal de filhos, Aulo Vitélio Germânico, que era surdo-mudo, e Vitélia.
Graças à posição do pai, Vitélio, ocupou vários cargos no serviço público, culminando com sua indicação para o consulado de 48 D.C. Depois, aproximadamente por volta do ano de 61 D.C, já no reinado do imperador Nero, Vitélio foi nomeado Procônsul (Governador) da província da África.
Apesar dele não ter qualquer experiência ou aptidão militar, Vitélio, para a surpresa geral, foi nomeado pelo sucessor de Nero, o imperador Galba, como comandante das legiões da Germânia Inferior.
Segundo Suetônio, essa indicação teria sido conseguida através de Titus Vinius, principal conselheiro de Galba, de quem Vitélio ficara amigo em virtude do prosaico motivo de ambos torcerem pela facção dos Azuis, uma das quatro que dividiam os torcedores das corridas de quadrigas, no Circo Máximo, em Roma…
Outro motivo da indicação de Vitélio para tão importante comando militar, ainda segundo Suetônio, foi o fato dele ser um notório glutão e bon-vivant, e, portanto, ser considerado como um político incapaz de ameaçar Galba…
Porém, algo que o notório temperamento severo e inflexível de Galba não conseguiu perceber, é que as tropas da Germânia estavam muito descontentes pelo fato delas não terem recebido os donativos esperados quando da subida dele ao trono imperial, em recompensa por terem derrotado as legiões de Julius Vindex, cuja revolta desencadeara a sucessão de eventos que levou à derrubada de Nero.
Assim, as credenciais de Vitélio, tendo em vista o seu “pedigree” de filho de um senador que ocupara o consulado por 3 vezes e, ele mesmo, já ter sido Cônsul, não eram de se desprezar como pretendente ao trono, e, quando ele chegou, em novembro de 68 D.C, à Germânia, legiões estacionadas na província não demoraram em aclamá-lo como novo imperador, em 2 de janeiro de 69 D.C.
O fato é que, ainda que ele não tivesse aderido voluntariamente à revolta, o comportamento de Vitélio não contribuiu nada para a disciplina das legiões. Suetônio conta que durante a marcha para assumir o comando na Germânia, Vitélio chegou até a beijar no rosto os legionários que encontrava pelo caminho. E, ao chegar na província, ele mandou soltar todos os soldados que estavam presos por qualquer motivo.
Após a aclamarem Vitélio imperador, as legiões do Reno, sob o comando dos generais Cecina e Valente, marcharam em direção à Roma. Quando elas estavam a 150 milhas da capital, os comandantes receberam a notícia de que Galba tinha sido assassinado, e que, agora, Marcus Salvius Otho(Otão) era o novo imperador. Não obstante, o exército de Vitélio resolveu continuar avançando, cruzando os Alpes em março de 69 D.C.
Embora as legiões do Danúbio tivessem se declarado a favor de Otão, o que tornava o somatório das tropas disponíveis favorável ao novo imperador, aquelas estavam bem mais distantes da Capital. Sabendo disso, Cecina e Valente ordenaram a construção de uma ponte sobre o Rio Pó e cruzaram para a outra margem, continuando a marcha para Roma.
Como resultado do rápido avanço de Cecina e Valente, o exército de Otão foi obrigado a dar combate às legiões de Vitélio, em uma situação de inferioridade numérica, sendo derrotado em Cremona, no dia 16 de abril de 69 D.C. Quando a derrota do exército imperial ficou evidente, Otão, como mandava o antigo costume romano, cometeu suicídio.
Vitélio, ao receber a notícia da vitória de suas tropas, partiu para a Roma comportando-se já como se fosse o novo imperador, e a sua viagem até a capital foi uma sucessão de banquetes comemorativos. Afinal, as tropas de Otão aclamaram Vitélio e tudo parecia indicar que a sucessão não seria contestada.
Porém, o comportamento de Vitélio, ao mesmo tempo soberbo e desregrado, não granjeou simpatias entre o povo romano. Aliás, consta que, durante o seu breve reinado, ele, um notório glutão, costumava se banquetear quatro vezes por dia. Sintomaticamente, as estátuas de Vitélio que sobreviveram até os nossos dias são a de um homem bem obeso, apesar de, tradicionalmente, os escultores sempre tentarem melhorar a aparência dos poderosos representados em suas obras…
Sobre o imenso apetite de Vitélio, descreve Suetônio:
“Ele fazia suas refeições três, às vezes quatro vezes ao dia, café-da-manhã, almoço, jantar e um coquetel, e ele era prontamente capaz dar conta de tudo isso mediante o seu hábito de tomar eméticos (remédio para vomitar). Além disso, ele era convidado para cada uma dessas refeições várias vezes, por diferentes pessoas, no mesmo dia, e os ingredientes para cada uma delas nunca custavam menos do que quatrocentos mil sestércios! A mais famosa de todas essas foi o jantar dado pelo seu irmão para celebrar a chegada do imperador à Roma, no qual, conta-se, que dois mil peixes, escolhidos entre os melhores, e sete mil aves, foram servidos. Ele mesmo eclipsou até mesmo isso na consagração de uma bandeja, que, devido ao seu enorme tamanho, ele chamou de “Escudo de Minerva, Defensora da Cidade”. Nessa bandeja, ele misturou fígados de lúcios (espécie de peixe), miolos de faisões e pavões, línguas de flamingos e esperma de lampréias, trazidos por seus capitães e navios de guerra de todas as partes do Império, da Pártia ao Estreito de Gibraltar. Sendo, ademais, um homem de um apetite que era não apenas ilimitado, mas também inoportuno e indecente, ele não podia evitar, mesmo quando estava fazendo sacrifícios religiosos ou viajando, de surrupiar pedaços de carne ou de bolos em meio aos altares, praticamente do próprio fogo, e devorá-los no local, ou dos restaurantes ao longo da estrada, das viandas fumegantes ou até mesmo aquelas que tinham sobrado do dia anterior e estavam parcialmente consumidas.
Todavia, em julho de 69 D.C., os exércitos do Oriente aclamaram como imperador o respeitado general Vespasiano, que comandava a campanha contra a Revolta dos Judeus. A situação de Vitélio piorou quando as legiões da Panônia, sob o comando de Antonius Primus, e da Ilíria, sob o comando de Cornelius Fuscus, declararam-se a favor de Vespasiano e marcharam para invadir a Itália. O efetivo destes dois exércitos rebeldes compreendia 5 legiões, metade das tropas leais a Vitélio.
Novamente, o encontro das tropas a favor e contra o imperador se deu em Cremona, em 24 de outubro de 69 D.C., terminando com a derrota do exército de Vitélio. Ele ainda mandou tropas para tentar guardar as passagens pelos Apeninos, mas essas também desertaram em favor de Vespasiano.
Desesperado, Vitélio tentou abdicar, com o objetivo de poupar a sua vida e a de sua família e propor um acordo com Vespasiano, mas os seus partidários o persuadiram a continuar no cargo. Em decorrência, o irmão de Vespasiano, o Prefeito Tito Flávio Sabino, que tinha tentado tomar o controle de Roma, foi repelido, e morto pelos guardas de Vitélio. Nesta refrega, o reverenciado Templo de Jupiter Optimus Maximus, na colina do Capitólio, onde Sabino tinha se refugiado, acabou incendiado.
Dias depois, a vanguarda do exército de Antonius Primus chegou à Roma, sem encontrar nenhuma oposição. Os últimos soldados leais à Vitélio tinham desertado.
Estava tudo acabado, Vitélio ainda tentou se esconder no Palácio deserto, disfarçando-se com roupas humildes e colocando mobília para bloquear a porta do seu quarto, mas ele rapidamente foi descoberto pelos soldados do Danúbio, conduzido seminu, em meio aos insultos da plebe, torturado, nas Escadarias Gemônias, e morto, tendo o corpo arrastado até o rio Tibre, no dia 22 de dezembro de 69 D.C.
Vitélio reinou por oito meses e morreu aos 54 anos de idade. Ele foi o primeiro imperador romano oriundo da classe equestre, pois quando ele nasceu o seu pai ainda não tinha ingressado no Senado.
O filho de Vitélio, Aulo Vitélio Germânico, foi assassinado no mesmo dia que o pai, mas a filha, Vitélia, sobreviveu e depois teve o auxílio de Vespasiano para arrumar um bom casamento.